Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01380/11.8BEPRT |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 09/12/2024 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES |
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Descritores: | ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO; MATÉRIA DE FACTO; SERVIÇOS PROMOCIONAIS VERSUS PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ONEROSA; CONCEITOS DE "TALÕES DESCONTOS"; "VALES DESCONTO"; REGULARIZAÇÃO DO IVA; ARTIGO 71º, N.º 5 DO CIVA (ACTUAL 78º); |
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Sumário: | I. Quando a selecção dos factos não é devidamente impugnada, resta apreciar a subsunção dos factos ao direito aplicável tendo em vista uma solução jurídica diferente da decretada, pois o erro que subsiste não é um erro na apreciação da prova, mas sim um erro na aplicação do direito. II. Ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do artigo 646º n.º 4 do pretérito CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito) o princípio subjacente ao preceito não desapareceu, devendo hoje continuar a entender-se que, na fundamentação (de facto) da sentença, só os factos interessam, desprovidos de juízos conclusivos e/ou matéria de direito. III. Não tendo sido provadas concretas e individuais prestações de serviços a título oneroso aos fornecedores do grande retalhista, não estão reunidos os elementos do conceito de prestação de serviços onerosa apara efeitos de tributação em IVA segundo os artigos 1º nº 1 alª a) e 4º do CIVA. IV. A AT não pode tributar com IVA, de modo generalizado e in bloco, o valor dos descontos de fornecedores que, segundo um contrato de condições gerais de fornecimento, teriam contrapartidas em serviços diversos de promoção e distribuição e outros, junto dos clientes, relativamente aos produtos fornecidos. V. Para os “talões descontos” e “vales de desconto” o valor tributável das operações com esses talões é o valor do respectivo preço, abatido do valor nominal dos talões, o que por si afasta a relevância do incumprimento do artigo 71º do CIVA (actual 78º), por estarmos perante um abatimento à base tributável tal como previsto na alínea b) do nº 6 do artigo 16º do CIVA.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. Fazenda Pública (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 26.06.2022, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela [SCom01...], S.A., contra as liquidações adicionais de IVA, referentes aos anos de 2009 e 2010 e, respectivos juros compensatórios, no valor global de € 676.054,32, peticionando a final a condenação da AT ao pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional. Alegou, formulando as seguintes conclusões: «(…) A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida contra as liquidações adicionais de IVA dos anos de 2009 e 2010, e correspondentes juros compensatórios, no montante global de € 676.054,32. B. A douta sentença, objeto do presente recurso, versou sobre as questões submetidas a juízo, as quais se traduzem, no essencial, (i) ao IVA em falta por não liquidação de imposto na prestação de serviços promocionais, na qualificação dos valores debitados aos fornecedores da impugnante como desconto de quantidade, como defende a autora, ou como contrapartida de prestação de serviços, pressuposto de que partiu a AT para proceder às liquidações adicionais de IVA correspondentes; (ii) bem como da qualificação dos valores indevidamente regularizados a favor da impugnante, resultantes da utilização de talões de desconto como meio de pagamento e pela utilização de vales de combustível como meios de pagamento, com base nos quais a AT decidiu pela emissão de liquidações adicionais daquele mesmo imposto e, consequentemente, no pedido de indemnização por indevida prestação de garantia. C. Por brevidade de exposição, e em obediência ao princípio da economia processual, dá-se aqui por reproduzidos, para onde se remete, os factos dado como provados na douta sentença. Prosseguindo, D. Na fundamentação da decisão, o Tribunal a quo, depois de fixar a matéria dada como provada, deu como factos não provados que os valores debitados pela [SCom02...] e a impugnante correspondem à contrapartida de serviços prestados pelas primeiras, sustentando a sua defesa no julgamento/apreciação que fez do depoimento testemunhal que, tal como é referido na sentença, foi fundamental para elucidar, clarificar e valorar o conteúdo dos documentos juntos aos autos. E. Na fundamentação de direito, concluiu que: (i) os valores debitados pela Impugnante aos fornecedores constituem descontos sobre compras e não, como defende a AT, prestações de serviços, considerando, nessa conformidade, ilegais as liquidações efetuadas, e, (ii) quanto ao IVA deduzido regularizado a favor da impugnante, resultante da utilização de (a) talões de desconto e de (b) vales de combustível, como meio de pagamento, não se estar perante uma qualquer regularização de Imposto sobre o Valor Acrescentado nos termos do atual artigo 78º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (antes art. 71º CIVA), pelo que não são de aplicar as regras contidas nesse normativo, nomeadamente as do nº 5, relativamente aos primeiros, e, quantos aos segundos, estarmos perante talões de desconto emitidos por uma entidade externa à impugnante, conferindo ao portador o direito a obter desta (retalhista) o desconto/abatimento ao valor a pagar, no seguimento da doutrina vertida no acórdão de 24 de outubro de 1996, Elida Gibbs, Ltd, C- 317/94, e uma vez que a Impugnante não é reembolsada pela [SCom03...] do desconto que rebate ao seu cliente estamos perante um abatimento à base tributável tal como previsto na alínea b) do nº 6 do artigo 16º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, o que não vem abalado pelo tratamento contabilístico dado pela Impugnante, pois tal tratamento não é capaz de alterar a substância dos factos apurados F. Ora, com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, não pode a Fazenda Pública (FP) conformar-se com o doutamente decidido, porquanto discorda das conclusões e respetiva fundamentação quanto à qualificação das rubricas “cooperação comercial”, “animação promocional”, “apoio a research”, “competitividade preço”, “Desenvolvimento e merchandising” e “posicionamento produto linear” como descontos de quantidade, discordando, também, dos factos dados como não provados, o que conduz a erro de julgamento de facto e de direito determinante da sua revogação e substituição por outra decisão que considere a impugnação judicial improcedente. G. Em consequência, devendo a sentença ser julgada improcedente, improcede, de igual modo, a peticionada indemnização por prestação de garantia indevida, o que ora se requer para todos os efeitos legais. Vejamos então. H. Para o Tribunal a quo, o depoimento das testemunhas foi decisivo para a valoração do conteúdo dos documentos juntos aos autos, mais concretamente, os Contratos Gerais de Fornecimento (CGF) e as respostas dadas pela Impugnante em sede de procedimento inspetivo, valorando, pois, o depoimento das testemunhas em detrimento do conteúdo da prova documental existente nos autos, designadamente o conteúdo dos CGF e da fundamentação do Relatório da Inspeção Tributária (RIT). A este propósito, diz-se na sentença, a pp. 19/20 que “O teor dos documentos que suportam os factos dados como provados, enquanto tais, foi corroborado pelos depoimentos das testemunhas arroladas pela impugnante e que foram inquiridas nos presente autos. Aqueles depoimentos, porque prestados de forma clara e convicta, demonstrando conhecimento da realidade que decorre dos factos que esclareceram, afiguraram-se, por isso, credíveis e consistentes, pelo que foram decisivos para a valoração do conteúdo dos documentos juntos aos autos e em particular para a valoração relativa de uns em face de outros. Na verdade, em face do conjunto dos depoimentos prestados, impôs-se valorizar a tese que apontava no sentido de aqueles valores respeitarem a verdadeiros descontos de. quantidade.”. Convém aqui também frisar o depoimento de «AA» em linha com o que foi dito pela testemunha «BB», que as diferentes denominações dos descontos traduzem uma técnica comercial, que ajuda nas negociações com os fornecedores, porém, todos correspondem a descontos sobre compras, que podem ser proporcionais (à quantidade vendida) ou condicionais (que dependem de se atingir determinada quantidade). Por vezes quando não se consegue atingir o desconto inicialmente idealizado, a [SCom02...] recorre a estas rubricas (designações usadas para indicar sempre descontos), para assim conseguir atingir o seu objetivo, não atingido pelo rappel aplicado àquelas quantidades. Esclareceu que as prestações de serviços, designadamente os “topos” ou a inserção em catálogos não se confundem com estes descontos de rappel. – pag. 21 da sentença. Por último, o depoimento da testemunha «BB» que explicou, com pertinência para o tema em discussão, que a divisão dos descontos em várias rubricas permitia aos comerciais dos fornecedores justificar internamente o acréscimo do rappel concedido, mas que se tratava, sempre, de descontos sobre compras, fixados unicamente sobre o valor total das compras e sem variáveis ou qualquer correspectividade relativamente a (eventual) prestação de serviços pela Impugnante” – pag. 20 da sentença. É também dito na sentença: “Resulta, ainda, destes depoimentos prestados nos autos, designadamente a testemunha «CC», que esclareceu, ainda, a forma como são contabilizados os descontos, sendo que a [SCom02...] funciona como uma central de compras para outras empresas, entre as quais se inclui a impugnante, sendo que os descontos são atribuídos a cada uma das sociedades do grupo, onde, mais uma vez, se inscreve a impugnante, sempre proporcionalmente às vendas por elas efectuadas” – pag. 21 da sentença. I. Ora, foi com base no depoimento testemunhal e com as explicações dadas nesse depoimento, que o Tribunal a quo formou a sua convicção de que o descritivo nos CGF não são, propriamente, serviços prestados mas antes, designações genéricas que consubstanciam descontos de quantidade, sendo essas designações meras fórmulas que permitem, internamente, gerir os descontos atribuídos a cada fornecedor e permitir aos comerciais justificar o acréscimo de rappel concedido pelos fornecedores: “O teor dos depoimentos testemunhais referido foi, assim, particularmente relevante para a prova dos factos enunciados sob os números 10 a 17, os quais seriam insusceptíveis de se provar unicamente com recurso à prova documental. Por outro lado, os mesmos depoimentos foram decisivos para que se infirmasse o facto atinente à correspetividade entre os valores debitados e a prestação de serviços pela impugnante, que, assim, se deixou elencado sob o título dos factos não provados.”. J. Ora não pode a FP conformar-se com o assim decidido; Como acima foi referido, a questão decidenda passa por saber se os valores debitados pela Impugnante aos seus fornecedores, a título de “cooperação comercial”, “animação promocional”, “apoio a research”, “competitividade preço”, “desenvolvimento e merchandising” e “posicionamento produto linear”, configuram uma contrapartida de serviços prestados ou, pelo contrário, constituem descontos de quantidade. K. De acordo com o art.º 4.º, n.º 1 do Código do IVA, são qualificadas como prestação de serviços todas as operações realizadas a título oneroso que não se qualificam como transmissões, aquisições intracomunitárias ou importação de bens. a) O conceito de prestação de serviços não corresponde, à semelhança com o que sucede a nível de transmissão de bens, à definição civil de prestação de serviços, segundo a qual se trata do contrato em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição – art.º 1154.º do Código Civil (CC). b) Neste sentido, e tendo em conta a natureza do IVA como um imposto geral sobre o consumo, o conceito de prestação de serviços aparece com um conteúdo residual ou negativo. A incidência do IVA ganha, assim, uma vocação de universalidade – Celorico Clotilde Palma, in Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º 1, 5.ª Edição, julho de 2011, pp. 71 e 72. Acrescenta a Autora citada, na mesma obra, a pp. 72 e 73, que a vocação de universalidade deste imposto implica que se entenda que qualquer tipo de atribuição patrimonial que não seja uma contrapartida de uma transmissão de bens tenha subjacente uma prestação de serviços tributável. Todavia, sob pena de se violarem as características do imposto, para que se considere que existe uma prestação de serviços em sede de IVA deverá, naturalmente, existir um serviço enquadrável numa atividade económica, deverá existir um consumo. c) Por outro lado, tendo o conceito de prestação de serviços um caráter residual, a prestação tem que ser efetuada a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, nos termos do art.º 1.º, n.º 1, al. a) do CIVA. L. Já quanto ao valor tributável, o art.º 16.º do CIVA prevê, como regra geral relativamente às operações internas, que o valor tributável é constituído pelo montante da contraprestação das operações sujeitas a IVA. M. Entende-se por contraprestação o valor total obtido ou a obter como contrapartida da entrega dos bens ou da prestação de serviços. A prestação é constituída pela entrega do bem ou da prestação do serviço; a contraprestação é tudo o que se entrega como contrapartida da prestação recebida, ou seja, pressupõe a existência de uma operação onerosa (Patrícia Noiret Cunha, in Imposto Sobre o Valor Acrescentado, anotações ao Código do IVA e ao Regime do IVA na Transacções Intracomunitárias, Instituto Superior de Gestão, 2004, pp. 255 a 257, vindo a referir que a contraprestação foi definida pelo TJ (Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, conforme alusão às siglas utilizadas na obra, a pp. 22) no acórdão batatas holandesas como devendo ser real e efetiva, suscetível de avaliação pecuniária e de apreciação subjetiva. Mais refere que o conceito pode configurar-se com recurso a quatro elementos: a) Em primeiro lugar, é necessária a efetiva obtenção de um bem ou direito, mediante um intercâmbio real de prestações; b) Em segundo lugar, a contraprestação deve ser suscetível de determinação pecuniária, ainda que a contraprestação seja em espécie, caso em que o valor deve ser convertível em unidades monetárias; c) Em terceiro lugar, a expressão “contrapartida” implica a necessidade de um nexo direto que vincule a prestação e a contraprestação efetuada, que é contrapartida da existência de um benefício que deve igualmente ser direto (a contraprestação deve inserir-se num acordo de vontades – acórdão Tolsma), e; d) Em quarto lugar, a apreciação da contraprestação tem um cariz subjetivo, na medida em que é necessário partir dos dados reais da operação em causa, analisando o valor efetivamente recebido em cada operação individualmente considerada. N. Tendo-se efectuado uma análise dos conceitos de prestação de serviços e de contraprestação, é conveniente dizer que a contraprestação não coincide exatamente com o preço dos bens transmitidos ou dos serviços prestados. Tanto assim é que o art.º 16.º, n.º 6 do CIVA elenca determinadas situações que estão excluídas do valor tributável, onde se incluem os descontos, os abatimentos e os bónus concedidos. Assim, os descontos, abatimentos e bónus devem ser excluídos do valor tributável sempre que estejam numa relação direta com o bem que se transmite ou o serviço que se presta. O. Aqui chegados, vejamos o conteúdo dos CGF e o que ali se diz quanto aos items “cooperação comercial”, “animação promocional”, “apoio a research”, “competitividade preço”, “Desenvolvimento e merchandising” e “posicionamento produto linear” e se, perante as estipulações contratuais ali convencionadas entre as partes, estaremos perante uma prestação de serviços ou um desconto de quantidade. P. Porém, antes de passarmos concretamente à análise desta correcção, cumpre enunciar a divergência em questão: por um lado, defende a Impugnante que estamos perante descontos de quantidade concedidos pelos fornecedores, excluídos de tributação nos termos do Art. 16.º, n.º 6, al. b) do CIVA, ao passo que a AT considera que se tratam de prestações de serviços promocionais, sujeitos a IVA e dele não isentas, ao abrigo dos Arts. 1, n.º 1, al. a), 4.º, n.º 1 e 6.º, n.º 4 do mesmo código. Q. Ora, sobre o desconto comercial, na hermenêutica contabilística, o desconto é uma redução de preço que pode ser obtido por uma de duas vias: em função das quantidades adquiridas (a redução de preço ocorre em razão das quantidades compradas), ou em função do prazo de pagamento (a redução de preço opera em razão do prazo de pagamento acordado entre as partes). No primeiro caso, estamos perante o desconto comercial (por exemplo “rappel” O Rappel é um desconto do tipo comercial no sector de distribuição e negociado em função do volume total de compras num dado período, consubstanciado na devolução de pagamento ou na constituição dum crédito a favor do adquirente para utilização em compras futuras , o desconto de quantidade), enquanto no segundo caso estamos perante o denominado desconto financeiro. Assim, o desconto comercial é uma redução do preço unitário do produto que opera em função da quantidade adquirida desse produto, por exemplo, o preço unitário de 10 unidades monetárias (u.m.) sofre uma redução para 8 u.m., se a quantidade comprada for superior a 1000 unidades de produto. Aproveitando o ensinamento dos professores António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues In Elementos de Contabilidade Geral, 25ª Edição, pág. 652 , sobre a noção de descontos comerciais: “são todos os que não sejam de pagamento, obtidos na compra e venda de mercadorias tais como: rappel, bónus, desconto de quantidade, de revenda, etc.(…)”. A razão para conceder esse tipo desconto reside no facto do fornecedor entender que é uma medida que incentiva a manutenção das relações comerciais com os seus clientes e/ou garante o nível de vendas pretendido, ou seja, trata-se de uma opção comercial. R. Na sentença objeto do presente recurso, o Tribunal a quo valorou o depoimento das testemunhas em detrimento do conteúdo da prova documental existente nos autos, designadamente o conteúdo dos CGF e da fundamentação do Relatório da Inspeção Tributária (RIT), matérias e factos dados como provados; não podendo ocorrer essa desvalorização do contrato de fornecimento com base em mera prova testemunhal, uma vez que o mesmo faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (art.376.º do CC) e esta não pode ser afastada por declarações testemunhais (cfr. art.º 393.º, nº 2 do CC). S. Nesse sentido, o Tribunal concluiu que “(…) todos os descontos eram fixados por referência a uma percentagem aplicada ao (concreto) volume de compras; que os descontos eram concedidos pelos fornecedores também em vista do interesse próprio de transaccionar com a Impugnante, a qual representava a possibilidade de escoamento dos seus produtos no mercado em larga escala; que inexistia correspondência direta dos valores debitados com uma contrapartida, designadamente em termos de promoção ou publicitação, as quais eram objecto de transacções independentes e autonomamente facturadas, e ainda que a discriminação dos descontos em diferentes rubricas mais não servia que propósitos de controlo interno e de ordem comercial ou negocial”. T. Sucede, porém, que tais conclusões mostram uma percepção errónea do conteúdo dos CGF. Na verdade, os serviços prestados (designação que entendemos ser a mais consonante com o teor dos CGF) de “cooperação comercial”, “animação promocional”, “apoio a research”, “competitividade preço”, “Desenvolvimento e merchandising” e “posicionamento produto linear” consistem em “proporcionar o acesso ao programa promocional, proporcionar o acesso à participação nas Feiras Nacionais ou Regionais, conceder condições preferenciais na Contratação de Espaço, proporcionar o acesso ao Lançamento de Novos Produtos, proporcionar o acesso privilegiado aos resultados dos Programas de Eficiência Administrativa e proporcionar o acesso privilegiado aos resultados dos Programas de Gestão Conjunta de Categorias/ECR”. U. O débito destes serviços por parte da Impugnante insere-se no âmbito das obrigações de cooperação e desenvolvimento, sendo que a Impugnante, através da redução do preço a pagar pelos fornecimentos, estabelece a contrapartida financeira atribuída a tais serviços, contrapartida financeira que está perfeitamente individualizada na contabilidade e cujos montantes estão especificados no RIT. Efectivamente, nestes contratos são estabelecidos dois tipos de obrigações: - “Obrigações Gerais”, nas quais são definidas as cadeias de fornecimentos à Impugnante e condições dos respectivos descontos; - “Obrigações específicas”, nas quais são definidos os serviços prestados pela Impugnante aos fornecedores, a título de “Cooperação e Desenvolvimento” V. Vejamos, então, qual a natureza económica destas operações realizadas pela Impugnante e qual o seu enquadramento para efeitos fiscais Cooperação Comercial: traduz-se, basicamente, na vantagem que é dada aos produtos de um determinado fornecedor em detrimento de outros fornecedores com produtos iguais ou similares; Animação promocional: permite a participação do fornecedor em actividades promocionais levadas a efeito pela Impugnante, com o objectivo de alavancar as vendas do produto; Apoio a Research: consiste na utilização, por parte do fornecedor, dos canais de distribuição da Impugnante, com acesso a plataformas várias e o privilégio de benefício de programas de pesquisa e desenvolvimento, com vista nomeadamente ao lançamento de novos produtos e à exploração de novos segmentos de mercado; Competitividade de Preço: traduz-se na colocação do produto no mercado a preço competitivo, inferior ao praticado pelos demais operadores do mercado que comercializam o mesmo produto; Desenvolvimento e Merchandising: permite que o produto beneficie de estudos de mercado, pesquisa do interesse dos consumidores e outros estudos desenvolvidos pela Impugnante; Posicionamento Produto Linear: consiste no posicionamento do produto para venda em espaço privilegiado, que beneficia de condições preferenciais; Desconto Cartão Cliente: traduz-se na compensação por acções promocionais realizadas pela Impugnante tendo em vista a fidelização do “cartão Cliente”, em virtude do investimento efectuado pela Impugnante em acções promocionais a realizar por esta, cujo montante equivale a um percentual calculado sobre as compras efectuadas aos fornecedores. W. Ora, tendo em conta o caráter residual do conceito de prestação de serviços, verifica-se no caso sub judice, a existência de uma prestação por parte da Impugnante aos seus fornecedores, e que consiste em proporcionar-lhes (condições negociadas individualizadamente) o acesso a programas promocionais, o acesso a condições preferenciais na contratação de espaço bem como, à utilização de programas de eficiência administrativa e gestão conjunta de categorias.Ou seja, por um lado, a Impugnante proporciona aos seus fornecedores o acesso a condições preferenciais na negociação dos espaços nas lojas e proporciona-lhes, também, o acesso a programas de “eficiência administrativa” e “gestão conjunta de categorias/ECR”, ferramentas de gestão desenvolvidas pela Impugnante e que coloca ao dispor dos seus fornecedores, conforme condições contratuais negociadas com cada um deles. Em função dessas prestações, os fornecedores dão uma contrapartida financeira que se materializam, de forma direta, no não recebimento de parte valores a que tinham direito pelo fornecimento dos seus produtos, contrapartidas financeiras que estão perfeitamente identificadas na contabilidade e que a AT deu expressão no RIT. X. Recorrendo aos quatro elementos acima enunciados e que caracterizam o conceito de contraprestação (onerosa, acrescentamos nós), verificamos que: a) Existe uma efetiva obtenção de um direito por parte dos fornecedores, mediante intercâmbio real de prestações materializada nas condições preferenciais de acesso a espaço de loja e programas promocionais bem como, ao acesso de ferramentas de gestão desenvolvidas pela Impugnante, mais propriamente programas de “eficiência administrativa” e “gestão conjunta de categorias/ECR”; b) A contraprestação é suscetível de determinação pecuniária, valores estes que constam especificadamente na contabilidade e que estão devidamente enunciados no RIT; c) A “contrapartida” a que já acima nos referimos, tem subjacente um nexo direto que vincula a prestação e a contraprestação efetuada, e que traduz um benefício direto – os fornecedores usufruem das condições que a Impugnante lhes dá e, por outro lado, a Impugnante consegue colocar os bens a preços mais atrativos; os fornecedores conseguem escoar os seus produtos de forma mais célere e profícua; a Impugnante consegue maiores vendas por via da diminuição dos preços dos produtos colocados à venda, conseguindo ganhos concorrenciais; d) Por último, a contraprestação tem um cariz subjetivo na medida em que se consegue estabelecer uma relação direta entre o serviço prestado e os valores efetivamente recebidos em cada operação individualmente considerada – veja-se, a este propósito, cada nota de débito emitida e a sua correspetiva relevação contabilística. Y. Neste mesmo sentido, há que referir que os próprios fornecedores consideram tais verbas - os apelidados “descontos de quantidade” por parte da Impugnante – como “descontos atípicos”, considerando os mesmos como aquisição de serviços e não como descontos. Z. Em suma, os débitos aos fornecedores mais não são do que contrapartidas dadas pela Impugnante na participação em programas promocionais que alavancam as vendas, acesso facilitado a pontos de venda, acesso a estudos de mercado, apoio no lançamento de novos produtos, contratação de espaço para divulgação dos produtos dos seus fornecedores, etc., AA. Assim, conclui-se que não estamos perante descontos comerciais, mas sim, serviços prestados, individualizados em rubricas específicas, contabilizados pela Impugnante em subcontas específicas da contabilidade geral, consoante a contrapartida, independentemente do seu valor poder ser calculado em função das compras ou de qualquer outro critério estabelecido livremente pelas partes. Sendo que, em parte alguma, a Impugnante vem desvalorizar as qualificações dadas às prestações de serviços denominadas de “desconto” nas notas de débitos, o que leva questionar se o que interessa à Impugnante para qualificar a operação é a forma como a mesma é quantificada, e não a sua natureza e objecto, que no caso em apreço, só pode ser entendida como uma prestação de serviços promocionais, como se retira da leitura do RIT. BB. A sentença objeto do presente recurso fez, pois, errada aplicação dos factos ao direito, errando ao dar como factos não provados que: “Os valores debitados pela [SCom02...] e a impugnante aos fornecedores correspondiam à contrapartida de serviços prestados pelas primeiras”, assentando a sua convicção no depoimento testemunhal em detrimento do conteúdo dos documentos existentes nos autos, nomeadamente o conteúdo dos CGF. Concluindo, CC. Desta forma e em suma, considera-se que não deve ser atendida a pretensão da Impugnante, quanto à qualificação das operações em causa (Cooperação Comercial, Animação promocional, Apoio a Research, Competitividade de Preço, Desenvolvimento e Merchandising, Posicionamento Produto Linear e Desconto Cartão Cliente), devendo manter-se o entendimento dos SIT, ou seja, estamos perante prestações de serviços promocionais, sujeitas a tributação de IVA e dele não isentas, nos termos dos Arts.1.º, n.º 1, al. a), 4.º, n.º 1 e 6.º, n.º 4 do CIVA, porquanto: i. as operações em causa implicam a realização de um conjunto de acções/comportamentos activos por parte da Impugnante, visando um resultado, em benefício dos seus fornecedores; ii. o conceito subjacente ao desconto comercial não admite a realização de operações económicas de natureza activa para a sua concretização, consistindo unicamente na redução de preço unitário dos bens vendidos, em função das quantidades compradas; iii. as operações em presença não reduzem o preço unitário dos bens adquiridos aos fornecedores, apenas se verifica, um “desconto” do ponto de vista de tesouraria, em virtude do valor total devido ao fornecedor ser “descontado” do valor devido por este pela aquisição/utilização dos referidos serviços, ie, há uma compensação entre débito e crédito do fornecedor, que, do ponto de vista de tesouraria, permite à impugnante “abater” ao valor total devido ao fornecedor o valor devido por este pela utilização/aquisição de serviços. iv. não pode ser o facto desses débitos efectuados pela Impugnante terem tido um tratamento contabilístico equiparado a desconto comercial (registo na conta #318), ou serem designados como “descontos”, ou terem sido calculados em função de uma percentagem sobre o valor de compras, que revestem a natureza de desconto comercial e que possam ser entendidos como v. a circunstância do valor dos débitos poder aumentar em função da quantidade dos produtos que a Impugnante compra aos seus fornecedores, não impede a qualificação destas operações como prestações de serviços; é, até, perfeitamente lógica, já que estes serviços estão directamente relacionados com os produtos e implicam, regra geral, uma determinada logística que é necessariamente afectada pelo volume da quantidade comprada; vi. no contrato geral de fornecimento, que sustenta os respectivos débitos, estão previstos dois objectos negociais: o primeiro, a obrigação do fornecedor vender os produtos de acordo com as condições de fornecimento, onde se encontram previstos descontos (comercias) e rappel, e o segundo, a prestação de serviços a efectuar pela Impugnante, para promover as vendas dos produtos adquiridos aos seus fornecedores, sendo que para os dois objectos existem contraprestações, no primeiro, a garantia da aquisição de produtos nas condições acordadas, e no segundo, a possibilidade de vir a aumentar as vendas dos fornecedores em consequência das acções promocionais. vii. a Impugnante nunca veio dar qualquer explicação quanto às prestações de serviço a que se refere o Contrato Geral de Fornecimento (CGF), nem conseguiu demonstrar que as prestações de serviço apuradas pelos SIT não se enquadram naquele. viii. e, por outro lado, a desvalorização do contrato de fornecimento, por parte do Tribunal a quo, com base em mera prova testemunhal, uma vez que o mesmo faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (art.376.º do CC) e esta não pode ser afastada por declarações testemunhais (art.º 393.º, nº 2 do CC). DD. Assim, por tudo quanto se expôs, deve a douta sentença ser revogada e substituída por decisão que considere legal as correções efetuadas e julgue improcedente a impugnação judicial deduzida. EE. Quanto à qualificação dos valores indevidamente regularizados a favor da impugnante, resultantes da utilização de talões de desconto como meio de pagamento e pela utilização de vales de combustível como meios de pagamento: FF. Na questão em apreço, cumpre apurar se relativamente a uma operação inicial (1ª compra) cuja base tributável é objecto de efectiva redução à posteriori, aquando da realização duma operação subsequente (2ª compra), é aplicável o disposto no Art. 16.º, n.º 6, al. b) do CIVA, ou antes o regime estabelecido no Art. 78.º do mesmo diploma legal, e caso este seja aplicável, é ainda de aferir se se deve dar sempre cumprimento ao disposto no n.º 5 deste normativo. GG. Desta forma, começaremos por identificar os factos essenciais subjacentes a esta operação que são, aliás, de conhecimento público, e reconhecidos pela própria Impugnante: o na operação inicial (aqui referida como 1ª compra), o cliente paga o preço total do bem objecto da campanha de desconto em cartão; o pela compra de tal bem, o cliente fica detentor dum crédito sobre a Impugnante equivalente ao valor do desconto definido na referida campanha, valor esse que somente poderá utilizar em compras subsequentes; o na operação subsequente (2ª compra), caso o desconto seja rebatido, isto é, utilizado, o cliente não pagará o preço total dos segundos bens adquiridos, mas apenas a diferença entre esse preço e o valor do crédito que tem acumulado no cartão cliente (o tal desconto); o o cliente pode nunca vir a efectuar quaisquer compras subsequentes, o que significa que poderá não vir nunca a usufruir do desconto contido no cartão; o o cartão cliente (“carregado” com o crédito equivalente ao valor do desconto) pode ser transmitido a terceiros e utilizado livremente por quem dele for portador e o apresentar em compras; o no talão relativo à 1ª compra é mencionado o montante do desconto bruto equivalente ao crédito que o cliente pode utilizar em compras futuras; o o valor do desconto contém IVA, tem IVA incluído o quando regulariza o respectivo IVA (no momento em que ocorre o utilização/rebate do desconto, ou seja, na 2ª compra), este tem como base tributável os valores constantes na compra inicial, o que significa que o valor apurado pela Impugnante, na regularização do IVA, vem rectificar a favor da empresa o IVA anteriormente liquidado ao adquirente na aquisição inicial. HH. Assim, temos que no 1º talão de venda (1ª compra com direito a acumular crédito em cartão), é possível, de facto, aferir qual o valor de IVA incluído no desconto (crédito) concedido, bastando, para o efeito, verificar as taxas de incidência dos bens adquiridos que são objecto da campanha de desconto em cartão. II. No entanto, não é neste 1º talão de venda que esse desconto é rebatido; efectivamente, com ele o cliente apenas adquire o direito a usufruir, posteriormente, daquele crédito, a descontar em compras futuras. Ora, o problema é que em compras subsequentes, nas quais é suposto utilizar o crédito em cartão, o cliente (sujeito passivo de IVA ou não) não é informado do valor concreto de imposto que lhe é descontado, nem que esse valor em concreto foi objecto de regularização a favor do fornecedor (no caso, a Impugnante). E tal assim é, porquanto o talão da 2ª venda (compra subsequente) apenas menciona que o desconto foi efectuado mediante a dedução do respectivo valor (crédito) ao valor total dessa 2ª venda, como podemos constatar na cópia de talões de venda/ factura com rebate de talões de desconto emitidos pela Impugnante, como se constatou no RIT. Daqui resulta que na 2ª compra, para além de o cliente não ser informado da regularização de imposto efectuada pelo fornecedor (que é opcional, como se sabe), também não sabe qual a taxa de imposto contida no desconto rebatido, porque essa informação não consta igualmente do talão emitido pela Impugnante referente à 2ª compra, na qual o desconto é realmente efectuado. Grosso modo, o que se passa é que numa primeira compra, o cliente adquire um direito, que se traduz na possibilidade de usufruir dum desconto a rebater em compras futuras, efectuadas num período de tempo pré-determinado ou não, entendendo a Impugnante que o desconto em causa, quando e se for utilizado pelo cliente, retroage à primeira compra efectuada, isto é, tem como efeito a redução da base tributável da primeira compra e do respectivo imposto associado. JJ. Ou seja, pretende a Impugnante, aquando da utilização do referido desconto, regularizar a seu favor o correspondente imposto associado, entenda-se, o IVA liquidado na primeira operação (1ª compra que deu origem ao crédito no cartão). Ora, o mecanismo colocado à disposição dos sujeitos passivos para fazer face a regularizações de IVA encontra-se, como sabemos, previsto no Art. 78.º do CIVA. KK. A Impugnante, bem como a sentença em recurso, sustenta que esta regularização de imposto efectuada a posteriori, é operada com base no disposto no Art. 16.º, n.º 6, al. b) do CIVA, o que não pode acontecer. Sendo que o facto de ter evidenciado este desconto, contabilisticamente, aquando do registo da primeira operação, a débito duma conta de proveitos pelo valor do desconto bruto, em nada altera a realidade observada - o cliente pagou efectivamente a totalidade do valor da primeira compra por si efectuada sem lhe ter sido descontado qualquer valor nessa data e nesse talão de venda, apenas lhe tendo sido conferido o direito a utilizar o desconto posteriormente, numa compra futura consubstanciada por outro talão de venda. LL. Efectivamente, a aplicação do Art. 16.º, n.º 6, al. b) do CIVA é reservada às situações em que os descontos e abatimentos são efectuados na própria factura ou documento equivalente (talão de venda), sendo que, reduzido o valor tributável da operação, pelo desconto ou abatimento efectuado, o IVA incidirá apenas sobre a diferença. O que significa que a efectivação do desconto não fica dependente da ocorrência de factos supervenientes, designadamente as segundas compras. E é por força da utilização efectiva do desconto, em momento posterior, que o valor tributável da operação inicial (1ª compra) é reduzido e se verifica a redução do correspondente IVA associado. Pelo que seria neste momento posterior (2ª compra), que a Impugnante poderia, se quisesse, ter promovido a aplicação do disposto no Art. 16.º, n.º 6, al. b) do CIVA, respeitando a doutrina firmada pelo Acórdão Boots do TJCE, já que é na 2ª compra efectuada que o desconto ou abatimento se concretiza efectivamente, isto é, é na 2ª compra que a contraprestação dada pelo cliente consiste na “(…) diferença entre o preço de venda normal a retalho dos artigos fornecidos e a quantia em dinheiro efectivamente recebida pelo retalhista por esses artigos, quando este aceita do cliente um cupão que lhe foi dado pelo retalhista aquando de uma compra anterior efectuada ao preço de venda normal a retalho” Cfr. n.º 22 do Acórdão Boots . Sendo que o desconto contido no cartão ou no “(…) cupão materializa o direito do portador a uma redução do preço na medida da quantia nele indicada.” Cfr. n.º12 e 13 do Acórdão Boots MM. Ora, nos termos da al. b) do n.º 6 do Art. 16.º do CIVA (que transpôs para o ordenamento jurídico interno a al. b) do n.º 3 do Art. 11.º, parte A, da Sexta Directiva) os descontos e abatimentos não se incluem na matéria colectável se forem concedidos (efectivados) ao cliente no momento em que a operação se realiza. NN. Desta forma, o Acórdão Boots refere (no n.º 18) que o desconto só deve ser considerado para efeitos de redução de matéria colectável, quando haja a entrega por parte do adquirente do talão de desconto (ou da utilização do cartão cliente), que lhe permita pagar o preço reduzido (deduzido) desse desconto (rebate do desconto), que, no caso, é o que sucede na 2ª compra e não na compra inicial (1ª compra). OO. Todavia, a Impugnante não adoptou o procedimento descrito e firmado no Acórdão Boots, como veremos de seguida, dado que considera que o desconto em causa deve retroagir à 1ª compra efectuada, e, por isso, procedeu à regularização do valor de IVA liquidado na operação inicial, e não à liquidação, na operação subsequente, do valor de IVA que seria devido por redução da base tributável da 2ª compra na medida do desconto, abatido o respectivo imposto nele contido. PP. Ora, voltando à questão em apreço, temos que a dedução do IVA efectuado pela Impugnante na 2ª compra, com o efeito e respectivo valor retroagido à 1ª compra, não pode resultar do disposto na al. b) do n.º 6 do Art. 16.º do CIVA; Assim, o procedimento adoptado pela Impugnante traduz uma regularização de IVA a seu favor, nos termos do Art. 78.º do CIVA, por se tratar dum desconto extra factura ou “fora da factura”. Deste modo, se a Impugnante não queria promover o desconto “fora da factura”, o que inevitavelmente conduz ao regime previsto no Art. 78.º do CIVA, deveria ter procedido conforme preconizado no Acórdão Boots, efectuando a redução do valor tributável da 2ª compra e, consequentemente, do respectivo IVA associado. QQ. A Impugnante invoca, ainda, as Informações Vinculativas que juntou aos autos, nas quais, e mais uma vez, se firma entendimento concordante com o exposto pela AT, que a Impugnante insiste em desvirtuar. Efectivamente, a conclusão sancionada na referida Informação Vinculativa é que “O valor acumulado em cartão de desconto/talão configura um desconto, nos termos da alínea b) do n.º 6 do art. 16.º do CIVA e, por consequência, o referido montante, aquando da sua utilização, deve ser excluído do valor tributável dos artigos vendidos” (negrito nosso) Ora, de acordo com o acima transcrito, e tal como já foi por demais referido, a exclusão do valor tributável só advém no momento da efectiva utilização do desconto concedido, isto é, na 2ª compra. RR. Resulta, assim, evidente que a redução do valor tributável duma operação (1ª compra), quando efectivamente concretizado em momento posterior (2ª compra), não se observando a redução do valor tributável dessa 2ª compra (e, consequentemente, do respectivo IVA associado) por aplicação do disposto na al. b) do n.º 6 do Art. 16.º do CIVA, só pode originar a regularização/dedução de IVA com recurso ao mecanismo previsto no Art. 78.º do CIVA. Todavia, de acordo com Art. 78.º, a regularização de IVA a favor do sujeito passivo é opcional, porém, caso seja essa a sua opção, este fica obrigado ao cumprimento das condições elencadas no n.º 5 do citado normativo, sem a observância das quais a regularização é indevida, conforme determinou expressamente o legislador. SS. Ora, não obstante pretender regularizar o IVA anteriormente liquidado, e pese embora só pudesse fazê-lo ao abrigo do disposto no Art. 78.º do CIVA, que é, como vimos, a única forma de alcançar tal desiderato, a Impugnante entende não ter que cumprir as condições estabelecidas no n.º 5 da citada norma legal, designadamente no que respeita à obrigação de tal regularização ser comunicada ao adquirente (cliente) e deste declarar que dela teve conhecimento, ou à demonstração que esse IVA lhe foi reembolsado. Compreende-se a preocupação do legislador - acautelar que a regularização a favor do sujeito passivo só possa ser efectuada se esse imposto for também, por sua vez, regularizado a favor do Estado, ou se ficar demonstrado que foi efectivamente restituído/reembolsado ao cliente. TT. Contudo, como resulta claro dos Autos, a Impugnante não observou o cumprimento de nenhuma das condições referidas e expressamente determinadas na lei. Não obstante as vastas alegações produzidas, com o intuito de justificar e, até, legitimar o não cumprimento das condições elencadas no Art. 78.º, n.º 5 do CIVA, a verdade é que, mesmo que assim fosse, o que não se concede, toda a sua argumentação esmorece e se desfaz quando invocamos os casos em que o cliente é sujeito passivo de imposto. E tal assim é, porquanto, nessa qualidade de sujeito passivo, e face à falta da comunicação/informação a que obriga o citado normativo, o cliente não fica obrigado a proceder à regularização do IVA a favor do Estado, com o prejuízo daí decorrente para a Fazenda Pública, conforme já demonstrado (a Impugnante regulariza imposto a seu favor, mas os seus clientes sujeitos passivos não regularizam esse mesmo imposto a favor do Estado). UU. E não pode a Impugnante eximir-se da responsabilidade pelo não cumprimento das obrigações que pendem sobre terceiros (regularização de imposto a favor do Estado por parte dos clientes sujeitos passivos), quando o cumprimento dessas obrigações se encontra dependente das condições que a ela própria compete observar nos termos da lei (no Art. 78.º, n.º 5), mas não observou. VV. Por outro lado, não é à AT que cabe demonstrar que os valores de IVA regularizados a favor da Impugnante foram liquidados a clientes não sujeitos passivos, ao invés é sobre a Impugnante que impende o ónus da prova relativamente aos factos e valores declarados, tal como previsto no Art. 74º, n.º 1 da LGT, competindo-lhe demonstrar que, na regularização de imposto efectuada, observou os requisitos de que a lei faz depender o exercício desse direito. WW. Ainda assim, sempre se dirá que o Art. 78.º, n.º 5 do CIVA determina que a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada (só é aceite fiscalmente), se este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação levada a efeito ou de que foi reembolsado do valor do imposto objecto de rectificação. Não se vislumbrando na letra desta norma legal, nem tão pouco resulta do objectivo que prossegue, que seja restringida a qualidade do adquirente, conforme pretendido pela Impugnante, exigindo-se que este seja sujeito passivo para efeitos da observância do regime nela estatuído. XX. Pelo contrário, o âmbito de aplicação do Art. 78.º, n.º 5 estende-se a quaisquer adquirentes, sejam ou não sujeitos passivos, independentemente do direito que lhes assiste de deduzirem, ou não, o imposto suportado a jusante, permitindo, desta forma, o controlo, validação e confirmação dos valores de IVA devidos e efectivamente liquidados nas operações tributáveis. Sendo que o 78.º, n.º 5 fala em adquirente, ao passo que o seu n.º 4 fala em adquirente que seja um sujeito passivo. YY. Face ao exposto, é indiferente a qualidade do adquirente para efeito do cumprimento, por parte do fornecedor, das obrigações que a lei lhe atribui ao abrigo do disposto no Art. 78.º, n.º 5 do CIVA. Tanto mais que se assim não fosse, o fornecedor poderia regularizar a seu favor, indiscriminadamente, sem qualquer justificação, os valores de imposto que entendesse, só por terem sido liquidados a adquirentes que fossem consumidores finais (não sujeitos passivos), visto que, nestes casos, o efeito fiscal seria inócuo, conforme defende a Impugnante (porque o consumidor final também não o tinha deduzido); e Não havendo reembolso ao cliente não sujeito passivo, a regularização do IVA a seu favor corresponde a uma apropriação de quantitativo que lhe foi entregue a título de imposto e que não lhe pertence. ZZ. Não podemos esquecer que estando em causa o IVA, um imposto geral sobre o consumo cuja neutralidade económica e fiscal é assegurada pelo mecanismo da dedução (cfr. Arts.19.º e ss do CIVA) e das regularizações, é fundamental que estas se encontrem devidamente documentadas. Pelo que sempre que ocorra uma rectificação da base tributável ou do valor do IVA que envolva uma regularização, a mesma deve poder ser comprovada documentalmente, independentemente das opções contabilísticas do contribuinte para traduzir as suas operações económicas, como defende Filipe Duarte Neves In Código do IVA Comentado e Anotado, 2.ª Ed., pág. 601 : “Atenta a génese económica do IVA, o que parece importar é que haja um documento que suporte a regularização do IVA e que salvaguarde a possibilidade de a administração fiscal poder fiscalizar devidamente o movimento de regularização efectuado”. AAA. No que tange à alegada violação do princípio da proporcionalidade (Art. 266.º da CRP), importa referir o entendimento sufragado no Acórdão do TJUE, de 26/01/2012, proferido no âmbito do Proc. n.ºC-588/10, Caso Kraft Foods Polska, cujo excerto se transcreve: “Uma exigência que sujeita a redução do valor tributável, como o que resulta de uma fatura inicial, à posse, pelo sujeito passivo, de um comprovativo da receção de uma fatura retificada entregue pelo adquirente dos bens ou serviços enquadra-se no conceito de condição referido no artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado. Os princípios da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado e da proporcionalidade não se opõem, em princípio, a essa exigência. Contudo, quando se revele impossível ou excessivamente difícil para o sujeito passivo, fornecedor de bens ou serviços, dispor, num prazo razoável, desse comprovativo da receção, não lhe pode ser recusado demonstrar, através de outros meios, perante as autoridades fiscais nacionais, por um lado, que efetuou as diligências necessárias nas circunstâncias do caso concreto para se assegurar de que o adquirente dos bens ou serviços está na posse da fatura retificada e que dela teve conhecimento e, por outro, que a operação em causa foi efetivamente realizada em conformidade com as condições enunciadas na referida fatura retificada.”. (negrito nosso) BBB. Em anotação ao Aresto supra citado, Rui Laires In CTF n.º 428, 2012, pág.163 a 191 , refere, a propósito da legislação interna portuguesa, que: “Nas circunstâncias descritas, é de assinalar que o CIVA e a prática da administração fiscal portuguesa facultam aos sujeitos passivos vários meios alternativos para demonstrarem ter concretizado as diligências necessárias para assegurar que os adquirentes dos bens ou dos serviços estão na posse das facturas rectificativas e que tomaram conhecimento do montante de IVA a regularizar, afigurando-se conformes com os princípios da neutralidade e da proporcionalidade nos termos aflorados no acórdão aqui em análise. CCC. Deste modo, considerando que o desconto que tem por base um talão (título ao portador) por si emitido e entregue gratuitamente aos seus clientes na compra de determinados produtos se efetiva não no momento em que aceita do cliente um talão de desconto (compra ulterior), mas sim que esse desconto, equivalente ao valor nominal/facial do talão, retroage à compra inicial onde esse título foi emitido/entregue, poderá optar por efetuar a correspondente regularização do IVA liquidado na compra inicial (como é o caso), mas nesta situação de opção terá de ser dado cumprimento às condições expressamente impostas pelo art.º 71º do CIVA, dado que como considera a [SCom02...] o desconto concedido retroage à compra inicial, i.e., trata-se da correção a uma base tributável de uma transação anterior. DDD. Face ao exposto e em conclusão, considera-se que não deve ser atendida esta pretensão da Impugnante, devendo manter-se o entendimento dos SIT, visto que: a) o entendimento preconizado pela AT relativamente ao tratamento dos descontos em talão e/ou descontos contidos no cartão cliente acompanha a jurisprudência do TJCE; b) assim, a redução do valor tributável, nos termos da al. b) do n.º 6 do Art. 16.º do CIVA, só se verificará no momento em que o desconto se efectivar com a utilização do seu respectivo valor, sendo que no caso dos Autos, este momento coincide com o momento em que o adquirente realiza a 2ª compra, uma vez que é nesta compra que ele paga o preço deduzido do referido desconto (rebatimento/utilização do desconto); c) no entanto, a Impugnante, por opção, não procede em conformidade com o descrito, isto é, não promove a redução do valor tributável da 2ª compra por rebatimento do desconto, e, consequentemente, do respectivo IVA liquidado; d) a Impugnante faz retroagir o desconto à 1ª compra efectuada, ou seja, promove a redução do valor tributável da 1ª compra e regulariza a seu favor o respectivo IVA associado que havia liquidado a mais na compra inicial; e) nestes termos, estamos perante o designado desconto “fora da factura”, pelo que a disposição legal a observar é a constante do Art. 78.º do CIVA, ao abrigo da qual é conferido ao sujeito passivo a possibilidade de regularizar imposto a seu favor, sempre que, após a emissão e contabilização da factura ou documento equivalente, se veja reduzido o seu valor tributável; f) no entanto, para o efeito, é necessário dar cumprimento às condições elencadas no Art. 78.º, n.º 5, ou seja, ter a prova de que os seus clientes/adquirentes tiveram conhecimento da rectificação do imposto ou de que foi reembolsado do imposto, na falta das quais esta dedução/regularização é indevida, independentemente da qualidade do adquirente dos bens; g) a Impugnante não logrou demonstrar o cumprimento das condições impostas no normativo em presença, pelo que é indevida a regularização efectuada. EEE. No sentido propugnado v.g. o recente acórdão do STA, proferido em 23/06/2021, proc. Nº 01186/15.5BELRA, relativo a factos em tudo idênticos aos dos presentes autos, a cujo teor se adere, e que a seguir se transcreve: «Como bem salienta a recorrente o thema decidendum do presente recurso resume-se às seguintes questões: (i) a Impugnante tem direito a regularizar o IVA relativo aos descontos utilizados pelos seus clientes, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 78.º do CIVA? e, (ii) no caso em apreço estava ou não a Impugnante obrigada a apresentar os comprovativos de que os adquirentes tenham tomado conhecimento das respectivas retificações do valor tributável, nos termos do n.º 5 do artigo 78.° do CIVA? Desde já se poderá dizer que não assiste razão à recorrente no ataque que faz à sentença recorrida. Independentemente da perspectiva pela qual se analise a primeira questão, quer da perspectiva de quem suporta com o IVA nas aquisições, quer da perspectiva de quem tem que o entregar, sempre será de concluir que é o consumidor final que suportará o pagamento da totalidade do imposto, não podendo, por isso, a recorrente lançar mão do disposto no artigo 78º do CIVA para proceder à recuperação de imposto sem preencher na totalidade os requisitos aí previstos. Na verdade, para a recorrente, para efeitos do imposto do IVA é-lhe indiferente que o desconto seja efectuado sobre o valor de base tributável antes de imposto ou sobre o valor global incluindo imposto. O consumidor final ao usar como meio de pagamento de parte do preço o vale de desconto ou o cartão cliente, que titulam uma determinada quantia de dinheiro, um crédito, concedida pela recorrente de modo a fidelizar os clientes, paga sempre a totalidade do preço já incluindo o imposto do IVA, acontece, porém, que se a recorrente fizer operar o desconto sobre o valor de base tributável, o valor total a pagar será menor do que no caso do desconto incidir sobre o valor de base tributável acrescido do IVA. Para melhor explicação daremos dois exemplos que ajudam a perceber a sem razão da recorrente: Se imaginarmos que um consumidor final efectua uma compra com um valor de base tributável de 100€, e tiver um talão ou um cartão de desconto no valor de 20€, se se aplicar o desconto àquele valor, o valor total da compra antes de imposto ascende apenas a 80€ e com o imposto (toma-se aqui apenas em consideração a taxa normal de 23% para simplificação) ascende a um valor global de 98,4€, sendo que 18,4€ respeitam ao IVA que deve ser entregue ao Estado. Porém, e perante os mesmos dados, se o desconto de 20€ for deduzido do valor total da compra, englobando o valor do imposto, o que perfaz 123€, temos que o valor global da compra do consumidor final é de 103€, ou seja, mais 4,60€ se o desconto tivesse sido aplicado sobre o valor antes de imposto. E neste caso, ao ser aplicado o desconto àquele valor total englobando o valor do imposto, o mesmo incide, não só sobre o valor da compra antes de imposto, isto é, sobre os 100€, como também sobre o valor do imposto; porém o facto de ocorrer esta dedução ao valor do imposto, não implica que esse montante, no valor de 4,60€, recaia sobre a ora recorrente e que o consumidor final seja alheio a tal valor. É que esses 4,60€ é precisamente o valor que o consumidor paga a mais pelo facto de o desconto não incidir sobre o valor da compra antes de imposto, isto é, sobre os 100€. Em conclusão, a recuperação do IVA neste último caso, por via da regularização, implicaria sempre que a recorrente tivesse em seu poder a declaração a que alude o n.º 5 do referido 78º -Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respectiva dedução- uma vez que o IVA é suportado na totalidade pelo consumidor final e não pela recorrente. E, portanto, nada havendo a regularizar no que respeita ao IVA, uma vez que o mesmo é inteiramente suportado pelo consumidor final, não ocorrendo qualquer erro jurídico ou material na sua liquidação e entrega não se mostram violados os preceitos legais invocados pela recorrente, bem como os princípios da igualdade, da tributação sobre o rendimento real e da neutralidade fiscal. Assim, o recurso não procede.» FFF. Assim, por tudo quanto se expôs, deve a douta sentença ser revogada, por erro de julgamento de facto e de direito, e substituída por decisão que considere legais as correções efetuadas e julgue improcedente a impugnação judicial deduzida. Termos em que, Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por decisão que considere legal as correções efetuadas e julgue improcedente a presente impugnação judicial. Por não ter sido requerido anteriormente, mais requer a dispensa do pagamento do acréscimo de taxa de justiça devida por cada € 25.000,000 ou fração acima dos € 275.000,00, nos termos do n.º 7 do art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP).» 1.2. A Recorrida ([SCom01...], S.A.”), notificada da apresentação do presente recurso, apresentou as seguintes contra-alegações. «1. A douta Sentença, cujo teor, por brevidade de exposição, se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, não merece qualquer censura. 2. No mesmo sentido, o douto Parecer do MP de 15.01.2018, Quanto ao julgamento da matéria de facto, 3. Como resulta das respectivas alegações de recurso, a FP/Recorrente não impugnou o julgamento da matéria de facto conforme determina a lei. 4. Com efeito, a FP/Recorrente não cumpriu o ónus previsto no artigo 640º nº 1 do CPC. 5. Ou seja, a Recorrente/FP não impugnou devidamente o julgamento da matéria de facto, designadamente no que concerne à prova testemunhal, cujos depoimentos testemunhais foram gravados digitalmente, como se retira da acta de inquirição de testemunhas de 06.11.2017. 6. Com efeito, a Recorrente/FP não cumpriu o ónus jurídico que lhe competia, nos termos do artigo 640º do CPC (anterior artigo 690º-A), de obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considerou incorretamente julgados, muito menos especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, na opinião da Recorrente/AT, imporiam decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 7. A FP/Recorrente não faz qualquer exame crítico às provas que suportaram a convicção do Tribunal. 8. Aliás, analisado o recurso, verifica-se que o mesmo não indicou os meios de prova cujo exame crítico entende estar viciado, nem a razão da credibilidade dos demais meios de prova que eventualmente entendesse relevarem para uma correcta decisão. 9. Bem pelo contrário: a FP/Recorrente limita-se a afirmações genéricas e abstractas, sem qualquer explicitação ou concretização em relação ao específico caso sub judice, 10. sem identificar os concretos pontos da matéria de facto dada como provada que, em seu entender, não deveriam ter sido dados como provados, nem indicando os elementos constantes dos autos que impunham uma diferente decisão sobre a matéria de facto. 11. A Recorrente/FP limitou-se a fazer afirmações gratuitas, não fundamentadas. 12. Ou seja, a Recorrente/FP não cumpriu o ónus de especificação dos pontos da matéria de facto que teriam sido erradamente julgados – com a consequente não especificação, pela Recorrente/FP, da decisão/julgamento da matéria de facto que sobre aqueles pontos alegadamente deveria ter sido feito. 13. Não cumpriu o ónus de especificação dos meios de prova que alegadamente imporiam julgamento distinto da matéria de facto. 14. Não especificou as passagens da gravação dos depoimentos testemunhais, tão pouco procedeu à sua transcrição, que supostamente deveriam ter conduzido a um diferente julgamento da matéria de facto. 15. Com efeito, a Recorrente/FP não fez qualquer apreciação crítica da douta Sentença recorrida, designadamente quanto à fundamentação do julgamento da matéria de facto, mormente da apreciação que ali foi feita dos depoimentos das testemunhas. 16. Em suma, a Recorrente/FP não cumpriu o disposto no artigo 640º nº 1 a), b) e c) e 2 a) do CPC. 17. Com efeito, existem regras nesta matéria e estas regras devem ser cumpridas. Sendo certo que, 18. Importa ter em conta o princípio da imediação e da liberdade da apreciação das provas, designadamente da prova testemunhal, por parte do Tribunal (cfr. artigos 396º do CC e 607º nº 5 do CPC, entre outros). 19. Sendo que o ónus da prova da factualidade constitutiva do direito de liquidação pertencia à AT (cfr. artigos 74º nº 1 da LGT e 342º nº 1 do CC). 20. Importando ainda ter em conta que o contribuinte goza da presunção legal de veracidade e boa-fé da sua contabilidade e declarações, nos termos do artigo 75º nº 1 da LGT. Sem prescindir, a título subsidiário, 21. Mesmo que subsistissem dúvidas, o que só por mera hipótese se admite, nos termos do artigo 100º nº 1 do CPPT, “1 - Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.”. 22. Isto, porque o contribuinte goza da presunção legal de veracidade e boa-fé da sua contabilidade e declarações fiscais, nos termos do artigo 75º da LGT – como acima se referiu. Ainda sem prescindir, por mera cautela de patrocínio, 23. Conforme acima se referiu, a Recorrente/FP não cumpriu o ónus de especificação imposto pelo artigo 640º do CPC para os casos de impugnação do julgamento da matéria de facto – designadamente em relação à prova testemunhal, 24. cujos depoimentos testemunhais foram gravados digitalmente, como se retira das actas de inquirição de testemunhas acima especificadas. 25. Sem prescindir, se por mera hipótese assim não se entender, estipula o artigo 640º nº 2 b) do CPC que “Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do Recorrente.”. 26. Ora, veja-se a prova documental produzida pela Recorrida/Impugnante, não impugnada pela Recorrente/FP, e que por isso deve ser aceite por acordo, em particular: Quanto aos descontos concedidos à RECORRIDA pelos seus fornecedores: 27. Vejam-se os pedidos de informação vinculativa juntos à PI como doc. 8; 28. Bem como a resposta da Direcção de Serviços de IVA, que validou o procedimento adoptado (cfr. doc. 9 junto à PI); 29. E ainda o pedido de informação vinculativa formulado junto das autoridades fiscais de Espanha, onde foi exposto, de forma rigorosa, o procedimento contabilístico e fiscal relativo à utilização de talões de desconto (cfr. doc. 10 junto à PI); 30. Bem como a resposta das autoridades fiscais congéneres de Espanha, que sancionaram também, na integra, os procedimentos em causa nos presentes autos (cfr. doc. 11 junto à PI); - A Informação da AT nº 7709, averbada de despacho concordante da AT de 17.06.2015, emitida no âmbito do mesmo ramo de negócio da Impugnante/RECORRIDA, segundo a qual os descontos concedidos pelos fornecedores dos hipermercados podem processar-se através de notas de débito emitidas pelos compradores, ou seja, mediante notas de débito emitidas pelas sociedades que exploram os hipermercados – como sucede no caso da Impugnante (doc. 1 aqui junto). 31. Escusado será dizer que a AT, por força do princípio legal da boa-fé, da protecção da confiança e das legítimas expectativas dos contribuintes, não pode actuar em contravenção com a sua própria doutrina, conforme advém do disposto nos artigos 10º do CPA, 68º-A da LGT, 55º do CPPT e 266º nº 2 da CRP. Quanto aos descontos concedidos pela RECORRIDA aos seus clientes em “cartão Marca ...”, através da concessão de talões de desconto ou através da utilização, pelos clientes, do cartão “Marca 2...” (vales de combustível): - Publicações no site da AT (www.portaldasfinancas.gov.pt), de diversas “fichas doutrinárias” em sede de IVA, sobre as temáticas “Desconto – Vales-bónus na compra de artigos – Cartão de fidelização de clientes”, e “Regularizações – Descontos efectuados após a emissão de facturas” - das quais resulta que (i) a regularização do IVA correspondente a descontos concedidos aos clientes é meramente facultativa, (ii) que o valor correspondente ao desconto concedido deve ser excluído do valor tributável para efeitos de IVA, nos termos do artigo 16º nº 6 b) do CIVA, e (iii) que a rectificação do valor tributável, por virtude da concessão de descontos, embora por via de regra seja feito mediante nota de crédito emitida pelo fornecedor, pode ser feita através da emissão de uma nota de débito pelo adquirente informações vinculativas da AT nos processos nº 544, de 01.04.2010, e nº 946, de 30.07.2010, ambas por despacho do Senhor Subdirector Geral da Direcção de IVA (docs. 2 e 3 aqui juntos); 32. Destas informações vinculativas nº 544, de 01.04.2010, e nº 946, de 30.07.2010, da Direcção de Serviços do IVA, advém que o valor correspondente ao desconto concedido deve ser excluído do valor tributável para efeitos de IVA, nos termos do artigo 16º nº 6 b) do CIVA. 33. E que o IVA incide apenas sobre o valor efectivamente recebido do cliente - exactamente como sucede no caso dos autos. - O ofício Circulado nº 6322, de 13.03.1986, do SIVA, referindo que o regime das regularizações de IVA consagrado no artigo 78º do CIVA tem aplicação apenas «(…) para o caso específico em que a transacção se realiza entre dois sujeitos passivos de imposto (fornecedor e adquirente sujeito passivo) (…)» (doc. 4 aqui anexo); - O ofício circulado nº 30082/2005, de 17/11, da DSIVA, segundo o qual “As regularizações previstas no artº 71º (actual 78º) do CIVA destinam-se a corrigir, a favor do sujeito passivo ou a favor do Estado, o imposto já entregue ou já deduzido num determinado período de imposto…” - o que (dedução do IVA) só pode ocorrer em caso de clientes sujeitos passivos/clientes empresariais, e não em caso de clientes particulares/consumidores finais, como é o caso em apreço (doc. 5 aqui junto); - A Informação Vinculativa nº 1518, averbada de Despacho concordante do Exmo. SubDirector Geral dos Impostos, datado de 03.03.2011, publicada em Dezembro de 2012, de cujos exemplos resulta que o próprio valor do desconto incorpora IVA, contém IVA (regime do “IVA incluído”, portanto) (docs. 6 e 7 aqui juntos); 34. Embora relativa a outro sujeito passivo de imposto – com os contornos concretos do caso nela abordado - essa Informação, porque igualmente respeitante a um retalhista, tem relevância na situação em apreço. 35. Desde logo, conforme exemplos e quadros dela constantes, extrai-se daquela Informação que o próprio valor do desconto incorpora IVA, contém IVA (regime do “IVA incluído”, portanto). 36. Por outro lado, tal como se afirma nessa Informação: “DESCONTOS CONCEDIDOS PELA REQUERENTE 18 - Reportando-nos, ao caso em apreço, e de acordo com a informação disponível no processo, constata-se que o desconto em cartão ou contido em talão: i) é emitido pela Requerente/retalhista, constituindo seu encargo em benefício do cliente; ii) é atribuído aos clientes portadores de cartão ou talão, sendo aceite pela Requerente, quando o cliente/consumidor final efectivar compras nas suas lojas. 19 - Portanto, o desconto em cartão ou talão traduz-se na redução do preço marcado no(s) artigo(s) a pagar pelo cliente no momento da aquisição, assumindo a Requerente/retalhista os encargos inerentes, pelo que, no âmbito da jurisprudência comunitária o valor nominal do respectivo desconto não deve ser incluído no valor tributável da operação. Também, nesta situação se verifica a condição: o valor da contraprestação obtida pela Requerente não é inferior à quantia em dinheiro que efectivamente recebe pelo fornecimento/venda do(s) produto(s). 20 - Assim sendo, o valor acumulado em cartão de desconto/talão configura um desconto, nos termos da alínea b) do nº 6 do artigo 16º do CIVA e, por consequência, o referido montante, aquando da sua utilização, deve ser excluído do valor tributável dos bens vendidos. (…) DESCONTOS CONCEDIDOS PELA REQUERENTE a) O valor acumulado em cartão de desconto/talão configura um desconto, nos termos da alínea b) do nº 6 do artigo 16º do CIVA e, por consequência, o referido montante, aquando da sua utilização, deve ser excluído do valor tributável dos artigos vendidos;”. 37. Mais uma vez, por força do princípio legal da boa-fé, da protecção da confiança e das legítimas expectativas dos contribuintes, não pode actuar em contravenção com a sua própria doutrina (ofícios circulares, informações vinculativas, etc.), conforme advém do disposto nos artigos 10º do CPA, 68º-A da LGT, 55º do CPPT e 266º nº 2 da CRP. Note-se que, 38. É legítima a junção dos documentos aqui em anexo, nos termos do artigo 426º do CPC, dado se reportarem a pareceres técnicos da própria AT. Finalmente, 39. Importa ainda ter em conta os doutos Pareceres do Professor Xavier de Basto e do Professor António Carlos dos Santos (juntos à PI), 40. e o douto Parecer do Ministério Público aqui junto como doc. 8, emitido em situação em tudo idêntica à dos autos. 41. Veja-se ainda as 2 Sentenças proferidas nos processos de Impugnação nº 1683/13.7NEPRT e 1058/11.2BEPRT, aqui juntas como docs. 9 e 10, 42. além da Sentença anteriormente junta nos presentes autos em 14.04.2016 (processo de Impugnação nº 2526/09.1BEPRT), 43. e da Sentença aqui junta como doc. 11, recentemente proferida no processo de Impugnação nº 2527/09.0BEPRT, 44. as 4 respeitantes a matérias idênticas às dos presentes autos. Acresce que, 45. Como resulta das alegações de recurso, estas não se traduzem na imputação de erros à douta Sentença recorrida. 46. Outrossim, traduzem-se basicamente na reprodução do anteriormente alegado pela Recorrente/FP/AT em sede de relatório inspectivo, contestação e alegações escritas pré-sentenciais - sucessivamente e por esta ordem. 47. Escusado será dizer que os recursos jurisdicionais têm por objecto imputar erros de julgamento à concreta Sentença recorrida (cfr. artigo 627º nº 1 do CPC). 48. E, não, repetir à exaustão os fundamentos das correcções e liquidações de imposto operadas pela AT. 49. Com efeito, compulsadas as alegações e conclusões de recurso, estas não imputam quaisquer erros de julgamento, de facto ou de Direito, à douta Sentença recorrida, particularmente as normas legais que teriam sido violadas pela decisão recorrida. 50. Como se disse, é escusado dizer que que o recurso jurisdicional se destina à reapreciação da decisão judicial recorrida por uma Instância hierarquicamente superior (artigos 627º nº 1e 639º nº 1 do CPC), 51. pelo que as respectivas alegações de recurso devem dirigir-se à imputação de erros, de facto e/ou de Direito, à decisão judicial recorrida. 52. Com efeito, neste momento processual está em causa a apreciação da douta Sentença recorrida e não a apreciação da legalidade ou ilegalidade dos relatórios inspectivos – já apreciada pela douta Sentença recorrida. 53. Pelo que não podem as alegações de um recurso jurisdicional voltar a insistir (como já tinha sucedido anteriormente, na contestação e nas alegações pré-sentenciais) no teor do relatório inspectivo que esteve na génese das correcções e das liquidações que constituem objecto da presente Impugnação. 54. E fá-lo, se bem percebemos, partindo do pressuposto (errado) que a factualidade inscrita no relatório inspectivo teria sido dado como provada na douta Sentença recorrida. 55. Ora, nada de mais errado, como salta à vista. 56. Com efeito, o que resulta da factualidade provada é tão só e apenas que a AT emitiu o relatório inspectivo ali mencionado, com o texto ali reproduzido/”colado”. 57. A factualidade provada não significa que o Tribunal a quo tenha dado por provada a factualidade descrita nesse mesmo relatório, 58. muito menos que tenha sufragado integralmente o enquadramento jurídico propugnado pela AT no relatório inspectivo – antes pelo contrário. 59. Aliás, se tivesse sido esse o caso, certamente que o sentido decisório teria sido bem distinto. 60. Uma coisa é dar como provados os factos invocados pela AT para proceder à correcção em causa; outra, completamente diferente, é dar como provado que a AT emitiu relatório inspectivo com determinado teor (como é o caso). 61. Aliás, não poderia ser de outro modo, atendendo a que, como é óbvio, o relatório inspectivo da AT, transcrito/copiado nos factos provados, está pejado de interpretações e juízos conclusivos – que obviamente não constituem matéria de facto. 62. Nesse sentido o douto Acórdão deste Venerando TCAN, 2ª Secção/CT, de 28.01.2016, proferido no Proc. 00479/09.5BEPRT, in www.dgsi.pt. 63. Deste modo, na presente fase processual competia, outrossim, imputar objectiva, circunstanciada e fundamentadamente, erros de facto e/ou de Direito à douta Sentença recorrida – o que não sucedeu, se bem analisarmos as alegações de recurso. 64. Pelo que o recurso interposto pela FP não cumpre o ónus de alegação a que se reportam os artigos 639º nº 1 e 640º do CPC (vide supra). 65. Em suma, o recurso da FP não deve ser admitido, não se conhecendo do mesmo, por falta de alegações (artigo 641º nº 2 b) do CPC). Sem prescindir, por cautela de patrocínio, Quanto aos descontos concedidos à RECORRIDA pelos seus fornecedores: 66. Como dela resulta, a douta Sentença recorrida não é passível de qualquer censura, 67. sendo desnecessárias considerações adicionais àquelas que já constam da douta Sentença recorrida, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 68. No mesmo sentido, pode ver-se o recente Acórdão de 20.10.2022, deste Venerando TCAN, UO 2, proferido no Processo nº 3151/11.2BEPRT, aqui junto como doc. 12. Sem prescindir, acresce o seguinte: 69. A AT entendeu que a RECORRIDA teria prestado serviços promocionais aos seus fornecedores - relativamente aos quais a AT liquidou IVA. 70. Considerando a AT que a RECORRIDA, ao não ter liquidado esse IVA, teria infringido os artigos 1º nº 1 a), 4º nº 1, 6º nº 4 e 18º nº 1 c) do CIVA. Ora, 71. Estamos face a correcções ao IVA, imposto de matriz comunitária. 72. O IVA é neutral nas relações entre agentes económicos, visando, outrossim, tributar apenas o consumidor final e a capacidade contributiva por este revelada nos consumos que efectua. 73. Com efeito, se, por mera hipótese, a RECORRIDA tivesse efectivamente prestado serviços promocionais aos seus fornecedores, o IVA que liquidaria nesses pretensos serviços seria entregue ao Estado, é certo, mas seria recebido dos fornecedores, por via da sua repercussão junto desses mesmos fornecedores – ficando tudo na mesma. 74. Efectivamente, o IVA é um imposto geral sobre o consumo; logo, os contribuintes de facto são os consumidores finais, e não os agentes económicos intermédios. 75. Estão aqui em causa 8 rubricas de descontos de quantidade, cujas designações e respectivas siglas abreviadas são as seguintes: QC – Desconto Quantidade e Centralização; APL – Animação Promocional Loja; CC - Acordo Cooperativo/Cooperação Comercial; CPR – Competitividade de Preço; QL – Desconto quantidade loja; PP – Promoção Permanente; RF – Reforço de Competitividade; e AF – Abono frete. Posto isto, 76. Como se provou, a RECORRIDA, por meio de notas de crédito por si emitidas, repassou a outras sociedades retalhistas do grupo descontos de quantidade obtidos junto dos fornecedores, 77. incluindo-se, naquele valor, a repassagem de valores respeitantes às rubricas e siglas aqui em questão, acima referidas. 78. Ora, se serviços existissem, o que não se concede, ao menos parte dos mesmos teriam sido prestados por outras sociedades do retalho alimentar, e não pela RECORRIDA – pelo que o IVA deveria ser liquidado por essas outras sociedades à RECORRIDA, que por sua vez o deduziria. 79. Com efeito, se a RECORRIDA, por mera hipótese, devesse debitar os descontos aos fornecedores com IVA, como entende a AT, então seria credora, ou seja, poderia deduzir esse mesmo IVA, aquando e na medida do crédito/repassagem desses descontos às demais sociedades retalhistas alimentares do grupo – pelo que a liquidação adicional de IVA, na esfera da RECORRIDA, nunca poderia ascender aos valores a que chegou. 80. Se assim foi, como reconhece a própria AT, então os pretensos serviços prestados aos fornecedores aqui concretamente em questão, na perspectiva da AT (que não da Impugnante), teriam sido prestados pelas outras sociedades retalhistas que beneficiaram, a final, daqueles descontos – e não pela RECORRIDA. 81. Havendo a repassagem de parte destes descontos, a favor destas outras sociedades, o valor de descontos obtidos pela RECORRIDA junto dos fornecedores considerado pela AT está errado. 82. Com efeito, provou-se que a RECORRIDA creditou parte dos descontos em causa a favor de outras sociedades do sector alimentar do grupo «...X...». 83. Logo, ao valor considerado pela AT haveria necessariamente que deduzir o valor creditado pela RECORRIDA a favor de outras sociedades retalhistas, porque relativo a descontos obtidos não pela RECORRIDA, mas sim, a final, por outras sociedades retalhistas alimentares do grupo «...X...». 84. Pelo que a liquidação adicional de IVA, na medida em que foi feita à RECORRIDA, está errada. 85. Com efeito, caso, por hipótese, às 8 rubricas de descontos de quantidade aqui em causa estivessem subjacentes serviços prestados aos fornecedores, quem teria prestado esses serviços teriam sido aquelas outras sociedades - pelo que as liquidações adicionais de IVA aqui em questão, ao menos em parte, deveriam incidir sobre estas sociedades, e não sobre a RECORRIDA. 86. Com efeito, do total de pretensos serviços considerado pela AT como base da correcção e liquidação adicional de IVA deveriam ser sempre expurgados os valores que foram repassados a terceiros, pois respeitariam a alegados serviços prestados por essas outras sociedades retalhistas do grupo, e não pela RECORRIDA. 87. O que a AT não fez, numa tentativa de máxima arrecadação de receita – a base de cálculo do IVA em questão compreende valores reconhecidamente repassados/creditados às demais sociedades retalhistas alimentares do grupo «...X...». Sem prescindir, 88. Caso, por mera hipótese, tivessem sido prestados serviços aos fornecedores, tendo em conta que a AT enquadrou as rubricas em causa enquanto pretensos serviços promocionais ou de publicidade prestados pela RECORRIDA, 89. os mesmos nem sequer estariam sujeitos a IVA em território nacional nos casos de fornecedores não domiciliados em Portugal - atento o disposto no artigo 6º nº 8 b) e nº 9 a) e b) do CIVA, que prescreve as regras de localização das operações tributáveis em sede de IVA. 90. Com efeito, deste preceito legal resulta que os alegados “serviços promocionais” “… não serão tributáveis, ainda que o prestador tenha no território nacional a sua sede, estabelecimento estável, ou domicílio…”, quando o adquirente desses mesmos serviços for estabelecido ou domiciliado em Estado Membro da UE, ou em país não pertencente à UE. 91. Assim, o apuramento da correcção de IVA em questão está errado, já que pressupõe a aplicação das taxas de IVA de 20% e 14% a todos os valores em questão – ou seja, pressupõe a sujeição a IVA de todos os descontos acima referidos debitados a fornecedores. 92. Sendo certo que alguns dos fornecedores não estão domiciliados em Portugal – pelo que, nos termos referidos, não haveria sujeição a IVA. 93. Aliás, alguns dos fornecedores estão domiciliados nas ilhas, pelo que as taxas de IVA aplicáveis não seriam aquelas, vigentes apenas em Portugal continental. 94. Outrossim, as taxas de IVA reduzidas previstas nas alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 18º do CIVA, para os Açores e Madeira, respectivamente. Acresce que, 95. Do teor dos cgf’s não se retira que as rubricas de descontos de quantidade (como aquelas que aqui estão em discussão) estão relacionadas com quaisquer serviços prestados aos fornecedores - promocionais, de publicidade ou outros. 96. Desde logo, das “legendas” que constam dos anexos I aos cgf’s resulta claramente que as rubricas e siglas em questão são aí enquadradas como “tipos desconto (type of discount)”. 97. Assim, a contraparte nesses contratos - os fornecedores – sabe, ou, pelo menos, tem a obrigação de saber, que as rubricas e siglas aqui concretamente em questão são descontos concedidos (e não serviços adquiridos). 98. Mais: desses mesmos cgf’s, mais concretamente dos respectivos anexos I, resulta claramente que tais rubricas representam “Rappel (Rebate)” e um “Desconto (Discount)” percentual sobre a totalidade das compras. 99. Nem mesmo das cláusulas 1.6, 1.7 e 2.2.1 a 2.2.8 dos cgf’s se pode retirar, sem mais, que as 8 rubricas de descontos de quantidade aqui concretamente em questão têm subjacentes serviços prestados aos fornecedores. 100. Contrariamente ao afirmado pela AT, o contrato geral de fornecimento não contém apenas “obrigações gerais” e “obrigações de cooperação e desenvolvimento”, como dele decorre, 101. e que as “designações” que as partes dão ao contrato, ou que constam do contrato, são irrelevantes na hora de qualificar os factos tributários – como estabelece o artigo 36º nº 4 da LGT. 102. Sendo que a AT não identificou, in casu, o substrato económico de quaisquer serviços prestados. 103. Não identificou, em concreto, quaisquer operações de prestação de serviços - sendo que o conceito legal de “prestação de serviços”, para efeitos de IVA, é de natureza económica. 104. O facto de estarem estipuladas determinadas obrigações contratuais – para ambas as partes, note-se – tal não significa, sem mais, que, na prática e em substância, lhes correspondam quaisquer serviços prestados pela RECORRIDA aos seus fornecedores. 105. Dos contratos gerais de fornecimento (cgf’s) não decorre que os descontos aqui em crise correspondam “…à retribuição de operações efectuadas pela empresa beneficiária aos respectivos fornecedores”. 106. Efectivamente, nada se evidencia no sentido de que aos descontos de quantidade cobrados aos fornecedores, designadamente as 8 rubricas aqui em questão, estiveram subjacentes, de facto e na realidade, quaisquer operações activas efectuadas pela RECORRIDA a favor dos seus fornecedores – independentemente do clausulado formal dos contratos gerais de fornecimento. 107. Sendo certo que o IVA tributa a realidade dos factos, e não clausulados contratuais, como bem se afirma na douta Sentença recorrida. 108. Não existe qualquer actividade económica ou comercial na qual a remuneração dos serviços prestados a terceiros seja definida em função das quantidades de mercadorias adquiridas pelos prestadores de serviços a esses terceiros. 109. Nem faz sentido que fosse a RECORRIDA, unilateralmente, a definir os preços dos serviços que alegadamente estaria a prestar aos seus fornecedores – como acima se referiu. Acresce que, 110. Os preços de quaisquer eventuais serviços prestados aos fornecedores nunca poderiam ser determinados com base num percentual sobre as compras efectuadas aos fornecedores – seria um perfeito absurdo. 111. Aliás, na perspectiva da AT, o mesmo serviço teria preços substancialmente diferentes, de fornecedor para fornecedor, consoante o maior ou menor volume de compras efectuado a um ou a outro. 112. De facto, o resultado da correcção feita pela AT conduz à evidência, absurda, de que um mesmo pretenso serviço (ou seja, uma mesma rubrica e sigla de descontos de quantidade, por exemplo “APL – Animação Promocional”), prestado a diferentes fornecedores, apresenta diferenças substanciais de valor, de fornecedor para fornecedor – variando apenas porque as compras efectuadas aos diferentes fornecedores são substancialmente diferentes. 113. E não se demonstra qualquer factualidade no sentido de que a RECORRIDA prestou quaisquer serviços aos seus fornecedores. 114. A AT, para além de afirmações vagas e abstractas quanto a um alegado “conceito alargado de publicidade”, não qualifica, concretamente, que pretensos serviços promocionais teriam sido prestados aos fornecedores sob a veste das referidas 8 siglas e rubricas de descontos de quantidade. 115. Se a RECORRIDA, alegadamente, prestaria “serviços promocionais”, então tais serviços abrangeriam a totalidade das mercadorias que estão nas prateleiras dos hipermercados, pois todos estão acessíveis ao público em geral. 116. A AT limitou-se a presumir, meramente a partir do texto dos cgf’s, e abstraindo da realidade dos factos, que, quanto às 8 rubricas de descontos de quantidade em questão, a RECORRIDA teria prestado serviços promocionais aos seus fornecedores. 117. Sem aferir, em concreto e na realidade, se a RECORRIDA prestou efectivamente esses serviços aos seus fornecedores. Por sua vez, 118. Quanto aos anexos O (vendas) e P (compras) que a AT afirma - sem demonstrar documentalmente - terem sido alegadamente apresentados pelos fornecedores da RECORRIDA, 119. cabe perguntar o que é que a RECORRIDA tem a ver com a forma como os seus fornecedores (na ordem dos milhares) contabilizam os descontos que concedem à RECORRIDA ? nada, como é óbvio. Mais, 120. Afirma a AT que “Em negociação comercial, habitualmente chama-se “rappel” ao desconto que se concede a um cliente por atingir um consumo determinado durante um período de tempo estabelecido. O rappel é por vezes concedido em forma de escala de consumos a que corresponde uma escala de descontos, tendo como objectivo final premiar o maior esforço realizado pelo cliente, concedendo-lhe um desconto superior”. 121. Ora, se assim é, na óptica da AT expressa ao longo do relatório inspectivo então o próprio rappel (também um desconto de quantidade concedido pelo fornecedor ao cliente) constituiria a contrapartida de um “serviço” prestado pelo cliente ao fornecedor – esse serviço seria o “esforço realizado pelo cliente (…) por atingir um consumo determinado durante um período de tempo estabelecido”. 122. O que não faz, obviamente, qualquer sentido – aliás, a AT excluiu o “rappel” dos alegados serviços prestados aos fornecedores. Por outro lado, 123. Afirma a AT que “se se tratasse de uma eventual comissão de compra, esta também seria muito provavelmente calculada em função do volume das compras e não perderia, simplesmente por essa razão, o seu carácter de operação tributável em sede do IVA”. 124. Não se percebe este pretenso paralelismo de situações – acaso o contrato de comissão tem alguma coisa que ver com o caso em apreço ? a RECORRIDA cobra comissões aos seus fornecedores ? a RECORRIDA é comissionista na intermediação de contratos ? É evidente que não. Mais, 125. A AT inverte o princípio da prevalência da substância sobre a forma (cfr. artigo 11º nº 3 da LGT), 126. uma vez que - como lhe convém - confere primado absoluto à forma em detrimento da real substância, económica e fiscal, do negócio – de que propositadamente se abstrai. 127. Com efeito, AT, como resulta do RIT, limitou-se a transcrever partes do contrato geral de fornecimento e das notas de débito, sem fundamentar ou explicitar – como se impunha - a realidade, a materialidade dos alegados serviços prestados, 128. o que bem se compreende, porque, simplesmente, tais serviços não existem – como bem se afirma na douta Sentença recorrida. Acresce que, 129. Atente-se na posição defendida pela Doutrina, corporizada no douto parecer do Prof. Dr. José Guilherme Xavier de Basto, junto à PI: “Parece-nos evidente ser irrealista pensar que a concessão de descontos de quantidade, para além dos rappel geral, pudesse ser obtida por [SCom02...] sem atribuir aos fornecedores algumas vantagens adicionais ligadas à sua concessão. Os descontos de que se trata ultrapassam o normal desconto de quantidade e, posto que continuando a assentar nas quantidades adquiridas, só são conseguíveis se entre as partes se acordarem vantagens recíprocas adicionais. As vantagens são recíprocas, já que ambas as partes potenciam as vendas dos produtos. Os fornecedores vêem as vendas dos seus produtos potenciadas, por efeito de preço, de actividades promocionais, ou de preferência relativamente a produtos concorrentes, mas a [SCom02...] visa com isso incrementar as suas próprias vendas.”. 130. É essa também a posição perfilhada pelo Prof. Dr. António Carlos dos Santos, no douto Parecer também junto à PI, sob o sugestivo título “Perplexidades do IVA: contraprestação sem serviços & rectificações impossíveis”, segundo o qual: “Vemos assim que nestes casos o desconto ou abatimento interessa objectivamente tanto aos fornecedores como à empresa distribuidora. Não se pode, em rigor, falar aqui de “serviços”, mesmo sob a forma de “serviços cruzados”. Num caso como noutro, estamos, sim, perante uma efectiva diminuição do valor tributável decorrente de poderes de mercado ou de estratégias de mercado. Não estamos aqui perante qualquer contraprestação ou contravalor de uma prestação de serviços pois esta é inexistente. Caso se pretenda ainda ver aqui um (pretenso) serviço prestado, o nexo entre este e o contravalor recebido seria puramente indirecto. Dai que, não havendo operações subjacentes, o desconto ou abatimento estejam pura e simplesmente fora do campo de incidência do IVA e, por isso, não integrem o valor tributável.”. 131. A questão reside, pois, em saber se as “vantagens” dos fornecedores – aumento das suas vendas à RECORRIDA, por efeito reflexo do aumento das vendas da RECORRIDA - são suficientemente autónomas para que possam ser consideradas como prestações de serviços. 132. Ora, essa “autonomia” é inexistente in casu, como também bem se afirma na douta Sentença recorrida. 133. Se, por mera hipótese, existissem aqui serviços prestados, a Impugnante/RECORRIDA - alegada prestadora de serviços - seria simultaneamente beneficiária dos mesmos, o que não faz sentido. 134. E o preço pago pelos alegados serviços – o desconto – constituiria, também simultaneamente, benefício do próprio prestador, o que também não faz sentido. 135. Com efeito, nessa hipótese (absurda), quanto mais desconto, mais reduzido o preço, mais atractivo o produto para os consumidores e, logo, mais vendas para o retalhista e para o fornecedor. 136. Ou seja, de acordo com a tese da AT, a Impugnante “prestaria serviços” também a si mesma - o que, reitera-se, não faz qualquer sentido. 137. Ou seja, o preço desses pretensos “serviços” prestados pela Impugnante estaria dependente, única e exclusivamente, do volume de mercadorias adquiridas pela mesma, 138. pelo que, na óptica da AT, quanto maior o volume de compras da Impugnante, maior o preço a pagar pelos alegados serviços que presta (?). 139. De acordo com a AT, a lógica seria: se a Impugnante comprar mais aos fornecedores, presta-lhes mais serviços (porque obtém mais descontos sobre a quantidade comprada); se a Impugnante comprar menos aos fornecedores, presta-lhe menos serviços, ou serviços mais baratos (porque obtém menos descontos). 140. O cálculo da contrapartida pelos alegados serviços prestados - o desconto – não tem qualquer ligação, mínima que seja, com o valor desses pretensos “serviços”, 141. sendo que - segundo a tese da AT - o preço a pagar, o desconto, não é obtido por acordo com os beneficiários desses alegados serviços, mas, como se disse, unilateralmente pelo próprio prestador: basta-lhe tão só comprar mais ao fornecedor para lhe prestar e cobrar também mais “serviços” (?), 142. uma vez que, a ser assim, tal contrapartida seria fixada com base numa percentagem das compras do alegado prestador, 143. e não, como se impunha face à posição defendida pela AT, tendo por base a substância do concreto serviço prestado e do benefício ou valor acrescentado daí decorrente para o fornecedor. 144. Por outro lado, verifica-se que o alegado “incremento de vendas” (a alegada contrapartida dos descontos) - não tem suficiente autonomia para que se possa afirmar que estamos perante uma prestação de serviços, 145. Aliás, a vingar a tese da AT, certamente que não haverá contrato onde não exista “prestação de serviços”, 146. dado que a generalidade dos contratos, mormente no domínio comercial, são bilaterais ou sinalagmáticos, ou seja, geram obrigações e contrapartidas para ambas as partes. 147. Assim, e num vulgar contrato de compra e venda existe para o vendedor a obrigação de entregar a coisa, e para o comprador a obrigação de pagar o preço (cfr. artigo 879º do CC). 148. É hora de chamar à colação, uma vez mais, a pena autorizada do Prof. Xavier de Basto: «Parece-me (…) que as vantagens que os fornecedores recebem da RECORRIDA [a Impugnante], quando concedem descontos de quantidades que transcendem o rappel normal, não têm suficiente autonomia relativamente à operação de fornecimento para serem consideradas prestações de serviços autónomas. Elas ligam-se tão intimamente à relação de fornecimento que, em geral, o seu valor se torna muito dificilmente quantificável.». 149. Concluindo: «Julgamos, em síntese, que não tem fundamento a posição expressa no relatório da inspecção sobre a qualificação jurídica dos descontos por “animação promocional”, por “competitividade de preço” e por “cooperação comercial”. São verdadeiros descontos, a abater à base de incidência; não são prestações de serviços autónomas pelas quais seja devido IVA.» (idem). Acresce que, 150. O conceito de “prestação de serviços”, para efeitos de IVA, tem, efectivamente, natureza residual, 151. uma vez que, nos termos do disposto no artigo 4º nº 1 CIVA, será considerada como prestação de serviços toda a operação onerosa que não seja enquadrável como transmissão de bens, aquisição intracomunitária de bens ou importação. 152. No entanto, tal não significa, nem pode significar, como é óbvio, que todo o facto jurídico - que não “transmissão de bens”, “aquisição intracomunitária de bens” ou “importação” - possa, por esse motivo, ser transformado em facto tributário, mormente em “prestação de serviços”, como pretende a AT, 153. porquanto ao conceito jurídico-fiscal de “prestação de serviços” são inerentes determinadas características que, afora o carácter residual, lhe conferem singularidade como facto tributário gerador da obrigação de liquidar IVA. 154. Sobretudo, não pode a AT considerar terem ocorrido “prestações de serviços”, para efeitos de IVA, tendo apenas por base meras transcrições contratuais, sem identificar, em concreto, quais os serviços efectivamente prestados aos fornecedores, como se denota do teor do RIT. 155. No RIT, a AT cita, a propósito do carácter residual do conceito “prestação de serviços”, a Doutrina firmada por F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes (in CIVA anotado, Rei dos Livros, p. 87). 156. Contudo, e uma vez mais, fá-lo de forma truncada, pois convenientemente omite que «De qualquer forma o conceito de prestação de serviços em sede de IVA é de natureza económica e ultrapassa a definição jurídica dada pelo artigo 1154.º do Código Civil (…)» (idem). 157. Com efeito, mesmo no caso das “prestações de serviços”, tem necessariamente de existir um mínimo de materialidade e factualidade reveladoras da existência de uma qualquer operação económica: “1 - Estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado; a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;” (cfr. artigo 1º nº 1 a) do CIVA). 158. O conceito de “prestação de serviços” não é uma espécie de “saco”, onde cabe tudo o que não integre os demais factos tributários elencados na lei – como pretende a AT. 159. Outrossim, e nos termos da lei, apenas estão sujeitas a IVA as prestações de serviços concretamente efectuadas por um sujeito passivo, no sentido de lhes corresponderem efectivas operações económicas. 160. Como constitui Jurisprudência uniforme do TJUE, a prestação de serviços “pressupõe a existência de um nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido” (cfr. Acórdão APPLE and PEAR, de 8 de Março de 1988, Proc. 102/86, in Col. 1988), 161. sendo que «Uma atribuição patrimonial feita por um sujeito passivo não pode ser considerada, sem mais, como contrapartida de um serviço.» (cfr. José Guilherme Xavier de Basto, “A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional”, in Cadernos CTF nº 164, CEF/DGCI, 1991, p. 173). 162. Com efeito, é evidente que tem de ser identificado e existir, em concreto, o serviço prestado que conduziu a essa atribuição patrimonial. 163. Se não existir bilateralidade, ou se apenas existir uma mera correspectividade indirecta, não existe prestação de serviços tributável em IVA, 164. o que vale por dizer, como afirma o TJUE, que não estão preenchidas as condições de uma prestação de serviços se não existir “contrapartida que tenha valor subjectivo e nexo directo com o serviço prestado” (cfr. ponto 17 do Acórdão do TJUE, de 16 de Outubro de 1997, Proc. C-258/95, Julius F. Sohne). 165. A operação tributável em questão é a transmissão de bens do fornecedor para a Impugnante, a cujo valor tributável importa deduzir o valor de descontos concedidos à Impugnante, nos termos e por força do artigo 16º nº 6 b) CIVA. 166. Sendo essa, como é, a operação tributável em questão, não há lugar ao enquadramento destas concretas relações jurídico-comerciais em quaisquer “prestações de serviços” residuais – como pretende a AT. 167. Do mesmo modo, a Jurisprudência Comunitária é unânime no sentido de que “a matéria colectável na entrega de um produto ou na prestação de um serviço é constituída pela contrapartida realmente recebida para esse efeito. Esta contrapartida constitui, portanto, o valor subjectivo, isto é, realmente recebido, e não um valor calculado segundo critérios objectivos” (cfr. ponto 13 do Acórdão do TJUE, Julius F. Sohne) - por exemplo, segundo uma percentagem sobre o volume total de compras. 168. Se, para estarmos perante uma verdadeira prestação de serviços, o nexo entre a prestação e o contravalor recebido deve ser directo, então legítimo se torna concluir que, in casu, não existe qualquer prestação de serviços, 169. Para além de tresler os contratos de fornecimento, a AT não demonstra que os descontos recebidos sejam o correspectivo de quaisquer serviços prestados. 170. A AT, por exemplo, remete para “serviços de publicidade” e refere a contratação de espaço nas lojas da RECORRIDA - sobre os quais a Impugnante/RECORRIDA efectivamente liquida IVA, por se tratarem dos sobreditos RDC’s, como acima se referiu. 171. Contudo, a AT depois “mistura” indevidamente essas situações de RDC’s com os descontos de quantidade aqui concretamente em causa (RCC’s), que nada têm a ver com aquelas. 172. Com efeito, conclui que tudo corresponde a prestações de serviços, sem identificar, em concreto, a contraprestação em causa, e sem referir a que verba a mesma se reporta. 173. Se assim fosse, certamente que esses descontos não seriam efectivamente reflectidos, como são, nos preços finais a praticar. 174. Para a AT, a Impugnante receberia um preço (o desconto) por um “serviço” de que seria a primeira beneficiária (poder vender os produtos comprados a um preço muito competitivo), usufruindo assim de uma vantagem competitiva? Não faz qualquer sentido... 175. De acordo com a Jurisprudência firmada pelo TJUE, para existir uma “prestação de serviços”, têm de estar reunidas cumulativamente uma série de características: (i) individualização: relação particular com o fornecedor X ou Y - o que não é o caso, dado que as relações estabelecidas são-no com todos os fornecedores; (ii) relação directa com um fornecedor, sem que haja qualquer outra causa - o que não é o caso, pois há uma relação de compra anterior que fundamenta a existência dos descontos; (iii) relação autónoma, no sentido de que existe independentemente de quaisquer outras relações – o que não é caso, pois os descontos não existem se não existirem antes compras; (iv) relação avaliável autonomamente, ou seja, possibilidade de definir um preço dessa relação de “prestação de serviços”, sem necessidade de se fundamentar noutra qualquer relação susceptível de valorização – o que não é o caso, pois os descontos não são quantificáveis autonomamente, ou seja, não pode ser feito um preço sem que existam antes compras aos fornecedores, sendo os descontos quantificados segundo um percentual sobre as compras. 176. Estas são, pois, as características que o TJUE tem considerado como sendo determinantes para que se possa falar na existência de uma verdadeira “prestação de serviços”. 177. E nenhuma delas se verifica no caso concreto Acresce que, 178. A AT, para demonstrar que existem prestações de serviços, invoca o disposto no artigo 6º nº 8 do CIVA, quando refere que são tributáveis as prestações de serviços de publicidade. 179. Salvo o devido respeito, tal é uma conclusão falaciosa - porquanto, como é óbvio, antes de aferir se as prestações de serviços são tributáveis, terá de verificar se existem…prestações de serviços! 180. E, no caso concreto, a AT não o fez – pois não verificou, na realidade dos factos, e para além dos meros clausulados contratuais ou outros descritos, se as 8 rubricas aqui concretamente em discussão tiveram subjacentes efectivos serviços prestados aos fornecedores, e que concretos serviços teriam sido esses. 181. Sendo manifestamente insuficiente, para atingir esse desiderato, alegações genéricas como as afirmações de que a Impugnante teria prestado serviços promocionais ou fazendo apelo a um conceito lato e abstracto de “publicidade”. 182. Sendo certo que a Impugnante, como acima se evidenciou, de facto presta serviços aos seus fornecedores – as acima referidas RDC’s, sobre as quais a Impugnante liquida IVA. 183. E, quanto às específicas 8 rubricas aqui concretamente em questão, todas respeitantes a meros descontos de quantidade obtidos dos fornecedores, a AT não evidenciou que lhes estivessem, na realidade material dos factos, subjacentes quaisquer serviços prestados aos fornecedores, que a AT nem sequer especificou. 184. Logo, se não existem, sequer, quaisquer prestações de serviços, que sentido tem invocar a norma que, genericamente, sujeita as prestações de serviços a tributação? 185. A qualificação de uma operação para efeitos de IVA é uma questão objectiva que não pode ser, pura e simplesmente, extraída da qualificação dada pelas partes num contrato. 186. Esta qualificação, quando muito, é apenas um indício, entre outros, para permitir chegar à verdadeira qualificação jurídico-tributária. 187. De resto, essa é a orientação da LGT, que comunga, neste particular, da Doutrina desde há muito dominante. 188. Assim, de acordo com a LGT, “a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária” (cfr. o nº 4 do artigo 36º da LGT). 189. De facto, se nos recordarmos que o nexo entre a prestação de serviços e o contravalor recebido deve ser directo, e que o contravalor não deve ser calculado de forma objectiva, só podemos concluir que, neste caso, estamos perante um verdadeiro desconto - não sujeito a IVA -, e não perante uma contraprestação de um serviço. 190. De facto, a única operação tributável em IVA é a transmissão de bens dos fornecedores para a Impugnante (artigo 3º nº 1 do CIVA). Mais, 191. O enquadramento fiscal tem por base a contabilidade dos agentes, que se presume verdadeira e de boa-fé, reflectindo a realidade das operações económicas subjacentes (cfr. artigo 75º da LGT), atento o princípio constitucional da tributação do rendimento real, e não do rendimento normal, aparente ou presumido. 192. Com efeito, em direito tributário vigora o princípio da tributação do rendimento real, por apego à contabilidade dos agentes económicos, quando razões inexistam para duvidar da fidedignidade dessa mesma contabilidade, como é o caso. 193. A AT conclui tratar-se de prestações de serviços, porque serão prestações de serviços tudo o que não for transmissão, aquisição ou importação de bens… 194. Mas a AT fá-lo sem demonstrar se estão cumulativamente reunidas as características essenciais para se configurar uma prestação de serviços, ou seja: individualização; relação directa; relação autónoma; e relação avaliável autonomamente – que não estão presentes no caso, pelas razões sobreditas. 195. Pelo que as liquidações ora impugnadas, para além de insuficiente fundamentação, incorrem nos supra descritos erros de facto e de Direito, por violação de lei e deficiente interpretação e aplicação, entre outros, do artigo 4º nº 1 do CIVA (redacção aplicável). Sem prescindir, 196. Ainda que, por mera hipótese, estivessem correctamente qualificados os factos tributários – o que, reitera-se, não sucede – nunca a matéria colectável poderia ser constituída pelo montante global de descontos obtidos. 197. E isto pela razão basilar de que a AT não demonstrou - de forma minimamente sustentada - que os valores daqueles descontos obtidos correspondem ao preço dos pretensos serviços prestados. 198. A determinação da matéria colectável é vital na tributação, 199. sendo, no mínimo, curioso constatar que, noutro passo do RIT, a AT escreva – uma vez mais de forma patentemente contraditória - que «Atentas ainda as disposições em matéria de IVA em que, para determinação da matéria colectável de IVA, o conceito central é o da “contrapartida”, que consta do art. 11.º A 1. a) da Sexta Directiva e vertido no nosso ordenamento jurídico no art. 16.º do CIVA, há que apreciar qual o valor da contrapartida (…)». 200. A AT, na realidade, não apurou o “valor da contrapartida” dos alegados serviços prestados. 201. Limitou-se a tributar todo o valor dos descontos obtidos, sem identificar, em concreto, quais os serviços prestados aos fornecedores, ou qual o seu valor, e que estariam subjacentes a esses concretos descontos obtidos, 202. e sem descortinar, sequer, se aqueles valores de descontos obtidos efectivamente se reflectiram, e em que medida, nos preços finais dos produtos vendidos a público. 203. Pelo que, ainda que a AT pretendesse tributar as alegadas prestações de serviços, teria de (i) determinar a parte desses descontos que se relaciona com o volume de compras; e (ii) aqueloutro que se relaciona com a contrapartida pelos alegados serviços. 204. Ao assim não proceder, incorreu a AT em errada quantificação da matéria tributável - que, como ilegalidade que é, conduz à anulação das liquidações adicionais de imposto impugnadas (cfr. artigos 99º e 124º do CPPT). 205. E não se diga que é à Impugnante quem cabe demonstrar o excesso na quantificação, uma vez que não estamos perante correcções à matéria colectável por métodos indirectos (cfr. artigo 74º nº 3 da LGT). 206. Outrossim, estamos perante correcções meramente aritméticas à matéria colectável da Impugnante, 207. pelo que incumbia à AT o ónus de prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, isto é, o ónus de prova quanto aos factos tributários legitimadores dessas correcções aritméticas, 208. externando os elementos factuais que a levaram a concluir nesse sentido, sabendo-se que não pode haver lugar a qualquer subjectividade do agente fiscalizador. 209. Incumbia à AT demonstrar por que motivo considera que a base tributável em IVA corresponde a todo o valor de desconto – o que não fez. 210. Trata-se de um ónus probatório da AT, e não do contribuinte. Por outro lado, 211. A AT, para qualificar os descontos em causa como “prestações de serviços”, limitou-se a olhar para os contratos de fornecimento. 212. E, na ânsia de obtenção de receita tributária, não fundamenta por que motivo a base de incidência do IVA há-de ser constituída por todo o valor do desconto, 213. fundamentação, essa, que se impunha, já que, para efectuar a liquidação, é necessário, em primeiro lugar, proceder à fase do lançamento, 214. ou seja, é necessário determinar a matéria colectável que há-de servir de base à liquidação proposta, 215. e essa determinação da matéria colectável deve ser uma operação sindicável, quer pelo sujeito passivo - destinatário do acto tributário - quer pela autoridade judicial competente para aferir da legalidade de tal operação, 216. para o que é fundamental que o procedimento de determinação da matéria colectável seja devidamente fundamentado – o que, in casu, não sucedeu, 217. a que acresce o facto de a própria AT reconhecer expressamente, no RIT, que “para determinação da matéria colectável de IVA, o conceito central é o da “contrapartida” - como, aliás, decorre do artigo 16º nº 1 do CIVA. 218. Ora, as sobreditas lacunas de fundamentação impedem a Impugnante de constatar, de forma cabal, a exactidão das correcções efectuadas pela AT, com reflexo na matéria colectável determinada e, consequentemente, na justeza da liquidação ora impugnada. 219. De acordo com o entendimento actual do princípio da legalidade administrativa, incumbe à AT o ónus de prova da verificação dos requisitos legais das decisões positivas e desfavoráveis ao destinatário, 220. como sejam a existência dos factos tributários e a respectiva quantificação – isto, quando o acto por ela praticado tem por fundamento a existência de facto tributário e a sua quantificação, como é o caso (cfr., neste sentido, in exemplis, o douto Acórdão do TCAS, 2ª Secção, de 14.10.2003 Proc. 569/03). 221. Em matéria de contencioso tributário, como contencioso de anulação que é, o Tribunal não poderá conhecer da legalidade do acto impugnado a coberto de pressupostos que não estiveram na base da sua prática, 222. sendo que apenas se poderão considerar como pressupostos do acto tributário aqueles que resultem de elementos que a AT fez constar da declaração fundamentadora que externou aquando da prática do mesmo, não relevando para esse efeito outros eventuais elementos que não constem expressamente daquela declaração. 223. Se é certo que a possibilidade de recorrer contenciosamente contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios constitui um direito essencial dos administrados (cfr. artigos 20º e 268º nº 4 da CRP), 224. é também inquestionável que a obrigação de enunciar expressamente os fundamentos de facto e de direito que determinaram o autor do acto é de extrema relevância, 225. porquanto é face a essa fundamentação do acto – e apenas de acordo com ela - que se pode aferir da legalidade da actuação administrativa. 226. É indiscutível que a fundamentação do acto tributário destina-se a dar a conhecer ao contribuinte as razões de facto e de direito pelas quais a AT decidiu em certo sentido e não noutro. 227. No caso, a AT limita-se a remeter para o carácter residual da prestação de serviços e para excertos do clausulado formal dos contratos gerais de fornecimento. 228. O “pouco” que a AT fez é manifestamente insuficiente, pois limita-se a aplicar uma taxa a todo o valor dos descontos, “por atacado”, 229. sem justificar ou fundamentar minimamente os motivos de tal procedimento. 230. Não se trata aqui de fundamentar o motivo pelo qual a AT considera que os descontos concedidos à Impugnante são contrapartidas de alegadas “prestações de serviços”. 231. Mal ou bem, já se percebeu que a tese da AT se ancora no facto de, nos contratos de fornecimento, se utilizarem os vocábulos “proporcionar” ou “conceder”… 232. Apenas está aqui em causa fundamentar por que motivo a AT considera que todo o valor de descontos deve ser considerado como “contrapartida” dessa alegada prestação de serviços e, portanto, como base de incidência de IVA. 233. É essa a medida do acto tributário de liquidação que carece de fundamento – pois que não resulta de lado algum do RIT. 234. Como se referiu, havendo dúvidas sobre a existência do facto tributário e a sua quantificação, deve o correspondente acto de liquidação ser anulado. (artigo 100º nº 1 do CPPT). Mais, 235. Em consequência do tudo quanto ficou precedentemente exposto, resulta ainda que a AT agiu com erro nos pressupostos de facto, como bem se afirma na douta Sentença recorrida. 236. Com efeito, a AT fundou a sua decisão em realidades erroneamente admitidas como verdadeiras - quando não o são, como ficou provado. 237. Esse erro nos pressupostos de facto traduz-se, como é doutrina uniforme, em violação de lei, geradora de anulabilidade da liquidação impugnada. Por outro lado, 238. Como resulta do RIT, “à luz do clausulado do contrato geral de fornecimento”, entende a AT que os descontos concedidos aos fornecedores são contrapartida de “prestações de serviços”, 239. o que é feito, por certo, conferindo aos substantivos “conceder condições” e “proporcionar acesso”, presentes naqueles contratos, um significado que os mesmos não têm no contexto do negócio – como abundantemente ficou demonstrado, 240. pelo que tal conclusão é, em si mesma, abusiva, por descontextualizada, 241. uma vez que, ao fazer uma interpretação truncada do teor dos contratos, viola o princípio da prevalência da substância sobre a forma (cfr. artigo 11º nº 3 da LGT). 242. Deste modo, a AT - como lhe convém - confere primado absoluto à forma em detrimento da real substância, económica e fiscal, do negócio – que propositadamente posterga, em nome da arrecadação de receita fiscal. 243. Sucede que, na qualificação do facto tributário como “prestação de serviços”, a AT deve atender à substância dos factos jurídicos, e não - pelo menos unicamente - à sua forma, 244. sendo, por isso, insuficiente, para qualificar “prestações de serviços”, que no contrato se contenham as expressões “conceder”, “proporcionar”, “facultar” ou quaisquer outras similares, 245. uma vez que, para se proceder correctamente à qualificação de uma operação para efeitos de IVA, é necessário olhar para a materialidade dos factos, para a sua substância económica - e não, como faz a AT, limitando-se ao teor dos contratos. 246. Na medida em que as leis fiscais encerram em si, indiscutivelmente, um sentido económico, quando a AT pretende subsumir determinados factos à fatispecie normativa, deve ter em conta, sobretudo, a substância económica de tais factos (neste sentido, cfr. Form and Substance in tax law, 2002 Oslo Congress of International Fiscal Association, in “Cahiers de Droit Fiscal International”, vol. LXXXXVII, Kluwer, 2002). 247. O nosso legislador foi sensível a esta realidade, ao estabelecer, no artigo 36º nº 4 da LGT, que “a qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária” (artigo 36º nº 4 da LGT). 248. uma vez que a tributação visa os efeitos económicos pretendidos pelas partes, independentemente da sua forma ou eficácia jurídica (cfr. artigo 38º nº 1 da LGT). 249. Mais: esse princípio é a fronteira última no que tange à interpretação das normas jurídicas fiscais, uma vez que «Persistindo dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.» (artigo 11º nº 4 da LGT). 250. Atente-se que o princípio da prevalência da substância sobre a forma, como princípio ordenador do direito fiscal, não é unilateral, mas ambivalente, 251. pelo que deve reger quer quando o contribuinte tenta prevalecer-se de determinada forma para escamotear a sua substância económica, quer quando a AT – como no caso em apreço – obnubila a substância e atém-se, unicamente, à sua forma. 252. É a chamada “bilateralidade” do princípio da substância sobre a forma, conforme reiteradamente tem sido propugnado pelo STA: vale a favor da AT, mas também deve valer a favor do contribuinte. 253. Pelo exposto, verifica-se que a AT, ao proceder à interpretação e aplicação do artigo 4º nº 1 do CIVA aos factos, postergou, de forma clara, a substância económica de tais factos, 254. pelo que violou o princípio da prevalência da substância sobre a forma, corporizado nos artigos 36º nº 4, 38º nº 1 e 11º nº 3 da LGT. 255. A violação de lei (cfr. artigo 36º nº 4 LGT), como ilegalidade que é, determina a anulabilidade das liquidações impugnadas. 256. Por outro lado, a substância económica é de vital importância na hora de qualificar os factos tributários, 257. e é também notório que a intenção de perscrutar a materialidade económica está subjacente aos artigos 36º nº 4, 38º nº 1 e 11º nº 3 da LGT, 258. respigando também para toda uma miríade de cláusulas gerais e especiais antiabuso previstas na nossa lei fiscal, 259. para o que basta compulsar, por exemplo, os artigos 38º da LGT, 78º nº 11 do CIRC, 2º nº 3 do CIMT, 6º nºs 1 e 4 do CIRS, etc., etc.. 260. Ora, verifica-se que - com base nos sobreditos princípios e normas - a AT deve abstrair-se da forma e atender à substância dos factos. 261. E se isto é assim na prossecução do interesse da liquidação e cobrança de impostos, deve assim proceder também, por igualdade de razões, quando estão em causa os legítimos interesses dos contribuintes, 262. o que se lhe impõe em cumprimento do princípio da legalidade administrativa, da igualdade e da imparcialidade, tendo em vista que a actividade administrativa se reconduz, no procedimento, à busca da verdade material, e não apenas formal, dos factos tributários (cfr. artigo 58º da LGT) 263. Em condições normais, a AT atém-se à substância económica dos factos para a qualificação jurídico-fiscal dos mesmos - e isto, sobretudo, quando está em causa a prática de actos de liquidação de impostos. 264. Todavia, quando estão em causa os legítimos interesses dos contribuintes, a AT ignora a materialidade dos factos – como aqui sucedeu. 265. Tal procedimento viola os princípios da igualdade, imparcialidade e proporcionalidade (cfr. artigo 266º nº 2 da CRP). Acresce que, 266. Como é sabido, no procedimento tributário vigora o princípio do inquisitório. 267. Tal significa, de acordo com o estabelecido no artigo 58.º LGT, que «A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido.». 268. Como se deixou abundantemente exposto - e aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais - a AT limitou-se a “tresler” os contratos de fornecimento, 269. a concluir pela qualificação como “prestação de serviços”, com apoio exclusivo em critérios formais, 270. e a tecer considerações indevidas, descontextualizadas e não fundamentadas, acerca do facto dos descontos serem processados por notas de débito, a invocar a contabilização dos fornecedores, a remeter para outros exercícios, para práticas adoptadas por outras empresas, etc.. 271. Todavia, como vimos, o princípio do inquisitório impunha-lhe, outrossim, a descoberta da verdade material ou substancial dos factos, e não uma verdade meramente formal, 272. uma vez que, como demonstrado, a AT apenas atendeu à redacção e à forma dos contratos, em lugar de atender à realidade económica dos factos, 273. e não perscrutou a materialidade das operações subjacentes aos descontos, 274. não diligenciou no sentido de saber quais eram os procedimentos contabilísticos utilizados e comummente aceites como sendo os mais adequados no processamento de descontos no sector do grande retalho, 275. nem sequer aferiu se os valores de descontos em causa foram reflectidos nos preços finais praticados pela Impugnante, 276. abstendo-se também, de forma flagrante - e, diríamos nós, confessada, de apurar a alegada “contrapartida” dos factos tributários que considerou como sendo “prestações de serviços”. 277. Alias, in casu a AT limitou-se a transcrever relatórios inspectivos respeitantes a anos anteriores. 278. Padecem as liquidações aqui impugnadas, pois, de vício de violação dos princípios legais do inquisitório e da descoberta da verdade material, acima referidos - como bem considerou a douta Sentença recorrida. Finalmente, 279. Segundo a douta Sentença, “Refere-se, no que respeita ao facto provado n.º 5, que constitui o relatório de inspeção aduaneira aí coligido, um documento autêntico (cf. artigo 371.º, n.º 1 do Código Civil), na medida em que é exarado por funcionário da Autoridade Tributária e Aduaneira, no âmbito e exercício das respetivas funções, o qual tem força probatória plena relativamente aos factos afirmados como sendo praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira ou com base na perceção dos seus órgãos e que apenas pode ser ilidida nos termos da lei, sendo que os juízos conclusivos aí considerados só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do tribunal, segundo a sua prudente convicção, atenta a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova (cfr. artigo 76.º, n.º 1 da LGT e artigos 363º e ss. do Código Civil e 607.º, n.º 5 do Código do Processo Civil).” 280. Este entendimento da Recorrente/FP a propósito da força probatória do relatório inspectivo está errado, como acima se referiu e resulta, designadamente, do douto Acórdão deste Venerando TCAN, 2ª Secção/CT, de 28.01.2016, proferido no Proc. 00479/09.5BEPRT, in www.dgsi.pt, acima se referido. Assim, 281. Esta correcção padece de erro nos pressupostos de facto, de errónea interpretação e aplicação dos sobreditos artigos 1º nº 1 a), 4º nº 1, 6º nº 4 e 18º nº 1 c) do CIVA, de violação das demais disposições e princípios legais acima citados, e dos demais vícios acima aludidos - como bem se afirma na douta Sentença recorrida. Quanto aos descontos concedidos pela Impugnante/RECORRIDA aos seus clientes em “cartão Marca ...” ou através da concessão de talões de desconto: 282. Como dela resulta, a douta Sentença não é passível de qualquer censura, 283. sendo desnecessárias considerações adicionais àquelas que já constam da douta Sentença, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. Sem prescindir, acresce o seguinte: 284. Como resulta dos sinais dos autos, estão em causa vendas a consumidores finais – não a clientes empresariais. 285. Como é sabido, os consumidores finais não podem deduzir o IVA suportado nas compras que fazem. 286. Com efeito, (i) constitui facto não controvertido pela AT que a esmagadora maioria dos clientes da Recorrida são consumidores finais; (ii) e que não foram identificados pela AT quaisquer valores relativos a operações realizadas com sujeitos passivos de IVA aos quais tivessem sido aplicados os descontos em causa. 287. O artigo 78º nº 5 do CIVA (anterior 71º nº 5), redacção à data, estabelecia que, “Quando o valor tributável de uma operação ou o respetivo imposto sofrerem retificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só pode ser efetuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considera indevida a respetiva dedução.” 288. Sucede que este regime do artigo 78º nº 5 do CIVA (redacção à data) é inaplicável ao caso. 289. A AT menciona que àquele preceito legal correspondia o artigo 20º (ajustamento das deduções de IVA) da Sexta Directiva. 290. Ora, como resulta deste preceito de Direito da União Europeia, não estamos perante um caso de ajustamento das deduções de IVA suportado a montante – outrossim, de redução do valor do IVA liquidado a jusante. 291. Com efeito, segundo o artigo 20º, nº 1, alínea b), da Sexta Directiva, “A dedução inicialmente operada é ajustada segundo as modalidades fixadas pelos Estados-membros, designadamente: (…) b) Quando, posteriormente à declaração, se verificarem alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, designadamente no caso de anulação de compras ou de obtenção de redução nos preços; (…)”. 292. Como se constata, este preceito legal está gizado na perspectiva de um adquirente operador económico/sujeito passivo de IVA que vai ajustar/rectificar o IVA anteriormente deduzido a montante nas compras que fez junto de outro operador económico/sujeito passivo de IVA (e que por isso liquidou IVA na venda) – o que não corresponde ao caso em apreço, de redução do IVA liquidado a jusante, em vendas feitas a consumidores finais. 293. Por outro lado, a AT está juridicamente vinculada ao seu ofício-circulado nº 6322, segundo o qual o regime das regularizações do artigo 78º do CIVA tem aplicação «(…) para o caso específico em que a transacção se realiza entre dois sujeitos passivos de imposto (fornecedor e adquirente sujeito passivo) (…) O vendedor rectificará para menos o imposto que havia liquidado, e o comprador rectificará para menos o imposto que havia deduzido.”. 294. Com efeito, a AT está juridicamente vinculada aos seus próprios ofícioscirculados, conforme resulta do disposto nos artigos 68º-A nº 1 da LGT e 55º do CPPT, e mesmo por imposição do princípio geral da boa-fé e da protecção da confiança e das legítimas expectativas dos contribuintes (cfr. artigos 266º nº 2 da CRP e 10º do CPA). 295. Aliás, o mesmo entendimento da própria AT se extrai do conteúdo do ofício circulado nº 30082/2005, de 17/11, da DSIVA: “As regularizações previstas no artº 71º do CIVA destinam-se a corrigir, a favor do sujeito passivo ou a favor do Estado, o imposto já entregue ou já deduzido num determinado período de imposto…” - o que (dedução do IVA) só pode ocorrer em caso de clientes sujeitos passivos/clientes empresariais, e não em caso de consumidores finais (cfr. doc. 13 aqui em anexo). 296. Anote-se ainda várias publicações no site da AT (www.portaldasfinancas.gov.pt) de diversas “fichas doutrinárias” em sede de IVA, sobre as temáticas “Desconto – Valesbónus na compra de artigos – Cartão de fidelização de clientes”, e “Regularizações – Descontos efectuados após a emissão de facturas” - das quais resulta que (i) a regularização do IVA correspondente a descontos concedidos aos clientes é meramente facultativa; (ii) que o valor correspondente ao desconto concedido deve ser excluído do valor tributável para efeitos de IVA, nos termos do artigo 16º nº 6 b) do CIVA; (iii) e que o IVA incide apenas sobre o valor efectivamente recebido do cliente - informações vinculativas da AT nos processos nº 544, de 01.04.2010, e nº 946, de 30.07.2010, sancionadas por despacho concordante do Senhor Subdirector Geral da Direcção de IVA (cfr. doc. 14 aqui em anexo). 297. E a Informação Vinculativa nº 1518, averbada de Despacho concordante do Exmo. Sub-Director Geral dos Impostos, datado de 03.03.2011, publicada em Dezembro de 2012, superveniente em relação aos presentes autos, de cujos exemplos resulta que o próprio valor do desconto incorpora IVA, contém IVA (regime do “IVA incluído”, portanto) (cfr. doc. 15 aqui junto). 298. Embora relativa a outro sujeito passivo de imposto – com os contornos concretos do caso nela abordado - essa Informação, porque igualmente respeitante a um retalhista, tem relevância na situação em apreço. 299. Desde logo, e conforme exemplos e quadros dela constantes, extrai-se daquela Informação que o próprio valor do desconto incorpora IVA, contém IVA (regime do “IVA incluído”, portanto). 300. Por outro lado, como se afirma nessa Informação: “DESCONTOS CONCEDIDOS PELA REQUERENTE 18 - Reportando-nos, ao caso em apreço, e de acordo com a informação disponível no processo, constata-se que o desconto em cartão ou contido em talão: i) é emitido pela Requerente/retalhista, constituindo seu encargo em benefício do cliente; ii) é atribuído aos clientes portadores de cartão ou talão, sendo aceite pela Requerente, quando o cliente/consumidor final efectivar compras nas suas lojas. 19 - Portanto, o desconto em cartão ou talão traduz-se na redução do preço marcado no(s) artigo(s) a pagar pelo cliente no momento da aquisição, assumindo a Requerente/retalhista os encargos inerentes, pelo que, no âmbito da jurisprudência comunitária o valor nominal do respectivo desconto não deve ser incluído no valor tributável da operação. Também, nesta situação se verifica a condição: o valor da contraprestação obtida pela Requerente não é inferior à quantia em dinheiro que efectivamente recebe pelo fornecimento/venda do(s) produto(s). 20 - Assim sendo, o valor acumulado em cartão de desconto/talão configura um desconto, nos termos da alínea b) do nº 6 do artigo 16º do CIVA e, por consequência, o referido montante, aquando da sua utilização, deve ser excluído do valor tributável dos bens vendidos. (…) DESCONTOS CONCEDIDOS PELA REQUERENTE a) O valor acumulado em cartão de desconto/talão configura um desconto, nos termos da alínea b) do nº 6 do artigo 16º do CIVA e, por consequência, o referido montante, aquando da sua utilização, deve ser excluído do valor tributável dos artigos vendidos;”. 301. É legítima a junção dos 3 documentos aqui em anexo, nos termos do artigo 426º do CPC, dado que são pareceres técnicos da própria AT (cfr. doc. 16 aqui junto). 302. Ora, também no caso em apreço o desconto em talão traduz-se na redução do preço dos artigos a pagar pelo consumidor final, assumindo a Recorrida os encargos inerentes. 303. Por conseguinte, como entende a própria AT, o talão de desconto configura um desconto, nos termos e para os efeitos da alínea b) do nº 6 do artigo 16º do CIVA. 304. Pelo que, aquando da sua utilização, o valor desse talão de desconto deve ser excluído do valor tributável dos bens vendidos – e o IVA incluído no valor desse talão de desconto reduzido/deduzido, naturalmente. 305. Sendo certo que, em decorrência do princípio geral da boa-fé, a AT está legalmente vinculada a respeitar a sua própria doutrina acerca da interpretação e aplicação das normas fiscais. 306. Com efeito, por força do princípio legal da igualdade, boa-fé, da protecção da confiança e das legítimas expectativas dos contribuintes, a AT não pode actuar em contravenção com a sua própria doutrina (ofícios circulares, informações vinculativas, etc.), conforme advém do disposto nos artigos 10º do CPA, 68º-A da LGT, 55º do CPPT e 266º nº 2 da CRP. 307. E daquela doutrina/ofícios-circulados/informações vinculativas da própria AT resulta, com efeito, que o regime de regularizações de IVA constante do artigo 78º nº 5 do CIVA só faz sentido nas relações entre sujeitos passivos de IVA, e não nas relações com consumidores finais, como é o caso – pressupõe, portanto, que os adquirentes deduziram previamente o IVA que depois deverão regularizar a favor do Estado. 308. E resulta que o valor contido em talão de desconto configura um desconto, nos termos da alínea b) do nº 6 do artigo 16º do CIVA – pelo que esse valor, aquando da sua utilização posterior, deve ser excluído do valor tributável dos artigos vendidos, nos termos do artigo 16º nº 6 b) do CIVA – ou seja, mesmo quando os descontos concedidos são materializados a posteriori, como aqui sucede. 309. A referida doutrina administrativa gerou, pois, na Recorrida, a convicção de que a sua conduta, sendo a que legalmente lhe era exigida, correspondia inclusivamente ao entendimento da AT. 310. Sendo que o montante do talão de desconto corresponde não só ao desconto em si mesmo, como também inclui IVA – regime de venda com iva incluído. 311. Daí que o IVA contido no talão de desconto é obtido por por “via indirecta”, ou seja, é calculado “por dentro”, nos termos e em estrito cumprimento do artigo 49º do CIVA. 312. Por outro lado, como é notório e do senso e experiência comuns, quando vamos ao Marca ... comprar fiambre não vamos nem podemos deduzir o IVA desse fiambre – pelo que não podemos nem faz qualquer sentido regularizar depois a favor do Estado um IVA que nunca deduzimos porque não pudemos. 313. Com efeito, e como é por demais evidente, nenhum consumidor final/família que faça compras nos hipermercados/supermercados Marca ... ou Marca 3... vai ou pode deduzir o IVA suportado nas compras do pão, do queijo, da fruta, do fiambre, etc., 314. O artigo 78º nº 5 do CIVA não se aplica ao caso, de vendas a consumidores finais, como acima se referiu e a própria AT afirma. 315. Por outro lado, aquela factualidade nunca esteve em discussão, tão pouco serviu de fundamentação das liquidações de IVA, como se denota do relatório inspectivo, transcrito na factualidade provada. 316. Com efeito, do relatório inspectivo resulta que as liquidações em questão tiveram por fundamento, outrossim, a circunstância da Impugnante não ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação (cfr. relatório inspectivo, transcrito nos factos provados). 317. Importa salientar que, no caso específico da Recorrida e da generalidade dos retalhistas, aplica-se um regime simplificado de emissão de documentos aos adquirentes, previsto no artigo 40º (anterior 39º) nº 1 a), nº 2 e nº 3 a) a c) do CIVA (redacção aplicável), 318. do qual decorre que os retalhistas apenas estão obrigados a emitir talões de venda simplificados e não facturas (com requisitos formais bem mais extensos e complexos, cfr. artigo 36º nº 5 a) a f) do CIVA), sem identificação do adquirente, podendo simplesmente mencionar nesses talões de venda o preço final “com a inclusão do imposto” - regime do “IVA incluído”. 319. E assim sucede no caso vertente. 320. Isto, por uma razão muito simples: trata-se de venda em massa, em linha de caixa, incompatíveis com emissão de facturas com todos os formalismos exigidos pela lei, nomeadamente identificação detalhada do adquirente. 321. Com efeito, não faria sentido obrigar à emissão de facturas, com os inúmeros requisitos formais previstos no artigo 36º nº 5 a) a f) do CIVA, por cada venda aos milhares de consumidores finais que passam nos terminais de caixa dos hipermercados. 322. Isso criaria graves problemas de fluidez no trânsito das centenas/milhares de pessoas que afluem aos hipermercados. 323. Por isso, os talões de desconto não têm a identificação do consumidor beneficiário, nem têm de ter, face ao disposto no artigo 40º nº 3 a), b) e c) do CIVA – que dispensa a identificação do comprador. 324. Ora, como poderia a Recorrida ter prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto se a Recorrida desconhece, nem é obrigada a conhecer, a identidade, NIF e morada dos seus consumidores ? 325. Com efeito, a RECORRIDA não emite “talões nominativos” nem pode fazê-lo, porquanto, nos termos do referido artigo 40º nº 3 a) a c) do CIVA (redação aplicável), “Os talões de venda devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos: a) Denominação social e número de identificação fiscal do fornecedor de bens ou prestador de serviços; b) Denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados; c) O preço líquido de imposto, as taxas aplicáveis e o montante de imposto devido, ou o preço com a inclusão do imposto e a taxa ou taxas aplicáveis.”. 326. Com efeito, é esta a informação que deve constar dos talões emitidos pelos retalhistas – e em nenhum lugar se refere a necessidade de identificar os compradores. 327. Como se disse, no caso especial dos retalhistas, como é o caso da RECORRIDA (que explora os hipermercados “Marca ...” e supermercados “Marca 3...”), os mesmo estão dispensados de emissão de factura, podendo emitir simples talões de venda, com um formalismo substancialmente simplificado, dado venderem em massa a consumidores finais, e não a sujeitos passivos/clientes empresariais, 328. conforme resulta do regime especial previsto no artigo 40º/anterior 39º do CIVA - regime especial aplicável aos retalhistas, ou seja, regime do “IVA incluído”, que contraria as exigências formais da AT, designadamente ao nível dos formalismos das regularizações a que se reporta o artigo 78º nº 5 do CIVA. 329. Com efeito, como decorre dos referidos preceitos legais, os retalhistas, como a RECORRIDA, apenas entregam talões de venda aos seus compradores, podendo aí indicar o preço com inclusão do IVA - regime de “IVA incluído”, portanto -, e a taxa ou taxas de IVA aplicáveis. 330. Como igualmente decorre destes preceitos legais, o retalhista não identifica, nos talões de venda que emite e entrega aos seus compradores, a identificação do comprador. 331. Pelo que não se verifica qualquer das situações previstas no artigo 78º do CIVA. 332. Com efeito, aquele preceito legal pressupõe naturalmente relações entre sujeitos passivos de imposto - ou seja, vendas a clientes empresariais, que podem deduzir IVA, e não, como sucede in casu, com consumidores finais, que não podem deduzir qualquer IVA, tão pouco são identificados, conforme resulta do regime legal especial dos retalhistas. 333. A comunicação a que se reporta o artigo 78º nº 5 do CIVA pressupõe e é determinada pela necessidade de que a contraparte, por sua vez, regularize a favor do Estado o IVA que inicialmente deduziu a mais. 334. Ora, se a contraparte, o consumidor final, que nem sequer é identificado, não deduziu qualquer IVA na compra inicial (porque pura e simplesmente não o pôde fazer), 335. que sentido faz exigir à Recorrida prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado de um IVA que aquele nunca deduziu, porque não pôde? 336. Sendo certo que o adquirente pode ter conhecimento do IVA por via da metodologia prevista no artigo 49º do CIVA, como acima se referiu. 337. Não constando daqueles talões de venda a identidade dos compradores, nos termos das disposições legais acima citadas, evidentemente que é impossível à RECORRIDA dispor de prova de que o adquirente, a posteriori, tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto – pela simples razão, pois, de que se desconhecem quem são esses mesmos compradores. 338. Daí que os talões de desconto sejam igualmente entregues sem identificação do respectivo beneficiário - sendo, por isso, utilizáveis pelo respectivo portador, qualquer que ele seja. 339. Outrossim, essa impossibilidade decorre simplesmente de imposição do regime legal especial simplificado de documentação das operações dos retalhistas – que não prevê a identificação dos compradores na documentação a eles emitida. 340. Aliás, nos termos do artigo 39º (anterior 38º do CIVA), mesmo no caso excepcional de facturas emitidas por retalhistas “pode indicar-se apenas o preço com inclusão do imposto e a taxa ou taxas aplicáveis, em substituição dos elementos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 5 do artigo 36.º” – sempre regime do “IVA incluído”, portanto. 341. Ora, nos termos do artigo 49º do CIVA (Apuramento da base tributável nas facturas com imposto incluído), redacção aplicável, “Nos casos em que a facturação ou o seu registo sejam processados por valores, com imposto incluído, nos termos dos artigos anteriores, o apuramento da base tributável correspondente será obtido através da divisão daqueles valores por 105 quando a taxa do imposto for 5 %, por 112 quando a taxa do imposto for 12 % e por 120 quando a taxa do imposto for 20 %, multiplicando o quociente por 100 e arredondando o resultado, por defeito ou por excesso, para a unidade mais próxima, sem prejuízo da adopção de qualquer outro método conducente a idêntico resultado.” 342. Exemplificando, numa venda com “IVA incluído”, e pressupondo (por mera hipótese) que a taxa de IVA é de 20%, isso significa, obviamente, que se deve dividir o valor do talão de venda por 120 (105, se por exemplo a taxa de IVA fosse de 5%, etc.) para se apurar o valor “sem IVA”, constituindo a diferença o valor do IVA: - talão de venda (regime do IVA incluído): € 75,00 - taxa de IVA: 20% - valor da venda sem IVA: 75,00 / 120 x 100 = € 62,50 - valor do IVA incluído na venda: 75,00 – 62,50 = € 12,50 343. O mesmo se diga, mutatis mutandis, em relação ao valor do talão de desconto: se este, por hipótese, é de 10% por referência àquela compra (taxa de IVA de 20%), tendo por isso o valor de € 7,50 (a usar numa compra subsequente), o IVA incluído no valor do talão de desconto é de € 1,25: - talão de desconto (regime do IVA incluído): € 7,50 - taxa de IVA: 20% - valor do talão de desconto sem IVA: 7,50 / 120 x 100 = € 6,25 - valor do IVA incluído no talão de desconto: 7,5 – 6,25 = € 1,25 344. Com efeito, tendo-se provado que o valor do desconto contido no talão corresponde a uma percentagem do valor da compra inicial (ou a um valor fixo decorrente da compra inicial), e tendo esta IVA incluído, naturalmente que o valor do desconto também tem IVA incluído. 345. E, por via do artigo 49º do CIVA, o consumidor consegue perfeitamente distinguir o valor da base tributável e o valor do IVA da compra, o mesmo sucedendo com os talões de desconto. Por conseguinte, 346. O consumidor final, ao usar o talão de desconto na compra subsequente, recupera/paga menos o IVA incluído no valor desse talão de desconto, 347. pelo que o comprador é compensado (”ressarcido”) do IVA que inicialmente pagou a mais – paga menos o IVA incluído/implícito no valor do talão de desconto. 348. no entanto, obviamente que não emite e entrega à recorrida recibos desse iva do qual é compensado – nem a lei o obriga a fazê-lo. 349. com efeito, as obrigações declarativas e acessórias às obrigações de imposto previstas no CIVA não se aplicam a consumidores finais, como é por demais óbvio. 350. Aliás, o CIVA não se aplica a consumidores finais, como é evidente. 351. Como é óbvio, o comprador/consumidor final, quando usa o talão de desconto (anteriormente concedido em compra prévia), paga menos o valor desse mesmo talão de desconto na compra subsequente – pelo que paga menos o IVA incluído no valor desse talão de desconto. 352. com efeito, o procedimento da recorrida não é estritamente interno/unilateral – reduz o iva anteriormente liquidado a mais na venda inicial, mas com base e no momento em que o talão de desconto entregue ao consumidor final é por este usado em compra subsequente. 353. Para além de decorrer directamente da lei, é público e notório que os consumidores finais não podem deduzir o IVA – aliás, por isso é que o IVA é um imposto geral sobre o consumo: visa precisamente tributar o consumo e os consumidores finais. 354. Pelo que não há qualquer hipótese de fraude ou evasão fiscal. Sem prescindir, por mera cautela de patrocínio, 355. Aquele regime do artigo 78º nº 5 do CIVA foi estabelecido com o propósito de prevenir situações de evasão fiscal. 356. Pelo que importa ter em conta a Jurisprudência do TJUE Acórdão Albert Collée, Processo C-146/05, de 27 de Setembro de 2007 segundo o qual “as medidas que os estados-membros têm a faculdade de adoptar (…) para assegurarem a cobrança exacta do imposto e evitarem a fraude, não devem ir além do que é necessário para atingir tais objectivos. Por consequência, estas medidas não poderão ser utilizadas de forma a porem em causa a neutralidade do IVA, que constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação comunitária na matéria”. 357. A Jurisprudência do TJUE coloca assim em relevo que as exigências formais que possam ser impostas pela legislação nacional não podem colocar em causa o princípio da neutralidade do IVA. 358. Bem como que que essas exigências formais estão ao serviço da finalidade de evitar a fraude e evasão fiscal. 359. Ora, os presentes autos nada indiciaram no sentido de ocorrerem quaisquer situações de fraude ou evasão fiscal. 360. Por outro lado, o princípio da proporcionalidade deve servir como medida e critério das obrigações formais impostas aos sujeitos passivos, 361. uma vez que as obrigações estritamente formais, pretendendo salvaguardar o correcto funcionamento do imposto, devem conflituar o menos possível com os objectivos e princípios decorrentes da legislação da União Europeia em matéria de IVA. 362. Não se pode admitir um obstáculo formal que, além de intransponível no caso concreto, é despido de qualquer conteúdo ou sentido útil no sentido de prevenir ou evitar a evasão fiscal – que, aliás, nem sequer vem alegada pela AT, muito menos existe qualquer indício nesse sentido. 363.Com efeito, por se tratar de inúmeras vendas a consumidores finais, que além do mais são anónimos - pois os talões de venda não identificam os compradores, em cumprimento dos artigos 39º e 40º do CIVA, especialmente aplicáveis aos retalhistas, como é o caso da RECORRIDA -, as sobreditas exigências formais do artigo 78º nº 5 do CIVA são impraticáveis/impossíveis de cumprir por parte da RECORRIDA, 364. e conflituam frontalmente com a regra básica da neutralidade fiscal do IVA, designadamente com a necessidade de salvaguardar a inocuidade deste imposto em relação à concreta configuração das operações económicas gizada pelos agentes económicos. 365. Com efeito, para os sujeitos passivos de IVA, este imposto deverá ser um imposto neutral, ou seja, um imposto cujo encargo não é suportado por estes – mas sim pelos consumidores finais. 366. Esta é a concepção do sistema do IVA que não pode ser abalada por argumentos estritamente formais, sem qualquer evidência de fraude ou evasão fiscal – como sucede no caso dos autos. 367. Com efeito, o sistema comum do IVA garante a neutralidade deste imposto relativamente às actividades económicas, quaisquer que sejam os meios, fins ou resultados dessas actividades, na condição das referidas actividades estarem sujeitas a IVA Nomeadamente, Acórdãos de 14 de Fevereiro de 1985, Rompelman, 268/83, Recueil, p. 655, n.° 19; de 15 de Janeiro de 1998, Ghent Coal Terminal, C-37/95, Colect., p. I-1, n.° 15, e Gabalfrisa e o., já referido, n.° 44. e não haver indícios de fraude ou evasão fiscal. 368. O tratamento contabilístico coincide e reflecte inteiramente a materialidade das operações. 369. Com efeito, conforme elenco desse tratamento contabilístico constante do relatório inspectivo (transcrito na factualidade provada), a RECORRIDA imputava/deduzia o IVA contido/incluído no valor no desconto (concedido ao cliente na primeira compra, mas operacionalizado/deduzido apenas na segunda aquisição) ao IVA concretamente liquidado na primeira compra – aquela que propiciou esse desconto. 370. Ou seja, como se provou, se o consumidor obteve um talão de desconto em compras de bens à taxa de IVA de 20%, por exemplo, a RECORRIDA reduzia o IVA contido no talão de desconto, no momento da sua utilização, precisamente à mesma taxa de IVA de 20%, retroagindo o desconto à primeira compra, tudo se passando como se este fosse então e de imediato operacionalizado/materializado. 371. E assim fazia por razões de exactidão do valor do IVA a entregar ao Estado – se o IVA do desconto fosse reduzido por referência aos bens concretamente adquiridos na segunda compra, naturalmente que poderia haver diferenças, ora a favor do contribuinte/RECORRIDA, ora a favor do Estado. 372. Com efeito, se o IVA incluído no valor do desconto fosse reduzido por referência à segunda compra, quando o talão de desconto foi utilizado, e não por referência à primeira compra, quando o talão de desconto foi concedido –, 373. se o consumidor final obtivesse desconto em bens adquiridos (na primeira compra) à taxa reduzida de IVA de 5%, por exemplo, e usasse o correspondente talão de desconto (na segunda compra) em bens adquiridos à taxa de 20%, por exemplo, evidentemente que a RECORRIDA iria reduzir mais IVA do que aquele que deveria, sendo beneficiada (liquidou/entregou IVA ao Estado, na primeira venda, à taxa de 5%, e reduziu depois IVA, na segunda venda, à taxa 20%). 374. Anote-se que está em causa o regime do “IVA incluído”, acima assinalado, e que toda a documentação das operações dos retalhistas, conforme o respectivo regime legal especial, também acima referido, é gizado sem identificação do consumidor final. 375. Ainda naquela segunda hipótese, se por hipótese ocorresse o inverso - compra inicial à taxa de IVA de 20% e utilização do talão de desconto em compras de artigos à taxa de 5% -, a RECORRIDA iria reduzir menos IVA do que aquele que deveria, assim beneficiando o Estado (liquidou/entregou IVA ao Estado à taxa de 20% e reduziu depois IVA tão só à taxa 5%). 376. De facto, a contabilização das operações e procedimentos concretamente adoptados pela RECORRIDA em matéria de IVA, dentro da sua estratégia de marketing/fidelização de clientela, reflecte precisamente a materialidade das operações: anuncia-se, por exemplo, um desconto concedido na compra de “skip”, embora materializável apenas numa compra subsequente, mas o desconto retroage à compra inicial (e à taxa de IVA) do “skip”, precisamente aquela que propiciou o desconto. 377. Ou seja, a redução do IVA (contido no valor do talão de desconto), operada na segunda venda, retroage especificadamente ao concreto produto, e respectiva taxa de IVA, primeiramente vendido – de modo que a redução do IVA é feita à mesma taxa de IVA do produto que propiciou o desconto. 378. Mesmo no caso do “desconto mínimo garantido” (não constituindo, pois, uma percentagem de um determinado artigo/produto em promoção adquirido na primeira compra, mas sim atento o valor total da primeira compra), a RECORRIDA imputava retractivamente o IVA contido naquele talão de desconto, aquando da sua utilização, à primeira compra, de forma proporcionalmente repartida pelas diferentes taxas de IVA dos diferentes produtos adquiridos na primeira compra. 379. Ou seja, o procedimento da Recorrida assegurava a neutralidade fiscal do IVA. Por outro lado, 380. Conforme alínea b) do nº 6 do artigo 16º do CIVA, “Do valor tributável referido no número anterior são excluídos: (…) b) Os descontos, abatimentos e bónus concedidos;”. 381. Como acima também se referiu, o regime especial de documentação das vendas que a lei especialmente estipula para os retalhistas prevê precisamente a não identificação dos adquirentes, salvo a pedido dos próprios. 382. Naturalmente, o que releva para o legislador é que a RECORRIDA/retalhista entregue ao Estado o IVA efectivamente devido, independentemente da identificação do comprador. 383. Com efeito, se o talão de venda, ele próprio, não identifica o comprador, porque a lei assim o determina, por maioria de razão o talão de desconto não tem de identificar o respectivo beneficiário, ou seja, não tem de ser “nominativo” (bastando ser emitido ao portador, como o talão de venda), 384. já que o talão de desconto tem a sua génese e referência precisamente o talão de venda da primeira compra (ora por via da tipologia dos produtos adquiridos e em promoção, ora por via das quantidades totais então adquiridas, consoante o tipo de desconto concedido). 385. Sendo, por isso, indiferente quem usufrui do talão de desconto – basta ser portador do mesmo para o respectivo valor ser deduzido ao valor tributável da segunda compra. 386. O mesmo se refira quanto às devoluções/anulações de operações. 387. A devolução de um produto e o reembolso da compra é efectuado a favor de quem se apresente com o talão de venda. 388. Assim, também nesta circunstância, independentemente do documento que seja emitido para titular a devolução, não é possível comprovar que a devolução esteja a ser feita a quem comprou originariamente. 389. O que importa ao legislador é que o retalhista/RECORRIDA liquide e entregue ao Estado o IVA devido, independentemente de quem o suporta de facto. 390. Com efeito, como acima se referiu, tendo em conta que estamos no âmbito do regime especial dos retalhistas, em que a faturação segue o regime simplificado, sem identificação dos adquirentes e com IVA incluído (artigos 39º e 40º do CIVA), o silogismo é simples: 391. a venda é realizada e documentada por talões de venda simplificados (nos quais não se identifica o comprador), com IVA incluído; 392. o desconto concedido (em talão) advém do valor dessa venda, sendo normalmente um percentual do valor da venda; 393. logo, o desconto incorpora IVA da venda que o propiciou; 394. o desconto é deduzido ao valor da venda subsequente, a qual também inclui IVA; 395. logo, o IVA que o desconto incorpora é “reembolsado” ao consumidor final por utilização/dedução, por parte do consumidor final, ao preço da venda subsequente. 396. Concomitantemente, e quanto à documentação: 397. na emissão do talão de venda simplificado não é efetuada a identificação do adquirente porque a lei assim determina; 398. na circunstância em que as operações são anuladas (designadamente devoluções), são emitidos documentos de crédito que seguem os mesmos formalismos, i.e., não identificam o adquirente – pela simples razão de que têm na sua génese vendas nas quais também não se identificou o comprador, porque a lei especialmente aplicável assim determina; 399. na dedução do desconto por utilização em compra subsequente (redução do valor da operação a posteriori), igualmente evidenciada em talão de venda simplificado, também não se identifica o adquirente; 400. qualquer destes documentos é emitido pela RECORRIDA ao portador, sem identificação do adquirente/beneficiário, porque a lei especialmente aplicável aos retalhistas assim determina; 401. Em suma, da lei não resulta que o beneficiário do desconto tenha necessariamente de ser quem fez a aquisição que propiciou esse mesmo desconto. 402. Concluir o contrário equivale a assumir que, no retalho, quaisquer rectificações de IVA, em resultado da anulação/redução do valor das operações, é impraticável nas vendas aos consumidores finais - o que é inadmissível. 403. Pelo que, naturalmente, o retalhista/RECORRIDA não tem qualquer obrigação ou ónus de fazer prova de que reembolsou o IVA do desconto à pessoa que fez a compra inicial - precisamente porque isso é impossível, dado o regime legal especial aplicável aos retalhistas, acima especificado. Mais, 404. Quando o consumidor usa o talão de desconto na segunda compra, deduzindo-o ao valor a pagar na segunda compra, e tendo o valor desse talão de desconto IVA incluído/incorporado, 405. naturalmente que o consumidor sabe (ou, pelo menos, tem todas as condições para poder saber) que está a recuperar/ pagar menos o valor do IVA incluído/incorporado no valor do desconto – ou seja, tem conhecimento disso mesmo (cfr. artigo 49º do CIVA). 406. Assim, o tratamento contabilístico reflecte fielmente, à semelhança do procedimento documental, a materialidade das operações e a realidade das promoções de produtos divulgadas junto dos consumidores, respeitando na integra o regime legal procedimental do IVA especialmente aplicável aos retalhistas – que dispensa a identificação dos compradores. Acresce que, 407. Não se pode admitir que do procedimento contabilístico concretamente usado – fazendo retroagir à compra inicial o valor do IVA incluído no talão de desconto usado na segunda compra - resulte qualquer “vantagem fiscal”, como acima se demonstrou. 408. Muito pelo contrário, como acima se evidenciou, esse procedimento contabilístico é precisamente aquele que evita diferenças no IVA a entregar ao Estado na eventualidade do desconto ser obtido (inicialmente) em produtos com taxas de IVA distintas das taxas de IVA dos produtos em cuja aquisição vai ser (posteriormente) utilizado. 409. Note-se que a RECORRIDA pratica as 3 taxas diferentes de IVA previstas na lei - normal, intermédia e reduzida -, atenta a diferente tipologia de produtos que vende aos seus consumidores. 410. Ora, a regra básica da neutralidade fiscal do IVA significa, entre o mais, que o IVA deve abstrair da concreta configuração económica/documental das operações, pelo que aquela “impossibilidade prática”, para mais estritamente formal, não pode constitui óbice à redução do IVA liquidado na primeira compra. 411. Resulta ainda provado que a contabilidade da Recorrida espelhava fielmente o procedimento adoptado na atribuição e rebate/dedução dos descontos promocionais, tal como definidos e publicitados pela Recorrida, e que a sua veracidade e a veracidade dos respetivos documentos de suporte não foi questionada pela AT. 412. Há prova nos autos é que o desconto atribuído equivale a uma percentagem ou valor fixo decorrentes/imputáveis à compra inicial – e que era rebatido/deduzido ao valor de uma compra futura -, como resulta do tratamento contabilístico das operações em causa, comprovado nos autos, reproduzido no próprio relatório inspectivo. 413. Como também se provou e resulta das operações contabilísticas operadas pela Impugnante/Recorrida, os descontos concedidos são de imediato contabilizados, aquando da compra inicial - só o IVA incluído no valor do desconto é que fica a aguardar o uso do talão de desconto por parte do comprador numa compra subsequente, 414. para não antecipar uma redução do IVA liquidado a mais aquando da venda inicial e assim não prejudicar o Estado antes do desconto ser efectivamente materializado/usado. 415. Ou seja, tal como também se provou, o desconto é desde logo imputado à venda inicial – não ficando a aguardar qualquer compra subsequente. 416. com efeito, apenas o IVA implícito no desconto aguardava a materialização da compra seguinte, para ser finalmente reduzido ao IVA entregue ao estado na primeira venda – como se denota das operações contabilísticas reproduzidas no relatório inspectivo. 417. Como se referiu, nos termos do nº 2 do artigo 39º do CIVA os documentos emitidos por retalhistas revestiam e revestem a forma simplificada, devendo ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos: a) Nome ou denominação social e número de identificação fiscal do fornecedor dos bens ou prestador dos serviços; b) Quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados; c) O preço líquido de imposto, as taxas aplicáveis e o montante de imposto devido, ou o preço com a inclusão do imposto e a taxa ou taxas aplicáveis; d) Número de identificação fiscal do adquirente ou destinatário, quando for sujeito passivo. e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso. 418. A indicação do número de identificação fiscal do adquirente ou destinatário dependia e depende de solicitação do mesmo (cf. n.º 3 da mesma norma). 419. Por isso é que, no terminal de caixa, o consumidor é questionado se pretende número de contribuinte – como é notório e do conhecimento público. 420. Sendo certo que nos terminais de caixa dos supermercados e hipermercados é impossível saber se o comprador vai afectar os produtos adquiridos a consumo próprio, a consumo de terceiros ou até a qualquer actividade comercial – como também é do senso comum. 421. Ora, se a própria lei não exige que o talão que titula a venda seja nominativo, dificilmente se poderia exigir que o talão de desconto o fosse, bastando a sua titularidade para fazer prova da realidade que o mesmo textualmente atesta. 422. Ainda que, por hipótese, se entendesse que o talão de desconto deveria ser nominativo, o mesmo seria sempre insuficiente para a prova do “conhecimento”, 423. porquanto exigir-se-ia ainda que os talões de venda (inicial e subsequente) fossem igualmente nominativos, sob pena de não se criar uma relação entre o documento que gera, o que titula e o que rebate/deduz o desconto. 424. Mais: como também é do conhecimento público, não raras vezes os bens são adquiridos a favor de terceiros (e.g. presentes), que em muitos casos são devolvidos/trocados por quem não os adquiriu – o que reforça e justifica o regime jurídico especial não nominativo/ao portador de todo o procedimento documental das operações dos retalhistas. 425. Neste circunstancialismo legal mesmo que a identificação do titular do talão de desconto dele constasse, o mesmo nunca seria suscetível de relacionar quer com a compra inicial, quer subsequente, pois aquela identificação não consta dos respectivos talões de venda. Mais, 426. Da Jurisprudência do TJUE sobre descontos concedidos aos clientes resulta que a matéria colectável do IVA deve corresponder à contrapartida líquida efectivamente recebida do cliente. 427. Ora, o valor do desconto contido em talão de desconto usado pelo comprador, na medida em que conduz à redução efectiva do preço a pagar pelo comprador, deve ser excluído da base de incidência do IVA - conforme determina o artigo 16º nº 6 b) do CIVA. 428. Sendo inaplicável, in casu, o regime do artigo 78º do CIVA, tendo em conta que o seu âmbito de aplicação circunscreve-se às situações em que, emitida a factura, ou depois de efectuado o seu registo contabilístico, ou em consequência de erros ou inexactidões, o valor tributável de uma operação efectuada entre sujeitos passivos de imposto ou o respectivo imposto venham a sofrer rectificação. 429. E nenhuma destas situações se verifica no caso. 430. Se a Impugnante concede verdadeiros descontos aos seus consumidores, como efectivamente concede, e se tais descontos não integram o “valor tributável”, então não há lugar, como é óbvio, à rectificação de qualquer “valor tributável” ou imposto. 431. Isto é, não há lugar, in casu, à aplicação do artigo 78º do CIVA. 432. Com efeito, como se constata da factualidade provada, não se verifica qualquer das situações previstas no artigo 78º do CIVA (redacção aplicável): 433. não há quaisquer erros ou inexactidões; 434. a venda inicial é registada contabilisticamente já com o desconto concedido ab initio. 435. O regime do artigo 78º nº 5 do CIVA foi instituído como forma de evitar que as regularizações do valor tributável de operações entre sujeitos passivos pudessem originar situações de evasão fiscal, 436. razão pela qual não faz qualquer sentido extrapolar desse contexto e aplicar tal preceito, de forma forçada, a operações realizadas com consumidores finais, que não têm qualquer possibilidade de “evasão fiscal” ao IVA incidente sobre os consumos que efectuam. 437. Importa ter em conta os doutos Pareceres do Professor Xavier de Basto e do Professor António Carlos dos Santos, juntos à PI, 438. Bem como as 3 Sentenças aqui juntas como docs. 17, 18 e 19 (processos de Impugnação nº 1156/13.8BEPRT, 1058/11.2BEPRT e 1683/13.7NEPRT), supervenientes em relação aos presentes autos, respeitantes à mesma matéria, que julgaram a correcção em apreço ilegal – cujo teor, por brevidade de exposição, se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, se bem que ainda não tenham transitado em julgado. 439. A AT não pode desconhecer a Jurisprudência do TJUE sobre esta matéria – até porque cita a mesma, embora a interprete e aplique erroneamente. 440. Mas, ainda assim - e sabendo que as decisões do TJUE são interpretativas das normas comunitárias aplicáveis – prefere agir ao seu arrepio, ignorando-as deliberadamente, fazendo delas uma interpretação truncada e enviesada, o que, do ponto de vista da boa-fé da administração, nos parece ser um procedimento dúbio. 441. Há na Jurisprudência Comunitária um Acórdão orientador na matéria em discussão - o “Acórdão Boots” - uma vez que tal decisão judicial trata da problemática dos “talões de desconto”. 442. Este aresto, de 27 de Março de 1990, resulta de um litígio principal que opôs a sociedade Boots Company PLC, e suas filiais, aos Commissioners of Customs and Excise – administração fiscal do Reino Unido, 443. e incidiu sobre o tratamento em IVA do valor dos talões de desconto que a Boots emitia aos seus clientes e que davam direito à obtenção de descontos em aquisições ulteriores, pelo valor nominal respectivo. 444. Tratava-se, concretamente, da interpretação e aplicação do artigo 11.º n.º 3 b) da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, que estabelecia que “a matéria colectável não inclui: Os descontos e abatimentos concedidos ao adquirente ou ao destinatário, no momento em que a operação se realiza”, 445. preceito igualmente constante na actual Directiva 2006/112 do Conselho, de 28.11.2006, onde se estabelece, no seu artigo 79º b), que “o valor tributável não inclui os seguintes elementos: b) Os abatimentos e bónus concedidos ao adquirente ou ao destinatário, no momento em que a operação se realiza”. 446. Uma vez que se discutia a conformidade da legislação e do procedimento das autoridades fiscais Britânicas com o Direito Comunitário - mais concretamente, com a Sexta Directiva IVA, a High Court of Justice Britânica suscitou o reenvio prejudicial ao TJUE. 447. O diferendo surgiu porque a Boots, nas suas declarações de IVA e liquidações respectivas, apenas considerou como contrapartida dos artigos vendidos com desconto por talão, o montante efectivamente pago pelo comprador - não incluindo, pois, no valor tributável, o valor nominal constante desses talões de desconto. 448. Por seu lado, a AT Britânica entendia que a contrapartida pela venda desses artigos deveria englobar, quer o valor efectivamente recebido, quer o valor nominal dos talões de desconto. 449. O fundamento para tal entendimento dos Commissioners residia no facto de que, não sendo a contrapartida constituída total ou parcialmente por dinheiro, mas uma parte dela correspondendo a um talão de desconto, o valor tributável deveria ser o valor normal - por aplicação do artigo 10, n.º 3, da 6ª directiva, correspondente ao n.º 3 do artigo 16.º do CIVA. 450. Assim, era entendimento da AT Britânica que a Boots deveria rectificar as suas liquidações de IVA, acrescentando às suas receitas em dinheiro líquido o valor dos talões que faltava para atingir o “preço ou valor normal” dos artigos em causa. 451. Resolvendo o diferendo a favor da Boots, o TJUE veio a decidir que a referência feita na Sexta Directiva a abatimentos e descontos deve entender-se como abrangendo o valor nominal dos talões de desconto, 452. uma vez que o talão de descontos é um título formal que incorpora a obrigação assumida pela Boots de consentir ao titular do talão, em troca deste, a obtenção de uma redução de preço no momento da ulterior compra. 453. Segundo aquele Acórdão Boots, do TJUE, o valor nominal dos talões de desconto expressa apenas o valor de desconto prometido, 454. constituindo, deste modo, um valor que deverá ser abatido à base tributável, e não, como pretendia a administração fiscal Britânica, uma contrapartida em espécie, e que, por isso, não deveria ser deduzido ao valor tributável. 455. Por conseguinte, na primeira venda, a contrapartida do bem cedido é o preço integral do bem adquirido, e na segunda venda será abatido ao preço do bem o valor nominal do cupão de desconto, para efeitos do cálculo do IVA. 456. Ao contrário do que entende a AT, não está, nem nunca esteve em causa, no Acórdão Boots, qual o correcto procedimento contabilístico a adoptar no caso de talões de desconto. 457. Como é óbvio, a Jurisprudência não se destina a fixar a realidade factual, mas apenas o correcto enquadramento jurídico. 458. Não se imiscuindo nas concretas estratégias empresariais de concessão de descontos a consumidores – que estão sob a livre gestão de cada agente económico, segundo as suas concretas estratégias de marketing, não sendo da conta da AT se conferem mais ou menos liquidez ao agente económico. 459. Aliás, no caso concreto em apreço, a RECORRIDA liquida e entrega ao Estado a totalidade do IVA relativo à primeira compra (apesar da concessão, então, do talão de desconto), só reduzindo o IVA contido no talão de desconto posteriormente, se e quando o consumidor deduzir o talão de desconto ao valor tributável da segunda compra – pelo que, se há um ganho financeiro, não é certamente para a RECORRIDA, que fica a aguardar a efectivação do rebate/utilização do talão de desconto numa segunda compra, para só então reduzir o IVA. 460. Por outro lado, no caso concreto em apreço não se verifica qualquer dissonância com a Jurisprudência do Acórdão Boots – pelo contrário, e como neste se afirma, o IVA é e foi liquidado sobre o valor líquido efectivamente recebido do comprador. 461. Com efeito, se por mero exemplo no primeiro momento o valor total da venda foi de €120,00, tendo sido aplicada a taxa de IVA de 20%, 462. atento o regime do IVA incluído, isso significa que naquele valor bruto de € 120,00 está incluído IVA de € 20,00, sendo o valor líquido (ou seja, sem imposto) de € 100,00 (cfr. artigo 49º do CIVA). 463. O consumidor paga então € 120,00 e a RECORRIDA entrega ao Estado € 20,00 de IVA, liquidado naquela primeira venda. 464. Supondo que naquela primeira compra foi conferido um desconto diferido de 10% sobre o produto adquirido, a que correspondeu a concessão de um talão de desconto de € 12,00, 465. também este valor de desconto tem IVA incluído à taxa de 20% - o que significa que naquele valor bruto de desconto de € 12,00 está incluído IVA de € 2,00, sendo o valor líquido do desconto (ou seja, sem IVA), de € 10,00 (cfr. artigo 49º do CIVA). 466. No momento da segunda compra (na qual o consumidor vai usar o talão de desconto de € 12,00), supondo que o valor total dessa segunda compra é de € 60,00, à mesma taxa de IVA de 20%, neste valor de € 60,00 está incluído IVA de € 10,00, sendo o valor líquido da segunda compra de € 50,00 (cfr. artigo 49º do CIVA). 467. Nessa segunda compra o consumidor vai então pagar à RECORRIDA € 48,00 (= 60,00 – 12,00) e a RECORRIDA reduz então, ao valor do IVA liquidado na primeira compra (€ 20,00), o valor do IVA contido no desconto usado, € 2,00. 468. Como resumo teríamos: - IVA liquidado na primeira compra: €20,00; - IVA liquidado na segunda compra: €10,00; - IVA total liquidado e entregue ao Estado pela RECORRIDA no conjunto das duas compras: € 28,00 (= 20,00 - 2,00 + 10,00) - Valor total bruto pago pelo consumidor no conjunto das duas compras: € 168,00 (= 120,00 + 48,00). - Valor total líquido (sem IVA) pago pelo consumidor no conjunto das duas compras: € 140,00 (cfr. artigo 49º do CIVA) 469. Ou seja, o IVA total liquidado e entregue ao Estado, € 28,00, é precisamente o valor do IVA (à taxa de 20%) incidente sobre o valor líquido (sem IVA) recebido do comprador, € 140,00 (pois aquele valor de € 28,00 é entregue ao Estado). 470. Em suma, tudo em estrito cumprimento do Acórdão Boots, portanto, e tudo se passando como se o desconto fosse concedido e utilizado logo aquando da primeira compra. 471. Daí resulta precisamente aquilo que é propugnado na Jurisprudência do TJUE: o IVA incidiu sobre o valor líquido (sem IVA, naturalmente) efectivamente recebido do comprador, ou seja, o valor líquido recebido do comprador foi precisamente a matéria colectável/a base de incidência daquele imposto. 472. Da Jurisprudência do TJUE resulta, em suma, que a matéria colectável do IVA não pode ser superior à contrapartida líquida (sem IVA) efectivamente paga pelo consumidor final. 473. Mais precisamente, deve ser coincidente com a contrapartida líquida (sem IVA) efectivamente recebida do comprador – como aqui sucede e acima se demonstrou. 474. Estão em causa, portanto, verdadeiros descontos, nos termos do artigo 16º nº 6 b) do CIVA, e esses descontos são imputados à compra inicial. 475. Simplesmente, o IVA do desconto fica a aguardar, em conta provisória, o uso efectivo desse desconto em compra subsequente, para então, e só então, ser efectivamente reduzido ao IVA liquidado a mais na primeira compra, 476. e assim não afectar o IVA entregue ao Estado inicialmente, sem que o desconto seja efectivamente materializado, para que só aquando dessa eventual e futura materialização possa ser então reduzido o IVA (contido/implícito no talão de desconto) antes entregue a mais. 477. Trata-se, portanto, de descontos ao produto e à compra inicial concedidos no âmbito de uma estratégia de marketing com objectivos de fidelização da clientela: para materializar o desconto obtido, o consumidor é incentivado a comprar novamente. 478. Tudo se processa como um desconto materializado e evidenciado de imediato: é sempre, e em qualquer circunstância, processado por referência à aquisição inicial, deduzido o IVA do produto então adquirido e objecto de desconto, e à taxa de IVA de compra do mesmo. 479. Para esse efeito, a segunda compra é automaticamente conexionada com a compra inicial - no âmbito da qual foi adquirido o desconto - de modo que o desconto seja imputado directamente a essa mesma compra inicial, e ao(s) concreto(s) produto(s) e respectiva(s) taxa(s) de IVA que propiciou(aram) esse mesmo desconto. 480. Assim, é essa a verdadeira materialidade da operação. Aliás, 481. Se a Impugnante/Recorrida não reduzir o montante de IVA incluído no valor do talão de desconto quando o consumidor utiliza o desconto na segunda compra, verificar-se-á uma quebra do princípio da neutralidade e uma verdadeira duplicação de colecta (cfr. neste sentido o Prof. António Carlos dos Santos). 482. Com efeito, face ao princípio da neutralidade que constitui a matriz do IVA, a Recorrida tem direito a reduzir o imposto que liquidou em excesso face ao efectivo valor tributável da operação. Mais, 483. Como resulta da Jurisprudência do TJUE, o desconto, seja ele qual for, não é meio de pagamento ou contrapartida, para efeitos de IVA. 484. Outrossim, representa um uma redução do valor líquido a pagar pelo comprador, devendo, por isso, ser excluído da base de incidência do IVA. 485. No “Acórdão Argos” do TJUE – Argos Distributors Ltd contra Commissioners of Customs and Excise, de 24 de Outubro de 1996, conclui-se que, «quando um fornecedor vende a um adquirente, com desconto, um vale com a promessa de o aceitar posteriormente pelo seu valor nominal para pagamento da totalidade ou de parte do preço de um produto comprado por um cliente que não é o adquirente do vale e que não conhece, em princípio, o preço real de venda desse vale pelo fornecedor, a contrapartida representada pelo vale é o montante realmente recebido pelo fornecedor pela venda do vale. É, portanto, este montante, e não o valor nominal do vale, que, por força do referido artigo, deverá constituir a matéria colectável para aplicação do imposto sobre o valor acrescentado na venda por ocasião da qual o vale foi aceite em pagamento.» 486. Ou seja, este Acórdão evidencia que, independentemente de se tratar de sujeitos passivos diferentes, ou independentemente da forma como o título vem à posse do beneficiário, o valor tributável em IVA será sempre o do valor efectivamente recebido do comprador. 487. Ou seja, este Acórdão expõe que, independentemente de se tratar de sujeitos passivos diferentes, ou independentemente da forma como o título vem à posse do beneficiário, o valor tributável em IVA será sempre o do valor efectivamente recebido. 488. Note-se que, no caso particular do desconto contido no “talão Marca 2...”, igualmente mencionado na factualidade provada, tal desconto é imediatamente e em simultâneo materializado aquando da compra no estabelecimento da Recorrida – não havendo aí, portanto, um hiato temporal entre a concessão do desconto e a sua materialização. 489. Ou seja, o desconto em “talão Marca 2...” tem a especificidade da liquidação e redução do IVA incluído no valor do talão Marca 2... operarem de imediato e em simultâneo, aquando da compra nos estabelecimentos da Recorrida. Acresce que, 490. O direito de dedução do IVA ou, mais propriamente, no caso concreto, o direito de redução do IVA liquidado a jusante - o que, em substância, é equivalente -, não pode ser prejudicado por razões meramente formais ou declarativas, conforme é Jurisprudência uniforme do TJUE, e mesmo dos Tribunais nacionais. 491. A preocupação em garantir a neutralidade do imposto, está devidamente refletida no preâmbulo da Sexta Diretiva do IVA (§ 25) e na sua redação atual, onde se refere que “O valor tributável deverá ser objecto de harmonização, a fim de que a aplicação do IVA às operações tributáveis conduza a resultados comparáveis em todos os Estados-Membros”. 492. Daí que os elementos formais do IVA estejam ao serviço dos elementos materiais do IVA, e não o inverso – como reiteradamente afirmado pela Jurisprudência do TJUE. Sem prescindir, por mera cautela de patrocínio, 493. Ainda que se considerasse aplicável o regime das regularizações – o que não se concede e apenas se admite como hipótese de raciocínio – a AT teria de apurar o montante das operações realizadas com a emissão de factura e, dessas operações, destrinçar quais as que foram realizadas com sujeitos passivos de IVA, 494. uma vez que, por um lado, um sujeito passivo não logrará deduzir IVA com base num mero talão de venda, mas apenas com base em factura e, por outro lado, nem todas as facturas são emitidas a sujeitos passivos de IVA. 495. Na verdade, constata-se que a AT considerou todas as operações realizadas nos estabelecimentos da Impugnante, com a utilização de talões de desconto, não fazendo qualquer destrinça entre vendas a particulares ou a sujeitos passivos de IVA. 496. Com efeito, mesmo que, por mera hipótese, o entendimento do Acórdão estivesse correcto, o mesmo só poderia ser aplicado nos casos, absolutamente marginais, de vendas a clientes empresariais, que a AT nem sequer apurou, designadamente em termos dos respectivos valores de IVA reduzidos pela Impugnante/Recorrida. 497. Sendo certo que, nos termos do sobredito artigo 100º nº 1 do CPPT, “1 - Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.”. 498. Mesmo que subsistissem dúvidas, o que só por mera hipótese se admite, nos termos do artigo 100º nº 1 do CPPT, “1 - Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.”. 499. Isto, porque o contribuinte goza da presunção legal de veracidade e boa-fé da sua contabilidade e declarações fiscais, nos termos do artigo 75º da LGT. 500. Pelo que a correcção em questão sempre padeceria de erro de cálculo e apuramento, conducente à sua anulação (cfr. artigos 99º a) e 100º nº 1 do CPPT). Sem prescindir, por cautela de patrocínio, 501. A entender-se, por mera hipótese, que a RECORRIDA estaria obrigada a comunicar (e embora comunique, pois no talão de venda está o desconto e o IVA nele contido) pretensas regularizações aos seus milhões de consumidores finais, estaria a onerar-se de forma superlativa a RECORRIDA, com obrigações acessórias impossíveis de ser cumpridas, o que violaria, de forma clara, o princípio da proporcionalidade (cfr. artigos 55º da LGT e 266º nº 2 da CRP, entre outros). 502. Como vimos, os retalhistas apenas estão obrigados a emitir e entregar talões de venda, nos quais não são identificados os adquirentes. 503. O que conduz à inconstitucionalidade material do artigo 78º nº 5 do CIVA, na interpretação segundo a qual, para que um sujeito passivo retalhista possa reduzir o IVA anteriormente liquidado (em função da utilização, pelo consumidor final, do talão de desconto, onde esse IVA também está incluído), seria obrigado a dar conhecimento da redução do IVA aos seus consumidores finais, ou a fazer prova nominativa de que estes foram reembolsados do imposto, por violação do sobredito princípio da proporcionalidade (cfr. artigos 7º do CPA, 55º da LGT e 266º nº 2 da CRP, entre outros). Mais, 504. Como visto, existe uma verdadeira impossibilidade prática, no regime dos retalhistas, de fazer prova de que, em caso de anulação ou redução do valor das operações, o reembolso do IVA é efetuado à mesma pessoa que assumiu a posição de adquirente na primeira aquisição. 505. Essa prova consubstancia, pois, uma verdadeira prova diabólica, a qual é vedada pelo princípio da proibição da indefesa constante do n.º 1 do artigo 20.º da CRP, - o qual constitui corolário do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, que tem especial conformação no âmbito do direito administrativo no n.º 4 do artigo 268.º da CRP. 506. Assim, o artigo 78º nº 5 do CIVA, é ainda materialmente inconstitucional por violação daqueles princípios da proibição da indefesa constante do n.º 1 do artigo 20.º da CRP, corolário do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, previsto no nº 4 do artigo 268º da CRP. Mais, 507. Invoca a Recorrente/FP/AT o Acórdão do STA de 23.06.2021, proferido no Proc. nº 01186/15.5BELRA. 508. Ora, sucede que o caso abordado naquele processo não é equiparável ao dos presentes autos. 509. Com efeito, no caso daquele Acórdão/processo o sujeito passivo pretendia recuperar junto do Estado IVA que o cliente não havia pago a menos nas compras feitas ao sujeito passivo. 510. O que aqui não sucede, como acima se evidenciou, pois no caso dos presentes autos os clientes/consumidores finais pagaram menos o IVA contido/implícito no desconto que lhes foi concedido. Assim, 511. Também esta correcção padece de erro nos pressupostos de facto e de vício de violação das sobreditas disposições legais, como bem se considerou na douta Sentença recorrida. Quanto aos descontos concedidos pela Recorrida aos seus clientes mediante a utilização, pelos clientes, de talões “Marca 2...” (vales de combustível): 512. Como dela resulta, a douta Sentença não é passível de qualquer censura, 513. sendo desnecessárias considerações adicionais àquelas que já constam da douta Sentença, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. Sem prescindir, acresce o seguinte: 514. Considera a AT que esta parcela de IVA, respeitante à utilização de vouchers de desconto emitidos pela [SCom03...] nas compras efectuadas pelos clientes da RECORRIDA, terá sido indevidamente regularizada a favor da RECORRIDA, por pretensa violação do artigo 78º do CIVA. 515. Mais uma vez, entende a AT que a RECORRIDA não terá cumprido o disposto no artigo 78º do CIVA. 516. Aplicam-se, neste caso, com as necessárias adaptações, as mesmas considerações anteriormente tecidas a propósito dos descontos concedidos a clientes por crédito em saldo do cartão Marca ..., ou por entrega de talão de desconto, tendo em conta, aqui, as seguintes especificidades: 517. O Acórdão do TJUE chamado “Acórdão Elida Gibbs” - Elida Gibbs Ltd contra Commissioners of Customs and Excise, de 24 de Outubro de 1996, mencionado na douta Sentença, é aqui aplicável “a papel químico”, no que tange à utilização de talões de desconto emitidos pela Marca 2.... 518. Com efeito, o aresto em causa trata da problemática do desconto em talões emitidos por uma entidade diferente do retalhista que vende os produtos com desconto. 519. Concretamente, a sociedade de direito britânico “Elida Gibbs” promovia as vendas dos seus artigos emitindo cupões de desconto (vouchers), anexos a publicações diversas ou distribuídos directamente aos consumidores, com um determinado valor nominal. 520. Tais talões destinavam-se a ser apresentados como meio de pagamento parcial dos produtos objecto da promoção, junto dos retalhistas que os vendiam. 521. Os retalhistas, por sua vez, deveriam remeter, depois, à Elida Gibbs, os referidos “vouchers” - para deste modo obterem o respectivo reembolso ao valor nominal. 522. Uma vez mais, a administração fiscal britânica negou o reembolso de IVA, que a Elida Gibbs entendia ter sido erradamente cobrado sobre o valor dos cupões de desconto. 523. Para a Elida Gibbs, o reembolso dos cupões constituía um “desconto retroactivo”, que devia ser considerado como tendo o efeito de reduzir a matéria colectável do imposto. 524. Ao invés, os Commissioners perfilhavam o entendimento de que os montantes correspondentes aos “vouchers” constituíam um elemento da contrapartida recebida pelo retalhista pelo fornecimento de bens ao cliente. 525. Sendo esse montante pago pela Elida Gibbs, constituiria uma contrapartida recebida de um terceiro, pelo que deveria, em face das regras da Directiva, ser incluída no valor tributável das operações. 526. O “Acórdão Elida Gibbs” teve a virtualidade de raciocinar em termos de “princípios”, baseando a sua argumentação (i) na própria natureza do IVA e (ii) nas preocupações subjacentes de neutralidade fiscal. 527. O ponto de partida para a decisão é constituído por reflexões sobre “o princípio do sistema do IVA e o mecanismo segundo o qual funciona” (cfr. ponto 18 do Acórdão). 528. Com efeito, «O princípio de base reside no facto de o sistema do IVA ter como objectivo onerar unicamente o consumidor final. Consequentemente, a matéria colectável do IVA a cobrar pelas autoridades fiscais não pode ser superior à contrapartida efectivamente paga pelo consumidor final, sobre o qual foi calculado o IVA que recai sobre esse consumidor.» (cfr. ponto 19 do Acórdão). 529. Como se refere no corpo do citado aresto, o princípio da neutralidade fiscal «(…) esclarece o papel e as obrigações dos sujeitos passivos dentro do mecanismo instituído para a cobrança do IVA». 530. «Com efeito, o IVA não onera os sujeitos passivos, mas, ao intervirem no processo de produção e de distribuição anterior à fase de tributação final, qualquer que seja o número de transacções que tenham lugar, estes apenas são obrigados, em cada fase desse processo, a cobrar o imposto por conta da administração fiscal e a entregar a esta os respectivos montantes.» (cfr. ponto 22 do Acórdão). 531. Conforme o “Acórdão Schul” do TJUE de 5 de Maio de 1982, «um elemento de base do sistema do IVA consiste no facto de, em cada transacção, este imposto só ser exigível após dedução do montante do IVA que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço dos bens e serviços e de o mecanismo das deduções estar concebido de modo que só os sujeitos passivos são autorizados a deduzir do IVA de que são devedores o IVA que já onerou os bens e serviços a montante.» (cfr. ponto 23 do Acórdão). 532. Concluindo então o TJUE que «Resulta do que antecede que, tendo em conta, em cada caso, o mecanismo do IVA, o seu funcionamento e o papel dos intermediários, a administração fiscal não pode, em definitivo, cobrar um montante superior ao que foi pago pelo consumidor final.» (cfr. ponto 24 do Acórdão). 533. Destarte, «(…) a matéria colectável é igual ao preço de venda praticado pelo fabricante, diminuído do montante indicado no cupão e reembolsado.» (cfr. ponto 35 do Acórdão). 534. A idêntica conclusão se chega no “Acórdão Argos” do TJUE – Argos Distributors Ltd contra Commissioners of Customs and Excise, de 24 de Outubro de 1996. 535. Este Acórdão expõe que, independentemente de se tratar de sujeitos passivos diferentes, ou independentemente da forma como o título vem à posse do beneficiário, o valor tributável em IVA será sempre o do valor efectivamente recebido. 536. Mais uma vez, também à semelhança do que sucede no caso dos descontos referidos no ponto precedente, é erróneo, desproporcionado e ilegal exigir à RECORRIDA que contenha prova da comunicação à contraparte – mais de 99% clientes particulares – da redução/dedução que de imediato efectua, do IVA contido no talão de desconto Marca 2... usado nas compras efectuadas nas suas lojas. 537. Pelas razões melhor referidas no ponto precedente, para o qual remetemos. 538. Importando ainda atender no facto da RECORRIDA estar abrangida pelo regime legal dos retalhistas, como acima se referiu - que corresponde ao regime do “IVA incluído”, em que, por razões de simplificação, não há obrigatoriedade legal de dar expressamente a conhecer ao comprador, no próprio talão de venda que lhe é entregue, da base tributável sobre a qual incidiu IVA. Assim, 539. Também esta correcção padece de erro nos pressupostos de facto e vício de violação de lei, designadamente dos referidos artigos 16º nº 6 b) e 78º do CIVA, à semelhança dos descontos abordados no ponto precedente. Sem prescindir, 540. Caso se entendesse que são aplicáveis, in casu, as regras de regularização de IVA estabelecidos no artigo 78º do CIVA – o que não se concede e apenas se admite como hipótese de raciocínio – tal regime seria sempre inconstitucional se aplicado no sentido propugnado pela AT. 541. Com efeito, a AT, para a não aceitação da dedução/redução do imposto relativo aos descontos, conclui que a mesma só poderia ser efectuada quando a RECORRIDA tivesse na sua posse prova de que o adquirente tinha tomado conhecimento dessa dedução/redução, ou de que tinha sido reembolsado do imposto, 542. e que a Impugnante, quando deduz aquele IVA a seu favor, não dá disso conhecimento aos seus clientes, nem mesmo àqueles que são sujeitos passivos de IVA. 543. Como vimos, nos termos do artigo 39º nº 2 do CIVA, os retalhistas apenas estão obrigados a emitir talões de venda, onde não é obrigatória a identificação dos adquirentes, 544. Logo, a entender-se que a Impugnante estaria obrigada a informar esses milhões de clientes, estaria a onerar-se de forma manifestamente excessiva a Impugnante com obrigações acessórias desproporcionadas aos objectivos que as mesmas servem, 545. uma vez que, como se disse, o regime de regularizações do IVA, contido no artigo 78º do CIVA foi instituído a pensar nas operações em que intervêm sujeitos passivos de imposto, 546. pelo que tal regime não é de aplicar a operações em que intervêm consumidores finais particulares – que, como vimos, não podem deduzir o IVA suportado. 547. O que violaria, de forma clara, o princípio da proporcionalidade da actividade administrativa – nela incluída a administração fiscal (cfr. artigos 7º do CPA, 55º da LGT e 266º nº 2 da CRP). 548. Destarte, a AT, ao impor à Impugnante, para aceitação da dedução de imposto, o cumprimento de obrigações acessórias completamente desproporcionadas – e, aliás, totalmente desadequadas face aos objectivos da norma, como acima se explicitou - viola frontalmente o princípio da proporcionalidade administrativa. 549. O que conduz, por um lado, à anulabilidade de tais liquidações, por violação de lei. 550. E, por outro, à inconstitucionalidade material do artigo 78º nº 5 do CIVA, na interpretação segundo a qual, para que um sujeito passivo proceda à regularização de imposto, seria obrigado a dar conhecimento da redução/dedução do IVA a todos os seus clientes, mesmo que estes fossem consumidores finais e, por isso, não tivessem deduzido o IVA inicialmente liquidado nas compras que efectuaram - por violação do sobredito princípio da proporcionalidade. Assim, 551. Também esta correcção padece de erro nos pressupostos de facto e de vício de violação das sobreditas disposições legais, como bem se considerou na douta Sentença recorrida. Sem prescindir, a título subsidiário, 552. Como resulta da douta Sentença recorrida, esta não conheceu de todas as questões e vícios imputados às correcções/liquidações de IVA/JC, dado que esse conhecimento/apreciação ficou prejudicado pela procedência dos demais (artigo 608º nº 2 do CPC). Por conseguinte, em caso de provimento total ou parcial do presente recurso, o que só por mera hipótese se admite, devem essas outras questões e vícios imputados às correcções e liquidações (de IVA e JC) ser objectivo de apreciação judicial. 553. O que comportaria a baixa dos presentes autos à 1ª Instância para apreciação dessas demais questões e vícios – com eventual alargamento prévio da matéria de facto provada. Nomeadamente, alegou a Impugnante/Recorrida que: 554. Conforme se deduz do teor das liquidações adicionais de IVA e juros em crise, estas foram efectuadas ao abrigo dos artigos 87.º n.º 1 e 96.º n.º 1 do CIVA, respectivamente - anteriores 82.º n.º 1 e 89.º n.º 1, respectivamente. 555. Como igualmente se extrai dessas liquidações, foram efectuadas liquidações adicionais relativamente aos meses de Abril a Dezembro de 2009, e do mês de Janeiro de 2010. 556. Ora, nos períodos de Agosto a Dezembro de 2009, a Impugnante não autoliquidou imposto a pagar, mas, outrossim, imposto a receber do Estado (crédito de IVA), nos montantes de: - €153.017,55 em Agosto; - €187.984,23 em Setembro; - €472.160,13 em Outubro; - €381.576,05 em Novembro; - €479.727,69 em Dezembro, 557. E, relativamente ao mês de Janeiro de 2010, a Impugnante tinha um crédito de IVA no montante de €471.833,64. 558. Ao abrigo do artigo 22.º n.º 4 do CIVA, a Impugnante reportou esses créditos para os períodos subsequentes. 559. Nestes casos particulares, de alegada dedução indevida de IVA e autoliquidação de imposto a receber, não está em falta qualquer imposto junto do Estado. 560. Com efeito, nestas situações, as correcções deveriam traduzir-se, não em liquidações adicionais de IVA e juros, atento o total das correcções, mas em correcções aos créditos de IVA autoliquidados, com a consequente diminuição desses créditos, 561. ou, quando muito, e na medida em que tal sucedesse, mediante liquidação adicional, mas apenas do remanescente que fosse além desses créditos autoliquidados. 562. O que não é o caso, uma vez que o valor do IVA aqui corrigido é inferior aos créditos de IVA autoliquidados em qualquer dos períodos mensais de 2006. 563. Não tendo assim procedido, os valores liquidados pela AF estão errados e violam as sobreditas disposições legais. 564. Ora, sobre este tema a douta Sentença não emitiu qualquer pronúncia, como dela se retira. Finalmente 565. Afirma a douta Sentença que “Por despacho judicial de 20.07.2015 (cf. fls. 680 e 681 dos autos, numeração referente ao processo físico) devidamente notificado às partes (cf. notificações constantes de fls. 683 e 684 dos autos, numeração referente ao processo físico), decidiu-se pelo afastamento da necessidade de utilizar o requerido mecanismo do reenvio prejudicial.”. 566. Ora, salvo o devido respeito, naquele despacho admitiu-se a possibilidade daquela posição “poder vir a ser revista”. 567. Por conseguinte, o mecanismo do reenvio prejudicial ao TJUE pode e deverá ser utilizado para esclarecimento das questões interpretativas do normativo da União Europeia suscitadas na PI, ou de quaisquer outras que este Venerando TCAN repute convenientes. Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., negando provimento ao presente recurso, mantendo a douta Sentença recorrida, julgando a presente Impugnação procedente e, consequentemente, mantendo a anulação das liquidações aqui impugnadas, V. Exas., como sempre, farão inteira JUSTIÇA» 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 1735 do SITAF, aderindo à fundamentação da douta sentença recorrida, bem como ao teor do parecer do Ministério Público proferido em primeira instância, pugnando pela improcedência do recurso. 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. Questões a decidir: Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida: (i) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao dar como não provado que “Os valores debitados pela [SCom02...] e a impugnante aos fornecedores correspondiam à contrapartida de serviços prestados pelas primeiras.”, valorando a prova testemunhal em detrimento do conteúdo da prova documental; (ii) do erro de julgamento de direito ao julgar procedente a impugnação quanto às liquidações oficiosas de IVA relativas aos serviços promocionais e outros, de que os fornecedores da Impugnante beneficiaram em conformidade com o contrato das condições gerais de fornecimento, assente de que estamos perante “descontos” e não enquanto prestações de serviços; (iii) do erro de julgamento de direito na qualificação dos valores indevidamente regularizados a favor da Recorrida, resultantes da utilização de talões de desconto como meio de pagamento e pela utilização de vales de combustível como meios de pagamento [artigos 16º, n.º 6, al. b) e 78º, n.º 5 do CIVA]. E, em caso de procedência do recurso, cumpre conhecer do pedido subsidiário formulado pela Recorrida. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 De facto 2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação: «Factos Provados: 1. A impugnante, [SCom01...], S. A., é uma sociedade anónima, constituída em fevereiro de 2009, que se encontra enquadrada no regime geral para efeitos de IRC e no regime normal de periodicidade mensal para efeitos de IVA, encontra-se registada para o exercício de comércio a retalho em supermercados e hipermercados, correspondendo-lhe o CAE 047111, com objeto de “todo o comércio retalhista e armazenista, nomeadamente a exploração de centros comerciais, grandes armazéns, charcutarias, confeitarias, cafés, restaurantes, padarias, talhos, relojoarias e ourivesarias e ainda as indústrias de confeitaria, padaria, charcutaria e outras pequenas industrias e a distribuição em livre serviço, bem como a importação de todos os bens destinados ao comércio retalhista, e ainda a prestação de serviços a outras empresas” – cf. relatório de inspeção tributária constante de fls. 80 e seguintes do processo administrativo apenso aos autos; 2. A impugnante foi alvo de uma acção de inspecção externa, incidente sobre o exercício de 2010, em cumprimento da ordem de serviço OI20......01, cujo âmbito foi alargado, dado que o reporte de imposto vinha a avolumar-se, passando assim, com nova assinatura em 05.08.2010, a alargar-se ao exercício de 2009, sendo a análise de âmbito geral, de onde resultou o respectivo Relatório de Inspecção Tributária (RIT), datado de 11.11.2010 – cf. relatório e inspeção tributária, constante de fls. 80 e seguintes do processo administrativo apenso aos autos; 3. Em resultado da acção inspectiva referida em “1.”, foram efectuadas liquidações adicionais de IVA nos valores de €7.723,26, €19.981,33; 46.363,52; €55.724,75; €60.499,80; €36.059,05, €54.204,75, €81.963,77; €196.122,33 e €93.780,26 (num total de imposto de €652.422,82) e respectivos juros compensatórios, nos montantes de €437,58; €1.070,78; €2.327,07; €2.607,61; €2.618,90; €1.446,31; €1.995,92; €2.730,63; €5.889,04 e €2.507,66 (num total de juros de €23.631,50) perfazendo o montante global de €676.054,32 – cf. cópias das respetivas liquidações de imposto e de juros compensatórios, juntos como doc. 1 e doc. 2 juntos com a Petição Inicial a fls. 290 a 311 dos autos, numeração referente ao processo físico, para cujo integral teor se remete e o qual se dá por reproduzido para todos os efeito legais. 4. Do relatório de inspecção, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, na parte dedicada à fundamentação das correcções à matéria colectável, o seguinte: “III.1 IVA em falta pela não liquidação de imposto nas Prestações de Serviços A maioria das aquisições da [SCom01...] é efetuada através da [SCom02...] ([SCom02...], S. A.), que funciona como central de compras, ou seja, adquire aos fornecedores e “repassa” para as empresas do grupo as mercadorias que lhes são destinadas. Para o efeito, a [SCom02...] e as suas representadas, onde está inserida a [SCom01...], celebram com os seus fornecedores Contratos Gerais de Fornecimento (…) Assim, à luz destes contratos são emitidas Notas de Débito aos fornecedores, contendo as diversas rubricas (tais como rappel, animação promocional loja, competitividade preço, descontos quantidade…) e que são tratadas pela [SCom01...] como descontos, por terem como base de cálculo as compras. Desta forma, a [SCom01...] recebeu dos seus fornecedores, durante o ano de 2009 e janeiro de 2010, entre outras, as seguintes verbas, considerando-as como descontos: Quadro 1
Dos valores apresentados no quadro 1, cerca de 87% em 2009 e 94% em janeiro de 2010 (anexo 2), correspondem aos débitos efetuados pela [SCom02...] aos fornecedores e posteriormente “repassados” através da emissão de Notas de Crédito (anexo 3) à [SCom01...]. O remanescente, respeita também a notas de crédito (anexo 4), emitidas por outras entidades do Grupo «...X...» à [SCom01...], bem como notas de débito (anexo 5) emitidas pelo Sujeito Passivo diretamente aos fornecedores, conforme foi referido no ponto 8 dos esclarecimentos prestados no dia 5 de agosto de 2010. Estas operações não estão a ser objeto de liquidação de IVA, assim nas Notas de Débito consta a indicação “sem IVA – n.º2 do art. 78º do código do IVA” e nas Notas de Crédito não é indicado qualquer normativo justificativo de não liquidação de IVA. Contabilisticamente, a [SCom01...] trata estas verbas como descontos auferidos, creditando consoante o tipo de rubrica, as respetivas subcontas da conta de Descontos e Abatimentos em Compras (318…), (…) (…) Voltando à questão da caraterização/tipificação das verbas, e não obstante ter sido referido que “não existe motivo aparente para procederem a tal detalhe e que na prática corresponde tudo a descontos de quantidade”, ou seja rappel, estas operações assumem a natureza de prestações de serviços. De facto, conforme se observa pela análise do Quadro II (…) a resposta fornecida pela [SCom01...] é esclarecedora, uma vez que o âmbito destas verbas é distinto, pois referem-se a ações promocionais; ações para garantirem a competitividade; otimização de gestão de stocks (…) as quais são relevadas contabilisticamente em rubricas diferentes. Por outro lado, e atendendo a que os fornecedores também são parte interveniente nos Contratos Gerais de Fornecimento, efetuou-se semelhante pedido de esclarecimentos a alguns deles (…) (…) Pelo exposto se conclui que estes débitos aos fornecedores, mais não são do que contrapartidas dadas à [SCom02...] e suas representadas, pela participação em programas de atividades promocionais que alavancam as vendas, acesso facilitado aos pontos de venda, acesso a estudos de mercado/análise de preços concorrentes, recolha das mercadorias no fornecedor ou entrega mais centralizada das mesmas, apoio no lançamento de novos produtos, contratação de espaço para divulgação dos produtos dos seus fornecedores, etc…, cujo objetivo é aumentar as vendas. Assim, conclui-se ainda que não estamos perante descontos comerciais, mas sim serviços prestados, individualizados em rubricas específicas, contabilizados pelo Sujeito Passivo em diferentes subcontas da contabilidade geral, consoante a contrapartida auferida, independentemente do seu valor ser calculado em função das compras ou de qualquer outro critério estabelecido livremente pelas partes. De facto, trata-se de verbas perfeitamente distintas e autónomas, sendo que cada uma delas tem subjacente uma determinada realidade/objetivo e por essa mesma razão cada contrato é negociado individualmente com cada um dos fornecedores e logicamente nem todos os fornecedores têm as mesmas verbas negociadas, isto é, cada uma das diferentes condições é negociada casuisticamente. Desta forma, estes valores não correspondem a qualquer anulação ou redução do valor da compra, como por exemplo o rappel, em que o fornecedor do bem ou prestador de serviço poderá efetuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificaram as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável, nos termos do n.º2 do art. 78º do CIVA Assim, no que respeita às verbas identificadas no quadro I, face a toda a análise efetuada, a situação factual é a de que estamos em presença de “Prestações de serviços”. O conceito de prestações de serviços adotado pelo CIVA encontra-se definido expressamente no seu art. 4º (…) Trata-se, portanto, de um conceito de caráter residual, que abrange todas as operações decorrentes da atividade económica, não excluídas por definição. Assim, apesar destas verbas serem consideradas como descontos auferidos, tais operações não perdem, por isso, as características que, para efeitos de IVA, as qualificam como prestações de serviços. Observados os conceitos de transmissões de bens e prestações de serviços, estabelecidos nos artigos 3º e 4º do CIVA, respetivamente, e cumpridas as condições referidas na alínea a) do n.º1 do art. 1º do mesmo diploma, pode concluir-se que estas operações são efetivamente de tributar. Por outro lado, convém referir que as Notas de Créditos emitidas pela [SCom02...], respeitam a serviços prestados pela [SCom01...] e que por sua vez permitiram à [SCom02...] prestar serviços aos fornecedores. Assim, a [SCom01...] deveria ter emitido a Nota de Débito correspondente, nos termos do art. 36º do CIVA, não obstante da [SCom02...] emitir a Nota de Crédito, pois esta deve ser entendida como um documento de controlo interno e não como o documento apropriado para documentar a operação que consiste na prestação de serviço da [SCom01...] à [SCom02...]. Deste modo a liquidação do imposto a exigir à [SCom01...] respeita aos que deveria ter sido liquidado em documento por si emitido, logo considerar as notas de Crédito tem apenas subjacente a utilização dos elementos delas constantes para efeitos de caracterização e valoração das operações realizadas. Pelo exposto, atendendo aos valores destas prestações de serviços, por aplicação das taxas gerais do IVA em vigor à data dos factos (art. 18º, n.º1 c) do CIVA), obtém-se os seguintes valores de imposto em falta, por transgressão ao disposto no art. 27º do CIVA:
III.2 IVA indevidamente regularizado a favor da empresa, decorrente da emissão de “descontos artigo”, “descontos bónus” e “descontos Marca 2...” aos clientes. Com vista a fidelizar os seus clientes a [SCom01...] adotou uma política de concessão de “descontos” acumuláveis no designado “Cartão Marca ...” rebatidos em compras posteriores, efetuadas “… em qualquer loja Marca ..., Marca 3..., Marca 4..., como meio de pagamento e, em valor de compras igual ou superior ao valor de descontos usado. (…) Celebrou também uma parceria com a Marca 2..., tendo ficado acordado que os clientes que efetuem compras em lojas da [SCom01...] podem beneficiar de “descontos” no abastecimento de combustíveis nos postos Marca 2...; por sua vez, pelos abastecimentos nos postos Marca 2... são emitidos talões de “desconto” que poderão ser utilizados pelos clientes como meio de pagamento para rebater ao valor a pagar em determinada compra a efetuar nas lojas da [SCom01...]. Tais campanhas, consistem numa promessa de desconto, cuja posse dos talões Marca 2... ou do Cartão Marca ... titula um direito que só se efetiva mediante determinadas condições, (sendo a principal a de efetuar uma segunda compra), e que depende da vontade do cliente. (…) “Descontos Artigo” Corresponde à promessa de “descontos” pela compra de determinado artigo que se encontra identificado na prateleira, desconto esse que só se efetiva se o cliente realizar uma segunda compra; Assim, a primeira compra origina a emissão do direito ao desconto, acumulável no Cartão Marca ..., pelo que nesta fase o direito atribuído não tem qualquer tradução financeira, ou seja, o cliente pagou a totalidade das compras, sem qualquer dedução e no que respeita ao IVA, este é liquidado pela totalidade. É ainda nesta fase que a [SCom01...] procede ao registo a débito na conta 71872100 – Des. Abat-Int-Art/Cartão por contrapartida da 26804800 – CartãoClienteEmpresas, pelo valor dos descontos emitidos e paralelamente estima o IVA com base nessas mesmas compras, registando esse valor a débito da rubrica 26805357-IVA-Desc-Cart.CI.Emp por contrapartida da 71680300 – Vnd-IVADC-int-Art/CA. Este procedimento tem como consequência a diminuição dos resultados (proveitos) pelo valor da promessa de desconto, sem IVA A regularização do IVA a favor da empresa só ocorre se e quando os clientes utilizarem/rebaterem o saldo acumulado no cartão numa aquisição posterior, regularização essa pelos montantes de IVA relativos aos produtos que estiveram na origem da concessão dos descontos, ou seja, retroage ao momento da compra inicial. Assim, no momento da utilização/rebatimento, a [SCom01...] procede ao registo contabilístico do débito, por taxas de IVA, das contas 243410xx-IVA regularizações a favor da empresa, por contrapartida a crédito da 26805370-IVA-Desc-cart.CI.Emp. Descontos Bónus Corresponde à emissão de vales (…) e que o cliente apresenta no momento de pagar determinada compra e que originam um crédito, no valor resultante da aplicação de uma percentagem ao total dessas compras, acumulável no cartão Marca .... (…) O valor do IVA regularizado, resulta da ventilação pelas taxas de IVA suportado nestas compras. Descontos Marca 2... Igualmente com vista a fidelizar os seus clientes, foi celebrado conforme referido anteriormente, um Acordo de Parceria com a empresa [SCom03...], S. A., onde se pode ler que as partes “… identificam conjuntamente uma oportunidade de desenvolvimento de uma parceria no âmbito do negócio de combustíveis de Marca 2... que possibilitará assegurar um feeding de clientes simultaneamente às lojas Marca 4..., exploradas sob as insígnias “Marca ...” e “Marca 3...” e aos postos de abastecimento aderentes. Genericamente: Tais campanhas consistem na entrega ao cliente, pelas Lojas da [SCom01...], de um vale pela compra de produtos (…), equivalente a um determinado valor fixo por litro de combustível rebatível numa compra subsequente de combustível nos postos Marca 2... aderentes. Por seu turno, na referida compra subsequente, esse posto Marca 2... entrega ao cliente um vale (…) rebatível numa compra futura a realizar nas lojas do Sujeito Passivo sob inspeção. (…) Ou seja, tal como acontece com os “Descontos Bónus”, a regularização do IVA é calculada tendo por base as compras efetuadas no momento da utilização/rebatimento dos “descontos”, ou seja, existe ventilação pelas taxas de IVA, porque o desconto não está associado a um artigo específico. A [SCom01...] considera que os “descontos” acumuláveis no cartão como descontos comerciais concedidos aos clientes aquando da compra/operação inicial, isto é, são “descontos2 concedidos após a emissão do talão de venda/fatura relativo à transação inicial, o que significa que no momento do rebate dos créditos o valor tributável da operação inicial é reduzido, e consequentemente procede à regularização a sue favor da parcela de IVA contida nesses mesmos “descontos”. No entanto, estes “descontos” bem como os “descontos Marca 2...” assumem caraterísticas que os afastam das terminologias, reconhecidas e tratadas no POC, associadas aos: • Descontos comerciais (obtidos na compra e venda de mercadorias/produtos, nomeadamente rappel, bónus, desconto de quantidade, de revenda) • Bem como, aos descontos financeiros (descontos obtidos e concedidos em pagamentos, nomeadamente de pronto pagamento) Uma vez que o valor nominal corresponde ao “desconto”. De facto, a redução do preço de compra não é um desconto financeiro, por razões óbvias, nem comercial pois não se enquadra em nenhuma das designações enumeradas, pelo que estes “descontos” funcionam como meros meios de pagamento. Neste sentido não está em causa a concessão de “descontos”, pelo que fica prejudicada a regularização do IVA a favor da empresa, nos termos do n.º2 do artigo 78º do CIVA. No entanto, ainda que estes “descontos” fossem enquadrados nos descontos/abatimentos referidos no n.º5 do art. 78º do CIVA, como a empresa o fez, também não cumpriam as formalidades exigidas, uma vez que não dão a conhecer ao cliente, seja ele Sujeito Passivo ou não, que o IVA está a ser regularizado a favor da [SCom01...]. (…) Neste sentido e no uso destas competências, o legislador nacional, através da norma supracitada, definiu que o fornecedor (no caso a [SCom01...]) não sendo obrigado a proceder à regularização do imposto, se o fizer tem de estar habilitado a provar que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto respetivo (n.º5 do art. 78º), recaindo sobre si (a [SCom01...]) o ónus da prova. Caso a [SCom01...] não disponha de tal prova, o que acontece no caso em apreço, a respetiva dedução considerar-se-á indevida. (…) Concluindo No caso em apreciação, o adquirente (quer seja ou não consumidor final) não toma conhecimento da retificação do imposto, como já se demonstrou, dado que os “descontos” são utilizados como uma mera forma de pagamento. De facto, os três tipos de “descontos” não são mais do que títulos que incorporam um direito a um “desconto” se cumpridas determinadas condições. É uma promessa de “descontos” que depende da vontade do próprio cliente. É ainda de realçar o aspeto de que, no caso dos talões da Marca 2..., não levanta quaisquer dúvidas quanto a ser um título livremente transmissível; quanto ao Cartão Marca ..., constatou-se na deslocação efetuada ao Loja ..., que o procedimento de confirmar que o utilizador do cartão é o titular, não está instituído, logo a intransmissibilidade do mesmo não está garantida. Por outro lado, convém relembrar que o desconto mencionado no talão de venda, não discrimina o valor base nem o IVA associado; quanto à fatura nem sequer faz menção a qualquer desconto/abatimento ao valor pago, ou crédito a acumular no cartão Marca ... e a rebater numa futura compra; pelo que, o adquirente desconhece qual o valor real da transação, bem como do IVA associado. Esta situação contraria as disposições em matéria de IVA em que para determinação da matéria coletável de IVA o conceito central é o da “contrapartida”, que consta do art. 11º A, n.º1ª) da Sexta Diretiva, vertido no nosso ordenamento jurídico no art. 16º do CIVA. Assim, o valor tributável deveria refletir o desconto concedido, ou seja, o desconto deveria ser abatido à base tributável no momento em que a operação se realiza e o desconto se concretiza, cumprindo-se deste modo o preconizado nos n.º1 e 6 do art. 16º do CIVA e jurisprudência comunitária conexa. Ainda que na esfera da [SCom01...] toda esta informação possa esta acessível e seja passível de controlo, tal não é suficiente para o exercício do direito á dedução/regularização do imposto se, concomitantemente dela, não for dado conhecimento aos seus clientes/adquirentes e se a [SCom01...] não estiver na posse dessa prova, pelas razões anteriormente aduzidas. Desta forma, o procedimento efetuado pela [SCom01...] penaliza o estado, uma vez que o adquirente Sujeito Passivo pode deduzir o IVA constante de uma fatura que, posteriormente, foi objeto de regularização/redução do seu valor tributável. Por outro lado refira-se que, em parte estes créditos são reportados aos fornecedores, conforme se pode observar pelas Notas de Débito emitidas pela [SCom01...] aos fornecedores (anexos 3 e 5), sendo de realçar que não mencionam qualquer sujeição/regularização do Imposto sobre o Valor Acrescentado Desta forma, se conclui que de todos os intervenientes na cadeia de distribuição (fornecedores, intermediários e consumidores), apenas se verifica a regularização do IVA pelo intermediário, ou seja, pela [SCom01...]. Assim, sendo o IVA um imposto geral, que visa tributar todo o consumo em bens materiais e serviços, e que assume também entre outras a caraterística de ser um imposto neutro, a situação descrita põe em causa a neutralidade do imposto, sendo esta conseguida através do exercício do direito à dedução ou crédito de imposto. Pelo exposto, apuraram-se correções ao valor do IVA regularizado a favor da empresa, tendo por base os descritivos (…) constante dos extratos das seguintes subcontas de IVA: • 24341002 (…) • 24341004 (…) • 24341020 (…) Assim, foram apuradas as correções mensais em sede de IVA, conforme Anexo 9, e que ascendem a:
5. A impugnante integra-se num grupo de empresas detida a 100% pela [SCom04...] SGPS, S.A., indirectamente através da participada desta [SCom05...], SGPS, S.A. – cf. relatório de inspecção tributária (página 4), concretamente a fls. 83 verso do processo administrativo apenso aos autos. 6. As aquisições de bens aos fornecedores pela impugnante, eram realizadas a coberto de contratos gerais de fornecimento, celebrados pela [SCom02...], S.A ([SCom02...]) e cada uma das empresas do grupo, estas representadas pela primeira, com cada um dos fornecedores e nos quais se estabeleciam as obrigações a impender sobre cada uma das partes - cf. relatório de inspecção tributária, incluindo contrato n.º 2010-39474 contido no anexo 1 ao RIT, fls. 91 a 98 verso do processo administrativo apenso aos autos documento cujo integral teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais; e ainda dos depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos. 7. No âmbito do contrato geral de fornecimento, a [SCom02...] emitia mensalmente notas de débito sobre os fornecedores, pelo valor dos descontos obtidos nos bens transacionados e resultantes desse mesmo contrato ou de outros acordos ou documentos complementares – cf. depoimentos das testemunhas e, exemplificativamente, notas de débito constantes do doc. 5 junto com a Petição Inicial e anexo 7 ao RIT, documentos para cujo integral teor se remete e o qual se dá por reproduzido para todos os efeitos legais; 8. A impugnante e a [SCom02...] repassava às empresas do grupo os bens adquiridos, assim como os valores dos descontos debitados aos fornecedores, através de notas de crédito mensalmente emitidas a favor daquelas - cf. anexo 5 ao relatório de inspecção, concretamente a fls. 106 do processo administrativo apenso aos autos. 9. Os valores debitados eram discriminados por referência às seguintes rubricas, constantes do descritivo genérico das notas de débito: abono frete, animação promocional loja; acordo cooperativo; competitividade de preço; desconto cartão cliente; promoção permanente; COM; desc. Quantidade (S/ devolução e loja); quantidade; rappel e reforço competitividade - notas de débito constantes do anexo3 e 4 ao RIT, fls. 104 e 105 do processo administrativo apenso aos autos, documentos para cujo integral teor se remete e o qual se dá por reproduzido para todos os efeitos legais; 10. Em função da natureza do seu negócio, a [SCom02...] e as participadas contratavam com um número muito vasto de fornecedores – cf. depoimentos das testemunhas. 11. A [SCom02...] e as participadas contratualizavam anualmente com os respectivos fornecedores descontos de quantidade nas aquisições de bens, o que lhes permitia praticar preços mais competitivos junto do consumidor final e assim angariar mais clientela – cf. depoimentos das testemunhas. 12. Os contratos gerais de fornecimento acordados destinavam-se a fixar as condições objectivas e concretas a observar nesses mesmos fornecimentos, assegurando a previsibilidade dos descontos de que a [SCom02...] e as participadas beneficiariam junto dos fornecedores, em virtude das aquisições realizadas – cf. contrato de fornecimento, a título exemplificativo, já mencionado em 6., também referidos pelas testemunhas inquiridas nos autos. 13. Os fornecedores beneficiavam igualmente da atribuição desses descontos, uma vez que os mesmos consubstanciavam a possibilidade de transacionar com a [SCom02...] e as suas participadas, entre as quais se inclui a impugnante, as quais, por sua vez, representavam uma cadência regular e um largo volume de aquisições e, por conseguinte, o escoamento dos seus produtos no mercado em larga escala – cf. depoimentos das testemunhas. 14. Aos descontos efectuados não correspondia, além do mencionado em “13”, qualquer outra contrapartida, designadamente relativa a publicidade, exposição ou marketing – cf. depoimentos das testemunhas. 15. Todos os descontos discriminados da forma descrita em “9.” eram calculados através de uma percentagem negociada com todos e cada um dos fornecedores, aplicada ao volume de compras – cf. depoimentos das testemunhas. 16. A discriminação dos descontos por referência a diferentes rubricas, conforme descrito em “9.”, era justificada por razões de controlo interno e por motivos de ordem comercial e tinha como finalidade permitir a diferenciação entre a actuação dos vários departamentos encarregados do aprovisionamento – cf. depoimentos das testemunhas. 17. Os serviços prestados pela [SCom02...] e as participadas, incluindo a [SCom01...], relativos a publicidade, exposições eventos de marketing, etc., eram objecto de tratamento autónomo (as RDC – receitas diversas correntes) – facto que resulta dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas nos autos; 18. Com vista à fidelização dos seus clientes, a impugnante desenvolveu uma ação de emissão de talões de desconto a ser utilizados numa venda posterior – facto que resulta dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas nos autos; 19. O benefício conferido pelos descontos atribuídos por estes talões só é usado pelos clientes aquando da compra posterior à sua emissão – facto alegado pela impugnante e que resulta dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas nos autos; 20. Através de uma parceria comercial estabelecida com a [SCom03...], esta procede à emissão de talões de desconto, rebatíveis nas lojas da impugnante – facto alegado pela impugnante na Petição Inicial, que não foi posto em causa pela AT e que resulta demonstrado, também, pelos depoimentos das testemunhas inquiridas nos autos; 21. Estes talões emitidos pela Marca 2... conferem descontos aos clientes da impugnante, que são usados numa compra realizada nas suas lojas – facto alegado pela impugnante que não é contestado pela AT e que resulta dos depoimentos restados pelas testemunhas inquiridas nos autos; 22. Em 22.03.2011, a impugnante prestou garantia, na forma de fiança, prestada pela sociedade [SCom04...], SGPS, S.A., pelo valor de €859.905,09, em ordem à suspensão do processo de execução fiscal nº .............250, que corre termos no Serviço de Finanças ..., relativos a IVA dos anos 2009 e 2010 – cf. doc. nº 12 junto pela impugnante com a Petição Inicial constante de fls. 626 dos autos, numeração referente ao processo físico, documento para cujo integral teor se remete e o qual se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. *** Factos não Provados: A) Os valores debitados pela [SCom02...] e a impugnante aos fornecedores correspondiam à contrapartida de serviços prestados pelas primeiras. Nada de mais se provou com relevância para a decisão a proferir. *** Motivação: A convicção do tribunal baseou-se nas posições assumidas pelas partes nos articulados, nos documentos constantes dos autos, bem como na prova testemunhal produzida, analisados criticamente à luz das regras da experiência. Refere-se, no que respeita ao facto provado n.º5, que constitui o relatório de inspeção aduaneira aí coligido, um documento autêntico (cf. artigo 371.º, n.º 1 do Código Civil), na medida em que é exarado por funcionário da Autoridade Tributária e Aduaneira, no âmbito e exercício das respetivas funções, o qual tem força probatória plena relativamente aos factos afirmados como sendo praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira ou com base na perceção dos seus órgãos e que apenas pode ser ilidida nos termos da lei, sendo que os juízos conclusivos aí considerados só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do tribunal, segundo a sua prudente convicção, atenta a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova (cfr. artigo 76.º, n.º 1 da LGT e artigos 363º e ss. do Código Civil e 607.º, n.º 5 do Código do Processo Civil). O teor dos documentos que suportam os factos dados como provados, enquanto tais, foi corroborado pelos depoimentos das testemunhas arroladas pela impugnante e que foram inquiridas nos presente autos. Aqueles depoimentos, porque prestados de forma clara e convicta, demonstrando conhecimento da realidade que decorre dos factos que esclareceram, afiguraram-se, por isso, credíveis e consistentes, pelo que foram decisivos para a valoração do conteúdo dos documentos juntos aos autos e em particular para a valoração relativa de uns em face de outros. Na verdade, em face do conjunto dos depoimentos prestados, impôs-se valorizar a tese que apontava no sentido de aqueles valores respeitarem a verdadeiros descontos de quantidade. Concretizando, as quatro testemunhas inquiridas, «AA», «CC»; «DD» e «BB», apresentaram-se de forma segura e convincente no que respeita à generalidade dos procedimentos adotados entre a impugnante e os fornecedores, quanto à tradução prática e concreta das condições contratualizadas e designadamente das relativas à faturação e relações creditórias e debitórias entre a [SCom02...], as empresas do grupo e os respectivos fornecedores. Nesta conformidade, temos que a testemunha «CC», a exercer as funções de contabilista na «...X...», esclareceu prestar apoio nas inspeções tributárias de todo o grupo «...X...», e que acompanhou a presente ação inspectiva na origem das liquidações adicionais em causa nos presentes autos, depôs de modo coerente e seguro, revelando conhecimento sólido da factualidade em causa, em consonância com o desempenho das funções referidas junto da impugnante, explicitando detalhadamente as questões relativas à celebração dos contratos de fornecimento, ao modo de processamento contabilístico das aquisições, das “repassagens” e dos descontos obtidos. Foi esta testemunha particularmente explícita quanto ao tratamento contabilístico do desconto e à sua repercussão no valor de compra do produto, assim como no respectivo preço de venda. «BB», depôs também de forma reputada por credível, revelando conhecimento direto da factualidade em causa, em virtude do exercício de funções no grupo «...X...» e da sua intervenção nas negociações levadas a cabo pela sua entidade patronal, com as diversas empresas fornecedoras, e que culminam com a celebração destes contratos gerais de fornecimento. O seu depoimento revelou-se especialmente relevante no que respeita à matéria que envolve as negociações conducentes à celebração dos contratos gerais de fornecimento. Referiu a testemunha que estas negociações decorrem com periodicidade anual e têm em vista a obtenção da mais larga margem de desconto possível, em contrapartida da aquisição de maiores volumes e, por conseguinte, da venda de maiores quantidades de produto, nos estabelecimentos da impugnante. Explicou ainda, com importância para a boa decisão da causa, que a divisão dos descontos em várias rubricas, além de facilitar as negociações, por não se falar imediatamente em negociar os percentuais de rappel. Por vezes eram mesmo as empresas fornecedoras a sugerir novas rubricas. Não deixa margem para qualquer dúvida ao afirmar que se tratava, sempre, de descontos sobre compras, com referência única e exclusiva sobre o valor total das compras, as rubricas inseridas nos contratos não representam qualquer tipo de correspetividade relativa a qualquer tipo de prestação de serviços pela impugnante. Por seu turno a testemunha «AA», que desempenhou funções no grupo «...X...» durante 30 anos, até 2015, de responsável pela contabilidade de várias empresas entre as quais se incluiu a impugnante, depôs de forma igualmente credível, mostrando conhecimento profundo de todos os factos sobre os quais foi questionado, referiu também, em linha com o que foi dito pela testemunha «BB», que as diferentes denominações dos descontos traduzem uma técnica comercial, que ajuda nas negociações com os fornecedores, porém, todos correspondem a descontos sobre compras, que podem ser proporcionais (à quantidade vendida) ou condicionais (que dependem de se atingir determinada quantidade). Por vezes quando não se consegue atingir o desconto inicialmente idealizado, a [SCom02...] recorre a estas rubricas (designações usadas para indicar sempre descontos), para assim conseguir atingir o seu objetivo, não atingido pelo rappel aplicado àquelas quantidades. Esclareceu que as prestações de serviços, designadamente os “topos” ou a inserção em catálogos não se confundem com estes descontos de rappel. Resulta, ainda, destes depoimentos prestados nos autos, designadamente a testemunha «CC», que esclareceu, ainda, a forma como são contabilizados os descontos, sendo que a [SCom02...] funciona como uma central de compras para outras empresas, entre as quais se inclui a impugnante, sendo que os descontos são atribuídos a cada uma das sociedades do grupo, onde, mais uma vez, se inscreve a impugnante, sempre proporcionalmente às vendas por elas efectuadas. O teor dos depoimentos testemunhais referido foi, assim, particularmente relevante para a prova dos factos enunciados sob os números 10 a 17, os quais seriam insusceptíveis de se provar unicamente com recurso à prova documental. Por outro lado, os mesmos depoimentos foram decisivos para que se infirmasse o facto atinente à correspetividade entre os valores debitados e a prestação de serviços pela impugnante, que, assim, se deixou elencado sob o título dos factos não provados. No que concerne à emissão e utilização de talões titulando descontos, rebatidos em compras posteriores; ou emitidos por terceiros e usados/deduzidos em compras realizadas nas lojas da impugnante, relevaram os depoimentos das testemunhas, principalmente «AA» e «CC», que revelaram conhecer as políticas comerciais da impugnante no que respeita às campanhas de descontos concedidos aos seus clientes, através da emissão de talões de descontos ou da aceitação de talões emitidos por uma entidade terceira, neste caso pela Marca 2..., foram, assim, nesse aspeto, levados em conta pelo tribunal, concretamente na fixação dos factos 18, 19, 20 e 21. Estas testemunhas revelaram saber que, numa venda realizada em qualquer uma das suas lojas, a impugnante emite talões de desconto, a ser usados pelos seus clientes numa compra posterior. Esta é uma forma encontrada pela impugnante de manter os seus clientes fidelizados, corporizando aqueles talões uma promessa de desconto a realizar, ao cliente, numa segunda venda. Explicaram o tratamento contabilístico dado às compras realizadas, por força das quais foi emitido o talão de desconto a usar no futuro, as quais se mantêm numa conta provisória, onde se mantêm até ao termo do prazo de utilização do talão que corporiza o desconto. Nessa altura, se o talão não foi usado, tudo se passa como em qualquer outra compra normal, sem qualquer outro movimento, aquela compra passa para uma conta definitiva, sem qualquer nuance; no caso da utilização do talão de desconto, o mesmo é imputado àquela venda que determinou a sua emissão. De forma clara e evidente, explicaram que é possível associar cada talão emitido à compra original, pelo que não há qualquer dificuldade em associar o desconto à mesma, imputando-o nos termos em que foi concedido, aos produtos a que refere. Mais explicaram que, no âmbito de uma parceria comercial celebrada com a [SCom03...], passaram a aceitar talões de desconto emitidos nos postos de abastecimento daquela, os quais são rebatidos nos valores de compras realizadas pelos seus clientes, nas suas lojas.» 2.2. De direito In casu, a Recorrente (Autoridade Tributária e Aduaneira) não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário do Porto pela qual foi julgada procedente a impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IVA referentes ao ano de 2009 e 2010 e respectivos juros compensatórios, no valor global de € 676.054,32. O cerne da lide, divide-se em dois parâmetros, conforme decorre da dicotomia da fundamentação em que assentam as correções e da delimitação do conhecido pelo tribunal a quo, que passa num primeiro momento (i) por considerar se os valores debitados aos fornecedores da Recorrida ([SCom01...]), são descontos sobre compras e como tal estão excluídos de IVA nos termos do artigo 16º, nº 6, al. b) do CIVA, versão da recorrida, ou, se aqueles valores debitados são uma contrapartida de prestação de serviços, de acordo com os artigos 1º nº1 a) e 4º nº 1 do CIVA e como tal sujeitos a tributação em sede de IVA, posição sustentada no RIT que deu origem às liquidações adicionais e mantida em sede de recurso pela Fazenda Pública e, num segundo momento, (ii) da qualificação dos valores indevidamente regularizados a favor da impugnante, resultantes da utilização de talões de desconto como meio de pagamento e pela utilização de vales de combustível como meios de pagamento, com base nos quais a AT decidiu pela emissão de liquidações adicionais daquele mesmo imposto. Em sede de recurso, o inconformismo da Fazenda Pública assenta no erro de julgamento de facto, imputado exclusivamente ao facto dado como não provado e, no mais, no erro de julgamento de direito. 2.2.1. Do erro de julgamento de facto No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Nessa conformidade, o apelante tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cf. artigo 640º, do CPC, ex vi do artigo 281º, do CPPT, vide José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181, em anotação ao anterior artigo 685º-B do CPC). Importa, ainda, ter presente que o poder de cognição deste tribunal ad quem sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal a quo não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que este cumpra os pressupostos fixados no artigo 640º do Código de Processo Civil, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.). Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no artigo 640º do CPC. Concretizando, as três alíneas do n.º 1, do artigo 640.º do CPC, impõem ao apelante a especificação (i) dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (ii) dos concretos meios probatórios, constantes do processo, nomeadamente documentos, registo ou gravação da prova nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e (iii) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Decorre ainda do n.º 2 deste artigo que, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. Presentes os considerandos que antecedem e na sequência dos mesmos temos que para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pela Recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida. Assentes estas premissas da impugnação de facto, vejamos da sua aplicação ao caso presente. Ora, como discorre das alegações e conclusões de recurso a impugnação da matéria de facto não se mostra correctamente estruturada segundo o regime legal aplicável, para que seja possível a este tribunal ad quem alterá-la. Senão vejamos. A Autoridade Tributária e Aduaneira entende que ocorreu um erro de julgamento por parte do tribunal a quo ao dar como não provado que “Os valores debitados pela [SCom02...] e a impugnante aos fornecedores correspondiam à contrapartida de serviços prestados pelas primeiras”, julgamento esse que aquele tribunal sustenta na apreciação que fez do depoimento testemunhal que, tal como é referido na sentença, foi fundamental para elucidar, clarificar e valorar o conteúdo dos documentos juntos aos autos, concluindo, na fundamentação de direito, que os valores debitados pela Impugnante aos fornecedores constituem descontos sobre compras e não, como defende a AT, prestações de serviços, considerando, nessa conformidade, ilegais as liquidações efetuadas (conclusão D. e H.), para após dissertar juridicamente sobre a noção de prestações em sede de IVA, imputar erro ao julgamento assente na valoração do depoimento das testemunhas “(...) em detrimento do conteúdo da prova documental existente nos autos, designadamente o conteúdo dos CGF e da fundamentação do Relatório da Inspeção Tributária (RIT” (conclusão H.), arguindo erro de apreciação critica dos mesmos ao concluir a sentença que “(...) todos os descontos eram fixados por referência a uma percentagem aplicada ao volume de compras; os descontos eram concedidos pelos fornecedores também em vista do interesse próprio de transaccionar com a Impugnante, a qual representava a possibilidade de escoamento dos seus produtos no mercado em larga escala; inexistia correspondência direta dos valores debitados com uma contrapartida, designadamente em termos de promoção ou publicitação, as quais eram objecto de transacções independentes e autonomamente facturadas, e ainda que a discriminação dos descontos em diferentes rubricas mais não servia que propósitos de controlo interno e de ordem comercial”(vide conclusão S.), para volver ao erro de julgamento na conclusão BB. afirmando que “A sentença objeto do presente recurso fez, pois, errada aplicação dos factos ao direito, errando ao dar como factos não provados que: “Os valores debitados pela [SCom02...] e a impugnante aos fornecedores correspondiam à contrapartida de serviços prestados pelas primeiras”, assentando a sua convicção no depoimento testemunhal em detrimento do conteúdo dos documentos existentes nos autos, nomeadamente o conteúdo dos CGF.” Ou seja, em momento algum a Recorrente concretiza quais os meios de prova cujo exame crítico entende estar viciado (prova testemunhal), a razão da credibilidade dos demais meios de prova que eventualmente entendesse relevarem, na sua perspectiva, para uma correcta decisão (especificação dos documentos), limitando-se a formular juízos conclusivos e a imputar erro na condução do facto em questão (único diga-se) aos “factos não provados” sem indicar, repise-se, os elementos constantes dos autos que, por si só, impunham uma diferente decisão. Em síntese, e em jeito de conclusão, temos que por um lado, que não aceita o facto conduzido ao probatório pela negativa, mas não cumpre o ónus de impugnação que lhe era exigido, por outro lado, podemos concluir que essa impugnação assenta no dissidio com o resultado jurídico a que chegou a sentença. Assim sendo, e em sede de impugnação da matéria de facto não cumpre proceder a qualquer alteração ao (não) probatório consignado na sentença, e cumpriria e tão só a este tribunal ad quem, aferir do eventual erro na apreciação e valoração da matéria de facto e consequentemente, no julgamento de direito e na solução jurídica preconizada na sentença. No entanto, tal não será assim. É que se revisitarmos a contenda em discussão, na parte que ora nos ocupa que emerge do facto negativo, aferir se os valores debitados pela impugnante aos fornecedores justificam o tratamento de desconto sobre compras ou, ao invés, devem ser caracterizados como preço de prestação de serviços, leva-nos a questionar se o teor do facto posto em questão pela Recorrente não contém em sim mesmo a resolução do pleito. Vejamos. Como é sabido, independentemente da arguição da Recorrente, compete ao tribunal de recurso sindicar a natureza factual ou não dos juízos probatórios formulados pela instância recorrida que tenham relevo para apreciação das questões a resolver, nomeadamente dos tidos como matéria de facto e se traduzam em puras afirmações de direito ou em juízos meramente valorativos vagos ou conclusivos. Trata-se de uma apreciação em sede de direito que se impõe operar oficiosamente e que não é alcançada pelo preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC. A questão que se nos coloca ex officio, é a de saber se, no caso concreto, a redacção dada ao ponto conduzido à matéria de facto não provada é destituída de qualquer substrato factual, “o que deve ser aferido não em termos absolutos, mas no respectivo contexto alegatório e de prova” – cf. ac. do STJ de 20.55.2020, in proc. 17084.17.5YIPRT. Como é pacífico, além das afirmações de direito, também as conclusões (ou juízos conclusivos) não são factos: trata-se de matéria equiparável a matéria de direito, pelo que também se trata de alegações que são insusceptíveis de constar na decisão que venha a ser proferida sobre a matéria de facto em discussão numa determinada acção. “Os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo, desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos forem considerados provados ou não provados, toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência), com base nessa única resposta”. Por outro lado, “quando se fala em matéria de direito, estamos a referirmo-nos aos conceitos estritamente jurídicos que não têm qualquer sentido corrente… tem sido entendido que podem ser consideradas matéria de facto expressões que são utilizadas simultaneamente em sentido corrente e jurídico, a não ser que face à natureza da acção, seja precisamente esse o objecto da disputa ou controvérsia entre as partes e dele dependa a resolução das questões jurídicas que no processo de discutem, constituindo nessa medida o objecto da própria decisão final da causa” [Helena Cabrita, in “A fundamentação de facto e de direito da decisão cível”, págs. 106, 110 e 111]. É certo que hoje não existe já nenhum normativo correspondente ao vetusto artigo 646º, n.º 4 do CPC que determinava terem-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito, a que se aplicava, por analogia, à matéria conclusiva. E, como se retirava interpretativamente daquele preceito ("têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes") o direito aplicar-se-á a um conjunto de factos (confessados, aceites, documentados ou resultado das respostas à base instrutória) que não tenham a natureza de questões de direito e que sejam realidades demonstráveis e não juízos valorativos. Tal preceito foi eliminado com o novo Código de Processo Civil. No entanto, o princípio subjacente ao preceito não desapareceu, continuando hoje a vincar-se que, na fundamentação (de facto) da sentença, só os factos interessam. Veja-se, nesse sentido, o artigo 607º, nº 4 do CPC que continua a referir que "Na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência". Ou seja, antes como agora, a fundamentação (de facto) da decisão (sentença ou acórdão) só pode ser integrada por factos. “Pode afirmar-se, em sentido muito simplificador, que uma conclusão implica um juízo sobre factos e estes, quando em si mesmos considerados, revelam uma realidade, compreensível e detectável sem necessidade de qualquer acréscimo dedutivo” – cf. acórdão da Relação do Porto de 07.10.2013, proferido nos autos 488/08.1TBVPA. No mesmo sentido, refere o acórdão da Relação de Guimarães de 11.10.2018, proferido no âmbito do processo n.º 616/16.3T8VNF-D: “De resto, ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do artº 646º n.º 4 do pretérito CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito), é todavia nossa convicção que tal não permite concluir que pode agora o juiz incluir no elenco dos factos provados meros conceitos de direito e/ou conclusões normativas, e as quais, a priori e antecipada e comodamente, acabem por condicionar e traçar desde logo o desfecho da acção ou incidente, resolvendo de imediato o “thema decidendum”. Ou seja, continua para nós a ser válido o entendimento de que o que importa é que a decisão de direito venha a ser resolvida no momento adequado, e tendo ela por base e objecto a realidade concreta apurada - factos concretos - e revelada nos autos por via da instrução, sendo então e de seguida - após aquela fixada - os subjacentes factos concretos objecto de valoração jurídica”. Aqui chegados, e sem necessidade de nos alongarmos em citações doutrinais sobre a temática, podemos ter por assente que a matéria de facto só deve integrar factos concretos e não formulações genéricas, de direito ou conclusivas, mormente quando, como iremos ver o caso, preencha, só por si, a hipótese legal, dispensando qualquer subsunção jurídica ou, dito de outro modo, traduzam uma afirmação ou uma valoração de facto que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões. Volvendo aos autos, importa, pois, reverter para o caso concreto e verificar se a redacção que foi dada ao facto negativo contem expressões conclusivas ou que possam ser consideradas como sendo matéria de direito, o que a ocorrer impede a sua valoração em sede de julgamento. Como discorre da sentença sob recurso, a questão dos autos e a responder pelo tribunal reconduz-se a saber se “... os vícios alegados traduzem-se materialmente ou dependem da questão de saber se os valores debitados pela impugnante aos fornecedores justificam o tratamento de desconto sobre compras ou, ao invés, devem ser caracterizados como preço de prestação de serviços.” e, prosseguindo na delimitação do objecto refere “É, com efeito, daquele pressuposto que decorre, no essencial, a (i)legalidade das liquidações adicionais, pois que é do tratamento daqueles valores como contrapartida de prestação de serviços que decorre o seu enquadramento nas normas do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) definidoras da incidência objectiva da tributação nesta sede e, portanto, a própria existência de facto tributário” Assim sendo, apenas o tribunal teria que considerar ou não verificável na presente situação se os valores colocados em questão correspondiam a prestações de serviços. Questão essa a ser aferida do respectivo contexto alegatório e de prova. Ora, o tribunal a quo reconduz aos factos não provados sob o item A)” Os valores debitados pela [SCom02...] e a impugnante aos fornecedores correspondiam à contrapartida de serviços prestados pelas primeiras”, estamos perante factualidade que assume natureza conclusiva e constitui matéria de direito, cujas afirmação pela negativa por si dá resposta à uma das questões de direito cuja resolução lhe era solicitada, estarmos ou não perante prestações de serviços, o que por si determina o regime de IVA aplicável. Nesta conformidade, na sequência do exposto, deverá, o item A) da matéria de facto não provada ser desconsiderado para efeitos de subsunção jurídica da factualidade, o que importará levar em linha de conta na reapreciação que cumpre a este tribunal ad quem levar a efeito em sede de erro de julgamento de direito, dando-se por estabilizada a matéria de facto contida nos itens 1. a 22. dos factos provados e a motivação que lhe subjaz. 2.2.2. Do erro de julgamento de direito - do IVA em falta pela não liquidação de imposto na prestação, pela impugnante, de serviços promocionais Cumpre reapreciar a questão sobre a qual se debruçou o tribunal a quo, a saber, se os valores debitados aos fornecedores da [SCom01...], S.A, na versão da recorrida e que logrou vencimento, são descontos sobre compras e como tal estão excluída de IVA nos termos do artigo 16º nº 6, alínea b) do CIVA ou, se pelo contrário, são uma contrapartida de prestação de serviços, de acordo com os artigos 1º nº1 a) e 4º nº 1 do CIVA, como defende a Fazenda Pública e como tal sujeitos a tributação em sede de IVA. Recuperemos aqui, o dissertado na sentença sob recurso: «(...) o art. 1.º, n.º 1, al. b) do CIVA estabelece como sendo sujeitas a IVA “as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo enquanto tal”. Mais se impondo no regime legal regulador do imposto um conceito residual de prestação de serviços, onde cabem, de acordo com o disposto no art.º 4.º, n.º 1 do CIVA, “as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.” De acordo com Casalta Nabais, o conceito abrange todas as operações decorrentes da actividade económica que não sejam definidas como transmissões de bens, como importação de bens ou como aquisição intracomunitária, incluindo transmissão de direitos, obrigações de conteúdo negativo (como a de não praticar determinado acto) e mesmo a prestação de serviços coactivos determinado por requisição de autoridade administrativa (autor citado in Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2014, p. 552). Constata-se, desde logo, a discrepância relativamente ao conceito civilístico, em que o contrato de prestação de serviços é definido como aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição (art. 1154.º do Código Civil). É a vocação à universalidade da tributação do valor acrescentado que chama o legislador a fixar um conceito amplíssimo e residual de prestação de serviços. Com efeito, no dizer de Clotilde Celorico Palma, “[tendencialmente], a vocação de universalidade deste imposto implica que se entenda que qualquer tipo de atribuição patrimonial que não seja uma contrapartida de uma transmissão de bens tenha subjacente uma prestação de serviços tributável.” Neste seguimento, salvaguarda, porém a mesma Autora o seguinte: “Todavia, sob pena de se violarem as características do imposto, para que se considere que existe uma prestação de serviços em sede de IVA deverá, naturalmente, existir um serviço enquadrável numa actividade económica, deverá existir um consumo. (...) Ou seja, para que se esteja perante uma prestação de serviços para efeitos de IVA, é necessário que haja efectivamente o exercício de uma actividade económica. Caso contrário, será inaceitável a tributação de uma operação em sede deste imposto, invocando-se a natureza negativa do conceito de prestação de serviços. Em suma, a operação em causa tem que ter substância económica para que possamos tributá-la em IVA” (ibidem, p. 74). No fundo a questão a decidir reconduz-se à averiguação sobre estarmos perante verdadeira prestação de serviços, não só em face do disposto na legislação nacional a este respeito (CIVA), mas ainda à vista do estabelecido a tal respeito pelas normas do Direito da União reguladoras da matéria. Na verdade, como reiteradamente vem salientando o Supremo Tribunal Administrativo (STA), o Código do IVA resulta da transposição, para a ordem jurídica interna, de diversas Directivas Comunitárias relativas à harmonização das legislações dos Estados Membros, devendo assim a interpretação da lei interna ser, neste domínio, convergente com os princípios e regras postulados na respectiva disciplina comunitária (assim, v.g., o acórdão do STA de 03.07.2013, proc. n.º 01148/11). A este respeito dispõe o art.º 2.º, n.º 1, al. c) da Diretiva IVA (Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006) o seguinte: “1. Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações: c) As prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;”. A redacção ampla da norma vem dando azo ao mesmo tipo de dúvidas que se colocam no caso sub judice, motivo por que vem ela sendo objecto de concretização pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, na qual convém atentar, em vista da mencionada interpretação convergente. Assim, no Acórdão Tolsma (de 03.03.1994, proc. C-16/93), escreveu-se a propósito: “12 Convém verificar, em segundo lugar, que o Tribunal de Justiça decidiu já, a propósito do conceito de prestação de serviços efectuada a título oneroso, utilizada pelo artigo 2.º, alínea a), da Segunda Directiva, cuja redacção é semelhante à do artigo 2.º, ponto 1, da Sexta Directiva, que as operações tributáveis pressupõem, no âmbito do sistema do IVA, a existência de uma transacção entre as partes com a estipulação de um preço ou de um contravalor. Daí o Tribunal de Justiça deduziu que, quando a actividade de um prestador consiste em fornecer exclusivamente prestações sem contrapartida directa, não existe matéria colectável não estando, portanto, estas prestações sujeitas ao IVA (...). 13 Nos acórdãos de 5 de Fevereiro de 1981, Coöperatieve Aardappelenbewaarplaats (154/80, Recueil, p. 445, n.º 12), e de 23 de Novembro de 1988, Naturally Yours Cosmetics (230/87, Colect., p. 6365, n.º 11), o Tribunal de Justiça esclareceu a este respeito que a matéria colectável de uma prestação de serviços é constituída por tudo o que é recebido em contrapartida do serviço prestado e que, deste modo, uma prestação de serviços só é tributável se existir um nexo directo entre o serviço prestado e a contrapartida recebida (...). 14 Do que precede resulta que uma prestação de serviços só é efectuada «a título oneroso», na acepção do artigo 2.º, ponto 1, da Sexta Directiva, e só é assim tributável, se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transaccionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efectivo do serviço fornecido ao beneficiário.” [acórdão disponível em http://curia.europa.eu/ – sublinhados e negritos nossos]. Mais tarde, no Acórdão Fillibeck (de 16.10.1997, proc. C-258/95), o Tribunal de Justiça afirmou, avançando ainda em relação à própria linha jurisprudencial anterior: “12 Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a noção de prestação de serviços a título oneroso na acepção do artigo 2.º, n.º 1, da Sexta Directiva pressupõe a existência de um nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido (...). 13 Constitui também jurisprudência assente que a matéria colectável na entrega de um produto ou na prestação de um serviço é constituída pela contrapartida realmente recebida para esse efeito. Esta contrapartida constitui, portanto, o valor subjectivo, isto é, realmente recebido, e não um valor calculado segundo critérios objectivos (...). 14 Além disso, segundo essa mesma jurisprudência, essa contrapartida deve poder ser expressa em dinheiro (...).” [acórdão disponível em http://curia.europa.eu/ – sublinhados e negritos nossos]. Em face do exposto, e considerando a factualidade reunida e assente nos presentes autos, a solução da questão decidenda parece surgir com clareza. Vejamos. Por um lado apurou-se que todos os descontos eram fixados por referência a uma percentagem aplicada ao (concreto) volume de compras; que os descontos eram concedidos pelos fornecedores também em vista do interesse próprio de transacionar com a impugnante, a qual representava a possibilidade de escoamento dos seus produtos no mercado em larga escala; que inexistia correspondência directa dos valores debitados com uma contrapartida, designadamente em termos de promoção ou publicitação, as quais eram objecto de transações independentes e autonomamente faturadas, e ainda que a discriminação dos descontos em diferentes rubricas mais não servia que propósitos de controlo interno e de ordem comercial ou negocial. Por outro lado, não resulta demonstrado, que os valores debitados pela impugnante aos fornecedores correspondessem à contrapartida de serviços, efetivamente, prestado pela primeira. Ora, em face da jurisprudência citada do tribunal europeu, e ainda do que se deixou transcrito da doutrina nacional, ressalta que não só a Autoridade Tributária não demonstrou os pressupostos de que dependeria a liquidação adicional de IVA, como logrou, ainda, a impugnante fazer a prova dos factos que atestam que a mesma liquidação adicional não é devida. No fundo, a Autoridade Tributária não demonstrou que, ao invés do declarado, estivéssemos perante prestações de serviços, sujeitas a tributação em sede de IVA. Tanto sobre si impenderia, de acordo com jurisprudência firme, de que se cita, exemplificativamente, o acórdão do TCA Sul, proferido em 10.04.2014 no âmbito do processo n.º 04444/11, em que se escreveu: “Na medida em que se arroga o direito à liquidação adicional assente nas correcções propostas à matéria colectável, a Fazenda Pública tem o ónus da prova dos factos constitutivos do direito a essa liquidação adicional, ou seja, o dever de demonstrar os pressupostos da correcção praticada (cfr.art. 74, nº.1, da L.G.T.). (...) Dito isto, é de concluir que a Administração Fiscal não cumpriu com o ónus que sobre si recaía, o que vale por dizer que não logrou provar os pressupostos que, afastando a presunção de veracidade das declarações da sociedade impugnante, lhe permitiram o recurso às correcções técnicas no apuramento da matéria tributável da mesma.” [acórdão disponível em www.dgsi.pt]. É de assinalar, de resto, que a AT não só não demonstrou como sequer carreou para os autos indícios sérios dos factos constitutivos do direito de que se arrogou. Com efeito, a Autoridade Tributária limitou-se, no âmbito da acção inspectiva na origem das liquidações adicionais impugnadas, a constatar o teor dos contratos gerais de fornecimento e das notas de débito emitidas, sem tratar da constatação da realidade de facto que lhes subjazia. Não individualizou, com efeito, como lhe competia, os serviços cuja prestação teria sido compensada pelos valores debitados; como não individualizou os preços supostamente pagos, por referência aos serviços que houvessem sido prestados nem sequer que lhes correspondesse, em abstracto, os valores debitados pela impugnante. Por outro lado, não explicou a AT em que medida o aumento do valor debitado, por efeito do aumento das quantias adquiridas, conheceria o seu reverso em termos de prestação de serviços, como é próprio de qualquer transacção onerosa. Nem demonstrou, por outro lado ainda, em que medida o maior ou menor desconto concedido, em função do fornecedor em causa ou do produto adquirido conheceria a proporcionalidade em termos da prestação de serviço que também é própria das transacções onerosas. Em suma, não alegou nem demonstrou a existência entre prestador (impugnante) e beneficiário (fornecedor) duma relação jurídica no âmbito da qual houvessem sido transaccionadas prestações recíprocas; não alegou nem demonstrou a existência de um nexo directo entre o valor debitado e o serviço prestado; não alegou nem demonstrou, por fim, que a dita contrapartida constituísse o valor subjectivo (isto é, realmente recebido) da prestação. Fica, assim, por demonstrar o direito da Autoridade Tributária de proceder às liquidações adicionais de IVA impugnadas. Mais fica demonstrada, por outro lado, a inexistência de prestação de serviços para efeitos de enquadramento nas normas de incidência real de IVA. A Autoridade Tributária procedeu, assim, a errada qualificação dos factos na origem da tributação, incorrendo em erro sobre os pressupostos de facto. Verificam-se, pelo exposto, os vícios identificados como erro na qualificação do facto tributário e erro nos pressupostos de facto (os quais se confundem, no caso), cuja procedência conduz à mais estável ou eficaz tutela dos interesses da impugnante, e ficando prejudicado o conhecimento dos demais vícios alegados. Procede, por conseguinte, a acção, pelo que devem ser anuladas as liquidações adicionais de IVA impugnadas, assim como os respectivos juros compensatórios.» (fim de transcrição) Não vemos em que erre o entendimento exposto, pelo que a ele aderimos. Apenas acrescentamos, no mesmo sentido, a constatação de que na fundamentação das correcções efectuadas a este pretexto a AT não individualiza, no seu objecto material, nos seus sujeitos activo passivo, no seu preço e na cronologia da ocorrência, quaisquer operações de promoção de produtos e outras susceptíveis de serem individualmente consideradas e quantificadas. Assenta, a posição da AT, tão só da mera leitura do contrato em causa assimilando que do mesmo resulta a previsão contratual da prestação de serviços por parte da impugnante no âmbito do designado “contrato geral de fornecimento”. Efectivamente, ali se prevêem autênticos serviços promocionais a favor do outro contraente. Porém, a simples redacção de tal contrato não nos pode levar, sem mais, a concluir pela existência de prestações de serviços por parte da recorrida; é necessário ir mais longe, e concretizar algo que nos permita assentar na efectivação de tais prestações de serviços. Por outras palavras, se é certo que as mesmas estão contratualmente previstas daí até às mesmas se terem concretizado vai uma diferença fulcral, que importava sedimentar in casu. Não podemos olvidar que a incidência de imposto se reporta a operações concretas, e não a operações previstas e sem existência material, devendo ‘‘atender-se à substância económica dos factos tributários”. Ora a AT “munida” do valor dos descontos considera tout court ser esse o preço de uma global prestação de serviços – ou o total dos preços de uma pluralidade difusa e indefinida de prestações de serviços das várias “espécies” constantes do contrato geral de fornecimento – para concluir pela tributação dessa extrapolação, em sede de IVA. Ora, não são extrapolações, mas factos concretos, o que o IVA tributa. A questão que ora nos ocupa, já foi objecto de apreciação, relativamente a factos essencialmente sobreponíveis aos aqui provados, no sentido da ilegalidade das liquidações, por pelo menos quatro colectivos deste Tribunal Central Administrativo Norte, a saber, em acórdãos de 9 de junho de 2021 proferido no processo nº 837/04.1BEPRT, de 19 de maio de 2022, proferido no processo n.º 358710.3BEPRT, de 02 de fevereiro de 2023 proferido no processo n.º 2526/09.1BEPRT (por nós subscrito na qualidade de relatora) e, mais recentemente, em acórdão datado de 24 de abril de 2024, proferido no âmbito do processo n.º 2537/10.4BEPRT (por nós subscrito enquanto 1ª adjunta), pelo que passamos a transcrever do ac. de 19.05.2022 o relevante, com recurso à jurisprudência do TJUE complementar da demais já citada pelo tribunal a quo, e que consolida o ali referido: «(...) Aliás, decorre do art.2.º, n. º1, da sexta directiva que cada prestação de serviços deve normalmente ser considerada distinta e independente e de que a prestação constituída por um único serviço no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA. Por esse motivo importa procurar encontrar as características da operação em causa e determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor - entendido como consumidor médio - diversas prestações principais distintas ou uma prestação única, ainda que composta por vários elementos. Ora, a autora citada refere que a jurisprudência comunitária defende que os elementos essenciais da transacção devem ser identificados de forma a determinar se o sujeito passivo está a fornecer ao consumidor várias prestações de serviços principais ou uma prestação de serviço única. A jurisprudência considera que se está perante uma prestação única (ainda que composta), no caso em que um ou vários elementos devem ser considerados prestação principal ao passo que, inversamente, um ou vários elementos devem ser considerados prestações acessórias que partilham do mesmo tratamento fiscal da prestação principal, numa aplicação da regra accessorium sequitur principale. Os elementos que compõem uma prestação podem ser parte integrante da mesma ou serem-lhe meramente acessórios. Do que vem sendo dito, poderá, e no caso tem, ter aplicação em situações como nos autos, em que acoplado a uma transmissão de bens está também, a título acessório ou dependente, um serviço que beneficia, em boa medida, ambas as partes, proveniente de uma acção que promove ou potencia, o negócio, vender mais e mais barato e quem fornece aumenta exponencialmente as suas vendas ou fornecimento de bens, afastando, outros concorrentes com produtos similares, por sua vez, o adquirente dos bens, vai vender mais barato no quadro da concorrência, sem que se destaque uma prestação de serviço, em sentido autónomo, pois, não se figura entre a concreta prestação de serviço e o contravalor recebido (no caso o aumento das vendas na esfera do fornecedor) qualquer nexo directo entre o serviço prestado e o beneficio auferido pela contraparte. A este respeito da conexão entre prestação de serviço e contravalor veja-se o Ac. do TJUE de 11-03-2020, no processo C-94/19, caso San Domenico Vetraria SpA, no qual se afirma que: A este respeito, é jurisprudência constante que, no âmbito do sistema do IVA, as operações tributáveis pressupõem a existência de uma transacção entre as partes, com a estipulação de um preço ou de uma contrapartida. Assim, quando a actividade de um prestador consiste em fornecer exclusivamente prestações sem contrapartida directa, não existe matéria colectável, não estando, portanto, estas prestações sujeitas ao IVA (Acórdão de 22 de Junho de 2016, Èeský Rozhlas, C 11/15, EU:C:2016:470, n.º 20 e jurisprudência referida). 21. Daqui resulta que uma prestação de serviços só é efectuada «a título oneroso», na acepção do artigo 2.º, ponto 1, da Sexta Directiva, e só é, portanto, tributável, se entre o prestador e o beneficiário existir uma relação jurídica no âmbito da qual são realizadas prestações recíprocas, sendo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efectivo de um serviço prestado ao beneficiário. É isso que se verifica se existir um nexo directo entre o serviço prestado e o contravalor recebido (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de Junho de 2016, Èeský rozhlas, C 11/15, EU:C:2016:470, n.ºs 21 e 22 e jurisprudência referida; de 22 de Novembro de 2018, MEO — Serviços de Comunicações e Multimédia, C 295/17, EU:C:2018:942, n.º 39; e de 3 de Julho de 2019, Uni Credit Leasing, C 242/18, EU:C:2019:558, n.º 69). (…) Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que existe um nexo directo quando duas prestações estão reciprocamente condicionadas (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de Março de 1994, Tolsma, C 16/93, EU:C:1994:80, n.ºs 13 a 20, e de 16 de Outubro de 1997, Fillibeck, C 258/95, EU:C:1997:491, n.ºs 15 a 17), ou seja, uma prestação só é efectuada na condição de a outra também o ser, e reciprocamente (v., neste sentido, Acórdãos de 23 de Novembro de 1988, Naturally Yours Cosmetics, 230/87, EU:C:1988:508, n.º 14, e de 2 de Junho de 1994, Empire Stores, C 33/93, EU:C:1994:225, n.º 16). Concluindo que: O artigo 2.º , ponto 1, da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional em virtude da qual não são considerados relevantes para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado os empréstimos ou destacamentos de pessoal de uma sociedade mãe para a sua filial, realizados exclusivamente mediante o reembolso dos custos respectivos, quando os montantes pagos pela filial à sociedade mãe, por um lado, e esses empréstimos ou destacamentos, por outro, estiverem reciprocamente condicionados. O art. 16., n.º 1, do CIVA estatui que, o valor tributável das transmissões e das prestações de serviços sujeitas a imposto será o valor da contraprestação obtida ou a obter pelo adquirente, do destinatário ou de terceiro. Não sendo possível estabelecer essa relação entre prestação de serviço e o contravalor recebido, apenas resta concluir que o que subjaz a toda a operação é um abatimento ao preço ou um desconto comercial, deste modo estando excluído da incidência do IVA, como decorre do n.º 6, al. b) do art. 16.º do CIVA, do valor tributável, referido no número anterior, serão excluídos: os descontos, abatimentos e bónus concedidos. Como se refere no acórdão do TJUE, no caso das batatas holandesas, a que a recorrente faz expressa menção nas suas conclusões, a contraprestação deve ser real e efectiva, susceptível de avaliação pecuniária e de apreciação subjectiva, a expressão “contrapartida” implica a necessidade de um nexo directo que vincule a prestação e a contraprestação efectuada, que é contrapartida da existência de um benefício que deve ser igualmente directo e a expressão subjectiva, tem o significado de é necessário partir dos dados reais da operação em causa. A mesma autora supracitada, refere que a concessão de descontos, abatimentos e bónus é uma prática frequente para incentivar as vendas, que tem como consequência a redução do preço de aquisição dos correspondentes bens ou serviços. A razão da exclusão do valor tributável dos descontos deve ao facto de implicarem ausência de contravalor, susceptível de determinação pecuniária, proporcionado pelo comprador do bem ou pelo destinatário do serviço. Em sentido similar, veja-se, o acórdão do TJUE de 19-12-2012 no caso GRATTAN plc, o art. 8.º al, a) da Segunda directiva, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes a impostos sobre o volume de negócios: Para determinar se o artigo 8.°, alínea a), da Segunda directiva impunha aos Estados Membros que permitissem a modificação do respectivo contravalor e, portanto, a correcção da matéria colectável após o momento em que ocorreu o facto gerador do imposto, há que analisar igualmente as disposições dessa directiva em matéria de cálculo, declaração e pagamento do IVA. Com efeito, a determinação da matéria colectável pressupõe um contravalor e um facto gerador. Cumpre salientar, a este respeito, que o artigo 5. °, n.º 5, da Segunda directiva previa que «o facto gerador do imposto ocorre no momento em que [é efectuada] a entrega». A expressão «facto gerador do imposto» constante desta disposição era definida no ponto 8 do anexo A da mesma directiva como «nascimento da dívida fiscal». Há que constatar que nenhuma disposição da Segunda Directiva previa a fixação da ocorrência do facto gerador do imposto num momento posterior, ou o seu adiamento por qualquer outra forma. Esta directiva também não contém nenhuma disposição que previsse a modificação da dívida fiscal já constituída. Nestas condições, tem de se considerar que, nos termos do artigo 5. °, n.º 5, da Segunda Directiva, a dívida fiscal do sujeito passivo se constituía com base no montante resultante da matéria colectável determinada à data da entrega. Há pois que referir que nem o artigo 8.°, alínea a), da Segunda Directiva nem nenhuma outro artigo da Segunda Directiva podia ser interpretado no sentido de que era obrigatório permitir a regularização da matéria colectável, ou do imposto pago a jusante, depois da entrega, que constitui o momento em que ocorre o facto gerador do imposto, com o que declara que: O artigo 8.°, alínea a), da Segunda Directiva 67/228/CEE do Conselho, de 11 de Abril de 1967, relativa à harmonização das legislações dos Estados Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Estrutura e modalidades de aplicação do sistema comum de imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que não confere ao sujeito passivo o direito de considerar reduzida a posteriori a matéria coletável de uma entrega de bens quando, após a conclusão dessa entrega de bens, um agente venha a receber do fornecedor um crédito que pode optar por receber sob a forma de um pagamento em dinheiro ou sob a forma de um crédito compensável com os montantes em dívida ao fornecedor por entregas de bens já realizadas. Por conseguinte, não se vê que a sentença tenha incorrido em erro de julgamento e de aplicação das normas do IVA em matéria de descontos promocionais, comercias ou de quantidade, acordados contratualmente entre ela e os seus fornecedores, atendendo às condições contratualizadas, não estando ao abrigo do art. 16.º, n.º 6, al. b) sujeita a IVA, sendo de confirmar a sentença recorrida.» (fim de citação; acórdão de19 de maio de 2022, proferido no processo n.º 358/10.3BEPRT) Munidos destes considerandos, e do todo exposto, improcede a pretensão da Recorrente, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica. 2.2.4. Do erro de julgamento de direito - do IVA indevidamente regularizado a favor da impugnante, resultante da utilização de talões de desconto e de vales de combustível, como meio de pagamento Nesta sede o discurso de fundamentação de direito da sentença recorrida, visado pela alegação da Recorrente, reside no seguinte excerto: «Talões de desconto Sustenta a impugnante que, neste caso estão em causa descontos concedidos aos clientes dos hipermercados e supermercados da cadeia [SCom02...], mediante a utilização de “talões de desconto”. Da errónea qualificação do facto tributário (violação de lei) A Administração Tributária tem por base que estes talões, emitidos pela impugnante destinados a conceder um desconto aos seus clientes que os rebaterão numa segunda compra, são títulos ao portador assim enquadrando a questão na regularização de imposto, negando à impugnante a possibilidade de deduzir IVA a seu favor, pelo não cumprimento da condição estabelecida no n.º 5 do art. 71 do CIVA (atual art. 78º do mesmo código), norma que, considera, não é aplicável ao caso concreto. Considera a impugnante que o enfoque da questão deve ser colocado, não na questão da devida ou indevida regularização do IVA, mas na determinação da sua base de incidência, isto porque os descontos em causa devem ser excluídos do valor tributário das transmissões de bens (art. 16º, n.º 6 CIVA). O mecanismo destes talões corresponde à atribuição de um talão de desconto, no momento em que o cliente realiza uma primeira compra, o qual só será usado (ou abatido), numa compra posterior – são emitidos pela impugnante e entregues aos seus clientes de modo a que estes possam desconta-los e ou rebate-los em futuras compras. Assim, económica e contabilisticamente o desconto é adquirido no momento da compra inicial; financeiramente, é usado na segunda compra. Nos anos em análise, 2009 e 2010, as modalidades destes descontos eram o “desconto em talão” e o “desconto mínimo garantido”, sendo que, em ambos os casos o desconto contém IVA incluído. Contabilisticamente, o IVA é liquidado no momento da venda inicial pelo montante bruto debitado ao cliente; quando o talão é rebatido procede-se à correspondente dedução do IVA da venda e do produto (que proporcionou esse desconto) inicialmente adquirido. Este procedimento destina-se a assegurar que o valor do IVA contido no desconto é deduzido com base na taxa de IVA do artigo concretamente adquirido e que efetivamente beneficiou do desconto. Os descontos concedidos aos clientes são, inequivocamente, reportados e imputados à compra inicial e ao produto então adquirido, o qual proporcionou o desconto – o desconto é contabilizado aquando da compra inicial simplesmente não se deduz ou regulariza de imediato o IVA relativo a tal desconto. A dedução deste IVA aguarda numa conta provisória que o desconto seja rebatido numa compra subsequente, o desconto concedido é reconhecido e imputado de imediato á compra inicial; só o IVA respetivo é deduzido a posteriori. Por esta razão considera a impugnante não ser de aplicar o regime do atual art. 78º do CIVA, mas antes o art. 16º, n.º 6 b) do mesmo código, norma segundo a qual os descontos, abatimentos e bónus concedidos são excluídos do valor tributável. Salienta a impugnante, na sustentação do afastamento do regime do art. 78º e na aplicabilidade do art. 16º, ambos do CIVA: • Não há qualquer regularização de IVA a posteriori, após o registo contabilístico; • Não há qualquer “retificação do valor tributável, para menos” de qualquer operação; • Não há qualquer “regularização” do IVA anteriormente liquidado O regime do atual art. 78º, n.º 5 CIVA (antes art. 71º) pressupõe, obviamente, que os adquirentes sejam sujeitos passivos de IVA e que, por isso, tenham deduzido o imposto que inicialmente lhe foi liquidado. Vejamos. Seguiremos na resposta a dar à questão que agora nos é colocada e que cumpre decidir, o já decidido por este Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, designadamente no processo 1683.13.7BEPRT, decisão com a qual concordamos na íntegra, também este referente ao exercício de 2009, logo suscetível de aplicação do mesmo quadro legal. Conforme decorre da factualidade assente (factos 18, 19, 20 e 21), a Impugnante, com o objetivo de fidelizar os seus clientes, criou a modalidade da emissão de talões de desconto, onde são emitidos talões de descontos, os quais são concedidos em função das campanhas promocionais, vigentes à data das respectivas aquisições, a fim de serem utilizados em compras subsequentes, as quais têm, necessariamente, de ocorrer. Nos termos do disposto do nº 1 do artigo 16º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, na redação conferida pelo Decreto-Lei nº 102/2008, de 20/6, “o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro”. O conceito de “valor tributável” corresponde à noção de contraprestação do artigo 73º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28/11, segundo o qual a tributação há-de incidir sobre o valor real da operação. Pelo que, de acordo com o nº 6 do mencionado artigo 16º estão excluídos do “valor tributável” “os descontos, abatimentos e bónus concedidos”. Os termos “descontos” e “abatimentos” não foram densificados pela Sexta Diretiva nem estão definidos na Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28/11/2006. Porém, o Tribunal de Justiça da União Europeia já se pronunciou no sentido de que tais conceitos, para serem assim entendidos, têm necessariamente de pressupor uma redução do preço total acordado e a entrega de um bem a título oneroso. Entendeu também o Tribunal de Justiça da União Europeia que sendo a redução do preço de 100% está-se perante uma entrega a título gratuito (Acórdão de 27 de abril de 1999, Kwait Petroleum (GB) Ltd, C-48/97) e não perante um “desconto” ou “abatimento”. De acordo com a jurisprudência comunitária, independente da forma como se materializam, para estarmos perante um “desconto” ou “abatimento” este tem que evidenciar pelas respectivas características jurídicas e económicas e o valor tributável do operador que os aceita não pode ser inferior à quantia em dinheiro que efectivamente recebe pelo seu fornecimento (Acórdãos de 27 de março de 1990, Boots Company, C126/88, e de 24 de outubro de 1996, Argos Distributors, C-288/94). Tendo em vista a jurisprudência citada, cumpre determinar as características económicas dos talões de desconto em causa. Ora, o Tribunal de Justiça da União Europeia no Acórdão de 24 de outubro de 1996, Elida Gibbs, Ltd, C- 317/94 considerou que: “quando a) um fabricante emite um cupão de desconto, reembolsável pelo montante indicado no cupão pelo fabricante ou por conta deste, em benefício do retalhista; b) esse cupão, distribuído a um cliente potencial no âmbito de uma campanha de promoção de vendas, pode ser aceite pelo retalhista como pagamento de determinado artigo; c) o fabricante vendeu esse artigo diretamente ao retalhista ao «preço do fornecedor original», e d) o retalhista aceita o cupão do cliente aquando da venda do artigo e o apresenta ao fabricante, deste recebendo o montante indicado” – “a matéria colectável é igual ao preço de venda praticado pelo fabricante, diminuído do montante indicado no cupão e reembolsado” (conclusões infirmadas no Acórdão, de 15 de Outubro de 2002, Processo C-427/98). (realce nosso) No que concerne ao momento em que o desconto é aceite também se pronunciou o Acórdão de 27 de Março de 1990, Boots Company, C-126/88, segundo o qual: “Há, pois, que responder à terceira questão que a alínea b) do n.° 3 do artigo 11.°, parte A, da sexta diretiva deve ser interpretada no sentido de que a expressão «os descontos e abatimentos concedidos ao adquirente ... no momento em que a operação se realiza» se aplica à diferença entre o preço de venda normal a retalho dos artigos fornecidos e a quantia em dinheiro efectivamente recebida pelo retalhista por esses artigos, quando este aceita do cliente um cupão que lhe foi dado pelo retalhista aquando de uma compra anterior efectuada ao preço de venda normal a retalho.”. Decorre do exposto que o desconto, concedido diretamente pelo retalhista aos seus clientes, constitui para o retalhista um desconto nos termos da alínea b) do nº 3 do artigo 11º, A da Sexta Diretiva. Descendo ao caso dos autos, e de acordo com a matéria assente, constata-se que o desconto contido em talão é emitido pela Impugnante, constituindo um seu encargo em benefício do cliente e é atribuído aos seus clientes numa primeira compra, sendo aceite pela Impugnante, quando o cliente o rebater na compra posterior. Portanto, o desconto em talão traduz-se na redução do preço marcado no(s) artigo(s) a pagar pelo cliente no momento da aquisição, ainda que só venha a beneficiar deste no momento da segunda aquisição, assumindo a Impugnante os encargos inerentes, pelo que, de acordo com a jurisprudência comunitária acima citada, o valor nominal do respectivo desconto não deve ser incluído no valor tributável da operação. Assim sendo, o valor de desconto em talão configura um desconto, nos termos da alínea b) do nº 6 do artigo 16º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e, por conseguinte, o referido montante, aquando da sua utilização, deve ser excluído do valor tributável dos bens vendidos. Nestes termos, como bem refere a Impugnante, não se está perante uma qualquer regularização de Imposto sobre o Valor Acrescentado nos termos do atual artigo 78º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (antes art. 71º CIVA), pelo que não são de aplicar as regras contidas nesse normativo, nomeadamente as do nº 5. Pelo exposto, no que respeita à correcção que ora nos ocupa, terá a presente impugnação de proceder.» E, mais prossegue, no seu discurso fundamentador a sentença recorrida, nos seguintes termos: «IVA indevidamente regularizado a favor da empresa pela utilização de vales de desconto como meio de pagamento Por força do acordo comercial celebrado entre a [SCom02...] e a [SCom03...], S. A. (Marca 2...), a impugnante entrega aos seus clientes um vale de desconto com a compra de determinados produtos, equivalente a um determinado valor fixo por litro de combustível, o qual é rebatível em compras subsequentes de combustível naqueles postos e abastecimento. Por seu turno, na referida compra subsequente, a Marca 2... entrega aos seus clientes um vale de desconto rebatível em compras futuras a realizar nas lojas da impugnante. A diferença relevante é que, neste caso, o talão de desconto, em vez de ser emitido pela impugnante, é emitido por uma entidade terceira, neste caso, a [SCom03...], para ser usado nas lojas da impugnante. Para sustentar a sua posição faz a impugnante referência à jurisprudência do TJCE, designadamente, ao acórdão Boots de 27 de março de 1990 e ao acórdão Elida Gibbs, de 24.10.1996, os quais entende serem aplicáveis “a papel químico”, à situação a decidir nos autos, em concreto à utilização dos talões de desconto emitidos pela própria como por entidade terceira. Socorre-se, ainda do Acórdão Argos, também do TCE, este de 24.10.1996, o qual considera por a nu que, independentemente de se tratar de Sujeito Passivo diferentes, ou da forma como o título vem à posse do beneficiário, o valor tributável em IVA, será sempre o do valor efetivamente recebido. Conclui então a impugnante que, da análise sugerida à jurisprudência do TJCE a matéria coletável de imposto a cobrar pelas autoridades fiscais não pode ser superior à contrapartida efetivamente paga pelo consumidor final. Vejamos. Também aqui seguiremos na resposta a dar à questão que agora nos é colocada e que cumpre decidir, o já decidido por este Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, designadamente no processo 1683.13.7BEPRT, decisão com a qual concordamos na íntegra, também este referente ao exercício de 2009, logo suscetível de aplicação do mesmo quadro legal. Importa aferir da legalidade do Imposto sobre o Valor Acrescentado decorrente da utilização de vales de desconto emitidos pela [SCom03...], nos seus postos Marca 2..., a favor dos seus clientes, para utilização nos estabelecimentos da Impugnante. Neste caso, o desconto é concedido pela impugnante aos seus clientes no momento e em relação à venda em que é rebatido o talão Marca 2... como meio de pagamento, sendo o desconto abatido à base tributável imediatamente, no momento em que a operação se realiza e o desconto se concretiza, conforme determina o artigo 16º, nº 6, alínea b), do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado. Ora, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro (nos termos do nº 1 do artigo 16º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, na redação conferida pelo Decreto-Lei nº 102/2006, sem prejuízo do disposto no nº 2 do mesmo artigo). A matéria coletável é assim constituída pela contrapartida realmente recebida para o efeito pelo sujeito passivo. Esta contrapartida constitui, portanto, um valor realmente recebido, e não um valor calculado segundo critérios objetivos (cf. Acórdãos de 5 de Fevereiro de 1981, Coöperatieve Aardappelenbewaarplaats, 154/80; de 23 de Novembro de 1988, Naturally Yours Cosmetics, 230/87; de 27 de Março de 1990, Boots Company, C-126/88; de 16 de Outubro de 1997, Fillibeck, C-258/95; de 29 de Março de 2001, Comissão/França, C-404/99; e de 20 de Janeiro de 2005, Hotel Scandic, C-412/03), devendo poder ser expressa em dinheiro (cf. Acórdãos Coöperatieve Aardappelenbewaarplaats, Naturally Yours, Fillibeck, e Hotel Scandic). Para o efeito, determina a alínea b) do nº 6 do artigo 16º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado a exclusão do valor tributável dos descontos, abatimentos e bónus concedidos. Assim sendo, os descontos concedidos no momento em que a operação tem lugar não serão de incluir no valor tributável dessa operação, incidindo a taxa de imposto sobre o valor líquido facturado. Ora, sendo certo que estamos perante talões de desconto emitidos por uma entidade externa à impugnante, conferindo ao portador o direito a obter desta (retalhista) o desconto/abatimento ao valor a pagar, no seguimento da doutrina vertida no acórdão de 24 de outubro de 1996, Elida Gibbs, Ltd, C- 317/94, e uma vez que a Impugnante não é reembolsada pela [SCom03...] do desconto que rebate ao seu cliente estamos perante um abatimento à base tributável tal como previsto na alínea b) do nº 6 do artigo 16º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, o que não vem abalado pelo tratamento contabilístico dado pela Impugnante, pois tal tratamento não é capaz de alterar a substância dos factos apurados. Pelo que, nesta parte, tem de proceder a impugnação.» (fim de transcrição) A análise e a critica, em todas as frentes da fundamentação das liquidações adicionais em que assenta a tese da Recorrente AT, da aplicabilidade, in casu, do nº 5 artigo 71º do CIVA (actual 78º) que por falta de verificação dos seus pressupostos impede aceitação da aclamada “regularização do IVA” pela Impugnante, falece em virtude do enquadramento das situações em análise [talões de desconto e vales descontos] ao artigo 16º nº 6 alínea b), feita na sentença recorrida, a qual se mostra bem fundamentada, sem fragilidades, a merecer a nossa confirmação. Desde logo da excursão efectuada no âmbito da jurisprudência comunitária na fundamentação transcrita podemos extrair que para aquela as regras sobre “descontos” estão ao serviço do princípio da neutralidade do IVA, por outro, que as condições e interpretações da Administração dos países membros para a regularização do valor tributável não podem contrariar os objectivos do sistema, que coloquem em causa a relevância dos descontos. Por outras palavras, aquela vai no sentido de relevar para efeitos de apuramento do valor tributável do IVA os descontos concedidos através de talões, de que a lei fiscal não pode impor obstáculos à dedução do respectivo valor nominal ao preço dos produtos vendidos. Por outro lado, cumpre ter presente, que resulta das características jurídicas e económicas dos talões e vales que embora eles contenham em si um valor nominal, o mesmo não foi adquirido pelo comprador a título oneroso que dele vai beneficiar, antes ele assume-se como um documento que incorpora a obrigação assumida por quem os emitiu em conceder ao portador do talão ou vale e com a entrega do mesmo, uma redução especificada no momento em que venha a realizar uma compra sujeita a determinadas condições perante um determinado retalhista identificado. O valor nominal do talão apenas certifica o montante da redução a efectuar aquando da segunda transação. Assim sendo, aquando da primeira transação, a venda realizada é pelo preço efectivamente pago pelo comprador, ou seja, pelo preço integral do bem adquirido. Por sua vez, na segunda transação, mediante a utilização do talão ou vale, ao preço dos bem ou bens adquiridos será abatido, para efeitos de cálculo do valor do IVA, o valor nominal a que alude o talão ou vale – só neste segundo momento ocorre o mecanismo do desconto. Neste sentido Acórdão de 27 de março de 1990, proc. C-126/88, Boots Company/ Comissioners of Customs and Excise, publicado in Boletim do TJCE 9/90, o qual se refere a cupões de desconto que eram entregues gratuitamente por uma empresa aos seus clientes pela compra de certos artigos e que se inseriam numa promoção, cujo custo ela própria suportava, o TJCE considerou que inserindo-se esta redução de preço nos "descontos e abatimentos concedidos ao adquirente", na acepção do artigo 11º, A, nº 3, alínea b) da Sexta Directiva, o valor nominal dos cupões não devia ser incluído na matéria colectável desta sociedade. Tendo por base os “talões desconto” temos que sobre a 1ª compra foi tido em conta o preço total e respectivo IVA, sobre o qual foi calculado o valor do desconto a conceder numa utilização futura, ora, só aquando da utilização do mesmo ocorrerá o desconto que em si insere uma parcela, por mais pequena que seja, de IVA, que a funcionar o princípio da neutralidade a excluir-se na segunda compra da matéria tributável o desconto, exige a regularização nessa exacta medida. Reportando-nos, ao caso em apreço, e de acordo como a factualidade assente, constata-se que os “talões desconto” e “vales descontos”: i) são emitidos pela Recorrida/retalhista, constituindo seu encargo em benefício do cliente (nada em contrário resulta dos autos); ii) são emitidos pela [SCom03...], constituindo seu encargo em benefício do cliente que proceda no futuro a uma compra em lojas detidas pela Recorrida; iii) são atribuídos aos clientes na 1ª compra um talão ou vale a ser utilizado numa conta posterior, ou seja, concedido um valor nominal expresso no mesmo, sendo aceite pela Retalhista (recorrida), quando o cliente/consumidor final efectivar compras em qualquer das suas lojas. Portanto, o talão e/ou vale traduz-se na redução do preço final que vier a ser concretizado na 2ª compra a pagar pelo cliente no momento da aquisição, assumindo a Recorrida os encargos inerentes (seja por força do desconto efectuado lá trás, seja por força da pareceria estabelecida com a [SCom03...]), pelo que, no âmbito da jurisprudência comunitária o valor nominal, constante dos talhões ou vales, não deve ser incluído no valor tributável da operação. Assim sendo, os talões e vales configuram um desconto, nos termos da alínea b) do nº 6 do artigo 16º do CIVA e, por consequência, o referido montante, deve ser excluído do valor tributável dos artigos vendidos, aquando da sua utilização. Neste sentido, a informação vinculativa, Ficha Doutrinária da Direcção Geral de Impostos, emitida em 01.04.2010, processo n.º 544, em que se conclui a final que “O vale-bónus configura um desconto, nos termos da alínea b) do nº 6 do artigo 16º do CIVA e, por consequência, o referido montante, deve ser excluído do valor tributável dos artigos vendidos, aquando da sua utilização.”. E, mais se diga, volvendo à jurisprudência comunitária, que nos números 19, 22 e 23 do acórdão Elida Gibbs, referido pelo Tribunal a quo, o Tribunal de Justiça recordou o princípio de base do sistema do IVA, segundo o qual este imposto tem como objectivo onerar unicamente o consumidor final, sendo perfeitamente neutro relativamente aos sujeitos passivos que intervêm no processo de produção e de distribuição anterior à fase de tributação final, qualquer que seja o número de transacções que tenham lugar. Daí deduziu o Tribunal de Justiça, no n.° 24 do mesmo acórdão, que a matéria colectável do IVA a cobrar pelas autoridades fiscais não pode ser superior à contrapartida efectivamente paga pelo consumidor final. Quanto ao facto de não existir nos autos prova do conhecimento da rectificação do imposto por parte dos destinatários das facturas, em que assenta a correcção pelos SIT, é certo que esta efetivamente não existe, nem poderia existir, pois tratando-se de liquidação, em documento interno da Recorrida, de IVA que o suspendeu contabilisticamente como disso dá nota AT, e tratando-se de uma retalhista perante consumidores finais, como poderiam estes tomar conhecimento da rectificação ou reembolso do imposto que lhes é totalmente alheio. Aliás, tal procedimento, que está previsto no artigo 71.º, n.º 5 do Código do IVA é totalmente inaplicável in casu, pois apesar do tratamento e denominação atribuída contabilisticamente pela Recorrida e reafirmada pelos SIT e AT, com recurso ao n.º 5 do artigo 71º do CIVA, perante os factos não estamos no domínio da rectificação de facturas, não havendo lugar à emissão de notas de crédito e de novas facturas, anular as anteriores, mas apenas a regularização do IVA compreendido no desconto. Assim, podemos concluir que para os “talões descontos” e “vales de desconto” o valor tributável das operações com esses talões é o valor do respectivo preço, abatido do valor nominal dos talões, o que por si afasta a relevância do incumprimento do artigo 71º do CIVA (actual 78º), por estarmos perante um abatimento à base tributável tal como previsto na alínea b) do nº 6 do artigo 16º do CIVA. Por conseguinte, não se vê que a sentença tenha incorrido em erro de julgamento, sendo de confirmar a mesma, dando por prejudicado o pedido subsidiário formulado pela Recorrida, mormente de reavaliação do pedido de reenvio prejudicial ao TJUE que havia requerido (conclusões 552 – 567 das contra-alegações). 2.2.4. Da dispensa do remanescente O valor do processo ascende a € 676.054,32 (valor fixado por decisão de 26.06.2022, referência 008139575 do SITAF) e preceitua o artigo 6.º, n.º 7 do RCP que, nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. A dispensa do remanescente da taxa de justiça prevista neste preceito legal depende, portanto, da verificação de dois requisitos cumulativos: a simplicidade da questão tratada e a conduta das partes facilitadora e simplificadora do trabalho desenvolvido pelo tribunal. No caso dos autos as questões decididas, que se reconduziram à reapreciação da liquidação de IVA pela prestação, pela Recorrida de serviços promocionais bem como pela utilização de talões de desconto e de vales de combustível, como meio de pagamento não podem, na sua resolução e na tramitação do recurso, ser consideradas de complexidade inferior a comum a justificar, com esse fundamento, a dispensa do pagamento da taxa de justiça. Por outro lado, a postura das partes também não facilitou a reapreciação das questões, atentas as complexas e prolixas conclusões formuladas, com ênfase nas 567 conclusões insertas nas contra-alegações, que em rigor deveriam ter ditado um convite ao aperfeiçoamento. Contudo, no presente recurso, as custas recaem sobre a parte vencida, a Recorrente (AT), razão que nos leva a ponderar a dispensa a uma outra luz. Pois que, apesar de extensas, as conclusões apresentavam-se de forma escorreita e de fácil perceção, o que releva para efeitos de conduta a atender. A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente na decisão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 03.04.2019, proferido no processo 0436.18.0BALSB, diz-se, com interesse que: “No entanto, há que ter em conta que o valor do remanescente da taxa de justiça, tal como alega a Requerente, surge desproporcionado em face do serviço prestado. Na verdade, não podemos perder de vista que a taxa de justiça, como todas as taxas, assume natureza bilateral ou correspectiva (cfr. arts. 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, da LGT), constituindo a contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do sujeito passivo.”. No caso, e conforme requerido pela Recorrente, entendemos que tudo ponderado se justifica a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso à luz do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, uma vez que as questões a decidir no recurso apesar de complexas, só parcialmente se revelaram particularmente complexas, a conduta processual da Recorrente não é merecedora de qualquer censura ou reparo, mas acima de tudo, o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida se afiguraria (não havendo dispensa do pagamento do remanescente) algo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado. 2.4 Conclusões I. Quando a selecção dos factos não é devidamente impugnada, resta apreciar a subsunção dos factos ao direito aplicável tendo em vista uma solução jurídica diferente da decretada, pois o erro que subsiste não é um erro na apreciação da prova, mas sim um erro na aplicação do direito. II. Ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do artigo 646º n.º 4 do pretérito CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito) o princípio subjacente ao preceito não desapareceu, devendo hoje continuar a entender-se que, na fundamentação (de facto) da sentença, só os factos interessam, desprovidos de juízos conclusivos e/ou matéria de direito. III. Não tendo sido provadas concretas e individuais prestações de serviços a título oneroso aos fornecedores do grande retalhista, não estão reunidos os elementos do conceito de prestação de serviços onerosa apara efeitos de tributação em IVA segundo os artigos 1º nº 1 alª a) e 4º do CIVA. IV. A AT não pode tributar com IVA, de modo generalizado e in bloco, o valor dos descontos de fornecedores que, segundo um contrato de condições gerais de fornecimento, teriam contrapartidas em serviços diversos de promoção e distribuição e outros, junto dos clientes, relativamente aos produtos fornecidos. V. para os “talões descontos” e “vales de desconto” o valor tributável das operações com esses talões é o valor do respectivo preço, abatido do valor nominal dos talões, o que por si afasta a relevância do incumprimento do artigo 71º do CIVA (actual 78º), por estarmos perante um abatimento à base tributável tal como previsto na alínea b) do nº 6 do artigo 16º do CIVA. 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, e confirmar a sentença recorrida. Custas a cargo da Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça. Porto, 12 de setembro de 2024 Irene Isabel das Neves (Relatora) Cristina da Nova (1.ª Adjunta, revendo posição anterior tomada na mesma qualidade, no âmbito do acórdão de 19.05.2022, processo n.º 358/10.3BEPRT, actualmente em revista) Carlos Fernandes (2.º Adjunto) |