Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00048/08.7BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/27/2025
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:PAULO MOURA
Descritores:DEDUÇÃO E REGULARIZAÇÃO DE IVA;
INVESTIMENTOS REALIZADOS PARA FINS DA EMPRESA;
ART.º 25 CIVA (ATUAL ART.º 26.º;
Sumário:
A regularização da dedução do IVA, relativamente a imóveis não utilizados pelo sujeito passivo, significa reverter a dedução, pelo que a reversão da dedução, tem de ser efetuada da mesma forma que foi realizada a dedução do IVA.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


[SCom01...], Lda., interpõe recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IVA dos anos de 2002 a 2004, por entender que a sentença assenta numa equívoca apreciação dos factos relevantes e consequente análise da prova, assim como errada apreciação jurídica.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrente contra – imediatamente – o acto de indeferimento da reclamação graciosa e – mediatamente – os actos de liquidação adicional de IVA e correspondentes juros compensatórios relativos aos anos de 2002 a 2004, no montante global de € 135.307,24.
B. Na génese destes actos está a aquisição de terrenos na Zona Industrial ... em ... (1996), ancorada não só na expectativa de um crescimento substancial do volume de negócios que exigiria uma maior capacidade financeira e estrutural para investir em novas infra-estruturas que antecipassem as necessidades da indústria do calçado, mas também no segredo comercial (incluídas técnicas de fabrico, informações e estratégias comerciais e de angariação de clientela) – o que, de resto, não suscita nenhuma ambiguidade na praxis societária. Após a aquisição daqueles terrenos, seguiu-se a construção de cinco pavilhões (2001 a 2003), com vista à afectação dos imóveis à fabricação de calçado; e que representou um esforço financeiro de € 793.492,27, sendo que o IVA suportado ascendeu a € 140.784,10.
C. Como este investimento partia do pressuposto da afectação dos pavilhões à actividade económica, sujeita a IVA e dele não isenta, a Recorrente procedeu à dedução integral do imposto que incidiu a montante sobre a construção dos pavilhões. Concluídas as obras (em 2003), o aumento de volume de negócios que havia sido conjecturado não se concretizou (por facto não imputável a esta), obrigando-a a reconsiderar seriamente a afectação imediata do investimento; decidindo pela ocupação efectiva dos pavilhões considerados «necessários», como sejam os pavilhões n.os 2 e 3 (este mais tarde); e, por sua vez, a destinar os restantes pavilhões a um outro fim temporário, enquanto a situação económico-financeira não se alterasse significativamente. A [SCom01...] celebrou contratos de arrendamento com duração de um ano com outras sociedades (sem renunciar à isenção); e na ausência de rentabilização económica dos imóveis, e em função das necessidades que sentia, reservou-os para linhas de costura e/ou armazenagem de produto; nunca desistindo da intenção de afectar todos aqueles pavilhões à actividade tributada.
D. O ponto de discórdia entre o sujeito passivo e a AT reside na interpretação dos conceitos de «afectação» permanente e temporária: o primeiro considera que a intenção de afectação dos pavilhões à sua actividade tributada – mesmo que a aquisição dos terrenos e a construção dos pavilhões se tenha revelado um mau investimento e que tenha defraudado por completo as expectativas iniciais do agente económico – não só legitima a dedução do IVA suportado com a construção, como também demonstra, a par de outros elementos, a natureza temporária dos arrendamentos; e a segunda atenta no «destino» efectivo dos imóveis à data dos factos (subjugada ao prazo de caducidade do direito à liquidação) e suscita o «carácter definitivo» da afectação dos pavilhões a um sector isento; que impacta na extensão da regularização ao exercício do direito à dedução do sujeito passivo.
E. Olhando aos períodos de tributação em crise, a Recorrente invoca a afectação temporária dos quatro pavilhões ao «arrendamento», dada a sua intenção ab initio de os afectar à sua actividade tributada, mantendo essa intenção para lá da acção inspectiva, embora não concretizada definitivamente nalguns pavilhões, por circunstâncias meramente conjunturais; donde se conclui se tratar de «prestações de serviços», à luz da al. a) do n.º 2 do artigo 4.º do CIVA, havendo que regularizar as deduções relativas a bens do activo imobilizado (n.º 2 do artigo 24.º e n.º 1 do artigo 25.º, ambos do CIVA), ao passo que a AT advoga que, posto que «os imóveis n.os 1, 3, 4 e 5 foram afectos de forma permanente ao arrendamento, consideramos que essas afectações são transmissões de bens nos termos da al. g) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA», sendo o IVA devido desde a «data do primeiro arrendamento», lançando mão do método de afectação real para promover as correcções impugnadas a fim de «reaver» o IVA suportado com a construção.
F. O Tribunal a quo julgou a impugnação judicial improcedente, na medida em que: «não obstante a intenção inicial da Impugnante de afectar os pavilhões construídos, certo é que tal não veio a ocorrer quanto aos pavilhões n.os 1, 3, 4 e 5, decorrendo claramente dos autos que aqueles foram destinados ao seu arrendamento a terceiros, pois não só tal conclusão se retira expressamente dos contratos de arrendamento firmados e referidos supra e, bem assim, dos elementos recolhidos pela Administração Fiscal e plasmados no RIT, como a Impugnante não logrou provar que efectivamente os mesmos foram, antes, utilizados no desenvolvimento da sua actividade sujeita a IVA», mantendo na ordem jurídica os actos contestados, amparando-se na matéria de facto dada como provada, transcrita nas pp. 4-8 das alegações de recurso.
G. Atenta a matéria de facto exposta, o órgão recorrido – ao desvalorizar em absoluto a «intenção meramente subjectiva» de afectar os pavilhões à actividade comercial da [SCom01...] (e que a afectação à locação era provisória), em detrimento de um critério alegadamente objectivo de «utilização ou afectação efectiva» daqueles imóveis para a realização de operações tributáveis –, entendeu não assistir razão ao agente quando defende que a afectação dos pavilhões n.os 1, 3, 4 e 5 a sector de actividade isento constituiu uma afectação meramente temporária; e assim, ao invés, entendeu o Tribunal a quo estar perante uma «afectação permanente», com as consequências daí advenientes.
H. A Recorrente opõe-se à sentença proferida pelo Tribunal a quo, por razões de ordem vária: desde logo porque assenta na equívoca apreciação dos factos relevantes e, consequentemente, na análise ambígua da prova produzida nos presentes autos, mas também porque a subsunção da factualidade julgada como provada à regulamentação jurídica aplicável não se afigura correcta.
Do erro quanto aos pressupostos de factos
I. O ponto nevrálgico neste processo era o de avaliar (incluindo os critérios que devem orientar essa avaliação) qual a natureza da afectação da [SCom01...] quando arrendou os pavilhões de que era proprietária numa circunstância em que, assumidamente, não estava em condições de afectar todos esses pavilhões à sua actividade tributada. Haveria que saber se essa decisão do sujeito passivo havia sido definitiva – no sentido de não mais pretender os pavilhões para a sua própria actividade – ou se era temporária – no sentido de que se tratava de dar um destino por algum tempo.
J. Na factualidade julgada como provada, acerca da «intenção inicial» de o sujeito passivo afectar os pavilhões à sua actividade tributada, o Tribunal dedicou-lhe menção nos pontos 27 e 29 do probatório. Já quanto à natureza da «afectação» dos imóveis a um sector isento, o órgão recorrido, para além de enunciar e descrever os contratos de arrendamento que envolvem os pavilhões n.os 1, 4 e 5 (pontos 2 a 6), dá como provado que o pavilhão n.º 4 esteve «ininterruptamente» ocupado pela arrendatária [SCom02...] desde 2002 (a inspecção concluiu em 2006), não obstante haver um «acordo de cavalheiros», no sentido de esta última se comprometer a desocupar o pavilhão assim que a primeira precisasse do espaço para desenvolver a sua actividade tributada (ponto 33); e que o pavilhão n.º 3 aparentemente alojava a sede social da sociedade, não arrendatária, [SCom03...] (ponto 34). Tratou-se, como bem se vê, de referências insípidas, sem qualquer alusão que permita compreender o julgamento que animou o Tribunal a quo nas conclusões extraídas em matéria de direito pela afectação permanente destes pavilhões n.os 1, 3, 4 e 5 ao arrendamento, reproduzidas ipsis verbis nas pp. 10-11 das alegações de recurso. Isto é, são dadas como provadas determinadas circunstâncias objectivas (e em boa verdade, nem todas, designadamente o acordo de cavalheiros quanto à precariedade do acordo), nada se explicando quanto às motivações ou ao animus dessas circunstâncias (que, in caso, eram decisivas para a resposta a dar)
K. Na óptica do julgador, por os pavilhões n.os 1, 4 e 5 terem sido objecto de contratos de arrendamento nos anos em causa, os mesmos foram permanentemente afectos à locação de bens imóveis (sem renúncia à isenção); e por o pavilhão n.º 3 coincidir momentaneamente com a sede social da [SCom03...], ambos na altura da inspecção, mesmo não havendo contrato de arrendamento, tendo uma placa com a inscrição «arrenda-se», por vezes desocupado, ainda que com algumas máquinas e formas de calçado reservadas ao fabrico de sapatos, também foi considerado, sem apelo, definitivamente afecto a um sector isento.
L. Considerando o contributo da prova testemunhal para a comprovação de factos relevantes nos presentes autos – nomeadamente o contexto económico-financeiro dos factos, a intenção do agente em ocupar todos os pavilhões para o desenvolvimento da sua actividade tributada; intenção essa concretizada em momentos dispersos no tempo, e ainda actual (pelo menos, à data da inquirição de testemunhas); os contratos de arrendamento celebrados, o «termo» aí consagrado e informalmente acordado, a confirmação de quem se vinculou nesses contratos –, entende a [SCom01...] estar perante um erro na apreciação da matéria de facto, nomeadamente dos pontos da matéria de facto acima mencionados dados como provados (designada e expressamente quanto à decisão «definitiva» sobre a afectação dos pavilhões à actividade de arrendamento), o que aqui se suscita nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 640.º do CPC, aplicáveis ex vi al. e) do artigo 2.º e artigo 281.º, ambos do CPPT.
M. Mas também do depoimento da testemunha arrolada pela AT se retira mais cristalinamente o problema quanto a este pressuposto de facto ser um – afectação temporária – ou outro – afectação definitiva –, uma vez que tudo se resumia à pressão representada pelo prazo de caducidade de 4 anos como a verdadeira motivação, a conciliar com «expectativas futuras» da situação dos imóveis no decurso da acção inspectiva, pouco importando tudo o resto, vg., se, depois desses quatro anos, tivesse ocorrido a afectação à actividade, ou se os elementos a avaliar admitissem ou não esse «regresso» do investimento à actividade da Recorrente.
N. Em face do exposto, entende a [SCom01...] que, (i) em relação aos pavilhões n.os 1, 4 e 5, deverá ser dada como não provada a afectação permanente dos mesmos ao arrendamento, e em concreto o arrendamento «ininterrupto» do pavilhão n.º 4 (ponto 32 do probatório), não só porque foram momentaneamente utilizados pela empresa na prossecução da sua actividade tributada [depoimento da testemunha «AA» a 00h18m32s – 00h20m04 da inquirição], mas também porque era sabida a natureza transitória da afectação pelos próprios arrendatários [depoimento da testemunha «BB» a 00h45m52s – 00h46m41s]; (ii) quanto ao pavilhão n.º 3, deverá ser igualmente dada como não provada a afectação permanente do mesmo à locação de bens imóveis, desde logo por a AT não ter provado os elementos característicos de uma locação (vg. que o proprietário tenha cedido o pavilhão ao locatário, contra uma renda, por um prazo convencionado, o direito de ocupar o pavilhão e de dele excluir outras pessoas), e por se constatar que, após ter estado provisoriamente desocupado, o imóvel estava munido de máquinas de costura e moldes dos sapatos para uma linha de costura complementar à do pavilhão n.º 2 [depoimento da testemunha «AA» a 00h15m23s – 00h18m31s]; de modo que se impõe uma (nova) decisão do Tribunal ad quem sobre estes concretos pontos de facto, impondo-se também que a motivação formada sobre os mesmos possa retratar o mais fielmente possível a realidade probatória (natureza temporária de cada uma das afectações), que, como tal, merecia ser tratada à luz da legislação aplicável.
O. E nem se tente, como pretendeu a AT na contestação (art. 18.º), e o órgão recorrido na sentença, «inverter» o ónus probatório e dourar uma Fundamentação lacónica do RIT, argumentando agora que a [SCom01...] não carreou «para os autos elementos capazes de contrariar fundamentadamente a qualificação da afectação dos referidos pavilhões a um sector isento», pois competia à AT dar cumprimento ao ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional, ao abrigo do n.º 1 do artigo 74.º da LGT; o que, pelas razões supra expostas, não se verificou, in casu. Não basta constatar que existem contratos de arrendamento (quando os há) e avistar uma placa «arrenda-se» num imóvel para afastar o carácter provisório da afectação, fazendo tábua rasa do regime de regularizações previsto para os activos imobilizados. De qualquer forma, estar-se-ia, pelo menos, perante uma «situação de dúvida fundada» sobre a afectação dos pavilhões, que deveria ter sido valorada processualmente a favor da Recorrente, por força do disposto no n.º 1 do artigo 100.º do CPPT.
Do erro de julgamento de direito:
P. O Tribunal a quo vai mais além do que a Fundamentação, quando afirma que «resulta a inexistência de qualquer referência, tanto na letra como no espírito da lei, à intenção meramente subjectiva do sujeito passivo», até porque a «ratio legis subjacente à assimilação destas operações, a qual corresponde à necessidade de obviar a situações de elisão e fraude fiscal, mediante o desvio de bens da empresa a fins que lhe são estranhos, desta forma subtraindo-se à tributação das respectivas operações»; «caso relevasse a mera intenção subjectiva da empresa, temos que poderia furtar-se à tributação de operações que, em termos normais, seriam tributáveis, bastando, para tanto, alegar a mera intenção de afectar os respectivos bens à sua actividade sujeita a imposto». Donde concluiu que «a intenção subjectiva da [[SCom01...]] não assume relevo para efeitos de determinar se estamos perante uma actividade sujeita ou isenta de IVA, antes ressaltando a efectiva afectação conferida aos pavilhões». Para o órgão recorrido, os pavilhões n.os 1, 3, 4 e 5 foram definitivamente afectos a um sector isento, ao arrepio da prova produzida no processo, reconduzindo tal «afectação permanente» a uma «transmissão de bens», à luz da al. g) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA. Acrescenta ainda que «não tem aplicação no caso concreto, o regime das regularizações previsto nos artigos 24.º, n.º 2 e 25.º, n.º 1 do CIVA ao contrário do que parece pretender a Impugnante».
Q. O problema é que, para além de a AT não ter provado a sua alegação («afectação permanente»), e de o sujeito passivo, no limite do que lhe era possível, ter demostrado a natureza temporária da «afectação» dos pavilhões n.os 1, 3, 4 e 5, se levado ao extremo este raciocínio, então nunca haverá lugar a afectação temporária. Porque esta questão (a dicotomia entre afectação temporária vs. afectação permanente) só se coloca quando o sujeito passivo deduz IVA suportado a montante, in casu com obras em imóveis que tinha em vista afectar à actividade tributada e, por algum motivo, os afecta depois a um sector isento (sem renunciar à isenção). Ora, se em tal circunstância, aos olhos dos serviços de inspecção tributária, constatada a «efectiva afectação» se estiver sempre perante uma «afectação permanente», então pouco interessa o carácter duradouro dos activos de imobilizado e a sua duração, pouco interessa aquela demonstração de afectação temporária, por mais eloquente que logre ser. A singrar a lógica da AT e do Tribunal a quo, a afectação a actividade isenta, corresponde sempre a uma afetação definitiva e, por isso, se esvazia por completo o quadro legal (as hipóteses previstas) alusivo à regularização decorrente da afectação temporária… Aliás, é curioso olhar à génese ou à motivação da AT – confessada que foi na diligência de inquirição de testemunhas a que se aludiu supra – que se fixa no prazo de caducidade de 4 anos. Não. Este não é um argumento, pois se o legislador determinou um prazo de 20 durante o qual podem ocorrer regularizações (anuais ou completas em função dos períodos ainda por decorrer até àquele prazo de 20 anos), então não há que «temer» nem que «convocar» o prazo de caducidade como que torcendo aquele prazo de 20 anos. E, em bom rigor, não há qualquer risco em matéria de caducidade do direito à liquidação, porque esse direito contar-se-á sempre a partir do facto – a afectação a actividade isenta – e pode sempre traduzir-se-á numa regularização ora parcial / anual ora completa.
R. Pois já dizia o TJUE que «a autoridade administrativa ou judicial, quando tenha de tomar posição sobre este problema, deve apreciar todos os dados que caracterizam o caso concreto para determinar se a actividade em questão, na situação em causa a exploração de um bem sob a forma da locação, tem o fim de auferir receitas com carácter de permanência»; sendo que se se tratar de «um bem, devido à sua natureza, susceptível de ser utilizado tanto para fins económicos, como para fins privados, há que analisar o conjunto das condições da sua exploração para determinar se é utilizado efectivamente com o fim de auferir receitas com carácter de permanência» - vide Acórdão Enkler C-230/94, na linha do Acórdão Lennartz C-97/90. E mesmo que até decorram alguns anos de afectação a um sector isento, considerando a vida útil de um imóvel, tal evento não pode «ser considerado elemento que permita concluir que o sujeito passivo não tencionava utilizar [mais] o bem para os fins da sua empresa» - vide Acórdão X C-334/10.
S. Retomando o caso sub judice, seja na origem, no decurso e na conclusão do investimento consubstanciado na construção dos pavilhões, seja no início, no decurso e na conclusão da acção inspectiva e pelo menos até à data da inquirição de testemunhas, esteve sempre a intenção – de que os factos supra descritos são prova – de afectar o produto do investimento à actividade de produção, e respectivas necessidades de armazenamento; confirmada por elementos objectivos. E, fora do plano das intenções, a [SCom01...] ocupou ocasionalmente os pavilhões nos períodos em causa, em funções das exigências do mercado; o que afasta a definitividade «adjudicada» à afectação dos imóveis no caso concreto.
T. E não nos confundamos neste último ponto. A não utilização efectiva e com continuidade dos pavilhões na prossecução da actividade tributada por um concreto período não permite concluir pela afectação permanente daqueles imóveis ao arrendamento, como decorre do lastro jurisprudencial do TJUE (i) Acórdão Inzo C-110/94; (ii) Acórdão Ghent Coal Terminal NV C-37/95; (iii) Acórdão Klub OOD C-153/11; e o recente (iv) Acórdão Imofloresmira C- 672/16. Havendo prova de que o sujeito passivo no sentido de suportar que aquele actuou activamente para que o imóvel fosse utilizado na actividade tributada e que não lhe é, em simultâneo, imputável a sua desocupação, como se reúne nos presentes autos, em especial quanto ao pavilhão n.º 3, não é possível daí inferir pela «afectação permanente» a um sector isento «só porque sim».
U. Como os investimentos consubstanciados na construção dos pavilhões em questão, foram dirigidos – e continuam a sê-lo, como resulta dos factos anteriormente enunciados – à actividade tributada, tendo, declarada e temporariamente, e por força de circunstâncias conjunturais, alguns deles sido afectos numa e noutra ocasião a um sector de actividade isento. O mesmo é dizer que os pavilhões não alteraram «para sempre» a sua afectação. E tal afectação temporária dos pavilhões consubstancia uma «prestação de serviços» tal como resulta da al. a) do n.º 2 do artigo 4.º do CIVA. Aí, o valor tributável é o «valor normal» definido no n.º 4 do artigo 16.º do CIVA, tendo por referência o disposto na al. c) do n.º 2 do mesmo preceito legal.
V. Sempre que um imóvel esteja afecto a uma actividade mista, que apenas em parte confere o direito à dedução do IVA suportado, o sujeito passivo terá que regularizar anualmente as deduções efectuadas com referência a tal imóvel se entre a percentagem da dedução aplicável no ano de ocupação do imóvel e em cada um dos dezanove anos civis posteriores e a que tiver sido apurada no ano da aquisição ou da conclusão das obras. O regime de regularizações do activo imobilizado como o conhecemos justifica-se «pela utilização duradoura destes bens e pela amortização concomitante dos seus custos de aquisição» - vide Acórdão Centralan Property C-63/04.
W. Só assim, a regularização imposta pelos artigos 24.º e 25.º, ambos do CIVA, para situações similares, feita numa base anual, consubstancia uma solução legislativa (mais do que) suficiente para proteger os interesses do erário público, sem penalizar desnecessariamente os operadores económicos em situações de igualdade e a tão desejada neutralidade fiscal. O que se extrai, por exemplo, do Acórdão Uudenkaupungin kaupunki C-184/04.
X. O mesmo entendimento é o que resulta não só dos factos efectivos e verificáveis, como também da própria orientação genérica constante do Ofício-Circulado n.º 7913/1989, e das instruções administrativas que se lhe seguiram, tais como a Informação Vinculativa n.º 3150, por despacho proferido pelo Sub-Director Geral, ou a Informação Vinculativa n.º 12660, por despacho proferido pela Direcção de Serviços de IVA; e da jurisprudência europeia anteriormente citada.
Y. Em suma, o órgão recorrido ao concluir pela legalidade das correcções promovidas em sede inspectiva e das liquidações adicionais, bem como pela adequada Fundamentação na determinação do carácter permanente da afectação dos pavilhões ao arrendamento, quando a AT não procedeu a uma análise casuística do caso concreto, relevando os vários factores que concorreram a decisão de «afectação», como lhe era exigido para alegar a «afectação permanente», e invertendo o ónus probatório para o sujeito passivo que «não logrou provar» o contrário; e, apreciando incorrectamente a matéria de facto dada como provada e negligenciando a prova testemunhal produzida nos presentes autos, incorreu ele próprio numa insofismável ilegalidade quando concluiu pela definitividade da afectação dos pavilhões àquela actividade sujeita a IVA mas dele isenta, subsumindo-a na «transmissão de bens», razão pela qual deverá este Tribunal ad quem revogar a sentença recorrida e substituir por outro que considere as ditas correcções e liquidações contrárias à lei e, consequentemente, ordene a sua imediata anulação, com todas as consequências legais.
Finalmente, do pedido de reenvio prejudicial:
Z. Estamos certos, em vista do que nestas alegações de recurso ficou amplamente demonstrado, que as normas e princípios de IVA aplicáveis são suficientemente concludentes no sentido da ilegalidade da sentença recorrida e da Fundamentação dos actos tributários nela impugnados, mas, se por mera hipótese académica, se entender que as mesmas suscitam dúvidas razoáveis merecedoras de harmonização europeia, deverá, então, a questão ser remetida por este Tribunal ad quem ao TJUE, a título de reenvio prejudicial – o que, com essa condição, desde já, se requer.
V. Do Pedido
Nestes termos e nos demais de Direito, requer-se a V. Exas. se dignem a dar provimento ao presente recurso, por provado, e, em consequência, anular a sentença recorrida e, concomitantemente, os actos impugnados nos termos e com os fundamentos em erros de facto e de direito anteriormente invocados, com todas as consequências legais.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público não emitiu parecer.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se existe erro na apreciação da matéria de facto; se a AT cumpriu o ónus de provar os factos constitutivos do direito à emissão da liquidação adicional; se, no caso concreto, não ocorre sujeição a IVA, sendo que, em caso de incerteza, existe dúvida sobre o facto tributário; subsidiariamente se deve ser realizado reenvio prejudicial.

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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
De facto
Consideram-se provados, com relevo para a boa decisão da causa, os seguintes factos:
1. Em 12 de dezembro de 1996 foi lavrada “escritura de compra e venda” em que a Impugnante, representada por «CC» e «DD», na qualidade sócios gerentes, adquiriu ao Município ..., os módulos vinte e nove a quarenta e um, sitos na Zona Industrial ..., ..., nomeadamente com o seguinte teor: “(…) Primeiro prédio: terreno com a área de oito mil seiscentos e oitenta e cinco metros quadrados, sito no lugar ..., na freguesia ... deste concelho, inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo quatrocentos e sessenta e três, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número zero zero cento e cinquenta e dois, barra, zero noventa mil quatrocentos e noventa e um de ... (…) segundo prédio terreno com a área de sete mil setecentos e quinze metros quadrados, sito no lugar ..., da freguesia ..., deste concelho, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo quatrocentos e setenta e sete, descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número zero zero cento e cinquenta e quatro, barra duzentos e cinquenta mil seiscentos e noventa e um de ... (…)” – (Cfr. escritura, a fls.58 a 61 do PAT em apenso);
2. Em 1 de abril de 2002, a Impugnante celebrou com a sociedade “[SCom02...], Lda.” contrato de arrendamento comercial pelo prazo de um ano, renovável e com destino ao exercício do comércio de produtos para a construção civil correspondente ao pavilhão n.º 4 – (Cfr. artigos 38.º e 39.º da p.i., contrato de arrendamento comercial e recibo de renda, a fls. 43 a 45 do PAT em apenso);
3. Em 1 de junho de 2002, a Impugnante celebrou com a sociedade “[SCom04...]” contrato de arrendamento comercial pelo prazo de um ano, renovável e com destino ao armazenamento de máquinas, ferramentas e material elétrico, correspondente ao Pavilhão n.º 5 – (Cfr. artigos 38.º e 39.º da p.i., contrato de arrendamento comercial e recibo de renda, a fls. 46 a 48 do PAT em apenso);
4. Em 1 de setembro de 2002, a Impugnante celebrou com a sociedade “[SCom05...], Lda.” contrato de arrendamento comercial pelo prazo de um ano, renovável e com destino “ao exercício do comércio de equipamentos e materiais para a construção civil, ferramentas e ferragens”, correspondente ao pavilhão n.º 1 – (Cfr. artigos 38.º e 39.º da p.i. e contrato de arrendamento comercial, a fls. 19 e 20 do PAT em apenso);
5. Em 21 de janeiro de 2003, a Impugnante celebrou com a sociedade “[SCom06...], Lda” contrato de arrendamento comercial pelo prazo de um ano, renovável e com destino à prática de desporto recreativo, correspondente ao Pavilhão n.º 5 – (Cfr. contrato de arrendamento comercial e recibo de renda, a fls. 49 a 51 do PAT em apenso);
6. Em 1 de agosto de 2003, a Impugnante celebrou com a sociedade “[SCom07...], Lda.” contrato de arrendamento comercial, com início a 1 de agosto de 2003 e fim no final desse mesmo ano, renovável, destinando-se o armazém arrendado à guarda de chapas metálicas, correspondente ao Pavilhão n.º 1 – (Cfr. contrato de arrendamento comercial e recibo de renda, a fls. 24 a 26 do PAT em apenso);
7. Em 2 de fevereiro de 2004 foi elaborado pela Direção de Finanças ... o “Auto de Ocorrência”, com o seguinte teor: “(…) estive presente na sede do sujeito passivo “[SCom03...], S.A.”, detentor do NIF ...14, sita na Zona Industrial ..., número ...39, freguesia ..., Município ..., onde constatei que o citado sujeito passivo se encontra a exercer habitualmente a sua atividade. O local em apreço é um armazém que possui no seu interior escritório destinado à parte administrativa, sendo que, segundo me declarou o administrador do sujeito passivo, «EE», NIF ...59, foi arrendado ao proprietário pelo montante de €2.000,00 mensais…” – (Cfr. auto de ocorrência, a fls. 40 do PAT em apenso);
8. Em 1 de junho de 2004, a Impugnante celebrou com a sociedade “[SCom08...], Lda.” contrato de arrendamento comercial pelo prazo de um ano, renovável, e com destino à guarda de materiais para tetos falsos, correspondente ao Pavilhão n.º 1 – (Cfr. contrato de arrendamento comercial e recibo de renda, a fls. 21 a 23 do PAT em apenso);
9. Em 1 de agosto de 2005, a Impugnante celebrou com a sociedade “[SCom09...], Lda.” contrato de arrendamento comercial pelo prazo de um ano, renovável e com destino à guarda de flores, correspondente ao Pavilhão n.º 1 – (Cfr. contrato de arrendamento comercial e recibo de renda, a fls. 27 a 29 do PAT em apenso);
10. Em 18 de novembro de 2005, foi elaborado o “Auto de Ocorrência” pela Direção de Finanças ..., com o seguinte teor: “(…) quando nos encontrávamos naquele local, por volta das 14:30, telefonei ao Sr. «CC», NIF ...12, para o telemóvel (…), a fim deste comparecer no local para darmos início à visita. O Sr. «CC» afirmou ser-lhe impossível deslocar-se a esse local em virtude de se encontrar numa reunião que visava a preparação e expedição de mercadorias para o estrangeiro. Não sendo possível efetuar as diligências pretendidas, anotámos os detalhes relativos aos imóveis em causa, conforme se descreve de seguida: o primeiro a contar da rotunda está arrendado à empresa [SCom09...], à exceção da cave que está arrendada à empresa [SCom08...] Lda. Os dois edifícios seguintes (geminados) estavam encerrados, estando afixado no da esquerda a placa publicitária de “...”. No outro estava afixada uma placa publicitária com letras sumidas, sendo legível as palavras “[SCom03...]” e “...”. Estava ainda afixada uma placa que continha a inscrição de “Arrenda-se” e com o telefone de contacto (…). Os dois pavilhões restantes eram igualmente geminados. No da esquerda, localizava-se a empresa [SCom02...], ao qual efetuámos uma visita, o que nos foi permitido pelos responsáveis legais da empresa. O outro estava encerrado e continha uma placa publicitária que continha a inscrição “...”. Foram recolhidos cópias dos contratos de arrendamento com as empresas “[SCom09...]” e “[SCom02...]”- Foram tiradas fotografias aos imóveis que se juntam” – (Cfr. auto de ocorrência, a fls. 32 do PAT em apenso);
11. Em 22 de novembro de 2005 foi elaborado o “Auto de Declarações” pela Direção de Finanças ..., em que foi ouvido «CC», na qualidade de gerente da Impugnante e do qual resulta o seguinte: “(…) tendo sido inquirido sobre: 1 – Instalação onde ocorre a sua atividade; 2. Destino dado aos imóveis que a empresa possui na Zona Industrial .... Afirmou: 1. Que as instalações onde exerce a atividade localizam-se no local acima indicado que corresponde à sua sede social. Utiliza, ainda na sua atividade o Pavilhão sito na Zona Industrial ... que tem afixado o reclame publicitário com a inscrição “...”. Por força da atual conjuntura, a atividade concentra-se apenas na sua sede social, encontrando.se, porém, algumas máquinas de produção de calçado no outro local. 2. …os pavilhões do lado Norte (da rotunda), o pavilhão n.º 1 esteve arrendado à empresa [SCom07...], conforme contrato que se dá cópia. A cave desse pavilhão foi arrendada à empresa [SCom08...] cujo contrato vai ser enviado por fax (…) A empresa [SCom07...] abandonou as instalações que foram arrendadas, de novo, à empresa [SCom09...] (…) O pavilhão n.º 2 geminado com o n.º 3, está afeto à atividade da empresa como já se referiu. O pavilhão n.º 3 tem algumas máquinas e algumas formas de calçado, mas nunca esteve afeto à atividade da empresa. Pretendia-se que este pavilhão servisse de armazéns de produtos e matéria primas para apoio da atividade desenvolvida no pavilhão n.º 2. Contudo, como já se referiu a atividade da empresa diminuiu pelo que os mesmos só voltaram a ser utilizados na atividade caso a situação económica do país o justifique. Neste pavilhão com o n.º 3 esteve a empresa [SCom03...], Sa., cujos responsáveis nunca assinaram e devolveram o contrato de arrendamento, nunca pagaram a renda acertada e acabaram por sair dessa instalação. Atualmente, neste pavilhão encontra-se afixada uma placa de “arrenda-se”. No pavilhão n.º 4, está a empresa [SCom02...], ao abrigo de um contrato de arrendamento (…). No pavilhão n.º 5 está a empresa [SCom06...] com quem foi celebrado o contrato de arrendamento, cuja atividade consiste na realização de atividades desportivas” – (Cfr. auto de declarações, a fls. 31 e 31 verso do PAT em apenso);
12. Em 13 de fevereiro de 2006, a Impugnante foi notificada pela Direção de Finanças ... para apresentar/organizar os seguintes elementos:
“(…) 1. Motivos justificativos das deduções de IVA suportado com a construção dos imóveis que a empresa possui na Zona Industrial ...; 2. Data em que foi acordado o arrendamento do terceiro pavilhão com a empresa [SCom03...], S.A.; 3. Data em que foi colocada a placa a publicitar a disponibilidade do imóvel (terceiro) para arrendamento; 4. Datas em que a empresa decidiu afetar os imóveis sitos na Zona Industrial ... ao arrendamento (…) – (Cfr. notificação, a fls. 16 do PAT em apenso);
13. Na mesma data, foi elaborado o “Auto de Declarações” pela Direção de Finanças ... em que foi ouvido «CC», na qualidade de gerente da Impugnante e do qual resulta o seguinte: “(…) tendo sido inquirido sobre: motivos de ter efetuado dedução de IVA na contabilização dos casos de construção dos imóveis sitos na Zona Industrial .... Afirmou: Pretendeu afetar aqueles imóveis à atividade de produção de calçado, o que se justificava devido ao facto de, nessa altura, as encomendas da empresa serem bastantes. Com o passar dos anos, o setor começou a entrar em decadência, o que justificou a não utilização de todos os edifícios nessa atividade (apenas dois deles foram ocupados, com possibilidade de, neste momento, digo, de virem a ser utilizados na atividade produtiva do calçado, novamente, ou, virem a ser arrendados, tudo dependendo da evolução do setor” – (Cfr. auto de declarações, a fls. 18 do PAT em apenso);
14. Em resposta à notificação referida no ponto 12, a Impugnante apresentou através de requerimento datado de 3 de março de 2006, os seguintes esclarecimentos: “(…) 1. A dedução do IVA deveu-se ao facto de a intenção de utilização dos pavilhões ser na atividade normal da empresa. Justificando na época a necessidade de mais espaço e a sua utilização de mais mão-de-obra que era mais abundante naquela zona do que na zona da sede da empresa. 2. O terceiro pavilhão nunca foi arrendado, chegamos a ter um pré acordo com empresa [SCom03...], mas nunca foi celebrado qualquer contrato de arrendamento, nem nunca recebemos qualquer importância relativo a rendas com essa empresa. Esse pavilhão como pode ver fisicamente esteve e está afecto à atividade da empresa. 3. Não posso precisar essa data mas que fique claro que o facto de lá ter uma placa, não significa que disponibilizemos de facto o pavilhão para arrendamento. Estamos a usá-lo na nossa atividade, mas como atividade do calçado tem estado em recessão, se nos apertarmos em termos de espaço disponível talvez possamos dispensar aquele espaço, mas para isso é necessário que o valor do arrendamento seja interessante do n/ ponto de vista. O pavilhão pode ter lá uma placa a dizer arrenda-se durante anos e nunca aparecer um interessado em pagar o que consideramos justo e durante todos esses anos e em todo esse tempo usarmos o pavilhão na n/ atividade. 4. A data em que a empresa decidiu arrendar os pavilhões que foram arrendados foi nas respetivas datas dos contratos de arrendamento” – (Cfr. requerimento, a fls. 17 do PAT em apenso);
15. Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI20.......35 de 27 de março de 2006 da direção de Finanças ..., foi a Impugnante sujeita a ação inspetiva de âmbito parcial, relativa a IVA referente aos exercícios de 2002 a 2005, tendo esta sido estendida por despacho do Diretor de Finanças Adjunto ao período de 03.07 – (Cfr. ordem de serviço e despacho, a fls. 106 e 107 do PAT em apenso);
16. No âmbito da referida ação inspetiva, em 9 de maio de 2006 foi elaborado o “Projeto de relatório de inspeção tributária” pela Direção de Finanças ..., com o seguinte teor:
(…)
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À
MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III.1 EM SEDE DE IVA
III.1.1 Afetação de imóveis a sector isento com deduções de IVA a montante
Conforme já se referiu, foram detetadas situações passiveis de tributação em IVA, relacionadas com a afetação de imóveis a sector isento.
Com a conclusão dos imóveis construídos pela empresa na Zona Industrial ..., sabendo-se que os mesmos foram arrendados sem que tenha havido renúncia à isenção de IVA, prevista no n.º 30 do artigo 9.º do CIVA, a empresa passou a desenvolver, em simultâneo, uma atividade tributada (fabricação de calçado) e uma atividade isenta que não confere direito à dedução (locação de imóveis nas condições referidas).
Face ao disposto no ofício circulado n.º 79713, de 1987-07-18, o regime de dedução do imposto a efetuar pelo sujeito passivo é de obrigatoriamente o que consta do n.º 2 do artigo 23.º do CIVA (regime de afetação real). Ora, tendo deduzido o IVA suportado na construção dos referidos imóveis (a título exemplificativo, juntam-se cópias de alguns documentos de suporte e extrato de conta do IVA dedutível de imobilizado, como anexo n.º 1), conclui-se que a sua afetação a um sector isento, constitui uma operação tributada em sede de IVA.
Poder-se-ia pôr em causa as deduções de IVA efetuadas, no sentido de as considerar irregulares, caso, desde logo, a empresa pretendesse afectar os imóveis construídos à atividade prevista no n.º 30 do artigo 9.º. Nesse caso, estaríamos na presença de um sujeito passivo misto (com atividades que conferem ou não o direito à dedução), que estaria obrigado a cumprir com algumas formalidades, previstas no CIVA. Enquadram-se nessas obrigações, a entrega de uma declaração de alterações onde deveria ser assinalado no quadro 11 essa situação, se utilizaria o regime de afetação real de todos os bens e serviços adquiridos ou apenas de parte deles e, finalmente, o pro rata estimado pela empresa. Pelo contrário, a empresa estava unicamente registada na atividade de fabricação de calçado, que confere o direito à dedução integral do IVA suportado, verificados os demais requisitos necessários ao exercício desse direito. Apenas depois de concluídos os imóveis foi possível verificar o destino que lhes seria dado. O Pavilhão n.º 2 foi utilizado na atividade do calçado, enquanto que os restantes foram afetos a um setor isento, conforme se conclui adiante.
Conjugando o incumprimento das formalidades aplicáveis aos sujeitos mistos, com as deduções de IVA efetuadas e com a posterior afetação dos bens a setor isento, estão cumpridas as condições para considerarmos haver operações tributáveis em sede de IVA, conforme se descreverá de seguida. É este, aliás, o entendimento perfilhado no ponto 5 do ofício circulado n.º 79713 que se passa a transcrever:
“Em consequência, os sujeitos passivos que tenham procedido à dedução total ou parcial do imposto, relativamente quer a bens de investimento, quer a matérias primas, deverão, aquando da afetação a sectores que não conferem o direito à dedução, efetuar a liquidação do IVA correspondente, nos termos da alínea g) do n.º 3 do artigo 3.º do Código do IVA”.
Explicada a situação ao Sr. «CC», NIF ...12, sócio e gerente da empresa, compreendeu que os procedimentos adotados são incongruentes com as normas do CIVA. Tendo sido questionado (cfr notificação efetuada em 2006-02-13, que constitui o anexo n.º 2), sobre o destino que a empresa pretendia dar aos imóveis durante o tempo em que foram construídos, afirmou destiná-los ao sector tributado (anexo n.º 3 – resposta à notificação e Auto de Declarações de 2006-02-13). De seguida, passa-se a efetuar o enquadramento fiscal das operações:
(…)
Cabe-nos então identificar os factos comprovativos de que estamos na presença de afetações permanentes ou de utilizações temporárias. Para o efeito, descreveremos as situações de facto de cada um dos imóveis (…):
1 . Pavilhão n.º 1 (artigo matricial n.º ..19)
• Esteve arrendado à empresa [SCom05...] Lda, NIPC ...37, conforme contrato de arrendamento e cópia do 1.º recibo de renda que constituem o anexo n.º 4;
• A cave está arrendada à empresa [SCom08...] Lda., NIPC ...45, desde 2004-06-01, conforme contrato de arrendamento e cópia do primeiro recibo de renda (anexo n.º 5). Pela sua cedência a empresa aufere uma renda mensal liquida de 500,00€;
• O restante edifício esteve arrendado à empresa [SCom07...] Lda, NIPC ...26, desde 2003-08-01, sendo a renda mensal líquida de 1.500,00€ - anexo 7; Conclui-se, portanto, que este imóvel está afeto ao sector isento de forma permanente, na medida em que se sucedem consecutivos arrendamentos.
2. Pavilhão n.º 2 (artigo matricial n.º ..20)
• Este pavilhão esteve afeto à atividade da empresa, o que se comprova pelo facto de existir no processo individual do sujeito passivo a guia de transporte n.º 66 (anexo n.º 8), de 2004-02-06, relativa ao transporte de mercadorias da sede da empresa (...) para aquele local. Está afixada uma placa publicitária com a inscrição “...”, marca de calçado utilizada pela empresa. Na visita efetuada ao pavilhão que decorreu em 2005-11-22, conforme auto de declarações que constitui o anexo n.º 9, constatámos que, no seu interior, ainda se encontravam algumas máquinas de fabrico de calçado que voltarão a ser utilizadas naquele local, caso a atividade o justifique. Assim, conclui-se que este pavilhão esteve a ainda está afeto à atividade da empresa, pelo que não está sujeito a tributação em IVA, pelo disposto nas normas acima enunciadas.
3. Pavilhão n.º 3 (artigo matricial n.º ..21)
• O pavilhão n.º 3 tem algumas máquinas e formas de calçado, o que foi constatado durante a visita efetuada ao pavilhão, efetuada em 2005-11-22. No entanto, as marcas de pneus existentes no pavimento indiciam que aqueles equipamentos foram levados para aquelas instalações nos dias anteriores, de modo a que isso indiciasse a sua utilização na atividade da empresa, pelo facto de conforme se refere de seguida, termos contactado o Sr. «CC» em 2005-11-18 para que a visita aos pavilhões fosse efetuada nesse dia, o que se revelou impossível de fazer, dada a sua indisponibilidade. Nessa data o Sr. «CC» reconheceu que o pavilhão nunca esteve afeto à atividade da empresa (ver anexo n.º 9). Pretendia-se que este armazém servisse de apoio ao trabalho desenvolvido no pavilhão n.º 2, o que não se chegou a verificar pelo facto da atividade da empresa não o justificar. Está afixada, neste pavilhão uma placa com as letras sumidas, sendo levemente legível as palavras “[SCom03...]”, “...” e “...”, relativas à empresa [SCom03...], S.A. Foi afirmado pelo gerente acima identificado que o pavilhão esteve arrendado a essa empresa, razão justificativa da existência da referida placa publicitária, mas os seus responsáveis nunca assinaram e devolveram o contrato de arrendamento que se pretendia celebrar nem nunca pagaram a renda acertada, daí que a utilização do armazém fosse limitado a um período de tempo muito curto. Neste edifício, encontra-se afixada uma placa com a inscrição “arrenda-se”. O n.º de telemóvel de contacto nela inscrito é o do Sr. «CC». A existência dessa placa comprova-se pelo descrito no Auto de Declarações referido, bem como no Auto de Ocorrência que constitui i anexo n.º 10, elaborado em 200511-18, data em que pretendíamos efetuar a visita aos pavilhões, o que se revelou impossível de efetuar conforme se descreve e nas fotografias anexas a esse Auto de Ocorrência.
• A empresa [SCom03...] foi objeto de visita pelo Inspetor Tributário «FF» em 2004-02-12, tendo as diligências efetuadas ocorrido nas instalações arrendadas na Zona Industrial ... (cfr. Auto de ocorrência que constitui o anexo n.º 11). Por outro lado, a escritura de constituição dessa empresa (anexo n.º 12), datada de 2003-07-11, refere que a sua sede social é na Zona Industrial ..., número ...39, precisamente nas instalações arrendadas. Do exposto, fica patente que o tempo em que a empresa [SCom03...] esteve naquelas instalações não foi assim tão curto, em virtude dos seus sócios afirmarem em julho de 2004 que a sua sede social era naquele local, o que obviamente teria sido acertado com os responsáveis da [SCom01...] Lda, e em fevereiro de 2004 ainda utilizarem essas instalações. Pelo facto dos responsáveis legais da empresa inspecionada não identificarem a data em que teriam acordado o arrendamento com os responsáveis da [SCom03...], consideramos que o período em que ocorreu a afetação do imóvel ao arrendamento foi o período de 03.07, o que se comprova pelo conteúdo da referida escritura. Verifica-se, pois, que após ter sido arrendado à empresa “[SCom03...]”, embora a “experiência” não tenha sido bem sucedida, encontra-se afixada uma placa a anunciar que aquele imóvel se encontra disponível para novo arrendamento. Daí concluirmos que esse imóvel se encontra afeto ao setor isento de forma permanente, pois foi esse o destino dado ao pavilhão e continua a ser esse o fim dado àquele imóvel, conforme se descreveu.
4. Pavilhão n.º 4 (artigo matricial n.º ..22)
• Está arrendado à empresa [SCom02...] Lda, NIPC ...70, conforme contrato de arrendamento que constitui o anexo n.º 13, desde 2002-0401. A renda mensal ilíquida inicial foi de 1.995,00€. Dado o tempo já decorrido, pode-se concluir que o mesmo está afeto ao arrendamento de forma permanente.
5. Pavilhão n.º 5 (artigo matricial n.º ..23)
• Esteve arrendado à empresa [SCom04...] SA, NIPC ...22, durante o período compreendido entre junho e novembro de 2002, sendo a renda mensal ilíquida de 1.995,00€ (cfr. contrato de arrendamento e cópia do 1.º recibo de renda – anexo n.º 14). A acrescentar o facto de este contrato de arrendamento não ter sido assinado, pelo facto de, à partida, ter ficado acertado que o período de utilização do imóvel por parte da [SCom04...] se limitaria a um período curto. De qualquer modo, foi solicitado cópia do contrato de arrendamento devidamente assinado e o Sr. «CC» referiu não o possuir. Referiu ainda que este documento em conjunto com o 1.º recibo de renda comprova inequivocamente que o arrendamento do imóvel ocorreu em junho de 2002.
• Está arrendado à empresa [SCom06...], Lda., NIPC ...16, que o ocupa desde 2003-04-01, sendo a renda mensal líquida inicial de 1.700,00€, conforme contrato de arrendamento que constitui o anexo n.º 15. Também neste caso, o imóvel encontra-se afeto de forma permanente ao arrendamento, conclusão que deriva do facto do primeiro arrendamento ter sido efetuado intencionalmente por um período curto de tempo.
Embora a duração do arrendamento estabelecido nos contratos referidos seja de um ano, ficou estabelecido nos mesmos que renovar-se-ão automaticamente, nos termos da lei, quando não sejam denunciados por qualquer dos outorgantes. Na prática, isso significa que os arrendamentos poder-se-ão prolongar no tempo, sendo o exemplo mais esclarecedor desse facto, o contrato de arrendamento celebrado com a [SCom02...] Lda, que se mantém em vigor desde Abr/2002. Do exposto, constatando-se que os imóveis n.ºs 1, 3, 4 e 5 foram afetos de forma permanente ao arrendamento, consideramos que essas afetações são transmissões de bens nos termos da alínea g) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA. Quanto ao momento em que o IVA é devido, o n.º 4 do artigo 7.º dispõe que este é devido e exigível no momento em que as afetações de bens tiverem lugar. Assim, de seguida definem-se os momentos em que consideramos ter existido a afetação:
a) Pavilhão n.º 1: Como foi alvo de arrendamentos sucessivos, consideramos como data da afetação ao setor isento a data do primeiro arrendamento: 2002-09-01 (período 02.09);
b) Pavilhão n.º 3: Tendo sido arrendado numa primeira fase à empresa [SCom03...] e, mais tarde, sido afixada uma placa a publicitar a disponibilidade para o arrendamento, a qual, por não ter sido indicada pelos responsáveis legais da [SCom01...] Lda, considera-se que ocorreu em 2003-07-31, data da celebração da escritura de constituição da [SCom03...], na qual se refere que a sua sede social é na Zona Industrial ... número ...39. Assim, considera-se que no período 03-07 ocorreu a afetação dos imóveis a setor isento, sendo por isso o período em que ocorre a transmissão de bens;
c) Pavilhão n.º 4: desde 2002-04-01 que se encontra arrendado, pelo que se considera ser esta a data em que ocorreu a afetação (período 02.04);
d) Pavilhão n.º 5: Em 2002-06-01, este pavilhão foi objeto do primeiro arrendamento à empresa [SCom04...]. Sucedeu-lhe outro arrendamento à empresa [SCom06...] Lda, pelo que, também neste caso, sendo objeto de arrendamentos sucessivos, consideramos ser a data do primeiro arrendamento, aquela em que ocorreu a afetação (02.06).
O valor tributável das transmissões é o que decorre da alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA – o preço de aquisição dos bens ou de bens similares, ou na sua falta, o preço de custo, reportados ao momento de realização das operações. Para o efeito foram solicitadas fotocópias das fichas de imobilizado (fichas de bens 202010 a 202014, que constituem o anexo n.º 16), as quais deveriam identificar o valor contabilístico dos bens. Contudo, em termos contabilísticos, depois de concluídas as obras os custos de construção foram transferidos das contas de imobilizado em curso para idênticas contas da conta 42. Já o valor do terreno permaneceu na conta onde inicialmente tinha sido contabilizado. Não foi incluído o valor do terreno na ficha dos bens, o que foi justificado pelo facto de ser possível, sem efetuar cálculos adicionais, determinar diretamente o valor das amortizações aceites como custo, tendo em conta o disposto na alínea) do n.º 1 do artigo 33.º do CIRC (exclusão do valor do terreno para cálculo das amortizações). No quadro seguinte, identificam-se os saldos das diversas contas relacionadas com as construções de imóveis, por forma a apurarmos o custo total de construção dos cinco imóveis:
Descrição Valor Observações
Terreno 191.469,66 Valor do terreno onde foram edificados os imóveis POC 4214
Custos de construção c/ IVA deduzido 600.448,80 Movimento acumulado a débito e a crédito em 2002-12-31 na conta POC
441601 e a débito na conta POC 42211, em 2002-12-31
Custos de construção isentos de IVA 1.574,01 Movimento acumulado a débito e a crédito em 2002-12-31 na conta POC
441701 e a débito na conta POC 42211, em 2002-12-31
Total dos Custos de construção 793.492,47
N.º de imóveis construídos 5
Custo unitário 158.698,49
(…)
Conforme decorre do valor dos imóveis constante das fichas de imobilizado (120.404,56€), o custo unitário de cada imóvel corresponde à divisão dos custos globais de construção dos cinco imóveis (terreno excluído) pelo n.º de imóveis construídos (cinco pavilhões) – [(600.448,80€ + 1.574,01€/5]. Isso foi justificado pelo Sr. «AA», gerente da sociedade “[SCom10...]”, onde é elaborada a contabilidade da empresa, pelo facto de não haver uma identificação em concreto dos custos de construção de cada um dos imóveis e de ter sido contratada a construção de todos eles por um valor global. Assim, na imputação do custo do terreno a cada um dos imóveis foi seguido o mesmo critério, obtendo-se assim, um valor de cada imóvel de 158.698,49€, conforme se demonstrou no quadro anterior. É este o valor tributável previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, com exceção do valor do imóvel n.º 3, afeto ao arrendamento em 03.07, pelo que terá de se ter em conta o valor das amortizações contabilizadas em 2002, no montante de 2.048,10€ (2%*120.404,56€), constante da respetiva ficha de imobilizado.
A taxa do IVA a aplicar às transmissões referidas é a que se prevê na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA. Com a alteração da taxa de 17% para 19%, dada pela Lei n.º 16-A/2002, de 31 de maio, que entrou em vigor em 06 de junho, isso significa que as transmissões efetuadas até àquela data serão tributadas à taxa de 17%, enquanto que as posteriores serão tributadas à taxa de 19%.
Do exposto resulta que o IVA em falta pela transmissão de bens prevista na alínea g) do n.º 3 do artigo 3.º do CIVA atinge o valor global de 113.805,36€, conforme se apura no quadro seguinte:
Imóvel Período afetação da Preço de
custo
Amortizações de 2002 Valor líquido contabilístico TAXA
IVA
IVA devido
1 2 3 4 5=3-4 6 7=5*6
Pavilhão n.º 1 02/09 158.698,49 158.698,49 19% 30.152,71
Pavilhão n.º 3 03/09 158.698,49 2.408,10 158.698,49 19% 29.695,17
Pavilhão n.º 4 02/04 158.698,49 158.698,49 17% 26.978,74
Pavilhão n.º 5 02/06 158.698,49 158.698,49 17% 26.978,74
TOTAL 113.805,36
(…) – (Cfr. projeto de relatório de inspeção tributária, a fls. 205 a 211 verso do PAT em apenso);
17. O aludido projeto foi levado ao conhecimento da Impugnante através do ofício n.º 8406364 de 11 de maio de 2006, da Direção de Finanças ..., tendente, ademais, à notificação para exercício de audição prévia – (Cfr. ofício, a fls. 204 do PAT em apenso);
18. Não tendo a Impugnante exercido audição prévia, em 5 de junho de 2006 foi elaborado pela Direção de Finanças ... o relatório de inspeção tributária o qual mereceu concordância por despacho do Chefe de Divisão (por subdelegação) com os fundamentos vertidos no projeto de relatório referido no ponto 5, apenas acrescendo o seguinte: “IX. Direito de Audição – Fundamentação – A empresa foi notificada para exercer o direito de audição sobre o Projeto de Relatório de Inspeção (…). O direito de audição não foi exercido. Assim, mantêm-se as correções propostas, conforme constam do referido projeto”. – (Cfr. relatório de inspeção tributária, a fls. 2 a 9 do PAT em apenso);
19. O relatório mencionado no ponto anterior foi levado ao conhecimento da Impugnante através do ofício n.º 8407713, de 12 de junho de 2006 e rececionado no respetivo domicílio fiscal em 14 de junho de 2006 – (Cfr. ofício, registo CTT e aviso de receção assinado, a fls. 1 e 1 verso do PAT em apenso);
20. Na sequência do relatório identificado no ponto 7 foram emitidas, em nome da ora Impugnante, por referência ao exercício de 2002, 2003 e 2004, as seguintes liquidações e notas de cobrança/demonstrações de compensação/acerto de contas:
N.º liquidação Data da liquidação Período de
Tributação
Valor Tributo Data limite de pagamento
...26 08-07-2006 0307 €29.695,17 IVA 30-09-2006
...27 08-07-2006 0307 €3.251,01 IVA (juros
compensatórios)
30-09-2006
...28 08-07-2006 0403 €166,25 IVA 30-09-2006
...29 08-07-2006 0405 €2.184,34 IVA 30-09-2006
...30 08-07-2006 0405 €165,89 IVA (juros
compensatórios)
30-09-2006
...31 08-07-2006 0408 €1.215,26 IVA 30-09-2006
...32 08-07-2006 0408 €80,17 IVA (juros
compensatórios)
30-09-2006
...33 08-07-2006 0204 €26.978,74 IVA 30-09-2006
...34 08-07-2006 0204 €5.018,05 IVA (juros
compensatórios)
30-09-2006
...35 08-07-2006 0206 €26.978,74 IVA 30-09-2006
...36 08-07-2006 0206 €4.697,26 IVA (juros
compensatórios)
30-09-2006
...37 08-07-2006 0209 €30.152,71 IVA 30-09-2006
...38 08-07-2006 0209 €4.723,65 IVA (juros
compensatórios)
30-09-2006
(Cfr. liquidações e documentos de cobrança, a fls. 191 a 203 do PAT em apenso);

21. Em 25 de janeiro de 2007 a Impugnante apresentou requerimento de “Reclamação Graciosa” junto do Serviço de Finanças ..., o qual deu origem ao processo n.º ...07 – (Cfr. requerimento, carimbo no mesmo aposto e comprovativo de entrega da reclamação graciosa, a fls. 182 a 190 do PAT em apenso);
22. Em 5 de novembro de 2007 foi elaborado o projeto de decisão relativo à reclamação referida no ponto anterior, no sentido do seu indeferimento, o qual mereceu a concordância do Diretor de Finanças ... (por delegação) por despacho de 7 de novembro de 2007 e com os fundamentos vertidos na informação n.º 127/2007, da Direção de Finanças ..., datada de 5 de novembro de 2007 – (Cfr. projeto de decisão, despacho e informação, a fls. 301 a 304 verso do PAT em apenso);
23. O aludido projeto foi levado ao conhecimento da Impugnante através do ofício n.º 202076, Direção de Finanças ..., de 8 de novembro de 2007, tendente, ademais, à notificação para o exercício de audição prévia – (Cfr. ofício, a fls. 305 do PAT em apenso);
24. Não tendo a Impugnante exercido audição prévia, em 10 de dezembro de 2007, foi a reclamação referida no ponto 10 indeferida por despacho do Diretor de Finanças ... (por delegação), da mesma data, convertendo em definitivo o projeto de decisão com os fundamentos no mesmo vertidos – (Cfr. despacho, a fls. 306 do PAT em apenso);
25. O referido despacho foi levado ao conhecimento da Impugnante através do ofício n.º 202273, de 11 de dezembro de 2007 da Direção de Finanças ..., rececionado no respetivo domicílio fiscal em 13 de dezembro de 2007 – (Cfr. ofício, registo CTT e aviso de receção assinado, a fls. 307 e 307 verso do PAT em apenso);
Mais se provou que:
26. A Impugnante dedica-se ao fabrico de calçado, tendo mantido a respetiva sede em ... – (Cfr. artigo 1.º da petição inicial, fotocópia da certidão de registo comercial ... certificada em 23 de fevereiro de 2005, relatório de inspeção tributária, a fls. 2 a 9 do PAT em apenso e prova testemunhal);
27. Entre os anos de 2001 e 2003, a Impugnante construiu nos terrenos adquiridos e referidos no ponto 1, sito na Zona Industrial ..., ... cinco pavilhões distintos entre si, pretendendo destiná-los inicialmente à atividade de costura, de montagem e de armazenamento – (Cfr. artigos 22.º e 29.º da petição inicial e prova testemunhal);
28. Cada um dos cinco pavilhões mencionados no ponto anterior encontra-se inscrito na matriz, respetivamente, sob os artigos n.ºs ..19, ..20, ..21, ..22 e ..23 – (Cfr. artigo 29.º da p.i. e certidões de teor, a fls. 118 a 124 do PAT em apenso);
29. Os referidos pavilhões foram construídos atendendo a que na altura as suas instalações se mostravam exíguas atento o nível de encomendas, sendo que à data a Impugnante contava com mais de 100 trabalhadores – (Cfr. artigos 16.º e 17.º da petição inicial e prova testemunhal);
30. A Impugnante deduziu o IVA relativo à construção dos pavilhões referidos no ponto anterior, no montante de €140.784,10 – (Cfr. artigo 24.º da p.i., por acordo);
31. O pavilhão n.º 2 sito na Zona Industrial ..., ... nunca foi arrendado – (Cfr. artigo 37.º da petição inicial e prova testemunhal);
32. O pavilhão n.º 4 esteve ininterruptamente ocupado pela sociedade “[SCom02...]” desde abril de 2002 – (Cfr. artigo 5.º, n.º 3, alínea a) do CPC, contrato de arrendamento, a fls. 43 e 44 do PAT em apenso e prova testemunhal);
33. Entre a Impugnante e a sociedade “[SCom02...], Lda.” existia um “acordo de cavalheiros”, no sentido de esta última se comprometer a desocupar o pavilhão arrendado mediante assim que a primeira necessitasse do referido espaço, mediante um aviso prévio – (Cfr. 40.º da p.i., em parte, e prova testemunhal);
34. Da escritura de constituição da sociedade “[SCom03...], S.A.” lavrada no dia 30 de julho de 2003, consta como sede o imóvel sito na Zona Industrial ..., número ...39, freguesia ..., concelho ... – (Cfr. escritura de constituição de sociedade, a fls. 41 e 42 do PAT em apenso);
35. A presente impugnação foi remetida ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu através de carta registada em 21 de dezembro de 2007 – (Cfr., registo CTT, a fls. 27 dos autos).

Factos não provados
1. A Impugnante prestou garantia com vista a suspender o processo executivo contra si instaurado – (Cfr. artigo 10.º da p.i – falta de junção de qualquer elemento probatório aos autos).

Motivação da matéria de facto
A decisão da matéria de facto teve por base a posição das partes, os documentos juntos, o teor do processo administrativo instrutor em apenso e a prova testemunhal produzida, conforme referido em cada um dos pontos do probatório.
Quanto aos pontos 26, 27, 29 e 31 a 33 do probatório o Tribunal considerou os depoimentos das testemunhas «AA», o qual presta serviços de contabilidade à Impugnante e «BB», empresário e sócio gerente da sociedade [SCom02...], Lda., os quais se mostraram credíveis, coerentes e espontâneos, demonstrando conhecimento direito dos factos em relação aos quais foram inquiridos.
O depoimento da testemunha «GG» não se mostra relevante na medida em que o mesmo incidiu essencialmente sobre o teor do relatório de inspeção tributária.
Concretamente quanto ao ponto 26 dos factos provados, o Tribunal considerou o depoimento da testemunha «AA», o qual referiu que a Impugnante fabrica calçado, dedicando-se essencialmente à sua exportação, o que se encontra em consonância com o que resulta do relatório de inspeção tributária, a fls. 2 a 9 do PAT em apenso. Afirmou, ainda que as instalações da Impugnante se situavam em ..., tendo aí permanecido mesmo após a construção dos pavilhões, o que resulta igualmente do relatório de inspeção tributária e da respetiva certidão de registo comercial cuja fotocópia foi certificada em 23 de fevereiro de 2005.
Quanto aos pontos 27 e 29 dos factos provados, o Tribunal atendeu ao depoimento da testemunha «AA», o qual referiu que os pavilhões foram construídos de forma individual e separada entre si, sendo que o objetivo inicial passava por instalar num pavilhão a atividade de costura, noutro a montagem e noutro o armazenamento. Ademais, acrescentou que o objetivo inicial da construção dos pavilhões tinha como fundamento o facto de as instalações da Impugnante se terem mostrado exíguas face ao crescimento do negócio e ao número de encomendas, tanto que à data a empresa contava com mais de 100 trabalhadores.
Quanto aos pontos 31 e 32 dos factos provados, o Tribunal considerou os depoimentos das testemunhas «AA», o qual confirmou o que resulta do relatório de inspeção tributária, no sentido de que o pavilhão n.º 2 nunca ter sido arrendado, mantendo-se destinado ao desenvolvimento da atividade da Impugnante e «BB», representante da sociedade “[SCom02...], Lda.” que confirmou a permanência da mesma nas instalações correspondentes ao pavilhão n.º 4 de forma ininterrupta desde abri de 2002 até ao momento.
Quanto ao ponto 33 dos factos provados, o Tribunal considerou o depoimento da testemunha «BB», o qual admitiu a existência entre si e a Impugnante de um “acordo de cavalheiros”, pelo qual se comprometeu a desocupar o imóvel logo que a Impugnante precisasse do referido espaço, mediante um aviso prévio informal.
**

Apreciação jurídica do recurso.

Alega a Recorrente que a sentença enferma de erro na apreciação da matéria de facto, sendo que em relação aos pavilhões nos. 1, 4 e 5, deverá ser dada como não provada a afetação permanente dos mesmos ao arrendamento, e em concreto o arrendamento «ininterrupto» do pavilhão n.º 4 (ponto 32 do probatório), não só porque foram momentaneamente utilizados pela empresa na prossecução da sua atividade tributada, mas também porque era sabida a natureza transitória da afetação pelos próprios arrendatários.
Diz, ainda, a Recorrente que o pavilhão n.º 3, deverá ser igualmente dada como não provada a afetação permanente do mesmo à locação de bens imóveis, desde logo por a AT não ter provado os elementos característicos de uma locação e por se constatar que, após ter estado provisoriamente desocupado, o imóvel estava munido de máquinas de costura e moldes dos sapatos para uma linha de costura complementar à do pavilhão n.º 2.

A sentença recorrida, considerou que, com exceção do pavilhão n.º 2 (cuja afetação ao setor de atividade da Impugnante não é colocada em causa pela Administração Tributária), os outros pavilhões não foram afetados à atividade, tendo sido arrendados, não obstante a intenção inicial de afetar todos os pavilhões à atividade da Recorrente, tal não acabou por suceder.
Apreciando.
Está em causa saber se os pavilhões nos. 1, 3, 4 e 5, em face da prova produzida, podem ou não ser considerar afetados a outra atividade.
Começando pelo pavilhão n.º 4, uma vez que vem invocada uma particularidade, que é o designado acordo de cavalheiros, compete dizer, que a Recorrente não logra infirmar o sentenciado.
Assim, não obstante, ter ficado provado existir o referido acordo, ou seja, que a empresa arrendatária deixaria o pavilhão n.º 4, assim que lhe fosse solicitado pelo senhorio, tal não desconfigura a situação que existe de facto. Ou seja, o referido pavilhão encontra-se ocupado pela empresa arrendatária há vários anos, inclusive assim acontecendo na data da inquirição de testemunhas. Aliás, a testemunha «BB» (gerente da empresa arrendatária), depôs no sentido de que fez um contrato de arrendamento, que se foi renovando, não obstante admitir sair, se a Impugnante precisar do pavilhão n.º 4.
Portanto, a possibilidade de cessar a utilização do pavilhão n.º 4, nunca foi concretizada, pelo que não passou de uma hipótese que não se concretizou.
Significa isto, que na prática o pavilhão não está a ser usado pela Impugnante; que é quanto baste para se considerar não estar demostrada a sua utilização prática, real e efetiva pela Recorrente.
No que concerne ao pavilhão n.º 1, verifica-se que foram celebrados contratos de arrendamento, em 2002, 2003, 2004, 2005, conforme dado por assente na matéria de facto, nos pontos 4, 6, 8, 9.
Relativamente ao pavilhão n.º 5, também se verifica que o mesmo esteve arrendado em 2002 e 2003, conforme dado por assente na matéria de facto, nos pontos 3 e 5.
No que tange ao pavilhão n.º 3, verifica-se que o mesmo esteve ocupado pela empresa «[SCom03...], S.A.», no ano de 2004 e que no ao de 2005, tinha na fachada colocada uma placa com a menção «Arrendo», conforme dado por assente na matéria de facto, nos pontos 7 e 10. Verifica-se, ainda que a referida empresa foi constituída no dia 31/07/2003, tendo sido indicado na escritura de constituição de sociedade, a sede social na Zona Industrial ..., número ...39, que corresponde, precisamente, ao pavilhão n.º 3. Vide ponto 34 do probatório, conforme pacto social a fls. 41 e 42 do PA.
Ora, em função da indicação constante da escritura de constituição de sociedade, bem como da verificação in loco, em 12/02/2004, aquando da inspeção realizada à empresa «[SCom03...], S.A.», da ocupação do pavilhão n.º 3 por esta empresa, resulta verificada a ocupação deste pavilhão. E, não pode deixar de ser salientado, o facto de a escritura de constituição desta sociedade mencionar como sede social este mesmo pavilhão, pelo que não é de acolher a alegação de que não foi usado por terceiros.
Para além disso, a colocação da fachada da placa «Arrenda», demonstra que a Impugnante não tem a intenção de utilizar o espaço.

Por sua vez, ouvido o depoimento da testemunha «AA» (contabilista da Impugnante), por volta do minuto 20:30, referiu que a Recorrente tem um pavilhão ocupado, tendo a restante atividade em .... Esta testemunha também disse que a Impugnante tinha a intenção de ocupar os pavilhões, assim que a empresa consiga concretizar os seus projetos, esclarecendo que fez feiras no estrangeiro, teve contactos na Índia para comprar gáspea já feita, mas que não há data prevista para ir ocupar os pavilhões, pois «tudo depende do negócio», segundo a referiu a testemunha.
Conforme está bom de ver, diante deste depoimento, não é possível dar como provado aquilo que a Recorrente pretende. Ou seja, na prática, a Impugnante não se encontra a ocupar os pavilhões nos. 1, 3, 4 e 5.
Em face do exposto, considera-se que não ocorre qualquer fundada dúvida sobre os factos, pelo que não é aplicável o disposto no artigo 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Em função da prova documental, assim como da prova testemunhal, não logra proceder o recurso da Impugnante em relação à matéria de facto.
*
Alega a Recorrente que a sentença incorreu em erro de direito, quando afirma não resultar da lei a intenção meramente subjetiva do sujeito passivo para efeitos de determinar se estamos perante uma atividade sujeita ou isenta de IVA, antes ressaltando a efetiva afetação conferida aos pavilhões, na medida em que os pavilhões não se podem considerar não terem sido afetados permanentemente aos fins da empresa.
Alega, ainda, a Recorrente que o legislador determinou o prazo de 20 anos, durante o qual podem correr regularizações, não podendo a AT reduzir esse prazo para os 4 anos de caducidade.
Mais alega a Recorrente, que a não utilização efetiva e com continuidade dos pavilhões na prossecução da atividade tributada por um concreto período não permite concluir pela afetação permanente daqueles imóveis ao arrendamento, sendo que, se por força de circunstâncias conjunturais, alguns dos pavilhões foram afetados numa e noutra ocasião a um sector de atividade isento, isso não é o mesmo que dizer que os pavilhões alteraram «para sempre» a sua afetação.

A sentença recorrida teve o seguinte entendimento:
«Por conseguinte, e ao contrário do que refere a Impugnante, a intenção subjetiva da mesma não assume relevo para efeitos de determinar se estamos perante uma atividade sujeita ou isenta de IVA, antes ressaltando a efetiva afetação conferida aos pavilhões ora em crise. Se, como resulta dos autos, os pavilhões construídos pela Impugnante foram destinados única e exclusivamente ao respetivo arrendamento, logo após a finalização da sua construção, não tendo logrado provar que em algum desses momentos essa afetação foi dirigida à sua própria atividade ou sequer infirmar as conclusões da Administração Fiscal nesse sentido, tanto basta para concluir estarmos perante uma operação de afetação de bens imóveis da empresa a uma atividade isenta.
Porquanto é assim, não asiste razão à Impugnante quando defende constituir a afetação dos pavilhões n.ºs 1, 3, 4, e 5 a setor de atividade isento uma afetação meramente temporária, pois dos autos resulta, antes a definitividade de tal afetação.».
Refere, ainda, a sentença, o seguinte:
«No entanto, como resulta do próprio RIT, a Impugnante deduziu integralmente o IVA suportado na construção dos pavilhões ora em crise, não sendo tal direito objeto do presente litígio. Aliás, é exatamente na medida em que tal direito foi exercido na sua íntegra que decorrerá a correspondente obrigação de liquidação em consequência da afetação dos pavilhões a atividade que não confere direito a tal dedução, em ordem a fazer operar o princípio da neutralidade do IVA. Com efeito, se é certo que à data em que a Impugnante construiu os pavilhões ora em crise a mesma apenas exercia uma atividade sujeita e não isenta de IVA, certo é que, não tendo renunciado à isenção, procedeu posteriormente à afetação de parte desses pavilhões a uma atividade isenta, em concreto, à respetiva locação, no âmbito da qual não teria direito à dedução. Se assim é, e se à data foi deduzido integralmente o IVA suportado naquela construção, ao afetar parte dos pavilhões a uma atividade isenta de IVA, tal afetação encontra-se sujeita a tributação.
(…)
Sublinhe-se, ademais, que não tem aplicação no caso concreto, o regime das regularizações previsto nos artigos 24.º, n.º 2 e 25.º, n.º 1 do CIVA ao contrário do que parece pretender a Impugnante (artigo 74.º da petição inicial), senão vejamos.
O artigo 24.º, n.ºs 1 e 2 do CIVA dispunha à data dos factos que “1 - Serão regularizadas anualmente as deduções efectuadas quanto a bens não imóveis do activo imobilizado se entre a percentagem definitiva a que se refere o artigo anterior aplicável no ano do início da utilização do bem e em cada um dos quatro anos civis posteriores e a que tiver sido apurada no ano de aquisição houver uma diferença, para mais ou para menos, igual ou superior a cinco pontos percentuais” e que “serão também regularizadas anualmente as deduções efectuadas quanto às despesas de investimento em bens imóveis, se entre a percentagem definitiva a que se refere o artigo anterior aplicável no ano de ocupação do bem e em cada um dos 19 anos civis posteriores e a que tiver sido apurada no ano da aquisição ou da conclusão das obras houver uma diferença, para mais ou para menos, igual ou superior a cinco pontos percentuais.
(negrito e sublinhado nossos)
Por sua vez, estabelecia o artigo 25.º, n.º 1 que “A não utilização em fins da empresa de bens imóveis relativamente aos quais houve dedução do imposto durante 1 ou mais anos civis completos após o início do período de 19 anos referido no n.º 2 do artigo 24.º dará lugar à regularização anual de 1/20 da dedução efectuada, que deverá constar da declaração do último período do ano a que respeita(negrito e sublinhado nossos).
Pois bem, do exposto resulta que a regularização de deduções pressupõe, desde logo, que esteja a decorrer um período de regularizações, visando regularizar os casos de transmissões de bens do ativo imobilizado que ocorram nos períodos de regularização (artigo 24.º, n.º 5), de não utilização em fins da empresa de imóveis cuja aquisição conferiu direito à dedução.
Ora, não é o que sucede no caso dos autos em que quanto aos imóveis em crise (pavilhões n.ºs 1, 3, 4, e 5) não está em causa a regularização de deduções, pois como já se referiu supra, a Impugnante procedeu à dedução integral do IVA suportado a montante na construção dos pavilhões, na medida em que à data apenas exercia uma atividade sujeita e não isenta de IVA e, como tal, teria direito à aludida dedução, não estando igualmente em causa a não utilização em fins da empresa de bens imóveis relativamente aos quais houve dedução do imposto.
O que sucede é que, tendo, posteriormente, a Impugnante afetado os pavilhões n.ºs 1, 3, 4 e 5 a uma atividade isenta de imposto (arrendamento) e não tendo renunciado à isenção prevista no artigo 9.º, n.º 30, estamos, antes, perante uma afetação permanente a um setor isento de IVA, tornando-se um sujeito passivo misto, com reflexos tributação de tal operação e subsequente liquidação em consequência da afetação e na respetiva proporção, pelo que tal como a própria Impugnante refere devia a Administração Fiscal “determinar o montante de imposto que é dedutível e distingui-lo do que não é dedutível” (artigo 72.º da petição inicial), mormente com vista a determinar a extensão da correspondente obrigação de liquidação, resultando esta determinação do disposto no artigo 23.º do CIVA e não dos artigos 24.º e 25.º do CIVA.
Na verdade, passando a atuar na qualidade de sujeito passivo misto, a Administração Fiscal lançou mão do método da afetação real, previsto no artigo 23.º, n.º 2 do CIVA em ordem a efetuar as correções ora impugnadas, na proporção entre as operações sujeitas e não isentas e aqueloutras isentas de IVA, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afetação dos inputs a cada uma delas, liquidando posteriormente o IVA relativamente a todos os bens que passaram a estar afetos a atividade isenta.
Assim, perante a verificação pela Administração Fiscal de que à luz da afetação dos pavilhões a um setor isento de IVA apenas seriam dedutíveis as despesas suportadas no âmbito da construção dos pavilhões por si construídos quanto ao pavilhão n.º 2 (único que foi afeto à sua atividade), procedeu à correspondente liquidação de imposto relativamente aos demais pavilhões afetos a atividade isenta de IVA, em relação aos quais foi realizada a dedução integral de imposto que despoletou, por sua vez, e, em obediência ao princípio da neutralidade, a subsequente liquidação.». [Fim de citação]

Apreciando.
Em primeiro lugar compete dizer que a Administração Tributária logrou cumprir o ónus probatório que lhe incumbe. Ou seja, conseguiu demonstrar que os pavilhões 1, 3, 4 e 5, não estavam ocupados pela Impugnante, conforme acima já se referenciou, aquando da análise da matéria de facto. Nessa sequência, concluiu (e bem), que os pavilhões em apreço, não estavam afetados à atividade da Impugnante, ora Recorrente.
Significa isto, que passou para a Impugnante o ónus de demostrar que os pavilhões estiveram efetivamente ocupados por si, no exercício da sua atividade. Conforme acima analisado, não foi considerado que a Recorrente tivesse demonstrado que ocupasse os pavilhões para o exercício da sua atividade.
Não obstante, entende a Recorrente que a mera intenção de ocupar esses pavilhões deve ser valorizada, pois que apenas não afetou os pavilhões à sua atividade, por razões conjunturais.
Ora, a sentença explicou que a ocupação dos pavilhões deve ser efetiva, ou seja, devem estar adstritos efetivamente à atividade da Impugnante, não podendo ser cedidos a terceiros. Assim, como explicou que uma intenção subjetiva não encontra acolhimento legal, na medida em que a lei apenas valora as condições objetivas; no caso a ocupação dos pavilhões que construiu.
Entende a Recorrente que deve ser valorado o caráter subjetivo e que apenas ocorreu uma afetação temporária dos pavilhões a terceiros (sendo que, quando ao pavilhão n.º 3 nem sequer reconhece ter sido cedido, mas conforme acima já referido, tal alegação improcede).
No que concerne à alegada afetação temporária e não definitiva, resulta demonstrado que na data da inquirição de testemunhas (ou seja, oito anos após ter deduzido integralmente o IVA), os pavilhões ainda não haviam sido ocupados pela Impugnante, mantendo a intenção de os ocupar.
Para além disso, não resulta demonstrada a ocupação temporária com a atividade da Impugnante dos pavilhões 1, 3, 4 e 5.
Face ao exposto, verifica-se que a Impugnante não ocupou os ditos pavilhões para realizar a sua atividade, tendo-os arrendado, ou seja, afetou-os a uma atividade isenta de IVA, conforme referido na sentença. Por isso, não podia ter deduzido o respetivo IVA.
Ora, a Impugnante deduziu integralmente o IVA, de uma só vez, no ano de 2003, conforme dado por assente no ponto 30 da matéria de facto e conforme reconhece a Recorrente na conclusão C) das suas alegações de recurso. Portanto, não utilizou a faculdade de poder deduzir o IVA anualmente durante 19 anos, pelo que também não pode beneficiar do regime de regularização das deduções parcelares anuais de 1/20, conforme então previsto no n.º 1 do artigo 25.º do Código do IVA (hoje artigo 26.º do CIVA).
Desta forma, a regularização das deduções deve ser efetuada conforme o tipo de dedução que foi realizada por iniciativa do sujeito passivo.
Retomemos a redação do n.º 1 do artigo 25.º do Código do IVA, que dizia:
A não utilização em fins da empresa de bens imóveis relativamente aos quais houve dedução do imposto durante 1 ou mais anos civis completos após o início do período de 19 anos referido no n.º 2 do artigo 24.º dará lugar à regularização anual de 1/20 da dedução efectuada, que deverá constar da declaração do último período do ano a que respeita.

Salvo melhor interpretação, a regularização da dedução de IVA, referente a imóveis não utilizados para os fins da empresa, apenas fica abrangida pelo regime de 1/20, ou seja, apenas fica sujeito à regularização anual de 1/20 da dedução efetuada, quando também tenha sido realizada a dedução anual do IVA, por anos civis completos.
Significa isto, que a dedução tinha de ser realizada durante um ano civil ou mais anos civis completos, ou seja, mesmo que efetuada a dedução num ano civil, era necessário que essa dedução fosse realizada ao longo desse ano civil, segundo os vários períodos de tributação a que a empresa esteja sujeita.
De outra forma, não se compreende a referência ao ano civil, pois que então bastava à norma mencionar apenas a realização da dedução, sem a preocupação em salientar a referência ao ano civil.
Conforme refere Isabel Vieira dos Reis, no artigo, A Regularização do IVA nos Bens de Investimento Imobiliário, publicado nos Cadernos de IVA 2017, p. 329:
«Chamamos a atenção para o facto de se exigir que se complete um ano civil para que a regularização de 1/20 em apreço seja devida.».
Assim, para que possa funcionar o regime da regularização ao longo dos anos, não pode ser deduzido o IVA num só ato, de uma só vez, como foi o que aconteceu no caso em apreço.
Portanto, se a dedução foi realizada num único ato, não pode funcionar o regime do n.º 1 do artigo 25.º do CIVA (atual artigo 26.º do CIVA), pois de outra forma, a norma fica sem sentido, quando refere que a dedução realizada durante um ano civil ou anos civis completos.
Por outras palavras, a regularização da dedução do IVA, relativamente a imóveis não utilizados pelo sujeito passivo, significa reverter a dedução, pelo que a reversão da dedução, tem de ser efetuada da mesma forma que foi realizada a dedução do IVA.

A Recorrente procedeu à dedução integral do IVA num só momento, pelo que não está abrangida pelo n.º 1 do artigo 25.º do CIVA. Assim, por ter optado pela dedução num só momento, é legítimo que também lhe seja liquidado o IVA num só ato, não podendo estar abrangida pela regularização anual.
Por sua vez, conforme dado por assente na matéria de facto os imóveis não foram utilizados pela Impugnante, uma vez que esta os arrendou a terceiros, pelo que se tratou de um ato voluntário, sujeito à vontade da Recorrente; logo não sujeito a situação de força maior ou decisão de autoridade.
Assim, nos anos de 2002 e 2003, os pavilhões 1, 4 e 5 estavam ocupados por terceiros. Nos anos de 2003 e 2004, estava ocupado o pavilhão n.º 3 e no ano de 2005, com a placa «arrenda». Nos anos de 2004 e 2005, estava ocupado por terceiros o pavilhão n.º 1, sendo que o pavilhão n.º 4 está ocupado ininterruptamente desde 2002.
A alegada conjuntura económica, para a ausência de ocupação dos pavilhões para a atividade da Impugnante, seria válida caso tivesse sido cabalmente alegada (pois trata-se de uma invocação vaga e genérica, ou seja, invocada somente a conjuntura económica), assim como efetivamente demonstrada (o que não sucedeu), e, ao mesmo tempo, os pavilhões se mantivessem devolutos. Isto, para além de concomitantemente, ter sido utilizado o método de dedução durante os sucessivos anos civis (método que não foi usado).
Como os imóveis não estavam devolutos no ano da dedução integral do IVA (ano de 2003), por decisão voluntária de arrendar aqueles imóveis, tal situação é incompatível com a possibilidade de poder deduzir o IVA, pois estavam afetos a uma atividade isenta, que é o arrendamento. Logo, a Impugnante deve regularizar as deduções indevidamente efetuadas, até porque não se pode considerar um sujeito passivo misto, uma vez que não tem aberta atividade para o exercício de mais nenhum objeto social.
Explicitando, sendo o objeto social da Impugnante o fabrico de calçado, os pavilhões 1, 3, 4 e 5, tinham de ser destinados à atividade da empresa, em especial no ano da dedução integral do IVA. O objeto social da Impugnante não era de atividade imobiliária, designadamente, para arrendamento. Por isso, ou os pavilhões ficavam devolutos, por motivo de força maior ou por facto não imputável ao sujeito passivo, ou tinham de ser usados pela empresa na sua atividade.
Este raciocínio é retirado dos Acórdãos do TJUE proferidos no processo n.º C-37/95 (Caso Ghènt Coal Terminal) e no processo n.º C-672/16 (Caso Imofloresmira – Investimentos Imobiliários, S.A.), segundo os quais a dedução deve ser permitida quando haja motivos alheios à vontade da empresa que impeçam esta de realizar as operações que havia previsto com o seu investimento. No caso concreto, a Impugnante não logra provar a existência de motivo alheio à vontade de ocupar os pavilhões, antes tendo ficado desmontado ter havido uma vontade de arrendar os pavilhões, usando apenas um para a sua atividade.
Em face do exposto, está correta a atuação da Administração Fiscal em liquidar o IVA indevidamente deduzido pela Impugnante.
Nesta sequência, não se nos afigura existirem dúvidas razoáveis sobre a interpretação das normas aplicáveis para liquidação do IVA em apreço, designadamente, quanto ao disposto no n.º 1 do artigo 25.º do Código do IVA, pelo que não se justifica a realização do reenvio prejudicial ao TJUE.
*
No concerne a custas, atenta a improcedência total do recurso, é a Recorrente a responsável pelas custas do recurso – vide artigo 527.º, nos. 1 e 2 do e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
**
Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora- -se o seguinte sumário:
A regularização da dedução do IVA, relativamente a imóveis não utilizados pelo sujeito passivo, significa reverter a dedução, pelo que a reversão da dedução, tem de ser efetuada da mesma forma que foi realizada a dedução do IVA.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente.
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Porto, 27 de fevereiro de 2025.

Paulo Moura
Jorge Manuel Monteiro da Costa
Graça Martins