Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00531/24.7BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/04/2025
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:LUÍS MIGUEIS GARCIA
Descritores:OBRA;
MANDADO JUDICIAL;
Sumário:
I) – Segundo o disposto no art.º 95º, n.º 3, do RJUE, “Na inspeção de operações urbanísticas sujeitas a fiscalização nos termos do presente diploma é necessária a obtenção de prévio mandado judicial para a entrada no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento.”.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

«AA» (Rua ..., ... ...) interpõe recurso jurisdicional do decidido pelo TAF de Viseu, o qual acolheu a emissão de mandado judicial para entrada no seu domicílio pedido por intermédio do Presidente da Câmara Municipal ..., «BB», invocando o disposto no artigo 95º, nº 3, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo DL 555/99, de 16 de dezembro.

Conclui:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

O recorrido contra-alegou, pugnando pelo não provimento do recurso.
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O Exm.ª Procurador-Geral Adjunto foi notificado nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA, emitindo parecer no sentido de não provimento do recurso.
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Os autos vieram remetidos do TCAS.
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Com legal dispensa de vistos, cumpre decidir.
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Os factos, fixados como provados pelo tribunal “a quo”:
1) Desde 2015 que o Requerido é proprietário da fração autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sita na Avenida ..., ... ..., destinada a arrumos, localizada no logradouro do alçado posterior (tardoz do prédio), constituída por um compartimento amplo, ao nível do rés-do-chão, com a área de 77,60m2. (cfr. fls. 75/77, 63 /64 do processo administrativo (PA));
2) A fração identificada em 1) é habitada pelo Requerido e pelo seu agregado familiar. (não controvertido);
3) O Requerido e seu agregado familiar, padecem de um quadro sócio-económico frágil. (cfr. fls. 128/134, 140/142 do PA; art. 20 da contestação);
4) Na sequência de queixa de moradores do condomínio onde a fração identificada em 1) se insere, relativas a habitação ilegal e situação de insalubridade e perigo para a saúde pública, foi desencadeado, no Município ..., o processo n.º 169/2014, com assunto “Queixa de insalubridade”. (cfr. fls. 6/14, 63/64, 112/113, 215 do PA);
5) No ambito do processo n.º 169/2014, foram realizadas vistorias, tendo sido apurado que sobre o edifício identificado em 1), que é um rés-do-chão, se encontra construído um andar e terraço, onde habita o Requerido com a sua família e seus animais. (cfr. informação 279/2015 a fls. 20 do PA);
6) O andar e terraço construídos sobre a fração identificada em 1) não se encontram licenciadas e não são passíveis de legalização. (cfr. 6, 7, 14, 20, 22 a 24, 40, 43 do PA);
7) O Requerido foi notificado para fazer prova da legalidade da construção realizada na fração identificada em 1). (cfr. fls. 29, 59, 61 do PA);
8) O Requerido não apresentou documentação comprovativa da legalidade das obras realizadas na fração identificada em 1). (não controvertido);
9) O Requerido foi ouvido sobre a intenção de demolição/remoção das obras indevidamente efetuadas. (cfr. 30, 34, 40, 43, 81, 83 do PA);
10) Por despacho de 12/09/2016, do Vereador do Departamento ..., foi ordenada a demolição e remoção dos trabalhos considerados indevidamente realizados na fração, tendo sido concedido ao Requerido o prazo de 60 dias para o seu cumprimento. (cfr. fls. 30, 34, 40, 43, 81, 83 do PA);
11) O Requerido não realizou a demolição e remoção dos trabalhos mencionados no ponto anterior voluntariamente. (não controvertido);
12) Após audição do Requerido, foi determinada a execução dos trabalhos, nos termos dos artigos 107.º e 108.º do RJUE, e a posse administrativa do imóvel para execução coerciva das obras (cfr. fls. 85, 89, 93, 106, 108, 211 do PA);
13) O Requente participou o incumprimento da ordem de demolição ao Ministério Público, o que originou processo crime que culminou na condenação do Requerido por desobediência. (cfr. 91, 103, 124, 144/150, 151/156 do PA);
14) Posteriormente, os serviços sociais do Município ..., designadamente pelo Gabinete de Ação Social, Solidariedade e Família do Município ..., desencadearam procedimentos com vista ao realojamento do Requerente e sua família. (cfr. fls. 116, 126/134, 140/142, 208/214 do PA);
15) O Requerente tem recusado as alternativas habitacionais oferecidas pelo Município para o seu realojamento. (não controvertido);
16) Em 19/06/2024, o Requerido foi notificado sobre a intenção de ser determinada a posse administrativa da fração identificada em 1), com vista à demolição das obras. (cfr. fls. 332 do PA);
17) Em 09/07/2024 foi, proferido despacho pelo Presidente da Câmara Municipal ..., a determinar a posse administrativa por 60 dias, da fração identificada em 1), com vista à execução coerciva da demolição das obras. (cfr. EDOC/2020/46793 – fls. 377 a 362, Etapas 95 a 99.13, fls.361 e 378 do PA);
18) Em 09/07/2024 foi emitido mandado de notificação do Requerido com vista notifica-lo do despacho mencionado no ponto anterior, tendo sido o Requerido notificado na mesma data. (cfr. mandado de notificação e certidão a fls. 378 do PA);
19) No dia agendado para a tomada de posse não foi possível a sua execução por oposição do Requerido, que não permitiu a entrada na fração. (cfr. fls. 380 do PA).
*
A apelação
A pretensão trazida a juízo:
Deve o presente requerimento ser julgado provado e deferido e, em consequência, ser ordenada a emissão do mandado que autorize a entrada no domicílio do Requerido, melhor descrito no artigo 1º deste articulado,
Tudo com as legais consequências.”.
O tribunal “a quo” julgou “o presente processo procedente, e, consequentemente, decido o seguinte:
1.º - Supro a falta do consentimento do Requerido e/ou de quem a represente, consentindo-se, por intermédio de mandado judicial, que os funcionários ou agentes dos serviços do Município ... entrem na habitação/domicílio em causa e seus anexos, assim como, com as máquinas e ferramentas úteis a tal desiderato, por forma a executarem a posseadministrativa do local e a realizarem todas as operações materiais necessárias à concretização da demolição;
2.º - Após o trânsito da presente sentença, deve a secretaria, em dois dias, passar o mandado judicial em causa, a assinar pelo Juiz titular dos presentes autos, mais se determinando que desse mandado constem, entre outras, as seguintes prescrições:
a) A entrada na habitação/domicílio do Requerido só pode ocorrer no período diurno, entre as 07h:00 e as 21h:00;
b) Os funcionários e agentes do Município ... que entrarem à habitação/domicílio do Requerido e os que concretizarem a medida de tutela da legalidade urbanística deverão fazer-se acompanhar de identificação visível;
c) Os funcionários e agentes do Município ... que entrarem à habitação/domicílio do Requerido, os que concretizarem a medida de tutela da legalidade urbanística e os responsáveis por tais operações, por forma a darem efectivo cumprimento ao mandado judicial, podem recorrer à colaboração da força pública (Polícia Municipal, Polícia de Segurança Pública ou Guarda Nacional Republicana), requisitando-a sempre que necessário.”.
Desenvolveu sob “IV.B. DE DIREITO” (cfr. decisão recorrida):
«(…)
O Requerente nos presentes autos, Município ..., vem requerer a emissão de mandado judicial para entrada na fração autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sita na Avenida ..., ... ..., propriedade e domicílio do Requerido, por forma a concretizar a posse administrativa do imóvel, e bem assim, executar obras de demolição já determinadas, de forma a reintegrar a legalidade urbanística violada.
Opondo-se à pretensão do Requerente, o Requerido defende que a norma que fundamenta o pedido não é aplicável à tomada de posse da fração, para efeitos de execução coerciva de medidas de tutela de legalidade urbanística decretadas.
Mais assevera, que quando comprou a fração, da qual já era arrendatário, as obras já tinham sido realizadas, tendo esta sido vendida nos precisos termos em que se encontra atualmente, e, dessa forma, a prova da legalidade da construção e ampliação efetuada apenas pode ser exigida ao anterior proprietário.
Vejamos.
A demolição de obras ilegais, porque não licenciadas e não tituladas pelo competente alvará (ou porque insusceptíveis de legalização/licenciamento), como se verifica no caso em apreço, constitui uma medida de tutela da legalidade urbanística, prevista no artigo 102.º, n.º 1, alíneas a) e e), e n.º 2, alínea e), do RJUE.
O Decreto- Lei n. º 555/99, de 16 de Dezembro, que estabelece o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), prevê, no que diz respeito à demolição, no artigo 106.º do RJUE o seguinte:
1 - O presidente da câmara municipal pode igualmente, quando for caso disso, ordenar a demolição total ou parcial da obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras ou trabalhos, fixando um prazo para o efeito.
2 - A demolição pode ser evitada se a obra for suscetível de ser licenciada ou objeto de comunicação prévia ou se for possível assegurar a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração.
3 - A ordem de demolição ou de reposição a que se refere o n.º 1 é antecedida de audição do interessado, que dispõe de 15 dias a contar da data da sua notificação para se pronunciar sobre o conteúdo da mesma.
4 - Decorrido o prazo referido no n.º 1 sem que a ordem de demolição da obra ou de reposição do terreno se mostre cumprida, o presidente da câmara municipal determina a demolição da obra ou a reposição do terreno por conta do infrator
Pois bem, quando o particular não dê cumprimento voluntário à ordem de demolição das obras consideradas ilegais e para que tal medida spossa ser concretizada materialmente, de forma coerciva, impõese que seja decretada a posse administrativa do imóvel, conforme prescreve o artigo 107.º, n.º 1, do RJUE:
1 - Sem prejuízo da responsabilidade criminal, em caso de incumprimento de qualquer das medidas de tutela da legalidade urbanística previstas nos artigos anteriores o presidente da câmara pode determinar a posse administrativa domóvel onde está a ser realizada a obra, por forma a permitir a execução coerciva de tais medidas.
A posse administrativa prevista no RJUE é um ato administrativo desfavorável para os seus destinatários, implicando a possibilidade de entrada e permanência em espaços de titularidade privada, sem o consentimento destes e sem recurso prévio aos Tribunais.
No entanto, determinada, licita e eficazmente, a demolição e a posse administrativa de uma fração autónoma, sobre a qual foi construída ilegalmente uma habitação e terraço, e havendo oposição à entrada dos funcionários da Câmara no domicílio pelo titular deste, pode o Presidente da Câmara obter o suprimento jurisdicional do consentimento exigido no art. 34.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e pressuposto nos arts. 95.º e 106.º do RJUE. (cfr. Acórdão TCAS, no proc. N.º 08186/11, de 14/12/2011).
Também os autores, Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes, (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado, Almedina, 4ª Edição, nota 4. ao artigo 95.º, pág. 623 e ss), referem que uma das situações justificativas mais frequentes de entrada no domicílio são a efetivação da tomada de posse administrativa do imóvel de modo a permitir a execução coerciva das medidas de tutela da legalidade urbanística já decretadas e não cumpridas voluntariamente, entre elas a execução de obras de demolição.
Logo, conclui-se que a presente ação é o meio idóneo para concretização material da posse administrativa com vista à execução coerciva de medidas de tutela urbanistica previamente decretadas.
Quanto ao demais invocado pelo Requerido, note-se que o controlo judicial efetuado pelo Tribunal na emissão de mandado judicial, não implica apreciação sobre a decisão administrativa de demolição ou posse administrative tomada, não sendo um meio de impugnação do acerto daquela decisão ou apreciação da sua validade, apresentando-se, ao invés, como que uma forma de verificar o cumprimento de prescrições e exigências de ordem pública, como a participação do particular no procedimento administrativo em curso e a competência para ordenar a realização da diligência.
Dito isto, no caso sub judice resulta da matéria assente que:
- Foi constatada a existência de um andar e terraço em cima fração identificada em 1) da matéria assente, que é uma construção destinada a arrumos, que não se encontra legalizada, estando a ser usado como domicílio do Requerido e família.
- Em 12/09/2016, o Município ..., após audição do Requerido, ordenou a demolição das obras, devendo este proceder voluntariamente à demolição das construções, no prazo de 60 dias.
- O Requerido incumpriu com o determinado
- Perante o incumprimento do ora Requerido, o Presidente da Câmara Municipal ... emitiu, em 09/07/2024, o competente despacho ordenador da posse administrativa do local onde se encontram implantadas as obras não licenciadas e não tituladas por alvará (ou insusceptíveis de legalização/licenciamento).
Ante o expendido, conclui-se que o Requerente cumpriu os procedimentos e formalidades legais preconizadas nas citadas normas do RJUE com vista à concretização da decretada medida de tutela da legalidade urbanística, notificando o Requerido de todos os atos tomados ao longo do procedimento administrativo.
Contudo, no que toca a concretização material da ordenada medida de tutela da legalidade urbanística, foi negado o acesso aos agentes do Município ... para a execução da posse administrativa e consequente demolição.
Nesta sequência, a recusa do Requerido só pode ser suprida mediante a intervenção de um Tribunal Administrativo (cfr. 1000.º CPC), porquanto está em causa uma relação jurídica administrativa, com especial relevo para a intervenção de normas de direito administrativo, em particular de índole urbanística, mas também como meio de salvaguarda de direitos fundamentais, como seja, o da inviolabilidade do domicílio, enunciado no artigo 34.º, n.º 1, da CRP, conforme competência que dimana do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do ETAF.
Ainda assim, a CRP admite que o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio possa ser quebrado, permitindo que a entrada no domicílio dos cidadãos se possa fazer contra a vontade dos mesmos, desde que, tal entrada seja ordenada pela autoridade judicial competente, atento o disposto no artigo 34.º, n.º 2, da CRP.
No caso em apreço, pode dizer-se que o direito habitacional do Requerido e sua família continua assegurado pelo Requerente, resultando dos autos que os serviços do Município ... comprometeram-se à atribuição de alternativa habitacional para os mesmos.
Em consequência, o Tribunal supre a falta do consentimento do Requerido, consentindo-se, por intermédio de mandado judicial, que os funcionários ou agentes dos serviços do Município ... entrem na habitação/domicílio em causa, assim como, com as máquinas e ferramentas úteis a tal desiderato, por forma a executarem a posse administrativa do local e a realizarem todas as operações materiais necessárias à concretização da demolição.
(…)».
O recorrente nada mais faz na apelação que reeditar os argumentos de causa já submetidos ao julgamento da 1ª instância, sem maior esforço de especificação quanto às razões do desacerto do julgado e por forma a convencer o Tribunal ad quem que a decisão recorrida está inquinada de erro.
Oferece a importância da tutela constitucional que não nos deixemos de debruçar.
Bem que ao caso não sejam necessárias grandes lucubrações.
Está em causa a proteção da inviolabilidade do domicílio, a que a Constituição reconhece a natureza de direito de liberdade sujeito ao regime dos direitos, liberdades e garantias.
Como lembra o Exm.º Magistrado do Ministério Público no seu Parecer:
«6. Quanto à caracterização do mandado judicial e ao controlo judicial envolvido no mesmo, esclarece Dulce Lopes, no artigo “Mandado, por quem? Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 145/2009 (1a Secção), de 24.3.2009, P. 558/08”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n° 78, novembro/dezembro de 2009, págs. 39 a 42, o seguinte: “I. Situações que convocam a obtenção de mandado: Nos casos em que seja necessário averiguar eventuais situações de ilegalidade ocorridas dentro de domicílio ou levar a cabo a execução de vistorias ou de medidas de tutela de legalidade, sem que se tenha obtido prévio consentimento para entrada naquele, é imperiosa a obtenção de mandado judicial, como resulta do disposto no art. 95°.°, n° 2, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE).
A exigência de mandado judicial corresponde a uma garantia constitucional feita valer perante intervenções urbanísticas que tenham a potencialidade (lesiva) de expor a intimidade e dimensões de reserva da vida privada e familiar dos titulares ou ocupantes do imóvel. Efectivamente, já nos termos previstos no n.° 2 do art. 34.° da CRP, a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstas na lei, o que impõe uma necessária intervenção das autoridades judiciais (reserva de juiz) para salvaguarda de direitos fundamentais dos cidadãos.».
No caso dos autos, estamos diante de um pedido de mandado para entrada no domicílio, formulado ao abrigo do artigo 95º do RJUE, cuja redação é a seguinte:
Artigo 95.º
Inspecções
1 - Os fiscais municipais ou os trabalhadores das empresas privadas a que se refere o n.º 5 do artigo anterior, podem realizar inspeções aos locais onde se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização nos termos do presente diploma, sem dependência de prévia notificação.
2 - Os fiscais municipais e os trabalhadores das empresas mencionados no número anterior podem fazer-se acompanhar de elementos das forças de segurança e do serviço municipal de proteção civil, sempre que haja fundadas dúvidas ou possa estar em causa a segurança de pessoas, bens e animais.
3 - Na inspeção de operações urbanísticas sujeitas a fiscalização nos termos do presente diploma é necessária a obtenção de prévio mandado judicial para a entrada no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento.
4 - O mandado previsto no número anterior é requerido pelo presidente da câmara municipal junto dos tribunais administrativos e segue os termos previstos no código do processo nos tribunais administrativos para os processos urgentes.
5 - Para as operações urbanísticas em curso, a falta de consentimento decorre de ser vedado o acesso ao local por parte do proprietário, locatário, usufrutuário, superficiário, ou de quem se arrogue de outros direitos sobre o imóvel, ainda que por intermédio de alguma das demais pessoas mencionadas no n.º 2 do artigo 102.º-B, ou de ser comprovadamente inviabilizado o contacto pessoal com as pessoas antes mencionadas.
6 - Para as operações urbanísticas concluídas, a falta de consentimento decorre de o proprietário não facultar o acesso ao local, quando regularmente notificado.
7 - A entrada e a permanência no domicílio devem respeitar o princípio da proporcionalidade, ocorrer pelo tempo estritamente necessário à atividade de inspeção, incidir sobre o local onde se realizam ou realizaram operações urbanísticas e a prova a recolher deve limitar-se à atividade sujeita a inspeção.
Na decisão recorrida mobilizou-se, em apoio doutrinal, que «os autores, Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes, (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado, Almedina, 4ª Edição, nota 4. ao artigo 95.º, pág. 623 e ss), referem que uma das situações justificativas mais frequentes de entrada no domicílio são a efetivação da tomada de posse administrativa do imóvel de modo a permitir a execução coerciva das medidas de tutela da legalidade urbanística já decretadas e não cumpridas voluntariamente, entre elas a execução de obras de demolição.».
O recorrente entende que “a norma que fundamenta o pedido não é aplicável à tomada de posse da fração, para efeitos de execução coerciva de medidas de tutela de legalidade urbanística decretadas.”.
Mas é, embora não como o coloca e supõe.
Aduz que não se pretende realizar uma qualquer inspecção a local “onde se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização”, mas sim a “entrada na fração autónoma para efectivação da tomada de posse da fracção em apreço, de modo a permitir a execução coerciva das medidas de tutela da legalidade urbanística já decretadas e não cumpridas voluntariamente, designadamente a execução das obras de demolição ordenadas”.
De onde tira: “E, logo, a invocada norma legal não dá “cobertura” ao pretendido.”.
Mas ao que se refere o citado art.º 95º, n.º 3, é à “inspeção de operações urbanísticas sujeitas a fiscalização”, e assim o faz a despeito de qualquer juízo quanto à “validade” de operação que possa estar em causa (nomeadamente a respeito da “legalidade da construção e ampliação”); daí se desliga no imediato, trata-se apenas de factualmente apurar um estado de coisas; não tem de “implicar a apreciação sobre a decisão administrativa de demolição ou posse administrativa tomada”, pelo menos, no contexto em que aqui ocorre, enquanto tal decisão aparentemente se oferece despida de qualquer mais grave invalidade, e, eficaz na ordem jurídica, produz efeitos.
Se essa inspecção é empreendida concomitantemente a execução coerciva de medida de tutela urbanística, nem por isso falta «“cobertura” ao pretendido».
Aliás, naquela que em concreto confronta - posse administrativa com demolição -, bem adequado surge que a execução (seja no pertinente a motivos técnicos, seja em razão de segurança de pessoas ou preservação de bens) seja acompanhada de inspecção.
Por último, sem fazer emergir erro de julgamento, ao “direito habitacional do Requerido e sua família”, que na decisão recorrida se entendeu que “continua assegurado pelo Requerente, resultando dos autos que os serviços do Município ... comprometeram-se à atribuição de alternativa habitacional para os mesmos”, limita-se o recorrente em antinomia a afirmar que “não está assegurado pelo Requerente”.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.
Porto, 4 de Abril de 2025.

Luís Migueis Garcia
Catarina Vasconcelos
Alexandra Alendouro