Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03106/12.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/13/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL; MILITAR; CESSÃO UNILATERAL DO CONTRATO; AUSÊNCIA INJUSTIFICADA AO SERVIÇO.
Sumário:1. Constitui facto ilícito, a fundar o dever de indemnizar, por responsabilidade civil extracontratual, a instauração de um processo disciplinar contra um militar, por ausência injustificada ao serviço, numa situação em que o contrato de prestação de serviço militar cessou validamente por declaração unilateral do militar, de acordo com o previsto no próprio contrato.

2. Mostra-se equitativa a indemnização de 5.000 euros pela humilhação resultante a instauração indevida de procedimento disciplinar a um militar e pela angústia de ver eminente a aplicação da pena de prisão efectiva que lhe foi aplicada. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Estado Português
Recorrido 1:P.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Estado Português veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 17.01.2014, pela qual foi julgada parcialmente procedente a acção administrativa comum, sob a forma de processo ordinário, intentada por P. contra o Estado Português, para pagamento, a título de responsabilidade civil extracontratual, da quantia de 149.099,00 euros, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo pagamento e que, em consequência, condenou o Réu a pagar ao Autor a quantia de 320,00 euros a título de danos patrimoniais; e a quantia de 12.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais; julgou improcedente o pedido reconvencional deduzido pelo Réu e dele absolveu o Autor e decidiu que às quantias supra referidas acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a citação do Réu, em 6 de Dezembro de 2013, até efectivo e integral pagamento.

Invocou para tanto, em síntese, que se verifica oposição (contradição) entre os fundamentos e a decisão; erro de julgamento de facto; erro de julgamento de direito, por não verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar e excesso do montante indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais na sentença recorrida.

O Recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção do decidido.

O Tribunal a quo proferiu despacho em que se pronuncia pela não verificação da nulidade arguida nas alegações de recurso, pelas razões constantes da sentença recorrida.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1 - Verifica-se a nulidade da douta sentença prevista no artº 615º, nº 1, al. c) , do CPC de 2014 (aplicável «ex vi» artº 1º do CPTA), por se encontrarem os fundamentos da sentença recorrida em manifesta oposição (contradição) com a mesma decisão, pois:

1.1 - Tendo o A., enquanto Oficial do Exército em Regime de Contrato, requerido a rescisão do seu contrato com efeitos imediatos, a 02.08.2010, e tendo o seu comandante, com base no entendimento de que essa rescisão não operava com efeitos imediatos, lhe aplicado uma pena disciplinar por ausência ilegítima, o Tribunal «a quo» considerou verificarem-se os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Réu pela prática de atos ilícitos.
1.2 – E o Tribunal «a quo» também:
1.2.1 – Considerou, no que concerne aos danos patrimoniais, que, "julgamos como muito verosímil, que a teia de acontecimentos em que o Autor foi envolvido, por culpa do Exército, após o seu pedido de rescisão em 02 de Agosto de 2010, demandava acompanhamento médico na valência em causa, dada a perturbação depressiva em que ficou envolvido, e que veio a culminar no decretamento da prisão disciplinar".
1.2.2 – Considerou, no que respeita aos danos não patrimoniais, que "para lá da teia de acontecimentos em que o Autor se viu envolvido, por deficiente e anómala tramitação do pedido de rescisão com efeitos imediatos, viu ainda registado na sua folha de matricula militar, para todo o sempre, toda uma série de registos, nada desejáveis, e que de todo ai deveriam constar ( ... )" (sublinhado nosso).
1.2.3 –Excluiu o pedido reconvencional do réu, ora recorrente por considerar que, "na temporalidade em causa (entre 02 de Agosto de 2010 e 02 de Outubro de 2010), atinente aos 60 dias de falta de pré-aviso, o Autor esteve sempre sob a hierarquia do Exército" (sublinhado e negrito nossos).
1.3 – Destarte, o Tribunal «a quo» considerou a existência de vínculo contratual entre recorrido e recorrente para além do requerimento de rescisão contratual, datado de 02 de Agosto de 2010, mas tão só para efeitos de verificação do prazo de pré-aviso por parte do recorrido e já não quanto à responsabilidade disciplinar por parte do Recorrente.
1.4 - A fixação da existência do vínculo contratual (laboral) terá salvo melhor entendimento, necessariamente de operar efeitos em ambas as circunstâncias.
1.5 - Assim, ou se considera que o vínculo contratual entre recorrido e recorrente se manteve nos meses de Agosto a Outubro de 2010 e, em consequência, por um lado, o A. cumpriu o pré-aviso e, por outro lado, o ora recorrente tinha capacidade disciplinar sobre aquele; ou se considera que o requerimento de rescisão teve de facto efeitos imediatos e não houve vínculo laboral entre Agosto e Outubro, pelo que o A. não cumpriu com o pré-aviso e o recorrente não tinha efetivamente poder disciplinar sobre aquele.
1.6 - E o não cumprimento do pré-aviso acarretaria a procedência do pedido reconvencional formulado ainda que com base no enriquecimento sem causa.
1.7 – Aliás, a verificar-se, como se verificou, a fixação de que "na temporalidade em causa, atinente aos 60 dias de falta de pré-aviso o Autor esteve sempre sob a hierarquia do Exército", como oficial do Exército, o Tribunal «a quo» está implícita e inevitavelmente a considerar que este detinha uma tutela disciplinar sobre aquele como militar, acarretando, neste âmbito, a inexistência da responsabilidade extracontratual.
1.8 – Pelo que, tendo em conta o exposto, deve a sentença recorrida ser substituída por outra.

2 – Em todo o caso, a douta sentença padece de erro de julgamento de facto , já que considerou provado no ponto 28 da factualidade provada da douta sentença recorrida, o qual deve ser eliminado ou, se assim não se entender , deverá conter a causa ou motivo da «definitividade» aí indicada passando, destarte, o ponto 28 a ter redação similar à seguinte:«28 - As menções na folha de matrícula, referidas em 26 e 27 supra, manter-se-ão aí definitivamente, salvo se forem eliminadas ou canceladas, não tendo até ora o A. requerido o respetivo cancelamento ou eliminação». Pois:
2.1 - Se, no caso de deferimento total da reclamação, do recurso hierárquico, da impugnação ou da revisão, são eliminadas ou canceladas na folha de matrícula as punições (quando averbadas antes de a decisão ser definitiva) – v. artºs 42º, nºs 2 e 4, al. a) do REDME e artºs 63º, nºs 1, 2 e 4, e 132º, nº3 do RDM - igualmente o deverão ser os factos que consubstanciam tais punições não efetivadas e os factos indicadores ou reveladores da existência dessa punição considerada indevida ou nula e do respetivo processo.
2.2 - É que se assim não for o cancelamento ou eliminação do registo/averbamento da condenação na folha de matrícula não logra atingir a finalidade pretendida com essa eliminação: a impossibilidade de conhecimento de situações pretéritas averbadas.
2.3 - Aliás, nada impedia que, face à não eliminação de tais averbamentos, pela administração militar, o próprio autor o tivesse requerido quer à instituição militar quer em ação própria nos tribunais administrativos, o que não fez, conformando-se assim com a existência desses averbamentos.
2.4 – Apesar de o depoimento da testemunha O., Tenente-Coronel do Exército ter sido prestado em consciência e se apresentar (aparentemente) credível, não se podia considerar como provado, apenas com base nesse depoimento, a definitividade dos averbamentos acima referidos, pois a esta definitividade subjaz a solução de que o averbamento não pode, depois de efetuado, ser eliminado, o que contraria o regrado designadamente no REDME e no RDM .

3 –Atentos os factos apurados, mostra-se existir erro de julgamento de direito pela não verificação de pressupostos da responsabilidade civil extracontratual pela prática de facto ilícitos, pois:
3.1 – Se, segundo o Tribunal «a quo», o Autor esteve, como militar, desde 05.02.2007 a 02.10.2010 sob a hierarquia do Exército, este, durante esse período - incluindo, por conseguinte, necessariamente, o de 29.07.2010 a 02.10.2010 - tinha capacidade/tutela disciplinar sobre o A..
3.2 - Ora, não há dúvida que o A., a 02.08.2010, apresentou requerimento de rescisão imediata do contrato celebrado com o Exército Português, pedindo o deferimento desse requerimento, estando-se, assim, perante um pedido de rescisão imediata por mútuo acordo;
3.3 - Ou seja, com esse requerimento, contrariamente ao considerado na douta sentença, o A. não rescindiu o contrato ou comunicou a rescisão imediata do contrato;
3.4 -As faltas ao serviço subsequentes a esse requerimento, e antes de qualquer decisão sobre o requerido, apenas podem configurar faltas injustificadas (ou, noutras palavras, ausência ilegítima), com as consequências daí decorrentes;
3.5 – Atentos os mencionados factos e considerando o disposto no RDM a instauração desse procedimento disciplinar não constitui violação de qualquer normativo;
3.6 - O facto de uma decisão disciplinar ter soçobrado, ao ser anulada em sede de recurso hierárquico ou em sede de impugnação judicial, não acarreta, como consequência direta, a responsabilidade do Estado pelos efeitos da decisão disciplinar, porquanto não importa, à partida, um juízo de ilegalidade ou de ilicitude na sua elaboração desde que proferida no uso de uma competência legal e com respeito pelos princípios que regem o exercício das respetivas funções;
3.7 - A instauração de procedimento disciplinar é justificada pela conduta do A., sendo, assim, reconhecido ao superior hierárquico titular desse poder-dever o direito legal de sacrificar (eventuais) bens ou valores jurídicos de que aquele é titular inferiormente valorados pela ordem jurídica, não se mostrando violada nenhuma regra de ordem técnica ou o dever de cuidado configuradores de facto ilícito, tal como é previsto no art. 9º, nº1 do Regime aprovado pela Lei nº 67/07.
3.8 - Igualmente não se mostra que a instauração e tramitação do processo disciplinar, a acusação, condenação nele proferidas e os averbamentos na folha de matrícula tiveram lugar de modo leviano, imaginário e infundado e que os respetivos autores de tal factualidade tinham o dever de os não ter praticado.
3.9 - Não se vislumbra como pode a existência dos averbamentos na folha de matrícula respeitantes à conduta, instauração e decisão disciplinar ofender ou prejudicar o A. quando este nem sequer pediu o cancelamento ou eliminação de determinado registo/averbamento na folha de matrícula.
3.10 - Não se verificando conduta ilícita e culposa, está arredada a obrigação de indemnizar do R. Estado, devendo, assim, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, improceder cabalmente o peticionado pelo A.
3.11 - Assim, a sentença recorrida deverá ser revogada e, em consequência, substituída por outra que absolva «in totum» o Réu Recorrente do pedido formulado pelo A. por tal ser conforme com a realidade.

4 – Mas mesmo que assim, não se entenda, no que se não concede nem aceita e só por cautela e mera hipótese se concebe, o montante de indemnização fixado a título de danos não patrimoniais mostra-se, atentos os usos do ordenamento jurídico português desfasada, por exagerada (cf. Acórdão do STA de 09 de Fevereiro de 2005, procº nº 941/04, acessível in «www.dgsi.pt») pois:
4.1 - O montante da indemnização devido pelos danos não patrimoniais, visto o disposto no art. 496º, nº 4, do C. Civil conectado com o preceituado no art. 494º do C. Civil, é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, o grau de culpa do lesante , a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias que contribuam para uma solução equitativa, bem como aos critérios geralmente adotados pela jurisprudência e às flutuações do valor da moeda, de modo a alcançar um valor adequado, proporcional e justo, que deverá corresponder e dignificar o relativo quantum do sofrimento e a medida da sua atenuação.
4.2 – «In casu», o recorrido nunca cumpriu a pena disciplinar que lhe foi aplicada e posteriormente dada sem efeito e se a pena disciplinar continua averbada na folha de matrícula bem como outras menções com a mesma relacionados como por exemplo os dias de ausência ilegítima ou a instauração de processo disciplinar, deve-se a inércia sua, pois nada impedia o A. de ter requerido a retirada da sua folha de matrícula dos excertos em questão.
4.3 - A gravidade das transcrições em causa não se mostra adequada ao dano não patrimonial e à indemnização que foi fixada - particularmente se for levado em conta que a Folha de Matrícula do recorrido não é um documento de livre acesso e insuscetível de facilmente provocar danos na vida do recorrido.
4.4 - E na fixação do quantum indemnizatório pelo tribunal «a quo», não se mostra minimamente que tenha sido considerado o facto provado de o Recorrido ter querido manter o seu vínculo com o Exército Português, depois de já ter sido ouvido em auto de declarações (no âmbito do referido processo disciplinar instaurado a 11.08.2010).
4.5 - Nem sequer se alcança, pois, como o recorrido pôde ter desejado voltar a um trabalho ao qual imputa a sua alegada "Perturbação Depressiva Major", já que danos que aquele diz ter sofrido nunca poderiam ser de tal forma significativos que o levassem a equacionar, desejar e requerer manter-se ao serviço do recorrente.
4.6 – Por conseguinte, a considerarem-se verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, sempre deveria o montante indemnizatório a título de danos patrimoniais a cargo do Estado ser substancialmente reduzido, para valores inferiores a 3.000,00€ (cf. referido Ac. do STA de 09.02.2005).
4.7 - Pelo que, pelo menos, deve ser, atento o aduzido, parcialmente revogada a decisão proferida e substituída por outra que tenha em conta o plasmado no item antecedente (4.6).

5 – O Tribunal « a quo», ao decidir como decidiu, desrespeitou, neste âmbito, o disposto nos artºs 483º, 494º e 496º do Código Civil e 3º, 4º, 7º ,9º e 10º do RRCEEDEP (aprovado pela Lei 67/2007, de 31/12).
*

II –Matéria de facto.

Pede o Recorrente que haja alteração de redacção do facto 28º, por o mesmo conter um erro de julgamento de facto.

Para tanto alega:

“O tribunal «a quo» considerou provado que «28 - As menções na folha de matrícula, referidas em 26 e 27 supra, manter-se-ão aí definitivamente», fundamentando a factualidade vertida neste item nº 28 no «depoimento da testemunha O., Tenente-Coronel do Exército, que referiu que depois de efetuados averbamentos na folha de matricula, caso os mesmos deixem de ter efeitos, o que se faz é apenas, posteriormente e na mesma folha de matricula, uma "nota de anulação"», depoimento que, conforme aí se expende foi considerado «prestado com isenção e imparcialidade».

Nos referidos pontos 26 e 27, constam menções referentes à ausência ilegítima do Autor, ao termo dessa ausência e da instauração de processo de averiguações, e do seu arquivamento, bem como ocorrências reportadas ao período antes da sua passagem à disponibilidade, em 02 de Outubro de 2010, assim como ocorrências reportadas após esta data.

Deste modo, o tribunal «a quo» considerou provado que as referidas menções manter-se-ão na folha de matrícula de forma definitiva, não sendo assim possível a sua eliminação ou cancelamento.

Atento o disposto no artº 62º do RDM (Regulamento de Disciplina Militar) as punições disciplinares são averbadas nos respetivos registos, salvo o disposto no número seguinte (nº1), sendo que o averbamento é feito por transcrição do despacho de punição (nº3), não sendo, porém, averbadas as aplicadas aos militares até ao dia do juramento de bandeira, com exceção das de proibição de saída superior a 10 dias consecutivos e mais graves (v. nº2).

É igualmente averbado no respetivo registo a extinção da responsabilidade disciplinar ou da pena e os casos de alteração da pena (v. nºs 1 e 2 do artº 63º do RDM), não se fazendo menção nas notas extraídas dos registos das penas extintas nem dos respetivos registos (nº3, do referido artº 63º) E, em caso de revogação ou de anulação da pena são eliminadas as correspondentes entradas no registo disciplinar do militar em causa (v. nº4 do mesmo preceito).

No atinente à revisão do processo disciplinar militar dispõe o nº2 do artº 131º que julgada procedente a revisão será revogada a decisão proferida. E a procedência da revisão implica o cancelamento do registo da pena no processo individual do militar e a anulação da pena e eliminação de todos os seus efeitos, mesmo os já produzidos (v. artº 132º, nº3, do RDM).

Segundo o artº 8º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, o processo individual do militar compreende os documentos que diretamente lhe digam respeito, designadamente os de natureza estatutária e disciplinar ou os que contenham decisões proferidas no âmbito da legislação penal militar (v. nº1).

E de acordo com o REDME (Regulamento para a Elaboração dos Documentos de Matrícula no Exército), aprovado por despacho de 29.03.2006 do GenCEME, os documentos de cada militar são a folha de matrícula, que se destina ao registo biográfico dos principais elementos de identificação e de situação dos militares, o processo individual 1ª e 2ª parte com todos os documentos, bem como o livrete de saúde, ficha sanitária ou documento equivalente (v. artº 3º).

Na folha de matrícula são averbadas «todas as penas disciplinares previstas no RDM, impostas pela autoridade competente, logo que deixem de ser suscetíveis de reclamação ou de recurso hierárquico» (artº42º, nº2, do REDME). E no averbamento das penas disciplinares deve observar-se designadamente que: «Quando as reclamações e recursos hierárquicos ou contenciosos forem julgados procedentes, total ou parcialmente, são eliminados ou retificados, conforme o caso, os averbamentos respetivos, se já efetuados» (artº 42º, nº4, al. a) do REDME).

No que concerne ao tempo de serviço efetivo, é averbado na folha de matrícula quer qualquer situação que origine interrupção na contagem, designadamente as situações de ausência ilegítima/deserção, licença sem vencimento ou outras situações que não confiram direito a contagem de tempo de serviço (v. artº 43º, nº1, do REDME), quer, no campo «ABATES» , as alterações que importem diminuição no tempo de serviço efetivo, mencionando sempre o motivo (v. artº 45º, nº3, do REDME) .

São ainda averbadas, de entre outras situações, as rescisões e cessação de contratos RV/RC (v. artº 53º, nºs 1 e, al. a), do REDME)

Deste modo, verifica-se que são averbados na folha de matrícula factos / dados considerados relevantes nos termos definidos pelo próprio REDME, sendo esses averbamentos suportados por documentos legais publicados em Ordem de Serviço (OS) - v. artºs 1º e 10º, nº1, do REDME.

E ao militar que se constituir em ausência ilegítima – ausência sem licença ou autorização -, além da pena disciplinar (se a ausência for de período inferior a 10 dias) que lhe for imposta, será descontado no tempo de serviço efetivo aquele em que estiver ausente.

O cancelamento/eliminação de determinado registo/averbamento na folha de matrícula implica a impossibilidade de conhecer situações pretéritas averbadas.

Assim, se, no caso de deferimento total da reclamação, do recurso hierárquico, da impugnação ou da revisão, são eliminadas ou canceladas na folha de matrícula as punições (quando averbadas antes de a decisão ser definitiva), igualmente o deverão ser os factos que consubstanciam tais punições não efetivadas e os factos indicadores ou reveladores da existência dessa punição considerada indevida ou nula e do respetivo processo.

É que se destarte não for o cancelamento ou eliminação da condenação não logra atingir a finalidade pretendida com essa eliminação: a impossibilidade de conhecimento de situações pretéritas averbadas.

Não obstante determinado depoimento ter sido prestado em consciência e se apresentar («prima facie») credível, não se pode dar como provado determinado facto resultante desse depoimento se o mesmo ofender grosseiramente ou for contrário às regras da experiência e da lógica ou consubstanciar uma impossibilidade (fático-jurídica).

Daí que, apesar de o depoimento da testemunha O., Tenente-Coronel do Exército ter sido prestado em consciência e se apresentar (aparentemente) credível, não se podia considerar como provado, com base nesse depoimento, a definitividade dos averbamentos acima referidos, pois a esta definitividade subjaz a solução de que o averbamento não pode, depois de efetuado, ser eliminado, o que contraria o regrado designadamente no REDME.

Ou seja, tal definitividade não resulta da lei por o averbamento poder ser cancelado ou eliminado, e se a mesma existir resulta, desde logo, da inércia, omissão ou consentimento do próprio A.
Aliás, nada impedia que, face à não eliminação de tais averbamentos, pela administração militar, o próprio autor o tivesse requerido quer à instituição militar quer em ação própria nos tribunais administrativos, o que não fez, conformando-se assim com a existência desses averbamentos.

Por conseguinte, o mencionado facto plasmado no ponto 28 da factualidade provada da douta sentença, ora posta em causa, deve ser eliminado. Se assim não se entender, deverá conter a causa ou motivo de tal «definitividade» - e que é o não terem sido eliminadas ou canceladas tais menções, não tendo o A. requerido o respetivo cancelamento ou eliminação; passando, destarte, o ponto 28 a ter redação similar à seguinte:«28 - As menções na folha de matrícula, referidas em 26 e 27 supra, manter-se-ão aí definitivamente, salvo se forem eliminadas ou canceladas, não tendo até ora o A. requerido o respetivo cancelamento ou eliminação»”.

Vejamos.

É este o teor do facto 28 contantes da sentença recorrida:

“As menções na folha de matrícula, referidas em 26 e 27 supra, manter-se-ão aí definitivamente – Nos termos do depoimento da testemunha O., Tenente-Coronel do Exército, que referiu que depois de efetuados averbamentos na folha de matrícula, caso os mesmos deixem de ter efeitos, o que se faz é apenas, posteriormente e na mesma folha de matrícula, uma “nota de anulação”, depoimento que julgamos prestado com isenção e imparcialidade, e permitiu fixar a factualidade vertido neste ítem”.

Atento o teor das normas invocadas pelo Recorrente conclui-se ser possível a eliminação dos averbamentos registados na folha de matrícula do mesmo, pelo que tem de necessariamente dar-se como não provado o facto vertido em 28 da matéria de facto provada na Primeira Instância, que afirma, para o futuro, o contrário do consagrado nessas normas.

Com efeito, face ao teor dos normativos invocados, não pode esse facto ser dado como provado com fundamento em prova testemunhal, contra o teor de normas jurídicas, que regem sobre a não definitividade das menções na folha de matrícula, referidas em 26 e 27.

E porque o teor das normas invocadas pelo Recorrente não admite prova testemunhal em contrário, prevalecendo sobre esta, também não se pode dar como provado o facto 28, com a redacção proposta subsidiariamente pelo Recorrente.

Assim, decide-se eliminar todo o facto 28 da matéria de facto provada.

Deverão assim considerar-se como provados os seguintes factos, constantes da decisão recorrida:

1 - Por contrato para “Prestação de serviço em regime de contrato”, celebrado em 05 de Fevereiro de 2007, o Autor foi admitido ao serviço do Exército do Estado Português – cfr. folhas 17 a 19 dos autos.

2 - Nos termos da cláusula primeira desse contrato, o Autor foi contratado para exercer funções correspondentes à área funcional de Marketing e publicidade - cfr. folhas 17 a 19 dos autos.

3 - Nos termos das cláusulas terceira e quinta desse contrato, o mesmo iniciou-se em 12 de Fevereiro de 2007, sendo que, por parte do Autor, caso o mesmo quisesse proceder à sua denúncia [após o período experimental], devia o mesmo apresentar pré-aviso com a antecedência mínima de 60 dias, ou indemnização no valor correspondente à remuneração base correspondente ao período de pré-aviso em falta - cfr. folhas 17 a 19 dos autos.

4 – Pelo menos à data de Junho de 2010, o Autor prestava serviço no Regimento de Artilharia 5, onde desempenhava as funções de Adjunto da secção de operações, informação e segurança, e depois foi colocado na 2.ª Companhia de formação - nos termos do depoimento da testemunha Filipe Abreu, oficial em serviço no RA5, que assim depôs, o que julgamos prestado com isenção e imparcialidade, e permitiu fixar a factualidade vertido neste item.

5 – Por requerimento datado de 02 de Agosto de 2010, apresentado às 15,40 horas na secção de pessoal do RA5, o Autor requereu ao Chefe do Estado Maior do Exército, a rescisão do seu contrato, com efeitos imediatos, tendo invocado como fundamento, o facto de vir exercendo até essa data, funções [de adjunto oficial de operações, e também de Comandante de Pelotão – chefe de turma] que não eram condizentes com as que motivaram a celebração do contrato - cfr. folhas 20 dos autos; cfr. ainda os artigos 5.º, 6.º e 7.º da acusação.

6 - Depois de entregar o requerimento onde pedia a cessação imediata do seu vínculo contratual, o Autor deixou as instalações do RA5 – facto não controvertido; cfr. ainda os artigos 5.º, 6.º e 7.º da acusação.

7 – Por ofício datado de 11 de Agosto de 2010, o Autor foi notificado de que o seu requerimento carecia de despacho da entidade competente e que até essa decisão mantinha o vínculo com o Exército Português – cfr. folhas 109 dos autos.

8 – Por ter sido dado em ausência ilegítima, e depois de ter sido procurado por militares do Exército Português, o Autor veio a apresentar-se voluntariamente no RA5, em 12 de Agosto de 2010, onde se manteve até 06 de Setembro de 2010 – facto não controvertido; cfr. alínea h) do despacho de punição; cfr. ainda ponto 15.º da réplica apresentada pelo Autor; e folhas 113 dos autos.

9 – No dia 18 de agosto de 2010, o Autor foi ouvido em auto de declarações – cfr. folhas 91 a 93 dos autos.

10 – No dia 06 de Setembro de 2010, precedendo despacho do Chefe da RPM/DARH, de 03 de Setembro de 2010, o Autor foi exercer funções para a EPT/Porto, até 30 de Setembro de 2010 – cfr. folhas 113 dos autos.

11 – No dia 10 de Setembro de 2010, o Autor apresentou requerimento onde peticionou a anulação da rescisão do regime de contrato que havia requerido em 02 de Agosto de 2010, o qual [requerimento] foi indeferido por despacho datado de 29 de Setembro de 2010, como publicado na ordem de serviço n.º 1190, RA5, de 12-10-2010 – cfr. folhas 139 e 132 dos autos.

12 – No dia 15 de Setembro de 2010, o Autor foi notificado, no Quartel do Regimento de Artilharia n.º 5, da acusação que contra si foi deduzida no âmbito do processo disciplinar n.º 69/PDS/10, que lhe foi mandado instaurar, em 11 de Agosto de 2010, pelo Comandante desse Regimento - cfr. folhas 21 dos autos.

13 – Como fundamento para a acusação deduzida, foi imputado ao Autor, em suma, que no dia 29 de Junho de 2010 se tinha ausentado do quartel para praticar desporto [e que não o fez], que no dia 02 de Agosto de 2010, entregou requerimento para cessação do seu contrato, mas que disso não informou o seu Comandante direto, nem solicitou autorização para se ausentar do Quartel, e ainda, que estando escalado para prestar serviço no dia 03 de Agosto de 2010, ao mesmo não compareceu, por ter assumido que após ter requerido a rescisão do contrato com efeitos imediatos, que não tinha mais qualquer obrigação militar - cfr. folhas 22 a 25 dos autos, em especial, os artigos 22.º a 24.º da acusação.

14 - Em 20 de Setembro de 2010, o Autor havia sido notificado do despacho datado de 03 de Setembro de 2010 do Chefe da RPM/DARH, pelo qual, em suma, foi indeferido o imediatismo da rescisão apresentada pelo Autor, mas a mesma [rescisão] deferida, passando o Autor à disponibilidade, em 02 de Outubro de 2010 - cfr. folhas 40, 111 e 112 dos autos.

15 – Em 27 de Setembro de 2010, o Autor deduziu defesa - cfr. folhas 26 a 28 dos autos.

16 – O Autor passou à disponibilidade, em 02 de outubro de 2010, como publicado na ordem de serviço n.º 186, RA5, de 06-10-2010 – cfr. folha de matrícula, fls. 132 dos autos.

17 – No dia 08 de Novembro de 2010, o Autor foi notificado para desocupar e entregar a casa do Estado n.º 06, que lhe estava atribuída, o que devia fazer até às 17,00 horas do dia 08 de dezembro de 2010 - cfr. fls. 114 e 115 dos autos.

18 – No dia 08 de Novembro de 2010, o Comandante do RA5 proferiu despacho de punição do Autor, com a pena disciplinar de 05 [cinco] dias - cfr. folhas 30 a 32 dos autos.

19 – O Autor foi notificado da decisão de punição, em 18 de Novembro de 2010 - cfr. folhas 29 dos autos.

20 – Em face dessa decisão, em 02 de Dezembro de 2010, o Autor deduziu recurso hierárquico necessário com efeito suspensivo, dirigido ao Chefe de Estado Maior do Exército - cfr. folhas 33 a 38 dos autos.

21 - Por ofício datado de 20 de Setembro de 2011 [ao qual vinha anexo o Parecer n.º 14/2011 de 19 de Janeiro, da assessoria jurídica do GabCEME], endereçado ao Senhor mandatário do Autor, foi-lhe dado a conhecer que por despacho do CEME, datado de 12 de Agosto de 2011, foi declarado nulo o ato punitivo - Cfr. folhas 41 a 52 dos autos.

22 – Das conclusões do Parecer n.º 14/2011 de 19 de Janeiro, da assessoria jurídica do GabCEME, para aqui se extrai, com interesse, que o Autor deve ser considerado na disponibilidade no dia 02 de Agosto de 2010, devendo pagar a correspondente indemnização respeitante ao período de pré-aviso de 60 dias, e que a instrução devia correr termos quanto aos factos ocorridos em 29 de Junho de 2010 – cfr. folhas 41 a 52 dos autos; em especial, folhas 52.

23 – No dia 19 de Dezembro de 2011, o médico C. emitiu relatório médico, onde definiu ao Autor o quadro clínico de perturbação depressiva major, com fundamento, em suma, numa sucessão de factos de ordem profissional envolvendo o Autor, e que veio a culminar com a emissão da pena de disciplinar - cfr. folhas 55 a 57 dos autos; ainda por referência ao depoimento da testemunha H., Oficial médico, que referiu ter recomendado que o Autor fosse acompanhado por Psiquiatra.

24 – Em nome do Autor, o médico C. emitiu 5 recibos, no valor global de 320,00 euros [datados de 20 de Dezembro de 2010, 12 de Janeiro de 2011, 10 de Maio de 2011, 23 de Novembro de 2011, e 04 de Janeiro de 2012] – cfr. folhas 58 a 60 dos autos; ainda por referência ao depoimento da testemunha H., Oficial médico, que referiu ter recomendado que o Autor fosse acompanhado por Psiquiatra.

25 – Na folha de matrícula do Autor, no campo 9 –b, consta que “o Exmo. Coronel Comandante do RA5, decidiu a 8 de Novembro de 2010, punir o arguido com apena de 5 (cinco) dias de prisão disciplinar, sendo este notificado pessoalmente a 18 de Novembro de 2010 (Processo Disciplinar n.º 69/10RA5)”, mais constando, quanto ao estado da pena, “Por cumprir” – cfr. folhas 117 a 126 dos autos.

26 – Na folha de matrícula do Autor, no campo 16 [Ocorrências extraordinárias], constam menções à ausência ilegítima do Autor, ao termo dessa ausência, assim como da instauração de processo de averiguações, e do seu arquivamento – cfr. fls. 117 a 126 dos autos.

27 – Na folha de matrícula do Autor, emitida em data posterior à referida nos pontos 25 e 26 supra, no campo 16 [Ocorrências extraordinárias], constam menções à ausência ilegítima do Autor, ao termo dessa ausência, assim como da instauração de processo de averiguações, e do seu arquivamento, ocorrências reportados ao período entes da sua passagem à disponibilidade, em 02 de Outubro de 2010, assim como ocorrências reportadas após esta data – cfr. fls. 117 a 126 dos autos.

28 – Por força da factualidade envolvendo o processo de averiguações, o processo disciplinar, de que o Autor foi alvo, e posteriormente, a decidida e publicada pena de prisão disciplinar, o Autor ficou transtornado, e com o humor deprimido - nos termos do depoimento das testemunhas M., mulher do Autor, e H., oficial médico, que assim depuseram, o que julgamos prestado com isenção e imparcialidade, e permitiu fixar a factualidade vertido neste item.

29 – A Petição inicial que motiva os presentes autos foi remetida a este Tribunal [ao site SITAF], em 04 de Dezembro de 2012 – cfr. folhas 1 dos autos.

30 - O Estado Português foi citado na pessoa do Senhor Procurador da República junto deste Tribunal, em 06 de Dezembro de 2013 – cfr. folhas 69 dos autos.
*
III - Enquadramento jurídico.

1. A nulidade da decisão recorrida, por oposição (contradição) entre os fundamentos e a decisão.

Alega o Recorrente:

“… a nulidade prevista na referida alínea c) do nº1 do art. 615º do CPC «ocorre quando os fundamentos de facto e de direito invocados conduzirem logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório. Mas uma coisa é a contradição lógica entre os fundamentos e a decisão da sentença/acórdão, e outra, essencialmente diversa, o erro de interpretação dos factos ou do direito ou a aplicação deste, que não raro se confunde com aquela contradição. Com efeito, esta nulidade nada tem que ver com "o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro da construção do silogismo judiciário", que atrás se referiram, ou com a “inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão”, porquanto não existe a oposição, geradora desta nulidade, se o julgador erra na subsunção, que fez, dos factos à norma jurídica aplicável ou se, porventura, ele errou na indagação da norma aplicável ou na sua interpretação. Se o juiz tiver entendido, erradamente, que os factos apurados acarretam determinadas consequências jurídicas e conseguiu exprimir tal entendimento nos fundamentos invocados e destes retira a conclusão lógica, haverá um erro de julgamento mas não há a nulidade da oposição entre os fundamentos e a decisão.»

b) O caso em apreço:

Como vimos, a douta sentença recorrida condenou o Estado Português ao pagamento de 320,00€ (trezentos e vinte euros) a título de danos patrimoniais e de 12.000,00€ (doze mil euros), a título de danos não patrimoniais, ambos acrescidos do pagamento de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento e julgou improcedente o pedido reconvencional deduzido.

Em causa está a responsabilidade civil extracontratual do Estado Português emergente das vicissitudes de um contrato celebrado entre o Autor e o Estado Português (Exército Português), ora Recorrente, nomeadamente no que concerne ao momento da efetiva rescisão contratual por aquele e a falta de competência disciplinar deste subsequente à rescisão.

Na verdade, tendo o A., enquanto Oficial do Exército em Regime de Contrato, requerido a rescisão do seu contrato com efeitos imediatos, a 02.08.2010, e tendo o seu comandante, com base no entendimento de que essa rescisão não operava com efeitos imediatos, lhe aplicado uma pena disciplinar por ausência ilegítima, o Tribunal «a quo» considerou verificarem-se os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Réu pela prática de atos ilícitos.

No que concerne aos danos patrimoniais, considerou a decisão recorrida que, "julgamos como muito verosímil, que a teia de acontecimentos em que o Autor foi envolvido, por culpa do Exército, após o seu pedido de rescisão em 02 de Agosto de 2010, demandava acompanhamento médico na valência em causa, dada a perturbação depressiva em que ficou envolvido, e que veio a culminar no decretamento da prisão disciplinar".

E no que respeita aos danos não patrimoniais, entendeu a douta sentença que "para lá da teia de acontecimentos em que o Autor se viu envolvido, por deficiente e anómala tramitação do pedido de rescisão com efeitos imediatos, viu ainda registado na sua folha de matricula militar, para todo o sempre, toda uma série de registos, nada desejáveis, e que de todo aí não deveriam constar ( ... )" (sublinhado nosso)

E a douta decisão recorrida excluiu o pedido reconvencional do réu, ora recorrente por considerar que, "na temporalidade em causa (entre 02 de Agosto de 2010 e 02 de Outubro de 2010), atinente aos 60 dias de falta de pré-aviso, o Autor esteve sempre sob a hierarquia do Exército" (sublinhado e negrito nossos).

Ou seja, o Tribunal «a quo» considerou a existência de vinculo contratual entre recorrido e recorrente para além do requerimento de rescisão contratual ,datado de 02 de Agosto de 2010. (E bem, pois o A. não rescindiu o contrato com efeitos imediatos; requereu à instituição a rescisão do contrato com efeitos imediatos, o que podia ser deferido total ou parcialmente ou até ser cabalmente indeferido. E foi apenas deferido nos termos acima aduzidos)

Só que considerou a existência de vínculo contratual entre recorrido e recorrente para além do requerimento de rescisão contratual tão só para efeitos de verificação do prazo de pré-aviso por parte do recorrido, mas já não quanto à responsabilidade disciplinar por parte do recorrente.

Ora, salvo melhor entendimento, a fixação da existência do vínculo contratual (laboral) terá necessariamente de operar efeitos em ambas as circunstâncias.

Assim sendo, ou se considera que o vínculo contratual entre recorrido e recorrente se manteve nos meses de Agosto a Outubro de 2010 e, em consequência, por um lado, o A. cumpriu o pré-aviso e, por outro lado, o ora recorrente tinha capacidade disciplinar sobre aquele; ou se considera que o requerimento de rescisão teve de facto efeitos imediatos e não houve vínculo laboral entre Agosto e Outubro, pelo que o A. não cumpriu com o pré-aviso e o recorrente não tinha efetivamente poder disciplinar sobre aquele.

E o não cumprimento do pré-aviso acarretaria a procedência do pedido reconvencional formulado ainda que com base no enriquecimento sem causa.
Verifica-se que a douta sentença recorrida considerou a existência do vínculo laboral/ contratual, entre Agosto e Outubro de 2010, apenas para parte das consequências deste e não para a sua globalidade, o que, salvo o devido respeito, não se mostra adequado nem correto. E, como é óbvio e lógico, tal período temporal não pode ser considerado para determinados efeitos como período em que o A. esteve como militar às ordens do ora Recorrente e para outros efeitos o contrário.

E a verificar-se, como se verificou, a fixação de que "na temporalidade em causa, atinente aos 60 dias de falta de pré-aviso o Autor esteve sempre sob a hierarquia do Exército", como oficial do Exército, o Tribunal «a quo» está implícita e inevitavelmente a considerar que este detinha uma tutela disciplinar sobre aquele como militar.

Assim, inexistirá a decidida responsabilidade extracontratual pelo exercício do poder disciplinar (por toda a situação “sub judice” se encontrar ao abrigo da responsabilidade contratual).

Nesta conformidade, existe, salvo melhor entendimento, uma contradição insanável entre a fundamentação da douta Sentença e a sua conclusão/decisão.

Vejamos.

A situação de direito vai no sentido de que o Recorrido cessou o contrato em 02.08.2010, data em que apresenta a sua rescisão contratual com efeitos imediatos.

Mas a situação de facto, por prática de um facto ilícito pelo Exército, foi diferente. O Recorrido teve que se apresentar ao serviço e ficar sob a subordinação do Exército entre 12.08.2010 e 02.10.2010, por força da instauração indevida de um processo disciplinar por parte do Exército, com o alegado fundamento da ausência ilegítima do Recorrido do seu posto de trabalho, contra o que se encontrava clausulado no contrato celebrado entre o Exército e o Recorrente.

Este facto ilícito do Recorrente é que justifica que o Recorrido não tenha que pagar a indemnização pela falta de pré-aviso.

Não há, como tal, qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, antes esta o corolário lógico do facto ilícito e culposo praticado pelo Recorrente, pelo que se não verifica a nulidade da sentença, com o fundamento previsto no artigo 615º, nº1, alínea c), do Código de Processo Civil, como invocado pelo Recorrente.

2. O erro de julgamento de direito por não se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.

Alega o Recorrente:

“Considerou o Tribunal «a quo», que, como vimos "na temporalidade em causa (entre 02 de Agosto de 2010 e 02 de Outubro de 2010), atinente aos 60 dias de falta de pré-aviso, o Autor esteve sempre sob a hierarquia do Exército.

Assim, atendendo ao dado como provado (v. pontos 1º a 17º da factualidade provada) pelo Tribunal «a quo», o A. foi militar contratado, desde a celebração do contrato (05.02.2007) até 02.10.2010, estando sempre durante esse período sob a hierarquia do Exército.

Daí que o Exército, durante esse período, tinha capacidade disciplinar sobre o A. como oficial do Exército; ou melhor, o Tribunal «a quo», ao dar a factualidade que deu como provada e atentas as considerações feitas, implícita e inevitavelmente considerou ter o Exército tutela disciplinar sobre aquele como militar.

A indemnização determinada alicerça-se, como se expende, em suma, na douta sentença, na factualidade que envolveu o processo de averiguações, o processo disciplinar de que o A. foi alvo, e posteriormente, a decidida e publicada pena de prisão disciplinar com a consequente doença, despesas em saúde e danos não patrimoniais.

Ora, não há dúvida que o A. esteve ausente do Quartel entre 02.08.2010 a 12.08.2010; e que, essencialmente, por no dia 29 de Junho de 2010 se ter ausentado do quartel para praticar desporto (e que não o fez), por a 02 de Agosto de 2010 se ter ausentado do Quartel sem ter solicitado autorização para o efeito, foi instaurado processo disciplinar.

E a ausência sem autorização (inferior a 10 dias) constitui, nos termos do RDM, infração disciplinar.

No presente caso, o A. requereu a rescisão e não rescindiu o contrato (tanto mais que expressamente pedira o deferimento desse requerimento de rescisão). Não há dúvida que o A., a 02.08.2010, apresentou requerimento de rescisão imediata do contrato celebrado com o Exército Português, pedindo o deferimento desse requerimento, estando-se, assim, perante um pedido de rescisão por mútuo acordo. Ou seja, com esse requerimento, contrariamente ao considerado na douta sentença, o A. não rescindiu o contrato ou comunicou a rescisão imediata do contrato.

Por conseguinte, as faltas ao serviço subsequentes a esse requerimento, e antes de qualquer decisão sobre o requerido, apenas podem configurar faltas injustificadas (ou, noutras palavras, ausência ilegítima), com as consequências daí decorrentes. Mais: não foi apenas tal ausência injustificada que motivou o procedimento disciplinar, mas também o ocorrido a 29.07.2010.

Tendo em conta o preceituado nos artºs 7º a 10º RRCEEDEP (aprovado pela Lei 67/2007, de 31/12) e no artº 483º , nº1, do Código Civil(CC), a responsabilidade civil extracontratual do Estado, por factos ilícitos, com o consequente dever de indemnização dos lesados, assenta na verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:

a) Facto ilícito traduzido na violação de um direito ou interesse de particular, por ação ou omissão;
b) Culpa (ainda que leve, por incumprimento dos deveres de vigilância ou falta de zelo do agente);
c) Dano, lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica de terceiros;
d) Nexo de causalidade entre o facto (ato ou omissão) e o dano, a apurar segundo a teoria da causalidade adequada; e
e) Imputabilidade à Administração ou titular do órgão.

Assim, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos, de entre os quais, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.

Sucede que só a violação de normas substantivas é, em princípio, geradora de ilicitude responsabilizante e já não a violação de normas formais, instrumentais ou procedimentais, por estas não incidirem diretamente sobre o conteúdo dos atos administrativos nem atingirem o A. num qualquer direito ou posição juridicamente tutelada de natureza substantiva.

A ilicitude residirá quer na instauração do procedimento disciplinar, em eventuais omissões ou lapsos ocorridos no âmbito desse procedimento disciplinar quer na condenação e nos atos subsequentes - referidos averbamentos (alegadamente definitivos) de pena disciplinar.

«In casu», a considerar-se, como a douta sentença, que a relação entre A. e Exército Português apenas terminou em OUT/2010, não se pode dizer ou concluir, desde logo, face à factualidade apurada, que a instauração atuação desse procedimento disciplinar tenha sido violador de qualquer normativo.

Estando em causa a violação de normas instrumentais, que não se refletem diretamente no conteúdo decisório dos atos administrativos, antes sobre aspetos formais, para que a ilicitude fosse relevante para efeitos de responsabilidade civil, mostra-se necessário que se conclua pela ilicitude substantiva da decisão administrativa, ou seja, que o ato havia violado norma ou princípio legal que impunha obrigatoriamente a não aplicação de qualquer pena disciplinar e o consequente arquivamento.

Aliás, do facto de a pena disciplinar ter sido revogada não acarreta necessariamente que no procedimento tenha havido condutas ilícitas pois a abertura do processo e a sua instrução devem ser fundamentadas e aferidas na verificação dos pressupostos legais às datas dos respetivos atos e com base em todos os elementos então disponíveis nos autos, pelo que o desaparecimento ou alteração posterior dos pressupostos que fundamentaram tais atos não inquina a sua validade.

O facto de uma decisão disciplinar ter soçobrado, ao ser anulada em sede de recurso hierárquico ou em sede de impugnação judicial, não acarreta, como consequência direta, a responsabilidade do Estado pelos efeitos da decisão disciplinar, porquanto não importa, à partida, um juízo de ilegalidade ou de ilicitude na sua elaboração porque proferida no uso de uma competência legal e com respeito pelos princípios que regem o exercício das respetivas funções.

Estamos, como se depreende, perante atos de interpretação e aplicação de normas de direito e de valoração jurídica dos factos e da prova, praticados no exercício da ação disciplinar, onde há sempre uma valoração pessoal e uma discricionariedade, potenciadores de diferentes entendimentos.

Salvo o devido respeito por opinião contrária, não estamos perante erro manifesto e grosseiro na instauração e decisão desse procedimento disciplinar, por essa ser uma tarefa da Administração que se insere na chamada discricionariedade técnica ou administrativa.

Em suma, inexistem factos indicadores de que a instauração do Processo Disciplinar, a sua tramitação, a acusação e a decisão administrativa condenatória se pautaram por critérios de anormalidade e irrazoabilidade em violação dos parâmetros legais que a situação exigia.

O exercício do poder de punir foi efetuado no âmbito das competências de decisão disciplinar do respetivo superior hierárquico e da sua margem de discricionariedade para punir, não podendo considerar-se que estas tenham sido excedidas,

Sendo que só poderá constituir fundamento de responsabilidade civil em caso de erro grosseiro, manifesto, indiscutível, e de tal modo grave que torne a decisão numa decisão arbitrária, assente em conclusões absurdas, o que não se evidencia ou mostra que tenha acontecido no presente caso.

O que equivale por dizer que se os agentes do Estado que promoveram a instauração do Processo Disciplinar, que procederam à respetiva instrução e decisão condenatória pautaram a sua atividade funcional pela diligência e formação técnica normais e exigíveis, segundo critérios de normalidade e com respeito pelos comandos legais, não foi violada nenhuma regra de ordem técnica ou o dever de cuidado configuradores de facto ilícito, tal como é previsto no art. 9º, nº1 do Regime aprovado pela Lei nº 67/07.

Acresce que «se a submissão de alguém a julgamento penal não implica qualquer estigmatização», «a fortiori» deve o mesmo suceder com uma acusação em sede de procedimento disciplinar.

E «como bem se sabe a conduta atribuída a quem por ela é constituído arguido (…) contém em si a própria possibilidade de conduzir este a um erro de apreciação.

Daí que não seja qualquer erro a legitimar a reparação de danos sofridos, sob pena de a autoridade do Estado ficar bloqueada e suspensa numa permanente espada de Dâmocles.

A verdade absoluta é inatingível; tem de admitir-se a hipótese de ocorrência de erros na decisão jurisdicional (quer de facto, quer de direito) e isto porque nenhum dos intervenientes processuais, começando pelas partes e pelos advogados, e terminando nos juízes, tem o dom da infalibilidade; todos estão sujeitos a errar e a induzir em erro, como se salienta no acórdão deste Supremo Tribunal de 31/3/2004, Recurso n.º 51/04 desta 6ª Secção, C. J., Ac.ºs S.T.J. XII, I, 157)» .

É que: «A verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque prosseguida por seres humanos e resultante de um juízo em si mesmo passível de erro(..)»

A condenação do arguido em processo disciplinar não exige uma certeza absoluta, férrea ou apodítica da sua responsabilidade, bastando que os elementos probatórios coligidos a demonstrem segundo as normais circunstâncias práticas da vida e para além de uma dúvida razoável.

Quer a perseguição e punição dos infratores quer a tutela dos inocentes encontram-se consagrados no Direito Constitucional, pelo que há que ver se nessa colisão de interesses e valores a atuação dos agentes do Estado no procedimento é lícita ou ilícita tendo em conta que o sacrifício de certos e determinados interesses legítimos do A., se mostrará plenamente justificada se for realizada em prol ou em benefício da comunidade escolar e da sociedade.

Se os servidores do Estado pudessem ser responsabilizados por toda e qualquer decisão que assentasse numa interpretação de direito controvertida contenderia, por certo, com os princípios constitucionais do interesse público e da eficiência administrativa (v. arts. 266º e 267º nº2 do CRP).

No presente caso, a conduta do A., como se evidencia, é justificadora da atuação de instauração de procedimento disciplinar sendo, assim, reconhecido ao superior hierárquico titular desse poder-dever o direito legal de sacrificar (eventuais) bens ou valores jurídicos de que aquele é titular inferiormente valorados pela ordem jurídica.

Assim igualmente se mostram justificados os averbamentos na folha de matrícula, sem prejuízo do acima referido.

A afirmação ou divulgação de um facto pode, no entanto, não ser ilícita, se corresponder ao exercício de um direito ou faculdade ou ao cumprimento de um dever, sendo também uniforme o entendimento jurisprudencial que defende que a violação do direito de personalidade pode ser afastada quando o facto do lesante é praticado no exercício regular de um direito, no cumprimento de um dever, em ação direta, em legítima defesa ou com o consentimento do lesado

Não se mostra que a instauração e tramitação do processo disciplinar, a acusação, condenação nele proferidas e os averbamentos na folha de matrícula tiveram lugar de modo leviano, imaginário e infundado e que os respetivos autores de tal factualidade tinham o dever de os não ter praticado.

Aliás, os responsáveis por tais atos mostravam-se obrigados, no cumprimento dos seus deveres, ao princípio da legalidade e que a atuação de funcionário, determinada pelo cumprimento de um dever, exclui a ilicitude da conduta.

Não se vislumbram factos consubstanciadores do, enfim, alegado genérico «abuso de ação» .

Por isso, dir-se-á que a atuação dos servidores ou agentes do Estado se modelou por critérios a todas as luzes corretos, com pleno convencimento que, no respeito da lei e dos seus deveres, estavam a cumprir um direito de forma legal, e daí excluída esteja a ilicitude da sua conduta, ou, pelo menos, excluída está a culpa.

Por conseguinte, não se verificando conduta ilícita e culposa, está arredada a obrigação de indemnizar do R. Estado, devendo, assim, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, improceder cabalmente o peticionado pelo A..

Acresce que não se vislumbra como pode a existência dos averbamentos na folha de matrícula respeitantes à conduta, instauração e decisão disciplinar ofender ou prejudicar o A. quando este, por inércia, omissão ou consentimento, nem sequer pediu o cancelamento ou eliminação de determinado registo/averbamento na folha de matrícula.”

Vejamos:

É certo que na sentença recorrida se considerou que no período decorrido entre 02.08.2010 e 02.10.2010 o Apelado “esteve sempre sob a hierarquia do Exército”, e, por isso, sujeito disciplinarmente àquele.

Repetindo argumentos acima explanados, concluímos que isso aconteceu, ao nível dos factos, mas contra o direito plasmado para a situação em apreciação nos autos. E por isso é que o próprio Recorrente declarou nulo o procedimento disciplinar do qual resultou a aplicação ao Recorrido da pena de 5 dias de prisão disciplinar. Esta nulidade assumida pelo Recorrente tem como fundamento um acto ilícito e culposo praticado pelo mesmo.

E não se diga, como o fez o Recorrente, que a rescisão foi por mútuo acordo. Com efeito, a rescisão foi unilateral, ou seja, da iniciativa do Recorrido e por força do contrato celebrado com o Recorrente, a mesma produziu efeitos imediatos.

Nunca poderia, pois, instaurar-se um procedimento disciplinar por ausência ilegítima. Tal instauração violou os deveres que para o Exército advinham do contrato celebrado com o Recorrido, por força do qual este podia unilateralmente rescindir o contrato, com efeitos imediatos.

Podia de facto o autor da participação disciplinar desconhecer o contrato, mas seguramente que podia e devia conhecê-lo. Se não o leu antes de participar do Recorrido, violou o mais elementar dever de prudência a que estava obrigado e tanto é suficiente para se concluir estarmos perante um acto ilícito e culposo (ainda que não se prove o dolo, mas apenas a negligência, provocador de danos consideráveis ao Recorrido, sendo tal acto o causador directo dos danos por este invocados (causalidade adequada).

Concluímos, pois, como o fez a sentença recorrida, que os factos preenchem todos os requisitos da obrigação de indemnizar:

O facto, comportamento activo ou omissivo voluntário; b) a ilicitude, traduzida na ofensa de direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger interesses alheios; c) a culpa, nexo de imputação ético - jurídica do facto ao agente ou juízo de censura pela falta de diligência exigida de um homem médio ou de um funcionário ou agente típico; d) a existência de um dano, ou seja, a lesão de ordem patrimonial ou moral, esta quando relevante; e) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, segundo a teoria da causalidade adequada (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.01.1987, de 12.12.1989 e de 29.01.1991, in Acórdãos Doutrinários n.º 311, p. 1384, n.º 363, p. 323 e n.º 359, p. 1231).

Este tipo de responsabilidade corresponde, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que tem consagração legal no artigo 483º, nº1, do Código Civil (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10.10.2000, recurso n.º 40576, de 12.12.2002, recurso n.º 1226/02 e de 06.11.2002, recurso n.º 1311/02).

Há no entanto de ter em atenção o disposto nos artigos 9 e 10º da Lei nº 67/2007, de 31.12, que regem pela seguinte forma:

“Art. 9º
1. Consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.

Art. 10º

1. A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.

2. Sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos.

O facto ilícito consiste na instauração e condenação em processo disciplinar numa situação onde tais actos não colhem fundamento legal. Esse procedimento disciplinar envolveu uma mancha na folha de matrícula, que nunca dela deveria constar.

Tais factos resultaram na violação pelos agentes que os praticaram de deveres objectivos de cuidado, que eram razoavelmente de exigir desses agentes. Mas mesmo que não estivéssemos perante uma culpa efectiva e estamos, sempre concluiríamos que tais comportamentos são culposos, por se presumir a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos, como acontece com os comportamentos supra citados.

2. Do valor dos danos não patrimoniais.

Dispõe o artigo 496º, do Código Civil, sob a epígrafe “Danos não patrimoniais” que:

“Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Não são, portanto, quaisquer danos morais que dão origem ao dever de indemnizar.

Como sustentam Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil anotado, volume I, 4ª edição, Coimbra Editora, página 499:

“A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)”.

O montante da indemnização (compensação) correspondente aos danos morais deve ser calculado em qualquer caso (dolo ou mera culpa) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, (dolo ou mera culpa), no caso estamos perante uma mera culpa, à situação económica do Réu e do lesado, (artigo 496º nº 3 do Código Civil), aos padrões de indemnização geralmente adoptados pela jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, estamos perante factos de 2010, ou seja, com cerca 10 anos de dilação entre a ocorrência dos factos e a fixação da indemnização.

No caso concreto, a humilhação de sofrer procedimento disciplinar, de ter sido erradamente condenado nesse procedimento disciplinar em pena privativa da liberdade, a iminência de ter que cumprir essa pena, bem como o facto de não poder usar a sua folha de matrícula para nenhum efeito por dela constar todo o historial da sua condenação, embora neste último facto seja imputável ao Recorrido nunca ter pedido o cancelamento dos averbamentos da sua folha de matrícula, que a manchavam, são danos morais graves que merecem a tutela do direito, devendo dar lugar a uma compensação monetária que lhe confira a faculdade de compra de bens materiais ou a satisfação de prazeres que de algum modo lhe minorassem a humilhação sofrida (angústia, desespero, receio de perder a liberdade por cinco dias).

Afigura-se-nos, assim, equitativa a compensação no montante de 5.000 euros.

Como a indemnização é fixada em termos de equidade no momento da prolação do acórdão, a inflação deve ser atendida no presente momento, segundo a menor valia da moeda sofrida ao longo destes 10 anos, pelo que sobre a importância devida a título de danos morais são devidos também juros às taxas legais sucessivamente em vigor e que, nesta data, é de 4% ao ano, contados apenas a partir da prolação do presente acórdão até integral e efectivo pagamento – artigos 804º nº 1, 805º nº 3, 806º nºs 1 e 2, 559º nº 1, todos do Código Civil e Portaria n.º 291/03, de 08-04.
*
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, pelo que:

A) Revogam parcialmente a decisão recorrida na parte que condena o Réu a pagar ao Autor a quantia de 12.000 euros, a título de danos não patrimoniais, e em juros de mora sobre essa quantia a partir da citação até efectivo pagamento.

B) Condenam o Réu a pagar ao Autor, a quantia de 5.000 euros (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, sobre essa quantia, às taxas legais sucessivamente em vigor, e que actualmente é de 4% ao ano, devidos a partir da data da prolação do presente acórdão até integral e efectivo pagamento, absolvendo-o do demais peticionado a título de danos não patrimoniais e respectivos juros incidentes sobre estes.

C) No mais, mantêm a decisão recorrida.

Custas por Autor e Réu na proporção do respectivo decaimento.
*

Porto, 13.03.2020

Rogério Martins
Helena Ribeiro, em substituição
Frederico Branco