Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00398/15.6BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/23/2019
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Helena Canelas
Descritores:SUBSÍDIO DE DESEMPREGO; APOIO PARA CRIAÇÃO DO PRÓPRIO EMPREGO; ORDEM DE REPOSIÇÃO; INCUMPRIMENTO INJUSTIFICADO
Sumário:
I – O pressuposto normativo contido no artigo 34º nº 4 do DL. nº 220/2006 (na redação do DL. nº 64/2012) para que possa ser revogado o apoio concedido e determinada a restituição das prestações recebidas é o «incumprimento injustificado» do projeto de criação do próprio emprego.
II – A entidade administrativa competente apenas se encontrará legitimada para determinar a reposição do montante global das prestações por desemprego que pagou antecipadamente, por uma só vez, ao abrigo de projeto de criação do próprio emprego, se o beneficiário não cumpriu as obrigações a que se encontrava sujeito no âmbito do projeto, e desde que esse não cumprimento seja injustificado.
III – Se era pressuposto da atuação da entidade administrativa o que de o incumprimento da obrigação em causa por parte do beneficiário era injustificado, recaía sobre ela demonstrar a verificação desse pressuposto.
IV – Se o fundamento em que a decisão administrativa assentou para determinar ao beneficiário a reposição do montante das prestações por desemprego que este havia integralmente recebido, por uma só vez, foi a do encerramento da atividade da sociedade antes de decorrido o período mínimo de 3 anos após a concessão do apoio, impunha-se que a entidade administrativa tivesse contemporaneamente concluído que o incumprimento dessa obrigação (de manutenção da atividade daquela sociedade por aquele período) era imputável ao beneficiário e não se encontrava justificado. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.
Recorrido 1:AAPS
Votação:Maioria
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso dever merecer provimento com revogação da sentença recorrida
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., réu na ação administrativa especial que contra si foi instaurada em 30/04/2015 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu por AAPS (devidamente identificado nos autos) – na qual impugnou o despacho que determinou a reposição do montante da prestação única recebida a título de prestações de desemprego, cuja anulação peticionou – inconformado com a sentença datada de 30/10/2017 do Tribunal a quo que julgando procedente a ação anulou o ato administrativo impugnado, dela interpôs o presente recurso de apelação, pugnando pela revogação da sentença recorrida, com improcedência da ação e manutenção do ato impugnado, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
- O Projeto de criação do próprio emprego - submetido à apreciação e aprovação do Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. (IEFP, I.P.), e que veio a fundamentar a concessão ao Autor do benefício de pagamento global, por uma só vez, das prestações de subsídio de desemprego – previa que o beneficiário se comprometia e assumia a obrigação de criar o próprio posto de trabalho através de investimento a realizar na sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda. (com o NIPC 5xxx35). E assim, comprometendo-se a utiliza o valor que lhe foi pago a título de montante único das prestações de subsídio de desemprego para adquirir parte do capital social da referida sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda.. Factos que foram julgados como provados pelo Tribunal a quo – cfr. pontos 9), 10) e 11) do elenco dos factos provados.
- O Autor nunca deu cumprimento a tal desiderato, pois que, nunca o Autor teve a qualidade de sócio da sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda.. Facto que também foi julgado como provado pelo Tribunal a quo – cfr. ponto 12) do elenco dos factos provados.
- A responsabilidade do Autor pelo incumprimento do projeto de criação do próprio emprego, a que se vinculou de forma voluntária e que fundamentou o deferimento do benefício de pagamento global, por uma só vez, das prestações de subsídio de desemprego, está desde logo no comportamento de entrega da totalidade do valor auferido a esse título à sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda. sem qualquer formalização da aquisição da parte do capital social a que se propôs. Sendo certo que tal comportamento apenas ao Autor pode ser imputado.
- Ao Autor era exigível que se abstivesse de entregar os fundos públicos que lhe haviam sido pagos a título de montante único de prestações de subsídio de desemprego sem que houvesse formalização do que se encontrava previsto, pelo próprio Autor, no projeto de criação do próprio emprego apresentado à análise e aprovação da Administração.
- Era obrigação do Autor ter actuado por forma a formalizar a aquisição do capital social da sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda. e, consequentemente, era sua obrigação actuar de forma a afastar qualquer oposição a essa aquisição. Na verdade, só ao Autor era reconhecida a legitimidade para actuar, nomeadamente judicialmente, por forma a afastar essa oposição.
- Desde o momento em que o Autor entregou o montante recebido a título de montante global das prestações de subsídio de desemprego à sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda. – 10/08/2011 (cfr. ponto 19) do elenco dos factos provados) – e o momento em que foi declarada a insolvência daquela sociedade – 22/10/2012 (cfr. ponto 14) do elenco dos factos provados) – mediou mais de 1 (um) ano. Tempo esse que se reputa razoável e suficiente para que alguém que actuasse diligentemente pudesse tomar as medidas necessárias e adequadas a fazer cumprir o acordo que havia firmado com os responsáveis da sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda., e assim, fazer cumprir o projeto de criação do próprio emprego a que se havia vinculado e a que se destinava o valor auferido.
- O comportamento do Autor de entrega do montante auferido a título de prestações de subsídio de desemprego a terceiros sem garantir a formalização da sua entrada no capital social da sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda. é um comportamento só a si imputável e que revela, da sua parte, culpa na afetação de tal montante a fim diverso do que se encontrava previsto no projeto de criação do próprio emprego aprovado pela Administração, em suma, que revela culpa do Autor na má gestão que veio a ser feita de tal valor.
- A circunstância do Autor ter constituído a sociedade PM - Unipessoal, Lda., só por si e de que não foi dado qualquer conhecimento aos serviços da Administração Pública com competência para aprovação do projeto de criação do próprio emprego apresentado pelo Autor e, consequente, deferimento do pagamento global, por uma só vez, das prestações de subsídio de desemprego, não pode servir como justificação ao incumprimento verificado.
- O que prevê o legislador – e que resulta claro da conjugação do disposto nos artigos 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11, da Portaria n.º 985/2009, de 04/09 e do Despacho do Senhor Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional n.º 7131/2011, publicado no DR n.º 91, 2.ª Série de 11/05/2011 – é que o benefício do pagamento global, por uma só vez, das prestações de subsídio de desemprego só pode ser concedido para apoio à execução de projeto de criação do próprio emprego que, previamente, foi colocado à apreciação e aprovação do IEFP, I.P..
10ª- Daí que, o n.º 4 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11 faça depender a revogação do apoio concedido e a restituição dos montantes pagos a título de montante único de prestações de subsídio de desemprego do incumprimento das obrigações decorrentes da aprovação do projeto de criação do próprio emprego e ainda da aplicação desses valores para fim diferente daquele a que se destinam.
11ª- O benefício concedido ao Autor de pagamento global, por uma só vez, das prestações de subsídio de desemprego não foi concedido para apoiar a constituição e a atividade da sociedade PM - Unipessoal, Lda..
12ª- Mais, o Autor não apresentou qualquer pedido de alteração ao projeto de criação do próprio emprego que havia sido aprovado de forma a aí incluir a atividade a desenvolver através da sociedade PM - Unipessoal, Lda.. E assim, não dando aos serviços competentes, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11, na Portaria n.º 985/2009, de 04/09 e no Despacho do Senhor Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional n.º 7131/2011, a oportunidade de avaliarem a legalidade e justeza de tal alteração.
13ª- Se o legislador faz depender a concessão do benefício do pagamento global, por uma só vez, das prestações de subsídio de desemprego da aprovação pelo IEFP, I.P. de um projeto de criação do próprio emprego, também qualquer alteração à execução de tal projeto deverá se colocada à apreciação dessa entidade e por ela terá de ser sancionada.
14ª- Outra leitura da Lei não faria sentido, na medida em que, abriria a porta para que os particulares possam, sem qualquer controlo, aplicar as prestações pagas a fins diversos dos aprovados pelo IEFP, I.P. e, inevitavelmente, a projetos que aquela entidade não considerou elegíveis para tal benefício e aos quais não reconheceu viabilidade económica como exigem os artigos 6.º a 8.º da Portaria n.º 985/2009, de 04/09.
15ª- Termos em que, a constituição da sociedade PM - Unipessoal, Lda. e a atividade desenvolvida com esta sociedade não pode ser entendida como justificação para o incumprimento por parte do Autor dos termos do projeto de criação do próprio emprego que havia sido aprovado pelo IEFP, I.P. e que fundamentou o deferimento do pagamento global, por uma só vez, das prestações de subsídio de desemprego.
16ª- A sentença recorrida violou as disposições dos artigos 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11, a Portaria n.º 985/2009, de 04/09 e o Despacho do Senhor Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional n.º 7131/2011, publicado no DR n.º 91, 2.ª Série de 11/05/2011.
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O recorrido contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso, formulando a final o seguinte quadro conclusivo:
1- A Douta Sentença Recorrida, não merece reparo ou censura no que, ao acervo factual dado como provado, subsunção jurídica realizada e ao aresto decisório, concerne.
2- A convicção do Tribunal Recorrido resultou, pois, da valorização que fez da audição dos depoimentos das testemunhas em audiência, da prova documental constante dos autos e do processo Administrativo, que assertivamente subsumiu ao quadro normativo vigente.
3- O Tribunal a quo não teve qualquer dúvida em considerar que o incumprimento do projeto não decorre de culpa do autor, não lhe podendo ser imputado o incumprimento do contrato.
4- O Réu/Apelante, não coloca em causa, que efetivamente o Autor entregou tais quantias à sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda. e muito menos sócio maioritário ANC, decidiu encerrar a atividade da empresa em 31 de Maio de 2012. (Cfr. ponto l4) dos factos)
5- Não colocando igualmente em crise, que a sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda. veio a ser declarada insolvente, por sentença proferida em 22/10/2012, no âmbito do Processo n.° 3471/12.9TJCBR do extinto 3.° Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra (cfr. ponto 14) da materialidade dada como provada).
6- A prova produzida em audiência de julgamento, em concreto a extraída do depoimento da testemunha JL, foi absolutamente transparente ao demonstrar que o Autor/Apelado injectou todo o dinheiro que recebeu a título de prestação única de desemprego na CFS, Lda. e que, ainda assim, o AC, nas vestes de sócio maioritário e gerente da mencionada empresa, ao invés, do acordado, "nunca lhe deu sociedade" e que aquele nenhuma influência ou domínio de facto ter do encerramento da sociedade CFS, Lda.
7- Ademais, todas as decisões respeitantes ao destino da CFS, Lda. eram em exclusivo, tomadas pelo Sr. AC, que decidiu, uma vez liquidadas as suas responsabilidades pessoais, encerrar a empresa, com a consequente declaração de insolvência da mesma.
8- O Autor constituiu em 04-06-2012 a empresa PM - Unipessoal, Lda. tendo transferido alguns postos de trabalho da CFS, de modo a sucedeu à atividade da CFS - Serviços de Catering, Lda., assegurando perante os clientes as responsabilidades no cumprimento dos contratos de fornecimento até então assumidas, (Vide pontos 21), 22) e 23) dos factos provados).
9- Com o descrito comportamento o Autor manteve o seu posto de trabalho e de outros trabalhadores da. CFS, evitando o seu despedimento e não onerando o erário público, com pagamento de subsídios, fomentando por esta via, o crescimento económico e emprego, além de que, assumiu as responsabilidades desta, numa linha de continuidade da sua actividade
10- O qual não pode ser dissociado do empenho que sempre pautou a actuação do Autor/Apelado, que mesmo diante a recusa do sócio e administrador da CFS em ceder-lhe a participação acordada, o encerramento da empresa e a sua declaração de insolvência.
11- A entrega do montante recebido à sociedade CFS, não foi fim diverso do que se encontrava previsto no projeto de criação do próprio emprego aprovado pela Administração, pois foi efetivamente entregue tal corno provado e não impugnado pelo Apelante, à CFS.
12- O que sucedeu é que o Sr. AC, não cedeu ao Autor a participação que haviam acordado, muito embora, a sociedade tenha embolsado o montante recebidos e outros mais que o Autor lhe entregou.
13- O Autor/Apelado ingressou na sociedade, ai desempenhando inúmeras funções, criou o seu posto de trabalho, que manteve até ao encerramento deliberado unilateralmente pelo Sr. AC.
14- O encerramento da empresa CFS - Serviços de Catering, Lda não tem origem ou sequer decorre de qualquer conduta do Autor, pelo que não lhe pode ser imputado o incumprimento contratual do projeto de criação do próprio emprego.
15- Seguindo muito de perto o exarado na sentença recorrida e louvando-nos do Ac. do TCA-Sul de 24/11/2016, "se o incumprimento do dever imposto tiver uma Justificação aceitável, não haverá lugar às consequências negativas ali previstas, designadamente a restituição da verba recebida."
16- O disposto no artigo 34°, n.° 4, pressupõe uma certa margem de livre apreciação administrativa para concretização de conceitos indeterminados, aqui se compreendendo o segmento (aceitável), como sendo sindicável em sede judicial.
17- Desponta da materialidade dada como provada nos pontos 13), 14), 15), 19), 20), 21), 22) e 23), em conjugação com toda a prova produzida e constante dos autos, que o incumprimento do projeto não decorre de culpa do autor, não lhe podendo ser imputado o incumprimento do contrato, que sempre se terá por aceitavelmente justificado.
18- O que determina, a anulação da decisão de restituição do montante recebido, por violar gritantemente o princípio da proporcionalidade da justiça.
19- Assim, não foram violados quaisquer preceitos legais.
20- Devendo, nessa conformidade ser mantida, na íntegra a Sentença Recorrida e julgado improcedente e não provado o presente recurso com as legais consequências
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Remetidos os autos a este Tribunal, em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu Parecer no sentido de o recurso dever merecer provimento, com revogação da sentença recorrida, pelos seguintes fundamentos:
«(…)
Resulta do probatório que o recorrido comprometeu-se a, em execução do projecto de criação do próprio emprego por ele subscrito, utilizar o benefício que para o efeito lhe veio a ser concedido, de pagamento global das prestações de desemprego, para adquirir a titularidade de parte do capital social da sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda.
Todavia, como resulta da certidão comercial da referida sociedade o recorrido não teve a qualidade de sócio da referida sociedade.
A responsabilidade do recorrido pelo incumprimento do projecto de criação do próprio emprego, a que se vinculou de forma voluntária, terá de lhe ser assacada, já que procedeu à entrega da totalidade do valor auferido a esse título à sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda, sem previamente cuidar da formalização da aquisição da parte do capital social a que se propôs.
Com efeito, o recorrido deveria ter actuado de forma a garantir que os fundos públicos que recebera teriam de ser alocados à criação do próprio emprego. Ora, não tendo o recorrido criado o seu próprio emprego, obviamente que não foi cumprido um dos requisitos da atribuição do beneficio concedido.
Por outro lado, não acolhemos a argumentação da sentença recorrida, quando afirma que, "...relevantemente, resulta provado que o Autor montou após o encerramento da CFS — Serviços de Catering Lda., numa atitude proactiva e de criação empresarial, assumindo através da empresa por si constituída PM Unipessoal, Lda, os postos de trabalho da sua anterior entidade patronal e as responsabilidades perante fornecedores e clientes desta empresa, evitando o despedimento daqueles trabalhadores não encarecendo o erário público, com pagamento de subsídios e criando crescimento económico e devendo manter-se o beneficio do apoio que lhe foi concedido".
Na verdade, a constituição desta sociedade não pode ser entendida como justificação para o incumprimento por parte do recorrido dos termos do projecto de criação do próprio emprego que havia sido aprovado pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. e que fundamentou o deferimento do pagamento global, por uma só vez, das prestações de subsídio de desemprego. Tanto mais que o recorrido não apresentou perante o IEFP qualquer projecto de alteração ao já aprovado, pelo que a criação desta nova sociedade não poderá justificar o incumprimento contratual ocorrido.
Pelo exposto, deverá ser revogada a sentença, concedendo-se provimento ao recurso.
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Após redistribuição (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA Norte) foram os autos submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, a questão essencial a decidir é a de saber se o Tribunal a quo ao julgar procedente a ação, anulando o ato administrativo impugnado, incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação da lei, com violação do artigo 34º nº 4 do DL. nº 220/2006, de 3 de novembro, da Portaria n.º 985/2009, de 4 de setembro e do Despacho do Senhor Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional n.º 7131/2011, publicado no DR n.º 91, 2.ª Série de 11/05/2011, em termos que, ao invés do decidido, a ação devia ter sido julgada improcedente e mantido o ato administrativo impugnado.
III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis na sentença recorrida:
1) Por Ofício n.º 107365, expedido em 27/10/2010, e na sequência da sua inscrição no Centro de Emprego de Viseu, foi o aqui Autor notificado pelos serviços do Réu de que lhe havia sido atribuído subsídio de desemprego (cfr. fls. 1 a 3 do Processo Administrativo – PA).
2) Posteriormente, e ao abrigo daquelas que são as medidas ativas de reparação da situação de desemprego e incentivo à criação do próprio emprego – consagradas no Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11 (com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.ºs 72/2010, de 18/06, 64/2012, de 15/03 e 13/2013, de 25/01), na Portaria n.º 985/2009, de 04/09 (com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 58/2011, de 28/01) e no Despacho do Senhor Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional n.º 7131/2011, publicado no DR n.º 91, 2.ª Série de 11/05/2011) – requereu o beneficiário da segurança social n.º 11150749100, AAPS, aqui Autor, a concessão do benefício do pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego (cfr. arts. 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11; 1.º, n.º 2 alínea c), 2.º alínea c) e 12.º da Portaria n.º 985/2009, de 04/09).
3) Benefício esse, que lhe veio a ser deferido através do Ofício n.º 073905, expedido em 09/08/2011 (cfr. fls. 25 do PA).
4) E assim, porque aos serviços do Réu foi remetido, em 02/08/2011, pelos competentes serviços do Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P., Projeto de criação do próprio emprego apresentado pelo aqui Autor, que mereceu o parecer favorável daquele Instituto do Emprego e Formação Profissional (cfr. fls. 4 a 24 do PA).
5) Projeto esse, que incluía requerimento do aqui Autor, pedindo a concessão do benefício de pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego que lhe haviam sido atribuídas em 27/10/2010 (cfr. fls. 5 do PA).
6) Todos os referidos documentos – Projeto de criação do próprio emprego e requerimento de pagamento do montante global das prestações de desemprego – se encontram assinados pelo próprio beneficiário: AAPS (cfr. fls. 5, 11 e 23 do PA).
7) Sendo a assinatura que consta de tais documentos que compõem o Projeto de criação do próprio emprego (a fls. 5, 11 e 23 do PA), perfeitamente coincidente com a assinatura que consta dos requerimentos que, no âmbito do procedimento administrativo tendente à prática do ato impugnado nos presentes autos, dirigiu o beneficiário aos serviços do Réu (cfr. fls. 28, 43 e 44 do PA).
8) Ao assinar os referidos documentos o aqui Autor assumiu todas as obrigações decorrentes da apresentação e posterior aprovação do referido Projeto.
9) Resulta do Projeto de criação do próprio emprego - submetido à apreciação e aprovação do Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P., e que veio a fundamentar a concessão ao Autor do benefício do pagamento global das prestações de desemprego - que o beneficiário se comprometia e assumia a obrigação de criar o próprio posto de trabalho através de investimento a realizar na sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda. (com o NIPC 5xxx35).
10) Escreveu o aqui Autor, na candidatura apresentada, concretamente, no seu ponto 3 respeitante à descrição dos “OBJECTIVOS DO PROJECTO(cfr. fls. 12 do PA), o seguinte:
- “Criar o meu próprio emprego, uma vez que estou numa idade em que ainda me sinto capaz de desempenhar e desenvolver todos os conhecimentos que adquiri ao longo dos meus anos de trabalho, concretamente na área comercial.
Pretendo investir na Empresa CFS, Lda, porque vejo nesta Empresa um projecto aliciante, a qual poderá tirar todo o proveito do meu Know-How adquirido nos vários anos de actividade no sector alimentar.
O valor de Prestações de Desemprego a que tenho direito, (Janeiro) provisiono um saldo de cerca de 28.273,92 euros, valor esse que o irei aplicar na sua totalidade na empresa, a título de capital social. O capital social da empresa neste momento é de 150.000 euros, pretendendo-se aumentar para 188.000 euros. A minha entrada será de 38.000 euros, sendo 28.273,92 do valor das Prestações de Desemprego e o restante a título de capital individual, ficando assim com 20.22% do capital social total da sociedade.
Esta percentagem irá ser cedida pelo sócio Sr. ANC, que neste momento detém 95% do capital social.
11) O Autor comprometeu-se a, em execução do Projeto de criação do próprio emprego por ele subscrito, utilizar o benefício que para o efeito lhe veio a ser concedido, de pagamento global das prestações de desemprego, para adquirir a titularidade de parte do capital social da supra referida CFS, Serviço de Catering, Lda..
12) Como resulta da certidão comercial da referida sociedade (cfr. doc. n.º 1 junto com a contestação – Certidão Permanente com o código de acesso: 1546-4360-8529), o Autor não teve a qualidade de sócio da referida sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda.
13) O sócio maioritário ANC, decidiu encerrar a atividade da empresa em 31 de Maio de 2012.
14) Sociedade essa, que veio a ser declarada insolvente, por sentença proferida em 22/10/2012, no âmbito do Processo n.º 3471/12.9TJCBR do extinto 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra (cfr. doc. n.º 2 junto com a contestação).
15) Por notificação datada de 14.01.2015, o Centro Distrital de Viseu do Instituto da Segurança Social, notifica o Autor da exigência de devolução do subsídio de desemprego, no montante único recebido, com o seguinte teor:
Assunto: Notificação por incumprimento injustificado do projeto de criação do próprio emprego Data: 2015-01-14
Informa-se V. Ex.ª de que haverá lugar à restituição do valor que lhe foi pago a título de montante global das prestações de desemprego de €27255,04 (vinte e sete mil duzentos e cinquenta e cinco euros e quatro cêntimos) se, no prazo de 5 dias úteis a contar da data de receção deste ofício, não der entrada nestes serviços resposta por escrito, da qual constem elementos que possam obstar à referida restituição, juntando meros de prova se for caso disso.
Mais se informa que o fundamento para se considerarem indevidas as prestações e a consequente restituição foi o incumprimento injustificado do projeto de criação do próprio emprego antes do decurso de 3 anos a contar da data do inicio do projeto (alínea b) do n.º 9 do artigo 12.° da Portaria n.°985/2009, o n.°10 do Despacho n.º 7131/2011), acima referenciados).
Na falta de resposta, a decisão de restituição considera-se efetuada no primeiro dia útil seguinte ao do termo do prosa acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de:
- 3 meses para recorrer hierarquicamente para o Presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social;
- 3 meses para impugnar contenciosamente.
Com os melhores cumprimentos
O Diretor de Segurança Social
TA
- cfr. Doc. 1 junto com a petição inicial e pa.
16) A Segurança Social, endereçou ao Autor nova notificação, desta feita em 02.02.2015, considerando que o fundamento para se considerarem indevidas as prestações e a consequente restituição foi o incumprimento injustificado do projecto de criação do próprio emprego antes do decurso de três anos a contar da data do início do projeto. (alínea b) do n.º 9 do art.º 12.º da Portaria n.º 985/3009 e n.º 10 do Despacho 7131/2011), após consulta ao SISS – Sistema de Informação da Segurança Social que a sociedade CFS – Serviços de Catering Lda e para a qual o beneficiário Abel recebeu, por uma só vez, o montante global das prestações de desemprego, encontra-se encerrada desde 31 de Maio de 2012.” - cfr. Doc. 2 junto com a petição inicial.
17) Neste seguimento o Autor apresentou resposta escrita. - cfr. Doc. 3 junto com a petição inicial.
18) A Segurança Social endereçou ao Autor notificação com o seguinte teor:
Sua Referência Sua Comunicação Nossa Referência Data
11150749100 09/03/2015 Desemprego MA 12/03/2015
Assunto: Restituição de Prestações Indevidamente Pagas - Nota de Reposição n.° 9130273
O Centro Distrital de Viseu, do Instituto da Segurança Social, IP, em resposta à comunicação acima referenciada, tem a honra de informar V. Excia do seguinte:
Conforme comunicado anteriormente, verificou-se um incumprimento injustificado das condições que determinaram a aprovação do projeto de criação do próprio emprego, antes do decurso de 3 anos a contar da data do projeto (alínea b) do n.º 9 do artigo 12° da Portaria n° 985/2009 e n° 10 do Despacho 7131/2011).
Assim, e pela razão do incumprimento do disposto na alínea b) do artigo 12° da Portaria 985/2009, de 04 de Setembro, conjugado com os artigos 2°, 3° e 15°, n° 1, do Decreto Lei 133/88, de 20 de Abril, fica responsável pela restituição dos valores indevidamente recebidos, através das formas do diploma referido, e sob pena da comunicação da dívida para execução fiscal.
Pelo exposto, o beneficiário AAPS recebeu indevidamente as prestações de desemprego, da importância total de 26.560,84 €, devendo o respetivo valor ser restituído a estes Serviços, nos termos emanados na nota de reposição acima referenciada.
Por último; informa-se V. Excia que, caso não concorde com a decisão que foi proferida e comunicada em devido tempo poderá, caso assim o entenda, fazer uso dos demais meios de impugnação, graciosos e contenciosos, que lhe foram devidamente notificados nos termos e meios legais definidos.
Com os melhores cumprimentos,
O Chefe de Equipa de Prestações de Desemprego
JC
- cfr. Doc. 4 junto com a petição inicial e pa.
19) Recebida a antecipação global das prestações de desemprego, as mesmas foram entregues pelo Autor à entidade patronal CFS – Serviços de Catering Lda, nos seguintes termos:
Coimbra, 10 de Agosto de 2011
A CFS, NIF 505 128 535, declara que lhe foram restituídos pelo trabalhador AAPS, contribuinte 1xxx76, todas as quantias por este recebidas a título de prestações de desemprego e pertencentes a esta sociedade.
Declaro que o trabalhador nada mais lhe deve.
CFS, Lda
ANC
– cfr. doc. de fls. 108 dos autos.
20) O autor constituiu em 04-06-2012 a empresa PM - Unipessoal, Lda. - cfr. Doc. 5 junto com a petição inicial.
21) Tendo alguns postos de trabalho da CFS passado para esta empresa conforme comprovativo da comunicação de admissão dos sete trabalhadores - cfr. Docs. 6 a 12.
22) Esta nova empresa sucedeu à atividade da CFS – Serviços de Catering Lda.
23) O Autor, inclusive de modo a justificar junto dos fornecedores e clientes a continuidade do vínculo empresarial, solicitou ao administrador da CFS – Serviços de Catering Lda, AC para subscrever uma espécie de “Carta de Contrato”, assegurando perante os clientes as responsabilidades no cumprimento dos contratos de fornecimento até então assumidas, com o seguinte teor:
Coimbra, 11 de junho de 2012
Assunto: Fusão de empresas: PM, Lda.
Exmos Senhores
Os desafios porque todos estamos a passar obriga-nos a estratégias não imaginadas algum tempo atrás.
Ao longo dos últimos meses, trabalhamos no desenvolvimento de um novo projeto com o objetivo da continuidade do reforço da nossa presença no mercado, procedendo à junção de duas empresas, e partilharmos consigo o sucesso no desenvolvimento da nossa atividade.
A partir de 11 de junho de 2012 abraçamos o mercado com uma nova identidade: a PM, Unipessoal, Lda. Esta evolução traduz uma forte aposta na melhoria quer da oferta quer na prestação de serviços para com os nossos clientes e fornecedores.
Com esta fusão leva-nos a olhar o futuro com otimismo, convictos que estamos preparados, com eficiência, para os desafios. A nova identidade assumirá perante todos os nossos clientes, as responsabilidades no cumprimento dos contratos de fornecimento assumidos pela CFS-Serviço de Catering, Ida.
Agradecemos a todos, que desde sempre estiveram connosco, que nos ajudaram a chegar até aqui e que agora terão mais razões para esta caminhada conjunta.
Estamos naturalmente ao vosso dispor para qualquer esclarecimento
Com os nossos melhores cumprimentos
CFS, Lda. PM-Unipessoal, Ida
AC
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. Doc. 13 junto com a petição inicial.
*
B – De direito
1. Da decisão recorrida
Pela sentença recorrida a Mmª Juíza do Tribunal a quo, pronunciando-se sobre o mérito da ação, julgou procedente a pretensão impugnatória dirigida ao ato impugnado anulando-o.
O que fez considerando que, em aplicação do artigo 34º nº 4 do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de novembro, não se verificava na situação dos autos o incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projeto de criação do próprio emprego ou a aplicação, ainda que parcial, das prestações para fim diferente daquele a que se destinavam, que justificasse a revogação do apoio concedido com restituição das prestações recebidas.
2. Da tese do recorrente
Pugna o recorrentepela revogação da sentença recorrida, com improcedência da ação e manutenção do ato impugnado, sustentando ter sido feita incorreta interpretação e aplicação das disposições do artigo 34º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11, a Portaria n.º 985/2009, de 04/09 e o Despacho do Senhor Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional n.º 7131/2011, publicado no DR n.º 91, 2.ª Série de 11/05/2011.
Defende, em suma, nos termos que expõe nas suas alegações de recurso e reconduz às respetivas conclusões, que o projeto de criação do próprio emprego submetido à apreciação e aprovação do Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. (IEFP, I.P.), e que veio a fundamentar a concessão ao autor do benefício de pagamento global, por uma só vez, das prestações de subsídio de desemprego previa que o beneficiário se comprometia e assumia a obrigação de criar o próprio posto de trabalho através de investimento a realizar na sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda.; que assim o autor comprometeu-se a utilizar o valor que lhe foi pago a título de montante único das prestações de subsídio de desemprego para adquirir parte do capital social da referida sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda..; que o autor nunca deu cumprimento a tal desiderato por nunca ter chegado a ter a qualidade de sócio da sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda.; que o autor é responsável pelo incumprimento do projeto de criação do próprio emprego, a que se vinculou, na medida em que entregou a totalidade do valor que recebeu do Instituto da Segurança Social à sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda. sem qualquer formalização da aquisição da parte do capital social a que se propôs, comportamento que apenas ao autor pode ser imputado; que era exigível ao autor que se abstivesse de entregar a quantia que lhe haviam sido paga a título de montante único de prestações de subsídio de desemprego sem que houvesse formalização do que se encontrava previsto, pelo próprio autor, no projeto de criação do próprio emprego apresentado à análise e aprovação da Administração; que era obrigação do autor ter atuado por forma a formalizar a aquisição do capital social da sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda. e, consequentemente, era sua obrigação atuar de forma a afastar qualquer oposição a essa aquisição; que desde o momento em que o autor entregou o montante recebido a título de montante global das prestações de subsídio de desemprego à sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda. (10/08/2011) e o momento em que foi declarada a insolvência daquela sociedade (22/10/2012) mediou mais de um ano, tempo esse razoável e suficiente para que alguém que atuasse diligentemente pudesse tomar as medidas necessárias e adequadas a fazer cumprir o acordo que havia firmado com os responsáveis da sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda., e assim, fazer cumprir o projeto de criação do próprio emprego a que se havia vinculado e a que se destinava o valor auferido; que o comportamento do autor de entrega do montante auferido a título de prestações de subsídio de desemprego a terceiros sem garantir a formalização da sua entrada no capital social da sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda. é um comportamento só a si imputável e que revela, da sua parte, culpa na afetação de tal montante a fim diverso do que se encontrava previsto no projeto de criação do próprio emprego aprovado pela Administração, em suma, que revela culpa do autor na má gestão que veio a ser feita de tal valor; que a circunstância de o autor ter constituído a sociedade PM - Unipessoal, Lda., só por si e de que não foi dado qualquer conhecimento aos serviços da Administração com competência para aprovação do projeto de criação do próprio emprego apresentado pelo autor e, consequente, deferimento do pagamento global, por uma só vez, das prestações de subsídio de desemprego, não pode servir como justificação ao incumprimento verificado; que resulta claro da conjugação do disposto nos artigos 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11, da Portaria n.º 985/2009, de 04/09 e do Despacho do Senhor Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional n.º 7131/2011, publicado no DR n.º 91, 2.ª Série de 11/05/2011 que o benefício do pagamento global, por uma só vez, das prestações de subsídio de desemprego só pode ser concedido para apoio à execução de projeto de criação do próprio emprego que, previamente, foi colocado à apreciação e aprovação do IEFP, I.P., daí que o n.º 4 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11 faça depender a revogação do apoio concedido e a restituição dos montantes pagos a título de montante único de prestações de subsídio de desemprego do incumprimento das obrigações decorrentes da aprovação do projeto de criação do próprio emprego e ainda da aplicação desses valores para fim diferente daquele a que se destinam; que o benefício concedido ao autor de pagamento global, por uma só vez, das prestações de subsídio de desemprego não foi concedido para apoiar a constituição e a atividade da sociedade PM - Unipessoal, Lda.; que de todo o modo o autor não apresentou qualquer pedido de alteração ao projeto de criação do próprio emprego que havia sido aprovado de forma a aí incluir a atividade a desenvolver através da sociedade PM - Unipessoal, Lda.., assim não dando aos serviços competentes, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11, na Portaria n.º 985/2009, de 04/09 e no Despacho do Senhor Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional n.º 7131/2011, a oportunidade de avaliarem a legalidade e justeza de tal alteração; que se o legislador faz depender a concessão do benefício do pagamento global, por uma só vez, das prestações de subsídio de desemprego da aprovação pelo IEFP, I.P. de um projeto de criação do próprio emprego, também qualquer alteração à execução de tal projeto deverá se colocada à apreciação dessa entidade e por ela terá de ser sancionada; que outra leitura da Lei não faria sentido, na medida em que, abriria a porta para que os particulares pudessem, sem qualquer controlo, aplicar as prestações pagas a fins diversos dos aprovados pelo IEFP, I.P. e, inevitavelmente, a projetos que aquela entidade não considerou elegíveis para tal benefício e aos quais não reconheceu viabilidade económica como exigem os artigos 6.º a 8.º da Portaria n.º 985/2009, de 04/09; que assim a constituição da sociedade PM - Unipessoal, Lda. e a atividade desenvolvida com esta sociedade não pode ser entendida como justificação para o incumprimento por parte do autor dos termos do projeto de criação do próprio emprego que havia sido aprovado pelo IEFP, I.P. e que fundamentou o deferimento do pagamento global, por uma só vez, das prestações de subsídio de desemprego.
3. Da análise e apreciação do recurso
3.1 A questão essencial a decidir no presente recurso é a de saber se o Tribunal a quo ao julgar procedente a ação, anulando o ato administrativo impugnado, incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação da lei, com violação do artigo 34º nº 4 do DL. nº 220/2006, de 3 de novembro, da Portaria n.º 985/2009, de 4 de setembro e do Despacho do Senhor Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional n.º 7131/2011, publicado no DR n.º 91, 2.ª Série de 11/05/2011, em termos que, ao invés do decidido, a ação devia ter sido julgada improcedente e mantido o ato administrativo impugnado.
3.2 Na sentença recorrida a Mmª Juíza do Tribunal a quo, pronunciando-se sobre o mérito da ação, julgou procedente a pretensão impugnatória dirigida ao ato impugnado anulando-o; o que fez considerando que, em aplicação do artigo 34º nº 4 do Decreto-Lei nº 220/2006, não se verificava na situação dos autos o incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projeto de criação do próprio emprego ou a aplicação, ainda que parcial, das prestações para fim diferente daquele a que se destinavam, que justificasse a revogação do apoio concedido com restituição das prestações recebidas.
3.3 Entendimento que fez tendo por base a matéria de facto que deu como provada, que não vem impugnada no presente recurso, assentou no seguinte discurso fundamentador, que se passa a transcrever:
«O autor vem impugnar a decisão do Instituto de Segurança Social que determinou a restituição da quantia de 26.560,84€, por reparação da situação de desemprego e incentivo à criação do próprio emprego, pago de uma só vez.
Ora, ao abrigo das medidas de reparação da situação de desemprego e incentivo à criação do próprio emprego – consagradas no Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11 (com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.ºs 72/2010, de 18/06, 64/2012, de 15/03 e 13/2013, de 25/01), na Portaria n.º 985/2009, de 04/09 (com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 58/2011, de 28/01) e no Despacho do Senhor Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional n.º 7131/2011 (publicado no DR n.º 91, 2.ª Série de 11/05/2011) – requereu o Autor, a concessão do benefício do pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego, que, previamente, lhe haviam sido reconhecidas (cfr. artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11 e artigos 1.º, n.º 2 alínea c), 2.º alínea c) e 12.º da Portaria n.º 985/2009, de 04/09), benefício esse, que lhe foi deferido.
No que respeita ao regime jurídico aplicável ao benefício concedido ao Autor, de pagamento do montante global das prestações de desemprego, por uma só vez, importa atender ao que dispõe o artigo 12.º da Portaria n.º 985/2009, de 04/09, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 58/2011, de 28/01.
Ora, dispõe o artigo 12.º da mencionada Portaria, o seguinte:
1 - Há lugar ao pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego, deduzido das importâncias eventualmente já recebidas, ao abrigo do previsto no artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, sempre que o beneficiário das prestações de desemprego apresente um projeto ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do artigo 1.º e que origine, pelo menos, a criação de emprego, a tempo inteiro, do promotor destinatário.
(…)
3 - O montante das prestações de desemprego referidas nos números anteriores deve ser aplicado, na sua totalidade, no financiamento do projeto, podendo ser aplicado em operações associadas ao projeto, designadamente na realização de capital social da empresa a constituir.
(…)
9 - Os projetos referidos no presente capítulo que não beneficiem das medidas previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 1.º:
(…)
b) Devem manter a atividade da empresa e os postos de trabalho preenchidos por beneficiários das prestações de desemprego durante, pelo menos, três anos.
O beneficiário encontrava-se obrigado a manter o exercício do posto de trabalho criado, e que justificou e fundamentou a concessão do benefício do pagamento global das prestações de desemprego, durante, pelo menos, um período de três anos.
Ou seja, no caso concreto, estando previsto no Projeto de criação do próprio emprego, estava obrigado a mantê-lo, por força do disposto na alínea b) do n.º 9 do artigo 12.º da Portaria n.º 985/2009, de 04/09, desde 09-08-2011 até à data de 09-08-2014.
O que resulta também do disposto no artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15/03, em que se dispõe:
1 - O subsídio de desemprego ou o subsídio social de desemprego inicial a que os beneficiários tenham direito pode ser pago globalmente, por uma só vez, nos casos em que os interessados apresentem projeto de criação do próprio emprego.
2 - O montante global das prestações de desemprego corresponde à soma dos valores mensais que seriam pagos aos beneficiários durante o período de concessão, deduzido das importâncias eventualmente já recebidas.
3 - Nas situações de criação do próprio emprego com recurso ao montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa atividade com outra atividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela atividade.
4 - O incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projeto de criação do próprio emprego ou a aplicação, ainda que parcial, das prestações para fim diferente daquele a que se destinam implica a revogação do apoio concedido, aplicando-se o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas, sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional ou penal a que houver lugar.
5 - Sem prejuízo das competências dos centros de emprego, os serviços de fiscalização da segurança social podem, para efeitos do número anterior, verificar o cumprimento das condições de atribuição do pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego.
6 - A regulamentação do pagamento do montante global das prestações de desemprego consta de diploma próprio.”
Deste modo, resulta do n.º 3 deste artigo 34.º que o posto de trabalho criado pelo beneficiário terá, necessariamente, de ser exercido durante os três anos em que está obrigado a mantê-lo.
E porque tem essa natureza interpretativa decidiu o legislador, em conformidade também com o disposto no artigo 13.º do Código Civil, aplicar a norma do n.º 3 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, às relações jurídicas constituídas ao abrigo da legislação anterior.
Dispõe, nesse sentido, o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 64/2012, o seguinte:
1 - O disposto nos artigos 12.º, 17.º, 20.º, 24.º, 34.º, 34.º-A, 45.º, 49.º, 60.º, 70.º, 72.º e 76.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, na redação dada pelo presente decreto-lei, aplica-se às relações jurídicas prestacionais constituídas ao abrigo da legislação anterior.”
Diploma esse, o Decreto-Lei n.º 64/2012, que entrou em vigor à data de 01/04/2012 (cfr. seu art. 8.º), momento em que estava ainda em curso o prazo de três anos durante o qual o aqui Autor se encontrava vinculado ao cumprimento do projeto de criação do próprio emprego aprovado pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P..
Resulta também das normas jurídicas supra citadas que o benefício concedido ao Autor, de pagamento do montante global das prestações de desemprego, tem como contrapartida o cumprimento de deveres que perduram durante todo o período de tempo coincidente com os três anos seguintes à criação do posto de trabalho que justifica a sua concessão.
Pelo que, só no final de tal período de tempo, de três anos, pode ser apreciado se foram ou não cumpridos, permanentemente, todos os deveres impostos ao beneficiário.
Sendo que, durante esse período de três anos, o beneficiário fica sujeito a um regime de fiscalização que resulta desde logo do disposto no artigo 17.º da Portaria n.º 985/2009, onde se dispõe que sem prejuízo das situações de vencimento antecipado do crédito estabelecidas nos protocolos referidos no n.º 2 do artigo 9.º e da participação criminal por indícios da prática de crime de fraude na obtenção de subsídio de natureza pública, o incumprimento de qualquer das condições ou obrigações previstas na lei, sua regulamentação, protocolos e contratos aplicáveis, tem como consequência, em caso de incumprimento imputável à entidade, a revogação dos benefícios já obtidos, assim como dos supervenientes, implicando:
a) A devolução dos benefícios já obtidos, nomeadamente, as bonificações de juros e da comissão de garantia, aplicando-se aos valores devidos uma cláusula penal nos termos definidos nos protocolos, e do apoio referido na alínea c) do artigo 2.º (…).”
Prevendo-se ainda no n.º 4 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, que o incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projeto de criação do próprio emprego ou a aplicação, ainda que parcial, das prestações para fim diferente daquele a que se destinam implica a revogação do apoio concedido, aplicando-se o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas, sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional ou penal a que houver lugar.”
E assim, se durante o período dos três anos em que o beneficiário está vinculado ao Projeto de criação do próprio emprego se verificar qualquer incumprimento, este terá como consequência a revogação do apoio já obtido, bem como dos apoios supervenientes, em aplicação dos artigos 17.º da Portaria n.º 985/2009 e 34.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 220/2006.
Ora, no caso vertente, aconteceu que recebida a antecipação global das prestações de desemprego, as mesmas foram entregues pelo Autor à entidade patronal CFS – Serviços de Catering Lda.
Porém, como resulta da certidão comercial da referida sociedade (cfr. doc. n.º 1 junto com a contestação – Certidão Permanente com o código de acesso: 1546-4360-8529), o Autor não teve a qualidade de sócio da referida sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda.
Sendo que, não restam dúvidas em como o montante foi injectado na sociedade CFS, serviço de Catering, Lda., mas que existiu oposição do sócio gerente à efetiva entrada do autor no capital social desta sociedade e que o sócio maioritário ANC, decidiu encerrar a atividade da empresa em 31 de Maio de 2012, que veio a ser declarada insolvente, por sentença proferida em 22/10/2012, no âmbito do Processo n.º 3471/12.9TJCBR do extinto 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra (cfr. doc. n.º 2 junto com a contestação).
Todavia, o autor constituiu em 04-06-2012 a empresa PM - Unipessoal, Lda., tendo alguns postos de trabalho da CFS passado para esta empresa conforme comprovativo da comunicação de admissão dos sete.
Esta nova empresa sucedia à atividade da CFS – Serviços de Catering Lda, inclusive de modo a justificar junto dos fornecedores e clientes a continuidade do vínculo empresarial, o autor solicitou ao administrador da CFS – Serviços de Catering Lda, AC para subscrever uma espécie de “Carta de Contrato”, assegurando perante os clientes as responsabilidades no cumprimento dos contratos de fornecimento até então assumidas.
Pelo que, o encerramento da empresa CFS – Serviços de Catering Lda não tem origem ou sequer foi motivado por qualquer conduta do Autor, mero trabalhador e nesta medida, não pode ser imputado o incumprimento contratual do projeto de criação do próprio emprego.
E relevantemente, resulta provado que o Autor montou após o encerramento da CFS – Serviços de Catering Lda., numa atitude proactiva e de criação empresarial, assumindo através da empresa por si constituída PM - Unipessoal, Lda, os postos de trabalho da sua anterior entidade patronal e as responsabilidades perante fornecedores e clientes desta empresa, evitando o despedimento daqueles trabalhadores não encarecendo o erário público, com pagamento de subsídios e criando crescimento económico e emprego, devendo manter-se o benefício do apoio que lhe foi concedido.
Ora, como já se mencionou, o artigo 34.º, n.º 4 do Decreto-Lei nº 220/2006, prevê que o incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projeto de criação do próprio emprego ou a aplicação, ainda que parcial, das prestações para fim diferente daquele a que se destinam implica a revogação do apoio concedido, aplicando-se o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas, sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional ou penal a que houver lugar.
Assim, importa aferir se o incumprimento tem uma justificação aceitável.
Como resulta do Ac. do TCA-Sul de 24/11/2016, “se o incumprimento do dever imposto tiver uma justificação aceitável, não haverá lugar às consequências negativas ali previstas, designadamente a restituição da verba recebida. Há, pois, que saber, agora não em sede de interpretação da fonte de direito, mas já em sede de aplicação/concretização do significado do nº 4 (a norma apurada pelo intérprete), se a justificação apresentada é aceitável ou razoável e adequada, no caso em apreço. O nº 4 também é uma norma-regra, no sentido exposto, mas contém um elemento impreciso ou vago, de textura aberta, o qual consiste aqui, não numa norma principal, mas sim na necessidade de apurar em concreto se há ou não uma justificação (aceitável); temos “apenas” de concretizar a expressão “incumprimento injustificado” que está contida na norma-regra apurada a partir do nº 4. Assim, a norma resultante do artigo 34º/4 implica margem de livre apreciação administrativa para concretização de conceitos indeterminados, sindicável pelos tribunais quanto aos seus aspetos vinculados. Estes aspetos ou limites imanentes são, como se sabe, além (i) da proibição de erros notórios e além (ii) das formalidades e (iii) trâmites essenciais, (iv) os vários princípios constitucionais e gerais de Direito administrativo, consagrados no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 3º a 19º do atual Código do Procedimento Administrativo (cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA/A.S.M., D. Adm. Geral, I, §9 e §10; PAULO OTERO, Legalidade Administrativa…, 2003, págs. 411 ss e 733 ss; FREITAS DO AMARAL, Curso…, I, 2ª ed., págs. 116 ss): prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, submissão à lei, igualdade, proporcionalidade, justiça e razoabilidade, imparcialidade e boa-fé. Utilizando a terminologia de Freitas do Amaral, este “incumprimento injustificado” será um conceito indeterminado do tipo “a valorar objetivamente de acordo com as conceções dominantes”, como tal suscetível de controlo jurisdicional (ob. cit., págs. 120-122). Está também em causa a organização de uma decisão (administrativa) proporcionada à situação - cfr. assim J. M. SÉRVULO CORREIA, “Conceitos jurídicos indeterminados e âmbito do controlo jurisdicional”, in C J A, nº 70, 2008, págs. 32 ss, a pág. 56.
Assim, atentas as expostas vicissitudes, o incumprimento do projeto não decorre de culpa do autor, não lhe podendo ser imputado o incumprimento do contrato e considerando que o autor constituiu em 04-06-2012 a empresa PM - Unipessoal, Lda., que substituiu a CFS, tendo alguns postos de trabalho da CFS passado para esta empresa e na qual o autor é sócio, mantendo assim o emprego do próprio e de mais pessoas, não deve ser mantida a decisão de restituição do montante recebido, devendo ser anulada, por manifestamente violar o princípio da proporcionalidade da justiça.
O conhecimento dos demais vícios fica prejudicado pelo agora decidido.»
3.4 O DL. nº 220/2006, de 3 de novembro, estabelece o Regime Jurídico de Proteção Social da Eventualidade de Desemprego dos Trabalhadores por Conta de Outrem, visando, através das prestações por desemprego, compensar os beneficiários da falta de retribuição resultante da situação de desemprego ou de redução determinada pela aceitação de trabalho a tempo parcial e promover a criação de emprego, através, designadamente, do pagamento por uma só vez do montante global das prestações de desemprego com vista à criação do próprio emprego (cfr. artigos 5º e 6º).
Este regime prevê a possibilidade de o montante global das prestações de desemprego possa ser pago ao beneficiário por uma só vez com vista à criação do próprio emprego (cfr. artigo 4º alínea a)).
3.5 A tal respeito o artigo 34º do DL. nº 220/2006, dispunha o seguinte na sua redação original:
“Artigo 34.º
Montante único das prestações de desemprego
1 - O subsídio de desemprego ou o subsídio social de desemprego inicial a que os beneficiários tenham direito pode ser pago globalmente, por uma só vez, nos casos em que os interessados apresentem projeto de criação do próprio emprego.
2 - O montante global das prestações corresponde à soma dos valores mensais que seriam pagos aos beneficiários durante o período de concessão, deduzido das importâncias eventualmente já recebidas.
3 - A regulamentação do pagamento do montante global das prestações de desemprego consta de diploma próprio.
Tendo o DL. nº 64/2012, de 15 de março, procedido à sua alteração, nos seguintes termos:
Artigo 34º
Montante único das prestações de desemprego
1 – (...)
2 - (...)
3 - Nas situações de criação do próprio emprego com recurso ao montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa atividade com outra atividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela atividade.
4 - O incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projeto de criação do próprio emprego ou a aplicação, ainda que parcial, das prestações para fim diferente daquele a que se destinam implica a revogação do apoio concedido, aplicando-se o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas, sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional ou penal a que houver lugar.
5 - Sem prejuízo das competências dos centros de emprego, os serviços de fiscalização da segurança social podem, para efeitos do número anterior, verificar o cumprimento das condições de atribuição do pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego.
6 - (Anterior n.º 3.)”
3.6 A regulamentação própria a que se referia o nº 3 do artigo 34º do DL. nº 220/2006 na sua versão original, e posteriormente o nº 6 na redação dada pelo DL. nº 64/2012, era a que veio a constar da Portaria nº 985/2009, de 4 de setembro, em cujo Capítulo III se encontram estabelecidas as condições para acesso e os termos da concessão da antecipação das prestações por desemprego através do pagamento por uma só vez, como medida de apoio à criação do próprio emprego por beneficiário de prestações de desemprego.
3.7 Não está em causa nos autos saber se o autor preenchia ou não as condições para que lhe tivesse sido deferido o pagamento único, de uma só vez, das prestações por desemprego, enquanto medida de apoio à criação do próprio emprego, nem, por conseguinte, se o projeto por si apresentado para o efeito reunia as condições de elegibilidade.
O que apenas importa saber, e constitui objeto da ação, é se a decisão administrativa que determinou a reposição do montante da prestação única recebida a título de prestações de desemprego é inválida, devendo ser judicialmente anulada, com fundamento nas causas de invalidade que o autor lhe assacou na ação.
3.8 Simultaneamente, e porque assim é, o que importava desde logo indagar era se no caso se verificavam, ou não, os pressupostos de facto e de direito em que a decisão administrativa impugnada na ação se fundou. Isto tendo por base a respetiva fundamentação, tal como foi externada no ato administrativo impugnado, sendo irrelevante os fundamentos que entretanto, e em momento póstumo, tenham sido invocados pela entidade administrativa, incluindo nos articulados da ação ou do recurso.
3.9 Resulta do probatório que a decisão administrativa que determinou a reposição do montante da prestação única recebida pelo autor a título de prestações por desemprego, assentou na consideração de que havia ocorrido incumprimento injustificado do projeto de criação do próprio emprego antes do decurso de três anos a contar da data do início do projeto, que enquadrou na previsão constante na alínea b) do nº 9 do artigo 12º da Portaria nº 985/3009 e no n.º 10 do Despacho nº 7131/2011 do Secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional, publicado no DR n.º 91, 2.ª Série de 11/05/2011, por após consulta ao SISS – Sistema de Informação da Segurança Social ter sido constatado que a sociedade CFS – Serviços de Catering Lda., para a qual o autor havia recebido, por uma só vez, o montante global das prestações de desemprego, se encontrava encerrada desde 31/05/2012 (vide pontos 16. e 18. do probatório).
3.10 O artigo 12º da Portaria nº 985/3009, de 4 de setembro, referindo-se à medida de apoio à criação do próprio emprego por beneficiários de prestações de desemprego consistente na antecipação dessas prestações, através do pagamento, por uma só vez, do montante global que seria devido, exigia ao beneficiário a apresentação de um projeto que origine, pelo menos, a criação de emprego, a tempo inteiro, do promotor destinatário (cfr. artigo 12º nº 1), e admitia a possibilidade do montante das prestações de desemprego poder ser aplicada na aquisição de estabelecimento por cessão ou na aquisição de capital social de empresa preexistente, que decorresse de aumento do capital social e que originasse, pelo menos, a criação de emprego, a tempo inteiro, do promotor destinatário (cfr. artigo 12º nº 2). E embora exigisse que o montante das prestações de desemprego devesse ser aplicado, na sua totalidade, no financiamento do projeto, admitia que pudesse ser aplicado em operações associadas ao projeto, designadamente na realização de capital social da empresa a constituir (cfr. artigo 12º nº 3).
Sempre se impunha, em todo o caso, que no âmbito do projeto justificador do pagamento antecipado, por uma só vez, do montante global que seria devido a título de prestações por desemprego, com vista à criação do próprio emprego do beneficiário dessas prestações, a obrigação de “…manter a atividade da empresa e os postos de trabalho preenchidos por beneficiários das prestações de desemprego durante, pelo menos, três anos” (cfr. artigo 12º nº 9 alínea b)).
3.11 Simultaneamente, e como se viu, nos termos do artigo 34º nº 4 do DL. nº 220/2006 (na redação dada pelo DL. nº 64/2012), o incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projeto de criação do próprio emprego (ou a aplicação, ainda que parcial, das prestações para fim diferente daquele a que se destinavam), entre as quais se encontrava a manutenção da atividade da empresa e dos postos de trabalho preenchidos por beneficiários das prestações de desemprego durante, pelo menos, três anos, implicava a revogação do apoio concedido, aplicando-se o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas, sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional ou penal a que houver lugar.
3.12 Resulta do probatório que o Projeto de criação do próprio emprego, submetido à apreciação e aprovação do Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P., e que veio a fundamentar a concessão ao autor do benefício do pagamento global das prestações de desemprego, que aquele se comprometia e assumia a obrigação de criar o próprio posto de trabalho através de investimento a realizar na sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda., tendo nesse âmbito declarado que iria aplicar o valor de prestações de desemprego no capital social daquela sociedade, adquirindo uma quota, por cessão, ao sócio ANC, ficando com 20,22% do capital social total daquela sociedade (vide 9., 10. e 11 do probatório).
Sucede que aquela sociedade veio a encerrar a sua atividade a 31/05/2012.
3.13 Foi o encerramento da atividade da sociedade CFS, Serviço de Catering, Lda. em 31/05/2012, menos de três anos após do incentivo à criação do próprio emprego do autor consubstanciado no pagamento antecipado, por uma só vez, das prestações por desemprego, que foi constatada pela entidade demandada, e essa a circunstância única na qual ela fundou a decisão pela qual determinou ao autor a sua reposição.
3.14 Ora, mau grado o caminho, por vezes sinuoso, que a sentença recorrida fez para concluir que não se verificava na situação dos autos o incumprimento injustificado por parte do autor da obrigação de manutenção da atividade da empresa e do posto de trabalho preenchido pelo beneficiário das prestações de desemprego durante o período mínimo de três anos, é de manter a conclusão a que chegou.
Vejamos porquê.
3.15 O pressuposto normativo contido no artigo 34º nº 4 do DL. nº 220/2006 (na redação dada pelo DL. nº 64/2012) para que possa ser revogado o apoio concedido e determinada a restituição das prestações recebidas é o «incumprimento injustificado» do projeto de criação do próprio emprego.
3.16 Assim, a entidade administrativa competente apenas se encontrará legitimada para determinar a reposição do montante global das prestações por desemprego que pagou antecipadamente, por uma só vez, ao abrigo de projeto de criação do próprio emprego se o beneficiário não cumpriu as obrigações a que se encontrava sujeito no âmbito do projeto, e desde que esse não cumprimento seja injustificado.
3.17 Ora, se é de compreender que a situação de não cumprimento (incumprimento) parecerá pressupor a presença de uma certa vontade do agente, traduzida num seu comportamento, seja por ação seja por omissão (isto independentemente da produção de um qualquer juízo de censurabilidade ou não sobre esse comportamento, isto é, sobre a existência, ou não, de culpa sua), a utilização na previsão normativa do adjetivo «injustificado» reforça a ideia de que só perante um comportamento (ativo ou omissivo) que possa ser imputado ao beneficiário, e simultaneamente censurável, legitimará a decisão de restituição das prestações recebidas nos termos do nº 4 do artigo 34º do DL. nº 220/2006 (redação do DL. nº 64/2012).
3.18 Esse deve, pois, ser o pressuposto da atuação da entidade administrativa, o que de o incumprimento da obrigação em causa por parte do beneficiário é injustificado.
Pelo que recaía sobre a entidade administrativa demonstrar a verificação desse pressuposto.
3.19 A este respeito José Carlos Vieira de Andrade, in Justiça Administrativa, Lições, Almedina, 2ª ed., págs. 268 ss., diz designadamente o seguinte:
«(…)
A regra geral, nos termos da qual quem invoca um direito, tem o ónus da prova dos respetivos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou instintivos (artigo 342º do Código Civil) pode entender-se aplicável, em princípio, no processo administrativo, mas aqui, como de resto no âmbito do direito civil, não é suficiente para a resolução de todos os tipos de situações – sobretudo porque não faz diferenciações conforme as posições das partes e os interesses e situações em jogo nos domínios específicos da realidade normativamente concebida.
Não pode ser, designadamente, aplicada aos processos mais típicos do contencioso administrativo, aos meios impugnatórios de atos e de normas, até porque não está em causa diretamente um direito substantivo do recorrente (que pode até não existir e nunca existe no caso da ação pública) mas a conformidade com o ordenamento jurídico de uma decisão administrativa de autoridade (é essa a questão a resolver).
Assim, não pode exigir-se ao recorrente a prova dos factos constitutivos da sua pretensão de anulação (desde logo e, por exemplo, a prática da não verificação dos pressupostos legais da prática do ato), de modo a caber à Administração apenas provar as exceções invocadas – tal equivaleria na prática à pura e simples invocação da “presunção da legalidade do ato administrativo”, fazendo recair sobre o particular o ónus da prova (subjetivo) da ilegalidade do ato impugnado.
Deve, pelo contrário, levar-se em conta, em geral, para a construção do quadro de normalidade que há-de servir de paradigma normativo para a distribuição das responsabilidades probatórias, a sujeição da Administração aos princípios da legalidade e da juridicidade e, pelo menos no que respeita aos atos desfavoráveis, o dever de fundamentação.
Isto é, parece que há-de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos.
Por outras palavras ainda, deve ser a Administração a suportar a desvantagem de não ter sido feita a prova (de o juiz não se ter convencido) da verificação dos pressupostos legais que permitem a Administração agir com autoridade (pelo menos, quando produza efeitos desfavoráveis para os particulares); deve ser o particular a suportar a desvantagem de não ter sido feita a prova (de o juiz não se ter convencido) de que, no uso dos poderes discricionários, a Administração atuou contra princípios fundamentais.
E acrescenta: “Na aplicação destes princípios gerais, há que tomar em consideração o meio processual em causa, bem como o caso ou o tipo de cas em litigio, avaliando os dados normativos que regulam a situação (quer as regras substantivas, quer as regras do procedimento decisório) e procurando extrair deles argumentos para o necessário juízo (reconstitutivo) sobre o quadro de normalidade. (…) poderão distinguir-se, por exemplo, as situações em que estejam em causa direitos fundamentais (o ónus da prova da legalidade da sua compressão tenderá a recair mais fortemente sobre a Administração), poderá dar-se relevo ao factos de os atos serem desfavoráveis ou favoráveis e de serem atos positivos ou negativos (quando o interesse do particular é pretensivo, deve o particular suportar o risco da falta de prova dos requisitos de concessão do benefício; em contrapartida, a Administração há-de provar cabalmente os requisitos legais de comandos ou proibições), de se tratar de atos sancionatórios (deve ter-se em conta o princípio in dúbio pro reo), de atos precedidos, ou não, de procedimentos participados (contudo, tendo em conta os direitos de informação procedimental, não há razão para considerar o particular desonerado, em geral, da alegação dos factos que sustentam a sua pretensão e, consequentemente, seguro contra o risco da respetiva falta).
3.20 Nesse mesmo sentido já se havia pronunciado o Acórdão do STA de 26/01/2000, in Cadernos de Justiça Administrativo, 20, pág. 38 ss., dizendo que “não pode exigir-se ao recorrente a prova dos factos constitutivos da sua pretensão de anulação (desde logo e, por exemplo, a prova da não verificação dos pressupostos legais da prática do acto) de modo a caber à Administração apenas provar as excepções invocadas – tal equivalência equivaleria na prática à pura e simples invocação da presunção de legalidade do acto administrativo, fazendo recair sobre o particular o ónus da prova (subjectivo) da ilegalidade do acto impugnado. Deve pelo contrário, levar-se em conta, para a construção do quadro de normalidade que há-de servir de paradigma normativo para a distribuição das responsabilidades probatórias da Administração aos princípios da legalidade e da juridicidade e, pelo menos, no que respeita aos actos desfavoráveis o dever de fundamentação”.
3.21 O mesmo postulando igualmente Mário Aroso de Almeida, em anotação àquele acórdão, in Cadernos de Justiça Administrativo, 20, pág. 38 ss., dizendo que “…As regras de distribuição das consequências da falta de prova não devem ser, por isso, estabelecidas em função da posição formal que as partes ocupam no quadro da relação processual, por referência ao direito da recorrente à anulação do ato impugnado, mas atendendo às posições que correspondem às partes na relação material que se encontra subjacente ao recurso”.
3.22 E também no acórdão do STA de 03/12/2002, Proc. 047574, in, www.dgsi.pt/jsta, se entendeu que “Tendo em conta o disposto no art. 88º, n.º 1 do C. Proc. Administrativo e 342º e seguintes do C. Civil, sem prejuízo do poder de instrução pela Administração e do atendimento de factos não alegados, incumbe ao interessado o ónus da prova dos factos que lhe aproveitam”, de modo que “a existência de um ónus da prova a cargo do interessado no procedimento administrativo, faz com que a dúvida (estado de incerteza ou convicção negativa) se decida "contra a parte onerada com a prova - art. 346º do C.Civil”.
E a estes seguiram-se muitos outros.
3.23 Sendo que entretanto, como refere o Conselheiro António Bento São Pedro, in Ónus da prova e presunção de legalidade dos atos administrativos, 2007, in, www.amjafp.pt/estudos, “o CPTA veio dar uma grande ajuda a esta tese quando nos diz que o objeto do processo é, não a pretensão impugnatória, mas a relação jurídica material”, reforçando que “ajuda esta tese, quando manda ao tribunal apreciar os fundamentos dos direitos subjetivos ou posições de vantagem invocados, pois desse modo, temos direitos e posições concretas que podem pré existir, ou não, ao ato impugnado. Se um direito já existe na ordem jurídica e sobre a sua formação não há dúvida, os pressupostos da sua agressão legítima configuram uma realidade diferente dos pressupostos da sua constituição. A pretensão anulatória do ato lesivo de direitos e interesses cuja constituição seja anterior ao ato impugnado, apenas deve fazer a prova da existência do seu direito, pois pretende apenas que o seu exercício seja pleno, e que sejam removidos os obstáculos a tal exercício. Se é através do ato impugnado que o direito do autor se constituiria, então, os pressupostos do ato são também pressupostos da constituição do direito e o “non liquet”, nesse ponto, volta-se contra o interessado”.
E acrescenta “…o art. 516º do CPC contém duas regras: a primeira sobre o modo de ultrapassar a dúvida sobre a realidade de um facto (non liquet); a segunda sobre a repartição do ónus da prova. A primeira dúvida surge, quando o julgador não obtém uma convicção positiva sobre a verificação do facto, e, portanto, depois da análise crítica dos meios de prova Deve, nestes casos, entender que o facto se não provou; a segunda sobre a dúvida sobre a repartição do ónus da prova. Trata-se de uma dúvida sobre a interpretação ou aplicação das regras gerais sobre a repartição do ónus da prova. Também aqui a repartição do ónus da prova deve ser interpretado tendo em atenção que tais regras devem levar a que o ónus da prova caiba àquele cuja prova do facto traga vantagens.
Julgo que as regras do art. 516º do CPC são muito importantes, para compreensão do ónus da prova, pois fazem depender, em última instância, a relevância jurídica da prova de um facto empírico, da sua prova por aquele a quem essa prova aproveita. Nesta medida, a regra encontra justificação racional, pois seria a eleita, através de um processo racional de discussão, em que os intervenientes não soubessem qual a sua posição (véu de ignorância) repartindo o risco da prova, de modo a prejudicar com a dúvida aquele a quem a certeza beneficiaria. A regra assim recortada, ao eleger como diferença para repartir o ónus da prova o benefício que esse facto representa, é uma regra de igualdade. Na verdade aceita-se em geral que quem pretende beneficiar de um facto empírico (de realidade duvidosa) tenha um tratamento diferente daquele a que sofre se esse facto tiver ocorrido. Creio que esta regra sobre a repartição do ónus da prova é uma proposição fundamental sobre o ónus da prova, por decorrer diretamente da igualdade das partes perante a prova, pois a desigualdade tem a medida da diferença em termos de adequação. E é por isso se trata de uma regra básica, sobre a repartição do ónus da prova. Na verdade, uma breve análise das regras gerais sobre a repartição do ónus da prova mostra-nos que as regras do art. 516º do CPC estão subjacente às regras dos art. 342º e 343º do C. Civil. Em primeiro lugar, porque o n.º 3 do art. 342º estabelece que “em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito”, sendo que estes devem ser provados por quem invoca o direito (n.º 1). Em segundo lugar, porque as regras do art. 342º, 1 e 2 do C. Civil são desenvolvimentos do referido princípio: um facto constitutivo de um direito aproveita a quem invoca o direito (art. 342º, 1 do CC); um facto impeditivo, modificativo ou extintivo aproveita a quem se opõe aos efeitos desse direito (art. 342º, 2); nas acções de simples apreciação, ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos que alega, pois neste caso quem beneficia da prova do facto é o réu (art. 343º, 1 do CC); o prazo de caducidade do direito é da responsabilidade do réu, por ser um facto extintivo do direito de acção, e portanto cuja ocorrência beneficia o réu (art. 343º, 2 do CC); a condição suspensiva ou termo inicial da constituição do direito devem ser provados pelo autor e a condição resolutiva e termo final pelo réu, pelo mesmo motivo, por serem aqueles que beneficiam com a prova da realidade do facto (art. 343º, 3 do CC).”
E nessa esteira, ainda, que “…a igualdade das partes perante situações de vantagem que querem impor ou defender, implica que cada um prove os factos de onde emerge a sua situação de vantagem. A regra básica é a igualdade, no que respeita ao exercício da “garantia” (isto é da sua imposição ao outro, mesmo contra a sua vontade dessa vantagem) enquanto elemento marcador da juridicidade da pretensão. É essa regra que mostra não ter sentido a tese que coloca o ónus da prova dependente da posição processual da parte no processo, pois aquele que tem um aposição de vantagem tanto pode querer impor essa posição, como querer preservá-la, atacar ou defender-se. A igualdade deve ser colocada na existência ou não dessa posição de vantagem – cabendo a quem a invoca provar os factos onde assenta – seja autor, ou seja réu. Não é pelo facto de ser réu que alguém pode pretender preservar uma situação de vantagem, cujo facto seu pressuposto se não prova”.
3.24 E esta linha de pensamento é também, designadamente, seguida no acórdão do STA de 27/01/2010, Proc. 0978/09, entendendo-se que “…pelo facto de o interessado surgir no processo de impugnação contenciosa numa posição em que vem invocar vícios de um ato administrativo, não se lhe deve imputar o ónus de prova de factos que não tinha de provar no procedimento administrativo, designadamente o de provar que não se verificam os pressupostos que justificam a que Administração atuasse como atuou, pressupostos esses cuja prova competia a esta demonstrar no procedimento administrativo.
Tudo linhas de entendimento que foram percorridas e explanadas no acórdão do TCA Sul de 20/10/2016, Rec. nº 12854/15 (Procº nº 1269/06.2BELRA), disponível, in, www.dgsi.pt/jtca, de que fomos então relatores.
3.25 A esta luz, e cientes de que o fundamento em que a decisão administrativa assentou para determinar ao autor a reposição do montante das prestações por desemprego que este havia integralmente recebido, por uma só vez, foi a do encerramento da atividade da sociedade CFS – Serviços de Catering Lda. antes de decorrido o período mínimo de 3 anos após a concessão do apoio, impunha-se que a entidade administrativa tivesse contemporaneamente concluído que o incumprimento dessa obrigação (de manutenção da atividade daquela sociedade por aquele período) era imputável ao autor e não se encontrava justificado.
3.26 Esse juízo não foi feito pela entidade administrativa, já que na decisão administrativa se limitou a constatar o encerramento da atividade da sociedade ocorrido em 31/05/2012. Isto mesmo após a pronúncia emitida pelo autor no âmbito do procedimento administrativo.
3.27 De todo o modo, perante a factualidade que veio a ser dada como provada pelo Tribunal a quo, na sequência das diligências probatórias que levou a cabo, a qual não vem impugnada no presente recurso, sempre será de considerar que as circunstâncias apuradas não permitem concluir ser imputável ao autor o encerramento da sociedade CFS – Serviços de Catering Lda. se não se vê em que medida participou em tomada de decisão para aquele encerramento naquela data. Antes pelo contrário resulta que foi o sócio maioritário daquela sociedade que decidiu encerrar a atividade da empresa a partir de 31/05/2012, sociedade que veio depois a ser declarada insolvente por sentença proferida em 22/10/2012 no âmbito do Processo n.º 3471/12.9TJCBR do extinto 3.º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra.
3.28 Ora, se é certo que era sobre o autor que recaía a obrigação de manter a atividade da empresa e do seu posto de trabalho enquanto beneficiário das prestações de desemprego, durante, pelo menos, três anos, nos termos do disposto no artigo 12º nº 9 alínea b) da Portaria nº 985/3009, de 4 de setembro, por efeito do projeto a que se vinculou, a verdade é que a aquele projeto visava a aquisição de capital social na sobredita sociedade CFS – Serviços de Catering Lda, sem que simultaneamente o autor pudesse deter um poder de decisão efetivo sobre os destinos da sociedade, face à minoria de capital que iria subscrever. E sem que simultaneamente resulte que detivesse a qualidade de gerente ou integrasse a gerência da sociedade.
3.29 Por outro lado, não chegou, sequer, a ser formalizada a aquisição, pelo autor, de capital social daquela sociedade. E mau grado a argumentação discorrida pela entidade administrativa no presente recurso, quanto ao contributo (culposo) do autor quanto a essa circunstância (de não ter chegado a ser formalizada a aquisição de quota social), importa recordar que a decisão administrativa, que ordenou ao autor a reposição do valor das prestações por desemprego, assentou única e exclusivamente no pressuposto de que ao ter sido encerrada em 31/05/2012 a atividade da sociedade CFS – Serviços de Catering Lda., por conseguinte antes de decorrido o período mínimo de 3 anos após a concessão do apoio à criação do próprio emprego, ter sido incumprido o projeto para o qual foi concedido. Pelo que, como já se disse supra, é inócua e inconcludente a discussão que possa ser feita em torno dessa circunstância se a mesma não foi considerada pela entidade administrativa na decisão impugnada enquanto pressuposto da sua atuação.
3.30 Deve também dizer-se que não se pode sobrescrever o acolhimento e relevo que a sentença recorrida deu à circunstância de o autor ter constituído uma outra empresa (a sociedade PM - Unipessoal, Lda.) na qual é sócio, através da qual mantendo o emprego do próprio.
Neste aspeto colhe o argumento do recorrente no sentido que de o legislador faz depender a concessão do benefício do pagamento global, por uma só vez, das prestações de subsídio de desemprego da aprovação pelo IEFP, I.P. de um projeto de criação do próprio emprego, pelo que a alteração à execução de tal projeto deverá se colocada à apreciação dessa entidade, não estando os beneficiários legitimados a, sem qualquer controlo, aplicar o apoio atribuído a fins diversos dos aprovados.
3.31 O que releva é que, efetivamente, e como bem nessa parte foi considerado na sentença recorrida, não se pode concluir que o encerramento da sociedade CFS – Serviços de Catering Lda. tivesse tido origem ou sido sequer motivado por qualquer conduta do autor, não lhe podendo ser, nessa medida, imputado o incumprimento da obrigação de manter a atividade da sociedade pelo período mínimo de 3 anos. E se assim é, não se verificava o pressuposto de incumprimento injustificado previsto no artigo 34º nº 4 do DL. nº 220/2006 (na redação do DL. nº 64/2012).
Pelo que, por tal razão e fundamento, a decisão que determinou ao autor a reposição da verba que aquele havia recebido em antecipação das prestações por desemprego a que tinha direito com vista à criação do próprio emprego, não podia ser mantida, e devia ser anulada, como sucedeu.
3.32 Eis porque improcede o presente recurso, devendo ser mantida, embora não na sua exata fundamentação, a sentença do Tribunal a quo que julgando procedente a ação anulou a decisão administrativa impugnada.
O que se decide.
***
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo-se, com a antecedente fundamentação, o julgamento de procedência da ação com anulação do ato administrativo impugnado.
Custas pelo recorrente - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP e 189º nº 2 do CPTA.
Notifique.
D.N.
Porto, 23 de maio de 2019
Ass. Helena Canelas
Ass. Isabel Costa
Ass. João Beato, vencido conforme declaração que se segue: “Concederia provimento ao recurso do I.S.S., por entender ser injustificado, no caso, o incumprimento pelo A. da obrigação de criação do emprego próprio, através da pactuada, mas não executada, aquisição de uma quota da sociedade.”