Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00107/13.4BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/27/2025
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:CARLOS DE CASTRO FERNANDES
Descritores:IRC;
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO;
MÉTODOS INDIRETOS; PERITO INDEPENDENTE;
Sumário:
I – Sobre o recorrente que impugne a matéria de facto constante da sentença recorrida, impõe-se que dê cumprimento às regras previstas no artigo 640º do CPC.

II – Nos termos do art. 125º do CPPT e na al. b) do nº 1 do art. 615º do CPC: é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. No entanto, há que distinguir entre a falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada, sendo que o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação e tal nulidade só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respetivos fundamentos: isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão.

III – A matéria tributável deve ser avaliada ou calculada diretamente, segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei (cf. artigo 81.º n.º 1 da LGT). A avaliação indireta é, deste modo, subsidiária da avaliação direta (cf. artigo 85.º n.º 1 da LGT), pelo que só no caso de impossibilidade absoluta de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável do imposto poderá a administração tributária recorrer a métodos indiretos de determinação (cf. artigos 87.º n.º 1 alínea b) e 88.º da LGT).

IV – Intervindo perito independente na Comissão de Revisão da matéria tributável, não havendo acordo nesta e elaborando o perito independente o seu parecer, importa que a decisão de fixação que venha a ser tomada nos termos do n.º 6 do artigo 92.º da LGT observe o disposto no n.º 7 do mesmo artigo – que impõe que a decisão que vier a ser tomada pela Administração Tributária deve obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – [SCom01...] Lda. (Recorrente) veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, pela qual se negou provimento à impugnação que intentou, direcionada contra as liquidações adicionais de IRC e contra as correspetivas liquidações de juros compensatórios, aquelas relativas aos exercícios de 2009 e 2010.

No presente recurso, a Apelante ([SCom01...], Lda.) formula as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos do processo em epígrafe que julgou improcedente, sem fundamento válido, a Impugnação Judicial das liquidações do IRC e juros compensatórios, referentes aos anos de 2009 e 2010, pelo que existe erro de julgamento quanto à matéria de facto e de direito, nomeadamente, quanto à errada apreciação do cumprimento das regras que permitem o recurso aos métodos indiretos de tributação e ao erro na quantificação da matéria tributável.
B. Na Impugnação Judicial estava em causa a anulação das mencionadas liquidações adicionais, com fundamento em três distintos vícios, designadamente, a preterição de formalidades legais; ilegitimidade na utilização dos métodos indiretos; e erro na quantificação da matéria tributável (artigos 289.º a 364.º da petição inicial).
C. A douta sentença, da qual se recorre, o Tribunal "a quo" veio erradamente sustentar que nenhum dos vícios apontados poderiam proceder, posição com a qual a mesma não pode concordar, nomeadamente, no que diz respeito aos vícios apontados às liquidações decorrentes da ilegitimidade na utilização dos métodos indiretos do erro na quantificação da matéria tributável.
D. O tribunal "a quo" vem, com erro de julgamento da matéria de facto e de direito, sustentar que "mesmo nos casos em que o contribuinte cumpra os seus deveres de colaboração, a administração tributária não está impedida de desencadear o procedimento de fiscalização tributária com vista à confirmação dos dados declarados e dos registos em que tal declaração se funda", bem como conclui "pela efetiva existência de omissões no registo e contabilização de vendas e, consequentemente, de proveitos efetivamente obtidos pela Impugnante na atividade exercida", entendendo que a aqui recorrente não conseguiu demonstrar que "(...) os serviços de inspeção identificaram todas as situações de omissão de faturação, inexistindo, portanto, quaisquer outras operações não refletidas na sua contabilidade"
E. Ademais, o tribunal "a quo" vem, com erro de julgamento da matéria de facto e de direito, sustentar que "não é credível que tais omissões de faturação tenham ocorrido apenas num mês do ano de 2009 e em quatro meses do ano de 2010.", considerando, o mesmo, que "esta circunstância constituiria, por si só, elemento suficiente para se concluir pela impossibilidade de comprovar e quantificar, de modo direito, a matéria tributável e, consequentemente, legitimar o recurso a métodos indiretos de quantificação”.
F. O tribunal "a quo" vem, com erro de julgamento da matéria de facto e de direito, sustentar que "a Impugnante não logrou demonstrar que tais discrepâncias ocorreram em virtude de inexistência de stock, incapacidade de fabrico ou cancelamento da encomenda e que, portanto, a respetiva transmissão não chegou a realizar-se.", bem como, por outro lado, sustenta que a recorrente não apresentou os livros manuais de guias de transportes, "não ficando demonstrada, nem sendo verosímil, a tese segundo a qual os mesmos se extraviaram", e que não ficou demonstrado que as folhas de produto "não são considerados os desperdícios", entendendo que as regras de experiência "apontam para a circunstância de tais folhas considerarem uma percentagem de desperdício que, de modo mais ou menos rigoroso, foi apurado pela própria Impugnante".
Ademais, o tribunal "a quo" vem, com erro de julgamento da matéria de facto e de direito, sustentar que "a falta de rigor na organização dos elementos contabilísticos e a consequente dificuldade de comprovar a matéria tributável só pode ser imputada à própria impugnante, pelo que deverá ser valorada contra a mesma", pelo que, considerou que "os factos apurados pelos serviços de inspeção abalam a credibilidade da contabilidade para efeitos fiscais, bem como a possibilidade de reconstituir a verdadeira dimensão dos proveitos obtidos com a atividade exercida e quantificar a matéria coletável.
H. O tribunal "a quo" vem, com erro de julgamento da matéria de facto e de direito, sustentar que "resulta da matéria de facto provada que os serviços de inspeção analisaram apenas as aquisições de matérias-primas a entidades sedeadas nos Emirados Árabes Unidos, por se tratar de regime de tributação mais favorável, e não sobre a globalidade das aquisições realizadas pela Impugnante.".
I. O tribunal “a quo" vem, com erro de julgamento da matéria de facto e de direito, sustentar que os valores nos quais assentou o cálculo, designadamente os correspondentes aos consumos de tela, não foram objeto de suficiente validação, para quem “tal validação seria de difícil ou mesmo impossível realização atendendo à já (...) falta de organização dos registos contabilísticos, mormente no que respeita à falta de implementação do sistema de inventário permanente, (…), pelo que julgou "a metodologia seguida pela administração na determinação da matéria tributável revela-se não só adequada e proporcional, mas a única possível para garantir uma aproximação ao rendimento real, atendendo à já mencionada falta de credibilidade das existências declaradas (…)"
J. Em síntese, com erro de julgamento, concluiu que "a Impugnante não logrou cumprir o ónus de demonstrar o excesso de quantificação da matéria tributável que sobre si recaía, conclui-se que também deve improceder o alegado erro na quantificação da matéria tributável relativa aos exercícios de 2009 e 2010”.
K. Que existe erro de julgamento da matéria de facto, nomeadamente, quantos aos pontos 4, 5 e 20 da matéria de facto dada como provada, sendo que no ponto 4, deveria ter sido dado como provado que "a Impugnante não possui mecanismos que permitam controlar o débito de látex no produto final e a percentagem de evaporação dessa matéria-prima que ocorre durante o processo produtivo, por ser tecnicamente impossível de fazer tal apuramento com elevado grau de fiabilidade".
L. No ponto 5, da matéria de facto dada como provada, deveria ter sido dado como provado, que a recorrente não tinha sistema de inventário permanente, atendendo às dificuldades técnicas decorrentes das matérias-primas utilizadas, nomeadamente, por não ser possível, por exemplo, contabilizar o débito de látex no produto final e a percentagem de evaporação dessa matéria prima – “Por dificuldades técnicas inultrapassáveis, decorrentes das matérias-primas utilizadas, nos anos de 2009 e 2010, a Impugnante não possuía um sistema de inventário permanente".
M. No ponto 20 da matéria de facto dada como provada, deveria ter sido dado como provado, que o volume de compras de tela fora dos Emirados Árabes Unidos se mostrava insignificante, para a avaliação da capacidade produtiva da recorrente, pelo que além de ser ter dado como provado que "No relatório de inspeção, a administração tributária considerou corretos os preços e quantidades das compras de fio e tela a entidades sedeadas nos Emirados Árabes Unidos", dever-se-ia ter dado como provado que o volume de aquisição tela nos Emirados Árabes Unidos era significativo, enquanto a adquirida noutros locais se mostrava residual – “No relatório de inspeção, a administração tributária considerou corretos os preços e quantidades das compras de fio e tela a entidades sedeadas nos Emirados Árabes Unidos, que tinham um peso significativo nas aquisições de tela, sendo as demais aquisições irrisórias e sem impacto na capacidade produtiva da empresa".
N. Adicionalmente, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:
Os valores constantes das faturas identificadas com a letra B ou dos documentos que fazem referência a Faturas B representam despesas com comissões e foram integralmente destinados aos comissionistas da Impugnante em território espanhol.
Que os factos decorrentes dos pontos 12 e 13, dos factos provados, correspondem à totalidade dos casos de omissão de faturação.
As faltas de correspondência entre os produtos mencionados nas ordens de fabrico e os que foram faturados, mencionadas no ponto 16 dos factos provados, ocorreram em situações em que a mercadoria, por inexistência de stock, incapacidade de fabrico ou cancelamento da encomenda, não chegou a ser entregue aos clientes, nada lhes tendo sido cobrado pela Impugnante.
Os livros de guias de transporte manuais extraviaram-se por se encontrarem nos camiões, que procediam ao transporte dos produtos da Impugnante, para documentar as devoluções de mercadorias pelos clientes.
Nas folhas de cálculo de custo de produção, apenas são considerados os custos relativos às matérias efetivamente incorporadas no produto final, sem consideração dos desperdícios de tela.
Em 31.12.2008, 31.12.2009 e 31.12.2010, as existências da Impugnante totalizavam 1.097.169,54, 1.161.028,07 e 1.449.332,99 metros quadrados, respetivamente, e, durante os anos de 2009 e 2010, a mesma adquiriu 1.836.490,10 e 2.879.151,68 metros quadrados de tela, respetivamente.
O. A decisão proferida pelo tribunal "a quo", fere o princípio de justiça e, bem assim, o princípio da igualdade, no seu corolário da capacidade contributiva, uma vez que os indícios apurados, e tidos em consideração na decisão, de modo algum correspondem à verdade material dos factos, pelo que a aplicação dos métodos indiretos constituiu no caso em apreço uma verdadeira agressão aos direitos da recorrente, porque não toma em consideração elementos essenciais, e que demonstram a impossibilidade de produzir a quantidade de produtos sustentada por tal acréscimo de matéria coletável.
P. A aplicação dos métodos indiretos constitui assim no caso em apreço uma verdadeira agressão aos direitos do sujeito passivo, inexistindo omissões que pudessem servir para justificar a utilização dos métodos indiretos de tributação, pelo que existe erro na aplicação do direito por parte do tribunal "a quo"
Q. O tribunal "a quo" vem, com erro de julgamento da matéria de direito, dar respaldo à ilegalidade cometida pela Recorrida, quando esta última aplicou a percentagem de uma alegada omissão nas designadas faturas "B", designadamente utilizando uma média que tem em consideração o exercício de 2011, que não foi sequer objeto de ação inspetiva, como ficou demonstrado pelo testemunho do perito independente.
R. Não se compreende, por exemplo, a razão pelo qual a inspeção tributária não se socorreu do sistema comunitário de troca de informações, para que em conjunto com as autoridades espanholas fossem ouvidos os contribuintes espanhóis sobre as aludidas faturas "B", e sobre isto a douta sentença padece do vício de omissão de pronúncia.
S. Não era legítimo que se extrapolasse dos escassos elementos encontrados a conclusão que a empresa tinha instituído um sistema generalizado de evasão fiscal, sistema ou esquema que não existe nem nunca existiu.
T. Ao contrário do que sustenta a sentença do tribunal "a quo", a Recorrente fez a necessária prova, quanto aos vários tipos de indícios apontados pela Recorrida para utilizar os métodos indiretos.
U. O recurso aos métodos indiretos constitui a última ratio, como se depreende do artigos 85º n.º 1 e 87º n.º 1 da LGT, pelo que a sua utilização só poderia, no presente caso, ter lugar se ficasse demonstrado ser impossível comprovar e quantificar os elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável, quando tal se ficasse a dever à inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade, o que a Recorrida, manifestamente, não logrou conseguir, pelo que padece de erro de julgamento a sentença, na secção em que admite a sua utilização.
V. Deveria ter sido utilizado o método "que permite uma maior exatidão no apuramento da matéria coletável real (...) quando puder ser utilizado [método direto] terá de ser preterido qualquer outro método que envolva a aplicação de elementos de ordem subjetiva" - cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 2ª edição, nota 1 ao art. 81º pag. 357.
W. Não se verificam as premissas constantes do artigo 88º da LGT, pelo que o recurso aos métodos baseados em meras presunções e ilações, sem qualquer fundamento, não podia proceder, nem ser aceite, por ilegal, em clara violação do disposto na alínea b) do artigo 87º e alíneas a), b), c) e d) do artigo 88º, ambos da LGT, e artigos 60º do CIRC e 90º do CIVA.
X. Assim, sendo há erro de julgamento, visto que não podia o tribunal "a quo" viabilizar a utilização de métodos indiretos de tributação, quando não existiam os mínimos indícios que permitissem sustentar tal hipótese.
Y. A Recorrida não estava legitimada a recorrer à utilização dos métodos indiretos, porque a avaliação direta era possível de forma bastante simples, pelo que os pressupostos não se encontravam preenchidos nos termos exigidos do artigo 87º e 88º da LGT, pelo que há violação de Lei.
Z. Na realidade, era necessário fundamentar a opção pela utilização dos métodos indiretos, sendo que não basta a mera fundamentação formal, como bem salienta VIEIRA DA ANDRADE, que refere que não basta "uma qualquer declaração do agente sobre os fundamentos do ato".
AA. No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo — Norte, 2ª Secção, de 28/02/2008, quando sustenta que o "conteúdo da declaração fundamentadora não pode ser o de um qualquer enunciado, há-se consistir num discurso aparentemente capaz de fundar uma decisão administrativa"
BB. Era, pois, necessário a apresentação de pressupostos reais e de motivos corretos, suscetíveis de suportarem uma decisão legitima.
CC. O recurso aos métodos baseados em meras presunções e ilações, sem qualquer fundamento, não podia proceder, nem ser aceite, por ilegal, em clara violação do disposto na alínea b) do artigo 87º e alíneas a), b), c) e d) do artigo 88º ambos da LGT, e artigos 60º do CIRC.
DD. Da prova testemunhal resultou provado que a produção de relva artificial (representa cerca de 80% do volume de negócios da empresa e os produtos que utilizam tela cerca de 95%), para lá das considerações das margens de incorporação de custos, não era possível realizar-se sem uma matéria-prima específica.
EE. A douta sentença do tribunal "a quo", de que se recorre, enferma ainda de erro de julgamento, tanto de facto como de direito, no que concerne à quantificação da matéria tributável, ao admitir a metodologia adotada pela Recorrida.
FF. A tela é a base de todos os tipos de relva artificial e sem ela era impossível produzir 1 m2 que fosse deste produto, sendo que apenas 6% e 3%, respetivamente, em 2009 e 2010, da produção da Impugnante não utilizavam esta matéria-prima.
GG. Sendo as compras de tela credíveis, era possível calcular com exatidão tomando como base, esta matéria-prima, os m2 de relva que poderiam ser produzidos e comparar com os dados declarados na contabilidade.
HH. Nem se afirme que as demais aquisições desta matéria-prima não foram certificadas pela Recorrida, como afirma a douta sentença, uma vez que as aquisições em Itália e Holanda tinha caráter meramente residual e, bem assim, se as mesmas não foram certificadas foi porque a própria Requerida não o quis fazer, visto que tinha o tempo e os meios para o fazer.
II. Assim, necessariamente não poderá prevalecer a linha de pensamento apresentada na douta sentença, existindo erro evidente de julgamento.
JJ. O perito da Recorrente, para efeitos da elaboração do seu laudo recolheu dados do processo produtivo entre 23.05.2012 a 29.06.2012, a partir do qual extrapolou os valores acima apresentados para 2009 e 2010, conforme fez prova nos autos de forma devidamente documentada, tendo em consideração as diferenças ao nível dos equipamentos e a sua eficiência, e a informação obtida junto dos colaboradores do sector, quanto à organização do próprio trabalho.
KK. Este concreto laudo, embora da maior relevância, não foi considerado pela douta sentença, não existir sequer pronúncia sobre o mesmo, ao limitar-se à consideração do laudo do perito da Requerida e, parcialmente, ao laudo do perito independente, quanto às secções do mesmo que entendeu servirem de fundamento à decisão proferida, quando a posição do perito independente foi tendencialmente favorável à linha argumentativa da Recorrente, pelo que padece tal decisão de manifesto erro de julgamento e omissão de pronúncia.
LL. As diferenças entre o declarado e a capacidade produtiva da Impugnante equivalem somente a € 121.595,61 e € 228.309,13, e não os valores de € 745.213,17 e € 753.742,99 apurados por métodos indiretos, que são manifestamente excessivos.
MM. A Recorrida não teve, ainda, em consideração que existe um desperdício de tela nas várias fases do fabrico dos produtos, que oscila entre os 10% e os 11%.
NN. A quantificação foi muito para além do razoável, e dos valores minimamente aceitáveis, violando o princípio da capacidade contributiva, e não tomando em consideração as justificações da Impugnante para os desvios.
OO. Assim, quaisquer montantes de matéria tributável superior aos referidos valores ter-se-iam de ter como excessivos e desproporcionados face à real capacidade contributiva de empresa.
PP. Ainda que se considerasse admissível à Recorrida recorrer aos métodos indiretos, estava vinculada ao princípio da verdade material, que decorre do artigo 104º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
QQ. A busca da verdade material deve ficar "dentro dos limites da razoabilidade" e a Recorrida deveria ter agido “com imparcialidade e justiça", devendo "tentar determinar o lucro real, as transações efetivamente realizadas" - cfr. SALDANHA SANCHES, ob. cit., pag. 400).
RR. Nos termos consignados do artigo 75º da LGT presumem-se verdadeiros os valores declarados pela Recorrente, pelo que cabia à Recorrida, fazer prova do contrário, o que manifestamente não conseguiu fazer.
SS. Pois, nos termos do artigo 91.º n.º 3 da LGT, a Recorrente em sede de reunião de revisão da matéria tributável comprovou todos os factos alegados, tendo demonstrado de forma clara e evidente o excesso de matéria tributável apurada pela Autoridade Tributária e pela existência de uma adequada forma de controlar a sua capacidade contributiva.
TT. Consequentemente, manifesto o erro de julgamento, uma vez que apenas era admissível um acréscimo da matéria coletável no exercício de 2009 no valor de € 121.595,61 e, em 2010, no valor de € 228.309,13, aos quais teriam de ser deduzidas as regularizações voluntárias efetuadas pela Recorrente, tanto no que se refere à faturação B, como aos identificados pagamentos parciais.
UU. A posição assumida pelo perito independente foi essencialmente conforme ao que a Recorrente sustentou, pelo que, uma vez mais, a douta sentença padece de vício de julgamento.
VV. Segundo o perito independente, ainda que tenha admitido a utilização dos métodos indiretos, colocou em causa, fazendo bastantes reservas, as quais não foram devidamente apreciadas e consideradas, o método e o critério adotado pela Recorrida, contestando tal como o fez a Recorrente a utilização do rácio de faturação omitida relativamente à faturação declarada (faturação B), que se reporta a um período curto de cinco meses, aplicável a um único agente comissionista, que também só atuava num determinado mercado (Espanha).
WW. O tribunal "a quo" omitiu qualquer pronúncia quanto a estes argumentos, em que Recorrente, perito do Recorrente e perito independente convergiram.
XX. É ilegítimo assumir em absoluto que esse padrão (de cinco meses no mercado Espanhol) é idêntico para todo o ano e para os vários mercados para onde a Recorrente vendia, nomeadamente, para o mercado nacional.
YY. Como salientou o perito independente, existe uma total falta de uniformidade na metodologia, porquanto "o indicador aplicado no cálculo presuntivo dos rendimentos de 2010, resultou de uma média ponderada entre os valores tomados para 2009 e valores colhidos de informação de idêntica natureza para o período de três meses de 2011",
ZZ. Como o mesmo concluiu, “(…) os indicadores a utilizar em situações de tributação presuntiva não podem ser determinados de forma arbitrária, mas imperativamente com base numa relação de probabilidade entre elementos conhecidos e o rendimento que se pretende determinar".
AAA. É, pois, inaceitável que a sentença do tribunal "a quo" tenha dado respaldo/aceite a metodologia da Recorrida, quando enferma de todos os problemas apontados pelo perito independente.
BBB. Este perito independente aderiu à metodologia proposta pela Recorrente, por esta respeitar integralmente esse princípio, ao contrário do que sucede com o critério e metodologia utilizada pela Recorrida.
CCC. O método proposto pela Recorrente apresenta-se cabalmente mais justo, permitindo o cumprimento da disposição constitucional que impõe a tributação pela capacidade contributiva, o que foi violado pela Recorrida, pelo evidente vício de quantificação.
DDD. O comportamento da Recorrida fere os mais elementares direitos e garantias da Recorrente e constitui uma verdadeira agressão tributária ao seu património.
EEE. Logo, em face da posição do perito independente a posição da Recorrida carecia de ser especialmente fundamentada, o que salvo o devido respeito, não foi realizado, nem a posição adotada na douta sentença se mostra adequadamente fundamentada, nomeadamente, porque não atenta aos fundamentos apresentados pelo próprio perito independente.
FFF. Assim, está a identificada sentença viciada do vício de falta de fundamentação.
GGG. E verdadeiramente sintomática e categórica a conclusão do perito independente quando afirma, que discorda "todavia e em absoluto com os critérios adotados, que consideramos absolutamente arbitrários, com uma relação de probabilidade entre elementos conhecidos e o rendimento a determinar muitíssimo baixa, sendo nossa convicção que a manterem-se inalterados, metodologia e critérios, a probabilidade de o nível de tributação daí resultante violar o princípio da capacidade contributiva, por vício de quantificação, é muito elevada”.
É, pois, o comportamento da Recorrida violadora dos princípios de legalidade, imparcialidade e equidade.
III. Em síntese, a douta sentença ao não atender à impugnação, face da prova produzida e ao posicionamento do perito independente, padece de erro de julgamento, tanto de direito como de direito, pelo que deverá anulada, com as legais consequências, nomeadamente, anulação das liquidações de IRC de 2009 e 2010.
JJJ. Cabe, pois, a este douto tribunal, reintegrar a justiça material, anulando a sentença recorrida, por evidente erro de julgamento, tanto quanto à matéria de factos, como à matéria de direito, bem como por falta de fundamentação e omissão de pronúncia, e consequentemente proceder à anulação das liquidações oficiosas de IRC e juros compensatórios, por ilegitimidade da utilização dos métodos indiretos e/ou errónea quantificação da matéria tributável, em violação dos princípios constitucionais da legalidade, equidade, capacidade contributiva e tributação do rendimento real.
Apesar de regularmente notificada para o efeito, a RFP não apresentou contra-alegações.
*
Os autos foram com vista ao digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, que apresentou parecer defendendo a improcedência da presente apelação (cf. fls. 715 e segs. dos autos – paginação do SITAF).
*
Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.

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II – Matéria de facto provada indicada em 1.ª instância:
1. Nos anos de 2009 e 2010, a Impugnante exercia a atividade industrial de produção de relva artificial, alcatifas, passadeiras e tapetes de fibras têxteis artificiais e sintéticas, sendo a produção de relva artificial o principal segmento dessa atividade, representando nesses anos, respetivamente, 75% e 80% da sua faturação;
2. Nos anos de 2009 e 2010, a Impugnante era a única empresa produtora de relva artificial em Portugal;
3. Com exceção do produto Cairo, toda a produção da Impugnante, designadamente de relva artificial, utiliza a tela como matéria prima;
4. A Impugnante não possui mecanismos que permitam controlar o débito de látex no produto final e a percentagem de evaporação dessa matéria prima que ocorre durante o processo produtivo;
5. Nos anos de 2009 e 2010, a Impugnante não possuía um sistema de inventário permanente;
6. As certificações legais de contas da Impugnante, referentes aos exercícios de 2008, 2009 e 2010, foram emitidas com as seguintes reservas:
a. 2008: “Relativamente ao exercício de 2006, não nos foram comunicadas as datas de contagens físicas das existências à data de 31 de Dezembro, pelo que não assistimos às mesmas, Por esse facto, a Certificação Legal de Contas do exercício de 2007 contém uma reserva relativa ao custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas, custos das vendas e variação da produção. Esta reserva deverá ser tida em conta na análise comparativa destas rubricas nas demonstrações de resultados”;
b. 2009: “Por não nos ter sido comunicada a data das contagens das existências em armazém, relativamente ao exercício de 2009, não assistimos às contagens físicas das mesmas. Assim sendo, não nos podemos pronunciar sobre o custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas, custo das vendas e variação da produção constantes das demonstrações de resultados”;
c. 2010: “No exercício findo em 31 de Dezembro de 2009 não assistimos às contagens físicas das existências por não nos ter sido comunicada, atempadamente a respectiva data. Assim sendo, não nos podemos sobre o custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas e variação da produção constantes das demonstrações de resultados relativa ao exercício findo em 31 de Dezembro de 2010”; “Pelo facto de a Empresa ter iniciado as contagens físicas, com referência a 31 de Dezembro de 2010, antes do período que nos foi comunicado não assistimos à contagem integral das existências. Por a empresa não possuir, de um modo formal, instruções e procedimentos escritos não nos foi possível reconstituir o trabalho realizado pela empresa no período anterior ao que nos havia sido comunicado, e também não recontou as existências inventariadas nesse período. Também não tem controlo adequado, que permita efectuar testes alternativos Por tais factos, não nos podemos pronunciar, de um modo integral, sobre o valor dos inventários constante do balanço e sobre o custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas, e variação da produção constantes da demonstração dos resultados”;
– cfr. documentos de fls. 133 a 136 do processo administrativo;
7. Em 09.02.2011, foi emitida a ordem de serviço n.º OI20......49, para realização de ação inspetiva à Impugnante, qualificada como externa, de âmbito parcial, incidindo sobre IVA e IRC do ano de 2009, a qual foi assinada pelo sócio e gerente da Impugnante em 05.04.2011 cfr. documento a fls. 165 do sitaf e a fls. 200 do processo administrativo;
8. Por despacho proferido em 13.09.2011 pelo Diretor de Finanças Adjunto ..., determinou-se a ampliação do procedimento inspetivo por mais três meses, com o seguinte fundamento: “em virtude de no decurso da acção inspectiva ter sido necessário proceder a diligências relacionados com auditoria informática, procedimentos estes que se revelaram demorados no que respeita à análise dos dados, impedindo que a acção inspectiva termine no prazo de 6 meses” – cfr. documentos a fls. 166 e 167 do sitaf e a fls. 207 e 208 do processo administrativo;
9. Por despacho proferido também em 13.09.2011 pelo Diretor de Finanças Adjunto ..., determinou-se a da extensão da ação inspetiva para o ano de 2010 e a alteração do âmbito da mesma para geral, sendo que a ordem de serviço emitida para o efeito foi assinada pela sócio e gerente da Impugnante em 20.09.2011 – cfr. documentos de fls. 205 a 207 do processo administrativo;
10. Por despacho proferido em 28.11.2011 pelo Diretor de Finanças Adjunto ..., determinou-se a ampliação do procedimento inspetivo por mais três meses, com o seguinte fundamento: “em virtude de no decurso da acção inspectiva ter sido necessário proceder à análise morosa das bases de dados de facturação e produção, seguida de notificações ao sujeito passivo para prestar esclarecimentos, situação que impede que a acção inspectiva termine no prazo de 9 meses” – cfr. documentos a fls. 168 e 169 do sitaf e a fls. 209 e 210 do processo administrativo;
11. Em 26.01.2012, o sócio e gerente da Impugnante assinou a nota de diligência n.º NDO........7, relativa à ordem de serviço n.º OI20......49, da qual consta que a inspeção foi iniciada em 05.04.2011 e concluída em 26.01.2012 cfr. documento a fls. 199 do processo administrativo;
12. No decurso da ação de inspeção, foram recolhidos ficheiros e pastas informáticas da Impugnante que incluíam a digitalização de faturas identificadas com a letra B ou outros documentos fazendo referência a Faturas B, cujos respetivos valores não estavam registados na contabilidade da Impugnante;
13. Os documentos mencionados no ponto anterior contêm menções a operações realizadas pelos comissionistas «AA», «BB», «CC» e «DD» nos meses de maio de 2009, abril, julho, setembro e outubro de 2010 e janeiro a maio de 2011 cfr. documentos de fls. 52 a 73, 79 a 81, 203 e 204 do processo administrativo;
14. Notificada, no decurso da ação inspetiva, para justificar a emissão de faturas precedidas da letra B, com a mesma numeração e formato das faturas registadas na contabilidade, a Impugnante apresentou, em 12.10.2011, uma exposição na qual afirmou que “não se encontra presentemente habilitado a poder fornecer justificação adequada para a alegada emissão ou/e existência de facturas precedidas da letra „B‟” – cfr. teor da página 25 do relatório de inspeção e documento de resposta apresentada pela Impugnante, de fls. 100 a 110 do processo administrativo;
15. Nos anos de 2009 e 2010, a Impugnante utilizou guias de transporte manuais, tendo exibido aos serviços de inspeção apenas um dos livros dessas guias, ao qual faltavam a 4.ª via das guias n.ºs 47 a 50;
16. No decurso da ação inspetiva, os serviços de inspeção constataram a existência de algumas ordens de fabrico da Impugnante às quais foi adicionado o nome do cliente, sem que tenha ocorrido, total ou parcialmente, a emissão de fatura para esse cliente e pelos produtos nelas identificados cfr. teor do relatório de inspeção e dos mapas elaborados pelos serviços de inspeção, de fls. 1 a 38, 83 a 87 e 98 a 99 verso do processo administrativo;
17. Na sequência de pedido de esclarecimentos remetido em 02.12.2011, a Impugnante apresentou, em 22.12.2011, uma exposição na qual, para além do mais, explicita o seguinte:
a. Relativamente a ordens de fabrico, para as quais os serviços de inspeção tributária não localizaram fatura, total ou parcial, emitida para o cliente indicado na própria ordem de fabrico: algumas correspondem a situações em que, por inexistência de stock, incapacidade circunstancial de fabrico ou cancelamento da encomenda pelo cliente, parte ou a totalidade da mercadoria não chegou a ser entregue aos clientes, nem, portanto, cobrado e faturado o correspondente montante; outras correspondem a situações em que a mercadoria foi integralmente faturada, sendo que, em algumas delas, a designação do cliente nas faturas não é rigorosamente igual à constante das ordens de fabrico, embora se trate do mesmo cliente; outras ainda correspondem a situações relativamente às quais não conseguiu apurar a causa da discrepância entre as quantidades referidas nas ordens de fabrico e nas faturas;
b, Relativamente à existência de faturas identificadas com a letra B, reiterou que “não se encontra presentemente habilitado a poder fornecer qualquer justificação adequada para a alegada emissão ou/e existência de facturas precedidas da letra „B‟, uma vez que continua a diligenciar no sentido de confirmar/informar e perceber com rigor tal cenário”;
- cfr. documentos de fls. 88 a 97 do processo administrativo;
18. Com recurso a análise por amostragem, e tendo por base as folhas de cálculo de custo de produção fornecidas pela Impugnante, com a indicação do tipo de componentes, peso e preço das matérias incorporadas na produção de relva artificial, os serviços de inspeção apuraram, para os anos de 2009 e 2010, margens brutas de incorporação de 63,3% e 61,6%, respetivamente cfr. teor do relatório de inspeção de fls. 1 a 38 do processo administrativo;
19. Com base nos valores declarados na contabilidade da Impugnante, as margens brutas de incorporação de matérias no produto relva artificial são, para os anos de 2009 e 2010, de 55,5% e 48,7%, respetivamente;
20. No relatório de inspeção, a administração tributária considerou corretos os preços e quantidades das compras de fio e tela a entidades sedeadas nos Emirados Árabes Unidos;
21. Em 21.02.2012, foi proferido despacho concordante com o teor do projeto de relatório de inspeção tributária, no qual foram propostas as seguintes correções em sede de IRC:
a. No exercício de 2009, correções à matéria tributável por aplicação de métodos indiretos, no valor de € 881.282,29, no qual se inclui o valor de € 136.069,12 de correções técnicas;
b. No exercício de 2010, correções à matéria tributável no valor de € 890.217,91, no qual se inclui o valor de € 136.474,93 de correções técnicas;
c. Ainda no exercício de 2010, correções à coleta no valor de € 373.972.06;
- cfr. documento a fls. 197 do processo administrativo;
22. Mediante ofício remetido por correio registado em 22.02.2012, a Impugnante foi notificada do projeto de relatório mencionado no ponto anterior cfr. documentos de fls. 195 a 198 do processo administrativo;
23. Em 16.03.2012, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia sobre o projeto de relatório de inspeção tributária cfr. documentos de fls. 137 a 169 e 176 a 183 do processo administrativo;
24. Em 03.04.2012, foi proferido despacho concordante com o teor do segundo projeto de relatório de inspeção tributária, no qual foram propostas as seguintes correções em sede de IRC:
a. No exercício de 2009, correções à matéria tributável por aplicação de métodos indiretos, no valor de € 881.282,29, no qual se inclui o valor de € 136.069,12 de correções técnicas;
b. No exercício de 2010, correções à matéria tributável no valor de € 890.217,91, no qual se inclui o valor de € 117.176,23 de correções técnicas;
c. Ainda no exercício de 2010, correções à coleta no valor de € 373.972.06;
– cfr. documento a fls. 193 do processo administrativo;
25. Mediante ofício remetido por correio registado em 03.04.2012, a Impugnante foi notificada do segundo projeto de relatório de inspeção tributária, sem que tenha exercido o direito de audição sobre o mesmo;
26. Em 14.05.2012, o Diretor de Finanças Adjunto ... proferiu despacho concordante com o teor do relatório final de inspeção tributária, elaborado com data de 07.05.2012, no qual se mantiveram as propostas de correção à matéria tributável e à coleta de IRC para os exercícios de 2009 e 2010, mencionadas no ponto 24 – cfr. teor do relatório de inspeção;
27. A natureza das correções propostas em sede de IRC foi assim especificada:
a. Para o exercício de 2009:
i. Custos não aceites, relativos a despesas pessoais dos sócios: € 3.984,03;
ii. Custos não aceites, relativos a imposto do selo pago com referência a letras sacadas sobre clientes: € 2.032,05;
iii. Correções técnicas relativas a omissões de vendas apuradas com base nos ficheiros informáticos: € 100.469,49;
iv. Correções técnicas relativas a omissões de vendas apuradas com base nas ordens de fabrico: € 29.583,55;
v. Omissões de vendas apuradas com recurso a métodos indiretos: € 875.266,21, valor ao qual, por subtração dos valores indicados nos dois subpontos anteriores, corresponde um acréscimo à matéria tributável de € 745.213,17;
b. Para o exercício de 2010:
i. Custos não aceites, relativos a despesas pessoais dos sócios: € 5.743,02;
ii. Variação patrimonial positiva: € 4.813,30;
iii. Correções técnicas relativas a omissões de vendas apuradas com base nos ficheiros informáticos: € 52.145,14;
iv. Correções técnicas relativas a omissões de vendas apuradas com base nas ordens de fabrico: € 54.474,77;
v. Omissões de vendas apuradas com recurso a métodos indiretos: € 773.041,69, valor ao qual, por subtração dos valores indicados nos dois subpontos anteriores, corresponde um acréscimo à matéria tributável de € 773.041,69;
vi. Dedução à coleta indevida a título de benefício fiscal por via do regime fiscal de apoio ao investimento: € 373.972,06;
– cfr. teor do relatório de inspeção;
28. Para fundamentar a proposta de utilização de métodos indiretos no cálculo da matéria tributável, os serviços de inspeção invocaram as seguintes razões: a existência de contabilidade e sistemas de faturação paralelos; a existência de ordens de fabrico sem emissão, total ou parcialmente, de fatura para os produtos aí mencionados; irregularidades na utilização dos livros manuais de guias de transporte; margens de incorporação de matérias-primas, apuradas com recurso a amostragem, superiores às margens declaradas na contabilidade; inexistência de sistema de inventário permanente; e certificação legal de contas emitida com reservas cfr. teor do relatório de inspeção;
29. No decurso da ação inspetiva, a Impugnante procedeu à entrega de declarações de rendimentos modelo 22 de substituição, referentes aos exercícios de 2009 e 2010, nas quais fez refletir as correções mencionadas nos subpontos 27.a.i, 27.a.ii, 27.a.iii, 27.b.i, 27.b.ii e 27.b.iii cfr. teor do relatório de inspeção;
30. Mediante correio registado com aviso de receção, que foi assinado em 16.05.2012, a Direção de Finanças ... notificou a Impugnante do teor do relatório final da inspeção tributária cfr. documentos de fls. 226 a 236 do processo administrativo;
31. Mediante correio registado em 15.06.2012, a Impugnante apresentou pedido de revisão da matéria tributável fixada com recurso a métodos indiretos cfr. documentos de fls. 237 a 291 do processo administrativo;
32. Realizado o debate contraditório entre o perito indicado pela Impugnante, o perito da administração tributária e o perito independente, cuja nomeação fora requerida pela Impugnante, os mesmos não chegaram a acordo sobre a fixação da matéria tributável – cfr. teor do pedido de revisão da matéria tributável, atas das reuniões, de fls. 292 a 294 e 297 do processo administrativo, teor da resolução e documentos relativos à remuneração do perito independente, de fls. 162 a 164 do sitaf;
33. No seu laudo, o perito indicado pela administração tributária deixou expresso, para além do mais, o seguinte:
“[…] entendemos que para além de estarem reunidos os pressupostos para aplicação dos métodos indirectos, com aos quais concordamos, encontram-se bem fundamentados
[…].
Quanto ao critério utilizado pela AT, concordamos com o mesmo, considerando ser o critério possível e o mais seguro, perante os elementos disponíveis.
Os critérios adotados pela empresa […] não são coerentes, porquanto resultam em valores diferentes, o que retira qualquer credibilidade aos estudos feitos e á própria contabilidade, não merecendo por isso aceitação qualquer um deles.
Não sendo um critério comparável com o utilizado pela AT, depende de diversas premissas/variáveis não permitindo uma quantificação exata, quer em termos de desperdícios, quer em termos de necessidade, nomeadamente de ter de se converter as peças (unidades) e os rolos em m2, da aplicação dum preço médio de venda, para além do facto da empresa não possuir inventário permanente (a que estava obrigada), o que põe em causa a credibilidade das existências.”
– cfr. documento a fls. 301/302 do processo administrativo;
34. Para elaboração do seu laudo, o perito indicado pela Impugnante recolheu dados do processo produtivo do período entre 23.05.2012 e 29.06.2012, definindo como parâmetros determinantes para o consumo e desperdício de tela “[n]os teares: número real de mudanças de referência e desperdício associado a cada mudança (medido em m2)” e “[n]o equipamento de revestimentos latex: número de rolos que entram na máquina e correspondentes m2 entrados, bem como o desperdício de tela associado à preparação para a entrada de cada rolo, à saída de cada rolo, ao corte das ourelas e à quantidade de tela utilizada em cada paragem do equipamento”, apurando que:
a. o “desperdício é, em média, de 8,3 m2 por cada mudança de referência nos teares”, sendo que, no período em análise, apurou que foram realizadas 59 mudanças de referência e produzidos cerca de 271.000 metros quadrados, donde concluiu que, em média, foi feita uma mudança a cada 4.590 metros quadrados;
b. relativamente ao equipamento de revestimento látex, os desperdícios no início e fim de cada rolo são de 0,63 metros quadrados, à entrada, e de 0,73 metros quadrados, à saída, e de 17,4 centímetros a todo o comprimento do rolo, em resultado do corte das ourelas, sendo que, no período em análise, foram utilizados 558 rolos, com um comprimento médio de 215 metros, o que representa um desperdício total de 350 metros quadrados na emenda à entrada, 400 metros quadrados na emenda à saída e 20.875 metros quadrados nas ourelas;
– cfr. laudo do perito indicado pela Impugnante e Relatório de consultoria, de fls. 170 a 195 do sitaf;
35. A partir dos dados mencionados no ponto anterior, o perito indicado pela Impugnante calculou os valores de desperdícios de tela para os anos de 2009 e 2010, tendo em consideração “as diferenças ao nível dos equipamentos disponíveis e da sua eficiência” e “a informação obtida junto dos colaboradores do sector, quanto à organização do próprio trabalho”, concluindo que:
a. na mudança de referência nos teares, o desperdício total de tela foi de 4.239 metros quadrados, em 2009, e de 4.384 metros quadrados, em 2010;
b. no equipamento de revestimento látex, o desperdício total de tela foi de 185.142 metros quadrados, em 2009, e de 287.942 metros quadrados, em 2010
– idem;
36. Assumindo que, em 31.12.2008, 31.12.2009 e 31.12.2010, as existências da Impugnante totalizavam 1.097.169,54, 1.161.028,07 e 1.449.332,99 metros quadrados, respetivamente, e que, durante os anos de 2009 e 2010, a mesma adquiriu 1.836.490,10 e 2.879.151,68 metros quadrados de tela, respetivamente, o perito indicado pela Impugnante apurou as percentagens de desperdício de tela de 10,68 para o ano de 2009 e 11,28 para o ano de 2010 e calculou que, aos preços médios por metro quadrado de € 3,96 e € 3,78, respetivamente, os valores potenciais de produção corresponderiam a € 121.595,61, para o ano de 2009, e € 228.309,13, para o ano de 2010 – ibidem;
37. O perito independente convergiu com o perito indicado pela administração tributária quanto à verificação dos pressupostos do recurso a métodos indiciários para apuramento da matéria tributável, mas discordou do critério adotado para tal apuramento, deixando expresso que:
“[…] não deixa de nos merecer sérias e fundadas reservas a metodologia e critério adotado assente na extrapolação de uma informação – rácio da faturação omitida relativamente à faturação declarada – reportada a um período de cinco meses, aplicável a um agente comissionista específico e identificado a operar num mercado igualmente específico e identificado.
Está a ser assumido em absoluto que o padrão apurado para um comissionista em particular num período de cinco meses e num mercado específico, é constante para todo o ano – 2009 in casu – idêntico para todos os demais agentes comissionistas a operar no mercado espanhol e que tal é replicado tout court no mercado nacional.
Afigura-se-nos merecedor de maiores reservas a constatação de falta de uniformidade na metodologia porquanto o indicador aplicado no cálculo presuntivo de rendimentos para 2010, resultou de uma média ponderada entre os valores tomados para 2009 e valores colhidos de informação de idêntica natureza para o período de três meses de 2011.
Considerando que o perito do s.p., apesar de considerar inquinado de legalidade o procedimento de liquidação assente no recurso a métodos indirectos, avançou em sede de Comissão de Revisão com uma proposta de metodologia distinta assente num estudo por si desenvolvido com base no controlo da produção, tendo por premissas que as vendas omissas no essencial se referem a produção realizada pelo s.p. – assumpção igualmente adoptada pelos SIT – e que as vendas (declaradas ou omissas) estariam limitadas à quantidade susceptível de ser produzida tendo em conta os recursos utilizados. Sendo certo que a produção tem por elemento comum um tipo de matéria-prima – a tela – realizou um exercício de quantificação da produção realizada em cada um dos exercícios em apreciação, determinando como valores limite para as vendas omissas valores substancialmente inferiores aos da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Não abdicando do princípio de que os indicadores a utilizar em situações de tributação presuntiva não podem ser determinados de forma arbitrária, mas imperativamente com base numa relação de probabilidade entre elementos conhecidos e o rendimento que se pretende determinar, convergimos com a metodologia proposta pelo s.p., por respeitar em absoluto aquele princípio.
Tal proposta não foi aceite pelo perito da Autoridade Tributária e Aduaneira, que, conforme consta da Acta de 26 de Julho p.p., considerando a divergência de valores entre este estudo e outro anteriormente apresentado igualmente com base na produção, estaria em causa a credibilidade dos mesmos, além disso sublinhou a impossibilidade de uma quantificação exacta por depender de diversas premissas/variáveis quer em termos de desperdícios quer no processo de conversão na unidade m2 de peças (unidades) e rolos, aditando ainda a falta de credibilidade dos inventários por falta de inventário permanente, além de que o critério não era comparável com o utilizado pela AT.
Dissentimos em absoluto com tal posição, considerando que:
a) quanto ao facto de o critério sugerido pelo perito do s.p. não ser comparável com o utilizado pela AT, defendemos que não era imperioso que o fosse, porquanto o que está em causa não é a comparabilidade mas a justeza do mesmo evitando que o nível de tributação dele resultante viole o princípio da capacidade contributiva, por vício da quantificação;
b) não se nos afigura particularmente relevante a assunção do pré conceito de falta de credibilidade dos inventários pela falta de inventário permanente ou tomando em linha de conta as reservas respaldas na Certificação Legal de Contas quer do exercício de 2009 quer do de 2010, porquanto não foram evidenciados erros materialmente relevantes que demonstrassem que os mesmos enfermam de falta de credibilidade;
c) quanto à evocação da impossibilidade de uma quantificação exacta por depender de diversas premissas/variáveis, temos por certo que nem este nem qualquer outro critério, mesmo o adoptado pelos SIT, que conforme já expressamos temos por muito mais frágil sob o ponto de vista conceptual, permitirá uma quantificação exacta – o que acontecer afastar-nos-ia da tributação presuntiva, colocando a questão em termos de correcções aritméticas – mas uma presunção que respeite a exigência de um nexo de probabilidade, inerente a este forma de tributação;
d) colocar-se-ia a necessidade de análise, discussão e eventual validação/correcção das premissas/variáveis presentes na metodologia e critério.
[…]”
– cfr. parecer do perito do independente, de fls. 196 a 201 do sitaf;
38. Por despacho de 10.09.2012, o Diretor de Finanças ... proferiu decisão de resolução, manifestando concordância com o teor do parecer elaborado para o efeito em 05.09.2012, no qual se propôs o recurso a métodos indiretos na determinação da matéria tributável, com fundamento nas mesmas razões invocadas no relatório de inspeção, e determinando a fixação da matéria tributável de IRC em € 960.425,58, para o exercício de 2009, e € 241.068,96, para o exercício de 2010, bem com a aplicação de um agravamento à coleta no valor de € 27.991,00, a ser exigido adicionalmente ao tributo a título de custas – cfr. documento de fls. 314 a 328 do processo administrativo;
39. Na determinação por métodos indiretos da matéria tributável para o exercício de 2009, a administração tributária utilizou como critério o rácio de omissão de faturação, correspondente aos valores constantes dos documentos que evidenciam a existência de faturas B, relativamente à faturação registada contabilisticamente pela Impugnante, ambas com referência ao período de janeiro a maio desse exercício e ao comissionista «AA» que atuava no mercado espanhol, apurando a percentagem de omissão de 13,29 cfr. teor do relatório de inspeção;
40. Na determinação por métodos indiretos da matéria tributável para o exercício de 2010, a administração tributária utilizou como critério o rácio de omissão de faturação, correspondente aos valores constantes dos documentos que evidenciam a existência de faturas B, relativamente à faturação registada contabilisticamente pela Impugnante, ambas com referência aos períodos de janeiro a maio de 2009 e ao comissionista «AA» e janeiro a março de 2011 e aos comissionistas «AA» e «BB», que atuavam ambos no mercado espanhol, apurando a percentagem de omissão de 9,02 – cfr. teor do relatório de inspeção;
41. Da resolução mencionada no ponto 38 resultaram as liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios, n.º ...4549, na qual foi apurado o montante a pagar de € 222.644,10 com referência ao exercício de 2009, e n.º ...59, na qual foi apurado o montante a reembolsar de € 10.532,63 para o exercício de 2010 – cfr. documentos a fls. 67, 69, 71 e 72 do sitaf;
42. Tendo por base o mencionado montante da liquidação adicional para o exercício de 2009 e realizando o estorno da anterior liquidação para o mesmo exercício, a administração tributária emitiu a Demonstração de Acerto de Contas n.º ...90, na qual apurou o montante a pagar de € 221.110,62 – cfr. documentos a fls. 68 do sitaf;
43. Tendo por base o mencionado montante da liquidação adicional para o exercício de 2010 e realizando o estorno da anterior liquidação para o mesmo exercício, a administração tributária emitiu a Demonstração de Acerto de Contas n.º ...40, na qual apurou o montante a pagar de € 3.732,52 – cfr. documentos a fls. 70 do sitaf;
44. Em 31.10.2012, a Impugnante procedeu ao pagamento do montante de € 3.732,52, referente a IRC e juros compensatórios do exercício de 2010 cfr. comprovativo de pagamento a fls. 73 do sitaf.
*
Na sentença recorrida considerou-se ainda que não se encontrava provado que:
A. Qual o peso relativo da tela adquirida pela Impugnante a entidades sedeadas nos Emirados Árabes Unidos relativamente à quantidade total de tela que adquiriu nos anos de 2009 e 2010;
B. Os valores constantes das faturas identificadas com a letra B ou dos documentos que fazem referência a Faturas B representam despesas com comissões e foram integralmente destinados aos comissionistas da Impugnante em território espanhol;
C. As situações mencionadas nos pontos 12 e 13 dos factos provados, identificadas pelos serviços de inspeção com base nos ficheiros e pastas informáticas, correspondem à totalidade dos casos de omissão de faturação praticada pela Impugnante;
D. As faltas de correspondência entre os produtos mencionados nas ordens de fabrico e os que foram faturados, mencionadas no ponto 16 dos factos provados, ocorreram em situações em que a mercadoria, por inexistência de stock, incapacidade de fabrico ou cancelamento da encomenda, não chegou a ser entregue aos clientes, nada lhes tendo sido cobrado pela Impugnante;
E. Os livros de guias de transporte manuais extraviaram-se por se encontrarem nos camiões, que procediam ao transporte dos produtos da Impugnante, para documentar as devoluções de mercadorias pelos clientes;
F. Nas folhas de cálculo de custo de produção, mencionadas no ponto 18 dos factos provados, apenas são considerados os custos relativos às matérias efetivamente incorporadas no produto final, sem consideração dos desperdícios de tela;
G. Em 31.12.2008, 31.12.2009 e 31.12.2010, as existências da Impugnante totalizavam 1.097.169,54, 1.161.028,07 e 1.449.332,99 metros quadrados, respetivamente, e, durante os anos de 2009 e 2010, a mesma adquiriu 1.836.490,10 e 2.879.151,68 metros quadrados de tela, respetivamente.
*
A título de motivação factual, exarou-se na sentença apelada que:
«Não se deram como provados ou não provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
Na fixação da matéria de facto, atendeu-se à prova documental carreada pelas partes para aos autos, bem como ao teor dos depoimentos das testemunhas arroladas: «EE», «FF», «GG», «HH», «FF» e «II».
«EE» afirmou ser irmã e filha dos sócios gerentes da Impugnante, tendo, nos anos de 2009 e 2010, colaborado com a empresa na implementação de procedimentos de certificação. «FF» declarou que trabalha para a Impugnante há 37 anos, na área da produção. «GG» afirmou ser responsável pela contabilidade da Impugnante, desde 1991. «HH», inspetor tributário, foi o autor do relatório da inspeção realizada à Impugnante. «FF», consultor, afirmou conhecer a Impugnante por, em duas ocasiões, ter prestado serviços de consultoria e por ter exercido as funções de perito indicado pela mesma do procedimento de revisão. «II», técnico oficial de contas, declarou não conhecer a Impugnante e que o único contacto com a mesmo foi enquanto perito independente nomeado no procedimento de revisão, mas sem ter realizado qualquer deslocação às suas instalações.
A primeira parte da factualidade constante do ponto 1 foi dada como provado por acordo, atendendo a que a posição assumida pela Impugnante na petição inicial é coincidente com o teor da página 6 do relatório de inspeção. Quanto à segunda parte, a Impugnante alegou que, no ano de 2010, a relva artificial representou 80% da sua produção, enquanto no relatório de inspeção é mencionado que, no ano de 2009, esse produto representou 75% da faturação. Ou seja, as partes divergem essencialmente quanto à circunstância de o peso relativo da produção da relva artificial ser em função da produção ou da faturação. Ora, nos seus depoimentos, as testemunhas «GG» e «HH» convergiram na afirmação de que a relva artificial representava 80% da faturação da Impugnante – «GG» mencionou 70 a 80% da faturação. Assim, e atendendo a que a Impugnante não juntou aos autos qualquer evidência objetiva dos níveis e segmentos da sua produção, deu-se como provado que as mencionadas percentagens são em função da faturação.
O facto enunciado no ponto 2 foi dado como provado por acordo, atendendo à coincidência entre a alegação da Impugnante e o teor do relatório de inspeção e considerando, ainda, que este facto foi afirmado pelas testemunhas «EE» e «HH».
O facto dado como provado sob o ponto 3 decorre do confronto dos depoimentos das testemunhas «FF» e «HH».
Por sua vez, a factualidade indicada no ponto 4 foi dada como provada com base nos depoimentos das testemunhas «EE» e «FF».
Os factos enunciados nos pontos 5 e 15 foram dados como provados por acordo, atendendo à posição coincidente assumida pelas partes nos presentes autos.
A factualidade indicada no ponto 12 foi dada como provada por referência ao teor dos documentos de fls. 52 a 73, 79 a 81, 203 e 204 do processo administrativo. A omissão de contabilização dos valores constantes dos documentos mencionando a faturação B foi especificamente mencionada pela testemunha «GG», o qual assegurou que, à data, desconhecia a existência de tal faturação e que, assim que dela tomou conhecimento, procedeu à sua contabilização para o exercício de 2011 e à correspondente regularização fiscal para os exercícios de 2009 e 2010.
A factualidade enunciada no ponto 19 foi dada como provada por referência ao teor do relatório de inspeção e atendendo a que a mesma não foi impugnada pela Impugnante.
No que respeita à factualidade dada como provada sob o ponto 20, extrai-se do teor do relatório de inspeção, e contrariamente ao alegado pela Impugnante, que apenas as aquisições a entidades sedeadas nos Emirados Árabes Unidos foram objeto de análise pelos serviços de inspeção, por estarem em causa transferências para entidades sujeitas a regime de tributação mais favorável, sem que os mesmos se tenham pronunciado sobre aquisições de matérias-primas a entidades sedeadas noutros países.
A factualidade constante do ponto 25 foi dada como provada por referência ao teor dos documentos de fls. 191 a 194 do processo administrativo e atendendo ao teor da página 5 do relatório de inspeção, bem como por análise à integralidade do processo administrativo.
Os restantes factos foram dados como provados com base na análise crítica dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, designadamente os constantes do procedimento administrativo apenso aos autos físicos, conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.
Por sua vez, a factualidade enunciada no ponto A foi dada como não provada atendendo a que a Impugnante não juntou qualquer elemento documental para prova deste facto. Embora a testemunha «EE» tenha mencionado que o peso relativo seria de 80 a 90%, esta afirmação, notoriamente assente numa mera impressão e não em qualquer perceção objetiva, é insuficiente para se dar como provado qual a real proporção da tela com a mencionada proveniência. A própria Impugnante assume que existem outros fornecedores sedeados noutros países, sem que tenha documentado o peso relativo de cada um deles.
O facto enunciado no ponto B foi aflorado apenas pela testemunha «GG». No entanto, na ausência de elementos de prova adicionais, designadamente documental, ou testemunhal por parte das pessoas diretamente envolvidas nesta questão, não se pode dar o facto como provado.
A factualidade dada como não provada sob o ponto D decorre da total ausência de prova relativa ao mesmo, mormente quanto aos cancelamentos das encomendas efetivamente ocorridos.
Quanto à factualidade enunciada no ponto E, embora a testemunha «GG» tenha mencionado que as guias de transporte estariam nos camiões para serem utilizados no caso de devoluções de mercadoria, e que ele próprio as utilizava para justificar as notas de crédito, nada foi evidenciado acerca das causas do extravio dos mesmos.
No que respeita à factualidade constante do ponto F, não foi produzida qualquer prova adequada a dar a mesma como provada. Pelo contrário, a testemunha «FF», reiterando o teor do laudo que emitiu na qualidade de perito, referiu que, embora empiricamente, a Impugnante considerava um desperdício de 10%, o qual seria, então próximo dos valores apurados por este perito: pouco menos de 11% em 2009 e pouco mais de 11% em 2010.
Por fim, os factos constantes dos pontos C e G foram dados como não provados atendendo à total ausência de prova produzida pela Impugnante nos presentes autos.»
*
Por se tratar de matéria de facto assente em prova documental não infirmada, ao abrigo do disposto do art.º 662.º do CPC ex vi artº 281.º do CPPT, adita-se à presente matéria de facto, o seguinte:
38A - Do parecer referido no número «38», extrai-se que:
“[…]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]
[…]”
– cfr. documento de fls. 314 a 328 do processo administrativo;
38B - O despacho do Sr. Diretor de Finanças referido no n.º 38 apresenta o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
– cfr. documento de fls. 314 a 328 do processo administrativo.

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III – Questões a decidir.

No presente recurso, cabe analisar e decidir as questões suscitadas, nomeadamente quanto às nulidades invocadas por omissão de pronúncia e falta de fundamentação da sentença e quanto aos erros de julgamento de facto e de direito invocados na presente apelação. Assim, quanto a estes últimos, a Apelante invoca que na decisão jurisdicional recorrida se afrontou o disposto nos artigos 87.º, 88.º, 91.º todos da LGT e 60.º do CIRC.

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IV – Da apreciação do presente recurso.
Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro pela qual se negou provimento à impugnação que a Recorrente intentou, direcionada contra as liquidações adicionais de IRC e contra as correspetivas liquidações de juros compensatórios, aquelas relativas aos exercícios de 2009 e 2010.
Na presente situação, as liquidações aqui em causa fundamentam-se no relatório de inspeção tributária acima referido, no qual se considerou que a Recorrente teria omitido à contabilidade um conjunto de proveitos, pelo que decidiu proceder à quantificação da matéria coletável por aplicação de métodos indiretos, assim como se procedeu a um conjunto de correções técnicas. Porém, quanto a estas últimas, não se insurgiu a ora Recorrente no presente processo de impugnação, pelo que, por ora, as mesmas se encontram solidificadas na ordem jurídica.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
IV.1 – Das nulidades invocadas.
A Recorrente invoca que a sentença recorrida padece de omissão de pronúncia uma vez que o Tribunal recorrido ter-se-ia olvidado de analisar e decidir a questão suscitada quanto à posição tomada pelo perito independente no âmbito do procedimento de revisão que veio a ser encetado.
Assim, como se referiu no acórdão deste TCA, datado de 25.02.2021, proferido no processo n.º 735/12.5BEPRT:
“[…]
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia ou a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.
A nulidade por omissão/excesso de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 660.º, n.º 2 do CPC, actual artigo 608.º, n.º 2, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14).
[…]”
Assim, há que denotar que nos artigos 340.º a 360.º da petição inicial, a ora Apelante havia suscitado a ilegalidade da atuação da AT ao não fundamentar a sua posição em face do que foi dito pelo perito independente em sede do procedimento de revisão da matéria coletável. Ora, em rigor, na sentença recorrida o que se considerou foi que o método de quantificação escolhido pela AT era o legalmente devido, tendo-se enunciado que não seria essa a posição assumida pelo perito do contribuinte e pelo perito independente. Assim, entendemos que, ainda que implicitamente, o Tribunal teve em conta a existência da dita posição do perito independente, tendo apenas tacitamente considerado que a mesma seria irrelevante para a decisão do presente pleito, na medida em que estaria justificado o método de quantificação usado (cf. página 43 da sentença recorrida). Ora, nesta perspetiva, não estamos perante uma verdadeira omissão de pronúncia, mas antes perante um eventual erro de julgamento quanto ao raciocínio implícito que foi efetuado pela sentença recorrida quanto a esta questão.
Por isso, não se verifica a apontada omissão de pronúncia, sendo que a questão acima enunciada será infra tratada como eventual erro de julgamento.
Por outro lado, entendemos que também não se verifica a aventada falta de fundamentação da sentença quanto ao referido aspeto.
Nesta concreta questão, seguimos a orientação já há muito prolatada pelo colendo STA. Com efeito e a mero titulo de exemplo, citamos e seguimos o entendido no sentido de que: “[…] Trata-se de nulidade da sentença prevista também no nº do art. 125º do CPPT e na al. b) do nº 1 do art. 615º do CPC: é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Importa, porém, distinguir a falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada, sendo que o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação e tal nulidade só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos: isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão. (Cfr., entre outros, o ac. do STA, de 10/5/73, BMJ 228, 259 e o ac. do STJ, de 8/4/75, BMJ 246, 131.) A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. (Cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140.)[…]” (extrato do acórdão do STA de 06.02.2019, proferido no processo/recurso n.ºs 0249/09.0BEVIS 01161/16, disponível em www.dgsi.pt).
Na presente situação, a sentença apelada dá conta dos fundamentos de facto na qual se baseia a sua decisão, também dando conta da respetiva subsunção ao direito, ainda que o faça implicitamente quanto à questão acima enunciada.
Por isso, entendemos que não se verifica a apontada nulidade por falta de fundamentação da sentença recorrida.
IV.2 – Do alegado erro de julgamento de facto.
Na presente apelação, a Recorrente invoca que devem ser alterados alguns pontos de facto enunciados como provados na sentença recorrida, assim como deve ser aditado um conjunto de factos que deverão ser tidos por assentes (cf. conclusões «K» a «M» e «N» do presente recurso).
Deste modo, como se refere no acórdão deste TCA, datado de 13.04.2023, proferido no processo n.º 984/09.3BEVIS:
“[…]
No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1.ª instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida - artigo 640º do CPC, ex vi artigo 281º do CPPT (cfr. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil anotado”, volume 3º, tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pp. 61-62; Fernando Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9ª edição, Almedina, 2009, p. 181, em anotação ao anterior artigo 685º-B do CPC).
Importa, ainda, ter presente que o poder de cognição do tribunal ad quem sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal a quo não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artigo 640º do CPC e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vd., sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, volume II, pp. 250 e ss.).
Daí que sobre o recorrente impenda um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no artigo 640º do CPC.
Concretizando, as três alíneas do nº 1 do artigo 640º do CPC, impõem à Recorrente a especificação (i) dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, (ii) dos concretos meios probatórios, constantes do processo, nomeadamente documentos, registo ou gravação da prova nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos a matéria de facto impugnados diversa da recorrida e (iii) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Presentes os considerandos que antecedem e na sequência dos mesmos temos que, para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto, deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pela Recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
[…]”
Antes de mais, convém referir que na parte inicial do presente recurso, nomeadamente nas alíneas «D» e seguintes das respetivas conclusões, a Recorrente, salvo o devido respeito, mescla os erros de julgamento de facto com erros de julgamento de direito. Porém esta miscigenação não nos impede de reconhecer que a matéria que ali vai sintetizada diz respeito unicamente a considerações feitas quanto ao julgamento de direito feito na sentença recorrida.
Porém, no que concerne à alegada matéria de facto contida nas conclusões «K» a «M» e «N», o que podemos constatar é que a ora Apelante não cumpre os ónus processuais previstos no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT. Efetivamente a Recorrente não indica quais os concretos meios probatórios que sustentam a versão dos factos que pretende vir aqui a ser considerada, incumprindo, assim, o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC.
Assim sendo, nesta parte, terá que ser rejeitado o presente recurso.
IV.4 – Dos erros de julgamento quanto ao estatuído nos artºs. 87.º, 88.º, 91.º todos da LGT, 60.º do CIRC e 104.º n.º 2 da CRP e quanto ao demais princípios invocados.
A Recorrente veio alegar que a sentença recorrida havia feito uma errónea interpretação e aplicação o do disposto nos artigos 87.º, 88.º, 91.º todos da LGT e 60.º do CIRC.
Assim, sobre a apontada questão, decidiu-se na sentença recorrida que:
“[…]
A Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da tributação das empresas pelo rendimento real (cfr. artigo 104.º n.º 2) e a Lei Geral Tributária expressa o princípio da capacidade contributiva, revelada, nomeadamente, através do rendimento (cfr. artigo 4.º n.º 1), sendo que, no caso das empresas, o mesmo é determinado tomando por base a contabilidade (cfr. artigo 17.º n.º 1 do Código do IRC).
Nesta medida, constituem obrigações acessórias dos sujeitos passivos de IRC a execução e exibição da contabilidade nos termos da lei fiscal, de modo a permitir o controlo da correspondência à realidade do lucro tributável declarado (cfr. artigo 31.º n.º 2 da Lei Geral Tributária).
Estes dados e apuramentos inscritos na contabilidade, quando estejam organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal, presumem-se verdadeiros e de boa-fé, cessando, no entanto, tal presunção quando a contabilidade revele omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da real matéria tributável do sujeito passivo (cfr. artigo 75.º n.º 1 e n.º 2 alínea a) da Lei Geral Tributária).
Acresce que a matéria tributável deve ser avaliada ou calculada diretamente, segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei (cfr. artigo 81.º n.º 1 da Lei Geral Tributária).
A avaliação indireta é, assim, subsidiária da avaliação direta (cfr. artigo 85.º n.º 1 da Lei Geral Tributária), pelo que só no caso de impossibilidade absoluta de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável do imposto poderá a administração tributária recorrer a métodos indiretos de determinação (cfr. artigos 87.º n.º 1 alínea b) e 88.º da Lei Geral Tributária).
Deste modo, o pressuposto do recurso a métodos indiretos é a impossibilidade de comprovação e quantificação direta da matéria tributável, pressuposto que se relaciona com anomalias e incorreções da contabilidade enunciadas no artigo 88.º da Lei Geral Tributária, insupríveis com recurso a meras correções técnicas.
Assim, não basta que se verifiquem omissões, erros, inexatidões na contabilidade para que a administração tributária possa legalmente recorrer à avaliação indireta da matéria tributável, sendo necessário que demonstre a verificação de factos suscetíveis de se subsumirem a uma das seguintes previsões normativas do artigo 88.º da Lei Geral Tributária:
“A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada”
Nesta medida, recai sobre a administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da aplicação de métodos indiretos, incluindo a inexistência de elementos que permitam a avaliação direta (cfr. artigo 74.º n.º 3, 1.ª parte, da Lei Geral Tributária).
Em coerência, incide sobre a administração tributária um dever acrescido de fundamentação, especificando, em concreto, os factos – vícios e irregularidades da contabilidade – que evidenciem a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e, consequentemente, legitimem o recurso a métodos indiretos (cfr. artigo 77.º n.º 4 da Lei Geral Tributária).
Num segundo momento, o dever de fundamentação abrange também a objetiva e rigorosa indicação dos critérios utilizados na determinação da matéria tributável (cfr. artigos 77.º n.º 4 e 90.º da Lei Geral Tributária), uma vez que a avaliação indireta, embora de modo presumido, visa ainda o apuramento e tributação pelo lucro real (cfr. artigos 83.º n.º 2 e 85.º n.º 2 da Lei Geral Tributária).
Concretizada a prova da verificação dos pressupostos da aplicação de métodos indiretos, caberá ao sujeito passivo o ónus da prova da ocorrência de causas justificativas que retirem legitimidade ao recurso à avaliação indireta, bem como do eventual erro ou excesso na quantificação da matéria tributável (cfr. artigo 74.º n.º 3, 2.ª parte, da Lei Geral Tributária).
Importa, por fim, notar que, mesmo nos casos em que o contribuinte cumpra os seus deveres de colaboração, a administração tributária não está impedida de desencadear o procedimento de fiscalização tributária com vista à confirmação dos dados declarados e dos registos em que tal declaração se funda.
Assim, o que importa apurar é se os factos invocados pela administração tributária para suportar a decisão de recorrer a métodos indiretos são suscetíveis de se enquadrarem em alguma das hipóteses previstas no artigo 88.º da Lei Geral Tributária.
Retomando o caso dos autos, a administração tributária justificou a necessidade de recurso a métodos indiretos com base nos seguintes factos apurados no decurso da ação inspetiva: i) a existência de contabilidade e sistemas de faturação paralelos; ii) a existência de ordens de fabrico sem emissão, total ou parcialmente, de fatura para os produtos aí mencionados; iii) irregularidades na utilização dos livros manuais de guias de transporte; iv) margens de incorporação de matérias-primas, apuradas com recurso a amostragem, superiores às margens declaradas na contabilidade; v) inexistência de sistema de inventário permanente; e vi) certificação legal de contas emitida com reservas.
Assim, na resolução do procedimento de revisão da matéria coletável, a administração concluiu pela existência de erros e inexatidões no registo das operações, irregularidades na organização da contabilidade e indícios de que os elementos contabilísticos não refletem o rendimento real da Impugnante e, consequentemente, pela impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável.
Ora, no que respeita aos pressupostos de facto ou de direito subjacentes à decisão de proceder à avaliação da matéria tributável com recurso a métodos indiretos, uma análise crítica dos elementos recolhidos no decurso do procedimento inspetivo permite concluir pela efetiva existência de omissões no registo e contabilização de vendas e, consequentemente, de proveitos efetivamente obtidos pela Impugnante na atividade exercida.
Note-se que a própria Impugnante não contesta a existência de um conjunto de operações que ficaram à margem da sua contabilidade oficial, consubstanciadas em faturas identificadas com a letra B ou outros documentos fazendo referência a Faturas B.
Relativamente a esta factualidade apurada pela administração, a Impugnante procurou sustentar que os serviços de inspeção identificaram todas as situações de omissão de faturação, inexistindo, portanto, quaisquer outras operações não refletidas na sua contabilidade.
Ora, não só a Impugnante não logrou produzir qualquer prova desta alegação, como a mesma se revela absolutamente inverosímil e até contraditória com as restantes alegações formuladas pela Impugnante na sua petição inicial. Com efeito, não é credível que tais omissões de faturação tenham ocorrido apenas num mês do ano de 2009 e em quatro meses do ano de 2010. Por outro lado, a Impugnante alegou que se viu obrigada a esta conduta para garantir a realização das respetivas vendas. Ora, se esta era uma prática habitual e – nas palavras da Impugnante – necessária para garantir a realização das vendas, tudo indica que a mesma ocorreu noutros casos e na generalidade dos meses de 2009 e 2010, não tendo a Impugnante demonstrado, ou sequer alegado, factualidade da qual se possa extrair distinta conclusão.
Aqui chegados, importa sublinhar que esta circunstância constituiria, por si só, elemento suficiente para se concluir pela impossibilidade de comprovar e quantificar, de modo direito, a matéria tributável e, consequentemente, legitimar o recurso a métodos indiretos de quantificação.
No entanto, a administração tributária recolheu ainda outros elementos que evidenciam a existência de vícios e irregularidades na contabilidade da Impugnante.
No que respeita à existência de ordens de fabrico sem emissão, total ou parcialmente, da correspondente fatura, a Impugnante não logrou demonstrar que tais discrepâncias ocorreram em virtude de inexistência de stock, incapacidade de fabrico ou cancelamento da encomenda e que, portanto, a respetiva transmissão não chegou a realizar-se.
Quanto às irregularidades na utilização dos livros manuais de guias de transporte, sublinhe-se que, nem no decurso dos procedimentos de inspeção ou de revisão, nem na presente ação, a Impugnante apresentou os livros em falta, não ficando demonstrada, nem sendo verosímil, a tese segundo a qual os mesmos se extraviaram. Trata-se de um elemento relevante para possibilitar a comprovação da matéria tributável, pelo que a sua ausência, ponderada com os restantes elementos recolhidos, constitui um fator legitimador do recurso à avaliação indireta.
No que respeita às margens de incorporação de matérias primas, a tese da Impugnante assenta essencialmente na existência de desperdícios ocorridos no decurso do processo produtivo, os quais, segundo alega, não foram considerados no cálculo realizado pela administração.
Sucede que a análise por amostragem realizada pelos serviços de inspeção teve por base as folhas de cálculo fornecidas pela própria Impugnante, não tendo esta demonstrado que nessas folhas não são considerados os desperdícios. Pelo contrário, as regras da experiência e mesmo o depoimento de uma das testemunhas – «FF», perito indicado pela Impugnante para o procedimento de revisão – apontam para a circunstância de tais folhas considerarem uma percentagem de desperdício que, de modo mais ou menos rigoroso, foi apurado pela própria Impugnante.
Resta por fim referir que a inexistência de sistema de inventário permanente, bem como as reservas mencionadas nos documentos de certificação legal de contas, não constituindo, por si só, aspetos determinantes do recurso à avaliação indireta, foram corretamente valorados pela administração como um elemento adicional que não possibilitou a quantificação da matéria tributável de modo direto.
Cumpre, a propósito deste último aspeto, assinalar que a falta de rigor na organização dos elementos contabilísticos e a consequente dificuldade de comprovar a matéria tributável só pode ser imputada à própria Impugnante, pelo que deverá ser valorada contra a mesma.
Em suma, os factos apurados pelos serviços de inspeção abalam a credibilidade da contabilidade para efeitos fiscais, bem como a possibilidade de reconstituir a verdadeira dimensão dos proveitos obtidos com a atividade exercida e quantificar a matéria coletável.
Nesta medida, a administração fiscal cumpriu o ónus que sobre si recaía de demonstrar, não só que a contabilidade da Impugnante não merecia confiança, mas também a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e, consequentemente, a inevitabilidade do recurso a métodos indiretos para o seu apuramento – nos termos previstos nos artigos 74.º n.º 3, 85.º n.º 1, 87.º n.º 1 alínea b) e 88.º da Lei Geral Tributária.
Acresce que a Impugnante não logrou provar o desacerto da atuação da autoridade tributária, porquanto não produziu prova adequada a afastar o juízo de impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável.
Identificada a necessidade de recurso a métodos indiretos, veio a administração, num segundo momento, calcular o valor da matéria tributável com base nos seguintes critérios, tal como vem explicitado na decisão final do procedimento de revisão:
I) Para o exercício de 2009, utilizou o rácio de omissão de faturação, correspondente aos valores constantes dos documentos que evidenciam a existência de faturas B, relativamente à faturação registada contabilisticamente pela Impugnante, ambas com referência ao período de janeiro a maio desse exercício e ao comissionista «AA» que atuava no mercado espanhol, apurando a percentagem de omissão de 13,29;
II) Para o exercício de 2010, utilizou o rácio de omissão de faturação, correspondente aos valores constantes dos documentos que evidenciam a existência de faturas B, relativamente à faturação registada contabilisticamente pela Impugnante, ambas com referência aos períodos de janeiro a maio de 2009 e ao comissionista «AA» e janeiro a março de 2011 e aos comissionistas «AA» e «BB», que atuavam ambos no mercado espanhol, apurando a percentagem de omissão de 9,02;
Com o recurso a tal metodologia, pretendeu a administração corrigir a faturação declarada, aproximando-a do valor das operações efetivamente praticadas pela Impugnante.
A Impugnante contrapõe que o método proposto pelo perito que indicou no procedimento de revisão, e ao qual aderiu o perito independente, é mais justo, credível e adequado ao princípio da tributação pela capacidade contributiva do que o utilizado pela autoridade tributária, que consistiu na utilização do rácio de faturação omitida relativamente à faturação declarada reportado a um período curto de cinco meses, aplicável a um único agente comissionista e que só atuava no mercado espanhol, o qual, portanto, não é extrapolável para todo o ano e para os vários mercados, nomeadamente, para o nacional.
Entende, assim, que a quantificação da matéria tributável foi muito para além do razoável e dos valores minimamente aceitáveis, violando o princípio da verdade material, e não tomando em consideração as justificações que apresentou no âmbito do procedimento inspetivo.
Concretiza que a relva artificial representa cerca de 80% do volume de negócios da empresa, sendo que, no cálculo da quantidade possível de fabricação desse produto, a autoridade tributária deveria ter recorrido à quantidade de tela adquirida, dados que os próprios serviços de inspeção consideraram credíveis. Enfatiza que, realizado esse cálculo, é possível, não só confirmar os dados constantes da contabilidade, como comprovar que a matéria tributável apurada por métodos indiretos é manifestamente excessiva, acrescentando que, no apuramento da matéria tributável, a autoridade tributária não teve em consideração os desperdícios de tela e de látex inerentes ao processo produtivo.
Sustenta, ainda, que a alegada falta de credibilidade dos inventários também não pode servir de fundamento para a não aceitação do método proposto do procedimento de revisão, pois os serviços de inspeção não evidenciaram quaisquer erros materialmente relevantes, acrescentando que a autoridade tributária não aceitou tal metodologia apenas devido à diferença de valores entre ambos os cálculos, o que constitui um fundamento ilegítimo.
Considera, por fim, que apenas é admissível a emissão de liquidações de IRC que correspondam a um acréscimo da matéria coletável nos valores de € 121.595,61, para o exercício de 2009, e € 228.309,13, para 2010, e aos quais deverão ser descontadas as regularizações voluntárias entretanto efetuadas.
Sobre esta questão, o Ministério Público considerou, no seu parecer, que a Impugnante não produziu prova adequada a afastar o juízo de impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável formulado pela administração, nem logrou demonstrar o erro ou manifesto excesso na quantificação por avaliação indireta, nomeadamente o desacerto dos indicadores utilizados.
Apreciando:
Importa, antes de mais, sublinhar que a Impugnante acaba por reconhecer que o valor da faturação declarada fica aquém da sua capacidade produtiva, medida em função da matéria prima adquirida e das características do seu processo produtivo, considerando, no entanto, que será apenas admissível a emissão de liquidações adicionais de IRC que correspondam a um acréscimo da matéria coletável nos valores de € 121.595,61, para o exercício de 2009, e € 228.309,13, para 2010, descontados dos valores das regularizações voluntárias efetuadas.
Por outro lado, a Impugnante coloca em causa o método utilizado pela administração, nos termos já explicitados, propondo, em alternativa, que a matéria tributável seja apurada em função da quantidade de tela adquirida, até porque os serviços de inspeção consideraram credíveis os respetivos dados constantes da contabilidade.
Começando por este último aspeto, resulta da matéria de facto provada que os serviços de inspeção analisaram apenas as aquisições de matérias primas a entidades sedeadas nos Emirados Árabes Unidos, por se tratar de regime de tributação mais favorável, e não sobre a globalidade das aquisições realizadas pela Impugnante. Nesta medida, a administração validou apenas as aquisições com essa proveniência, pelo que não corresponde à realidade a alegação de que a administração considerou credível a totalidade dos preços e quantidades de aquisições registadas na contabilidade. Por outro lado, ficou por demonstrar qual o peso relativo da tela adquirida pela Impugnante a entidades sedeadas nos Emirados Árabes Unidos relativamente à quantidade total de tela que adquiriu nos anos de 2009 e 2010, pelo que não é possível concluir-se que as aquisições com diversa proveniência representam apenas uma percentagem marginal e, portanto, negligenciável para o método de cálculo proposto pela Impugnante.
Por outro lado, esse método de cálculo assenta na percentagem de matéria prima desperdiçada no processo produtivo, apurada com base em dados recolhidos durante um período de 38 dias em maio e junho de 2012, e aplicada sobre os valores de consumo de tela em cada um dos anos de 2009 e 2010. Sucede que os valores nos quais assentou este cálculo, mormente os correspondentes aos consumos de tela, não foram objeto de suficiente validação, como é assumido pelo perito independente nomeado no procedimento de revisão.
Afigura-se que tal validação seria de difícil ou mesmo impossível realização atendendo à já mencionada falta de organização dos registos contabilísticos, mormente no que respeita à falta de implementação do sistema de inventário permanente, bem como à atuação que conduziu à emissão das certificações legais de contas com reservas. Note-se que a Impugnante não esboçou qualquer explicação para a reiterada omissão de comunicação das datas de realização das contagens físicas de existências à entidade responsável pela revisão oficial de contas.
Ao contrário do que vem alegado pela Impugnante, estes dois elementos retiram credibilidade aos valores de existências declarados pela Impugnante e, consequentemente, ao modelo de apuramento da matéria tributável que propôs.
Quanto ao método de apuramento da matéria tributável utilizado pela administração tributária, teve como critério os rácios de omissão de faturação, correspondente aos valores constantes dos documentos que evidenciam a existência de faturação B, relativamente à faturação registada contabilisticamente pela Impugnante, com as especificidades para cada um dos exercícios já explicitadas nesta decisão.
Ou seja, a administração presumiu o volume de faturação que terá ocorrido nos anos de 2009 e 2010 com base no peso relativo da omissão de faturação comprovadamente praticado pela Impugnante, apurando, assim, um volume de faturação proporcional.
A circunstância de a percentagem de omissão de faturação identificada se reportar apenas a períodos temporalmente limitados – cinco meses no ano de 2009 e três meses no de 2011 – e apenas a um ou dois comissionistas – para os anos de 2009 e 2010, respetivamente – não se afigura desadequado ao fim pretendido, ou seja, a aproximação ao valor real das operações praticadas pela Impugnante nos anos de 2009 e 2010.
Com efeito, resulta inequivocamente dos elementos de prova recolhidos pelos serviços de inspeção tributária que a Impugnante desenvolveu uma prática de subfacturação relativamente a parte significativa das suas transmissões de bens. Por outro lado, é fundada a convicção de que a real dimensão dessa prática de subfacturação excede as concretas situações que foi possível identificar no âmbito da ação inspetiva e correspondia a uma atuação reiterada ao longo dos anos em causa.
No que respeita especificamente ao exercício de 2010, importa sublinhar que, atendendo à ausência de elementos que permitissem apurar a globalidade da faturação declarada e omitida, a administração tomou como referência também os dados disponíveis para o ano de 2011, ponderando-os com os relativos a 2009, para determinar a média de omissão de faturação. Ora, este específico critério conduziu a uma percentagem de omissão de faturação – 9,02% – inferior à revelada pelos dados disponíveis apenas para o ano de 2009 – 13,29% –, donde se conclui que, na definição dos critérios de determinação da matéria tributável, a administração teve presente o princípio da adequação e proporcionalidade.
Assim, a metodologia seguida pela administração na determinação da matéria tributável revela-se não só adequada e proporcional, mas a única possível para garantir uma aproximação ao rendimento real, atendendo à já mencionada falta de credibilidade das existências declaradas pela Impugnante.
Em suma, a decisão de recorrer a métodos indiretos de apuramento da matéria tributável – decisão que, como se referiu, não merece censura – implicou o recurso a estimativas e presunções, dada a impossibilidade – imputável à Impugnante – de apurar direta e exatamente as operações omitidas do registo contabilístico, sendo que o critério adotado se revela suficientemente claro e adequado a esse apuramento.
Pelo exposto, e tendo presente que a Impugnante não logrou cumprir o ónus de demonstrar o excesso de quantificação da matéria tributável que sobre si recaía, conclui-se que também deve improceder o alegado erro na quantificação da matéria tributável relativa aos exercícios de 2009 e 2010.
[…] (fim de citação).
Ora, quanto ao erro de julgamento a este propósito invocado, tendo em conta as corretas considerações feitas na sentença recorrida e acima transcritas, temos de considerar que inexistem os apontados erros de julgamento.
Com efeito, os serviços inspetivos da AT detetaram diversas irregularidades na contabilidade da Recorrente, assim como variadíssimas omissões de proveitos, melhor identificadas no excerto acima transcrito da sentença recorrida. Deste modo, considerando os dados de facto recolhidos, torna-se patente que estava à partida, justificada a aplicação de métodos indiretos, não tendo a Recorrente demonstrado factualmente a existência de excesso de quantificação. Acresce ainda que não se logrou demonstrar que a utilização de métodos indiretos fosse suscetível de ser postergada pelo recurso à avaliação direta da matéria coletável, sendo aquela subsidiária deste última.
Por outro lado, ao invés do invocado pela Recorrente, entendemos que o princípio da tributação real expresso no artigo 104.º, nº 2 da CRP, ou seja, que “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”, constitui uma regra que permite desvios ou exceções, como seja o recurso a métodos indiretos, ainda que de forma algo excecional como resulta do disposto nos artigos 87.º e segs. da LGT. Por isso, in casu, não vemos que tal princípio constitucional tenha sido posto em causa.
Igualmente se diga que da decisão recorrida não decorre qualquer ditame potencialmente ofensivo dos princípios da igualdade e da justiça, sendo a referência a estes feita pela Recorrente vazia da necessária concretização.
Desta forma, entendemos que não se verificam os erros de julgamento invocados neste item do presente recurso.
IV.5 – Do erro de julgamento no que concerne ao disposto n.º 7 do art.º 92 da LGT.
A Recorrente invoca que a sentença recorrida errou quando desconsiderou a posição tomada pelo perito independente, sendo que neste conspecto a posição divergente da AT teria de ser especialmente fundamentada.
Assim, a este propósito convém referir que o n.º 7 do art.º 92 da LGT estatui que “Se intervier perito independente, a decisão deve obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer.”
Na situação sub judice, o perito independente discordou da metodologia apurada para a quantificação da matéria tributável indo, em parte, ao encontro das observações feitas pelo perito nomeado pelo contribuinte, assim se apresentando ambos em desacordo com a posição expressa no relatório do perito da AT.
Ora, como se afirmou no acórdão desta instância, datado de 29/06/2017, proferido no processo n.º Processo n.º 1054/05.9BEVIS e citado no acórdão exarado no processo n.º 00011/05.0BEVIS (de 13-07-2017) Em sentido semelhante veja-se, por exemplo, o acórdão deste TCA proferido, datado de 12.10.2023, no processo n.º 00724/13.2BEBRG e disponível em www.dgsi.pt.:
“[…]
Dispõe o art.º 92.º da LGT:
«1 - O procedimento de revisão da matéria colectável assenta num debate contraditório entre o perito indicado pelo contribuinte e o perito da administração tributária, com a participação do perito independente, quando houver, e visa o estabelecimento de um acordo, nos termos da lei, quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação.
2 - O procedimento é conduzido pelo perito da administração tributária e deve ser concluído no prazo de 30 dias contados do seu início, dispondo o perito do contribuinte de direito de acesso a todos os elementos que tenham fundamentado o pedido de revisão.
3 - Havendo acordo entre os peritos nos termos da presente subsecção, o tributo será liquidado com base na matéria tributável acordada.
4 - O acordo deverá, em caso de alteração da matéria inicialmente fixada, fundamentar a nova matéria tributável encontrada.
5 - Em caso de acordo, a administração tributária não pode alterar a matéria tributável acordada, salvo em caso de trânsito em julgado de crime de fraude fiscal envolvendo os elementos que serviram de base à sua quantificação, considerando-se então suspenso o prazo de caducidade no período entre o acordo e a decisão judicial.
6 - Na falta de acordo no prazo estabelecido no n.º 2, o órgão competente para a fixação da matéria tributável resolverá, de acordo com o seu prudente juízo, tendo em conta as posições de ambos os peritos.
7 - Se intervier perito independente, a decisão deve obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer.
8 - No caso de o parecer do perito independente ser conforme ao do perito do contribuinte e a administração tributária resolver em sentido diferente, a reclamação graciosa ou impugnação judicial têm efeito suspensivo, independentemente da prestação de garantia quanto à parte da liquidação controvertida em que aqueles peritos estiveram de acordo»
Como decorre do n.º 7, à posição assumida pelo perito independente é atribuído um especial relevo, derivado da posição de isenção que assume no procedimento de revisão, pelo que a não aceitação na decisão da posição por ele assumida tem de ser obrigatoriamente fundamentada – vd. Leite de Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “Lei Geral Tributária”, Encontro de Escrita, 4.ª ed., 2012, a pág.815.
Também o STA tem vindo a entender que «Nas situações em que o perito independente intervém no procedimento de revisão da matéria tributável (artigo 91.º, n.º 4, da LGT) e não há acordo na Comissão quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação, a lei pretende que haja uma particular ponderação e reflexão sobre a posição assumida por esse perito, obrigando, para o efeito, a um acrescido dever de fundamentação da decisão de fixação da matéria tributável, pela enunciação das razões que levaram à adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer, independentemente do seu conteúdo (artigo 92.º, n.º 7, da LGT).
Não constando da decisão de fixação da matéria tributável a fundamentação da rejeição do parecer do perito independente, em violação do disposto no n.º 7 do artigo 92.º da LGT, ocorre vício que inquina a legalidade desse acto e de todos os actos consequentes, incluindo o de liquidação» - vd. Ac. de 30/11/2010, proferido no proc.º0512/10 e, na mesma linha decisória, o anterior Ac. de 13/10/2010, proferido no proc.º 0511/10.
[…]”
Voltando ao caso presente, há que ter presente que é na decisão final do procedimento de revisão que se devem buscar os fundamentos dos atos aqui impugnados. Ora, na decisão proferida pelo Sr. Diretor de Finanças aqui em causa, este deu a sua concordância a um parecer elaborado pelos respetivos serviços. Assim, neste último, enunciaram-se, resumidamente, as posições de todos os peritos, tendo-se analisado, ainda que a espaços, as questões suscitadas pelo perito independente no relatório que este apresentou (cf. a matéria de facto aditada por esta instância). Assim, no citado parecer foram apreciadas as questões fulcrais suscitadas pelo perito independente, nomeadamente quanto ao critério de quantificação contestado por aquele, tendo-se, por contraposição, defendido o critério apresentado pelo perito da AT.
Por isso, entendemos que não foi posto em causa, o dever de especial fundamentação expresso no n.º 7 do art.º 92.º da LGT, inexistindo o erro de julgamento a este propósito invocado pela Apelante.
Por isso, também neste ponto, terá de improceder o presente recurso.
*
Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, apresenta-se o seguinte sumário:
I – Sobre o recorrente que impugne a matéria de facto constante da sentença recorrida, impõe-se que dê cumprimento às regras previstas no artigo 640º do CPC.
II – Nos termos do art. 125º do CPPT e na al. b) do nº 1 do art. 615º do CPC: é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. No entanto, há que distinguir entre a falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada, sendo que o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação e tal nulidade só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respetivos fundamentos: isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão.
III – A matéria tributável deve ser avaliada ou calculada diretamente, segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei (cf. artigo 81.º n.º 1 da LGT). A avaliação indireta é, deste modo, subsidiária da avaliação direta (cf. artigo 85.º n.º 1 da LGT), pelo que só no caso de impossibilidade absoluta de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável do imposto poderá a administração tributária recorrer a métodos indiretos de determinação (cf. artigos 87.º n.º 1 alínea b) e 88.º da LGT).
IV – Intervindo perito independente na Comissão de Revisão da matéria tributável, não havendo acordo nesta e elaborando o perito independente o seu parecer, importa que a decisão de fixação que venha a ser tomada nos termos do n.º 6 do artigo 92.º da LGT observe o disposto no n.º 7 do mesmo artigo – que impõe que a decisão que vier a ser tomada pela Administração Tributária deve obrigatoriamente fundamentar a adesão ou rejeição, total ou parcial, do seu parecer.

-/-
V – Dispositivo
Nestes termos, acordam em conferência os juízes desta Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente (por vencida).


Porto, 27 de março de 2025

Carlos A. M. de Castro Fernandes
José Coelho
Jorge Costa