Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01390/15.6BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/14/2018
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:ACIDENTE DE VIAÇÃO; EMBATE EM CANÍDEO; RESPONSABILIDADE CIVIL; CONCORRÊNCIA DE CULPA;
Sumário:
1 – O lesado por acidente de viação tem direito a ser indemnizado, incluindo por danos sofridos pelo veículo, verificados que estejam os demais requisitos da responsabilidade civil.
2 – Em concreto, mesmo admitindo que a B... exerça todas as Ações de fiscalização que afirma levar a cabo, o que é facto é que se não mostra que as mesmas se apresentem como suficientes e adequadas para ilidir a presunção de incumprimento que sobe si recai, por força do artigo 12.º, n.º 1 da Lei n.º 24/2007, de 18 de julho.
3 - Não tendo sequer ficado demonstrado que a rede existente terá a virtualidade de impedir a entrada de canídeos, é desde logo irrelevante que se demonstrasse que não existiria qualquer anomalia na mesma, numa extensão de 500m.
É igualmente irrelevante a existência de patrulhamentos se não ficar demonstrado, como não ficou, que estão instalados na autoestrada em causa os meios físicos e técnicos que visem impedir a entrada de canídeos e outros animais na via.
4 – A B... sempre teria que demonstrar que o cão surgiu na autoestrada de uma forma inusitada e incontrolável, por um motivo de força maior, nomeadamente através de um ato de terceiro que não podia impedir.
5 - Não sendo conhecida a efetiva razão determinante do inusitado atravessamento do animal na faixa de rodagem, é a favor do lesado, e não da concessionária, que a respetiva dúvida terá de resolver-se, de acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, conjugado com o n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil.
6 – Por outro lado, não ficou demonstrado que o afirmado, vaga e imprecisamente por testemunha, de acordo com a qual o veículo circularia “a cerca de 130km/h”, possa ter concorrido para o agravamento dos prejuízos decorrentes do acidente, fazendo aplicar-se a “concorrência de culpa”, sendo que a causa direita do acidente residiu no facto do canídeo se encontrar inadvertidamente na autoestrada. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:LS SA
Recorrido 1:B... Concessão Rodoviária SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença recorrida
Julgar procedente a acção
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
LS SA, devidamente identificada nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, intentada contra a B... Concessão Rodoviária SA, na qual peticionou que lhe fosse atribuída uma indemnização de 7.115,27€, correspondente aos custos que suportou relativamente a acidente ocorrido em 20 de outubro de 2014 na A4, “resultante de embate da viatura com a matrícula …-…-ZQ com um animal de raça canídea”, inconformada com a decisão adotada no TAF de Penafiel em 18 de dezembro de 2017, que julgou a Ação improcedente, veio em 5 de fevereiro de 2018 apresentar Recurso, no qual concluiu:
I.) A sentença ora em crise é, nos termos do disposto no art. 615°, n°1, al. c) do CPC nula, uma vez que é obscura, já que a MMª Juíza do Tribunal “a quo” considera não existir culpa do lesado ao mesmo tempo que absolve a Recorrida por existir do culpa do lesado.
II.) Decorre do teor da própria sentença que a Mmª Juíza do Tribunal “a quo” entende que a Recorrida, não ilidiu a presunção que sobre ela impedia por via da aplicação do art. 12°, n°1 da Lei 24/2007 de 18 de Julho.
III.) Não há a menor dúvida de que a Recorrida nada fez e muito menos provou que tomou todas as medidas necessárias e ao seu alcance, para evitar o surgimento em plena auto estrada de um animal canino.
IV.) No caso concreto, não foi feita prova de que alguma medida foi tomada por parte da Ré para evitar que um canídeo entrasse no perímetro da auto estrada e circulasse em plena faixa de rodagem.
V.) Ficou provado que a recorrida não tomou as medidas que tinhas de tomar para evitar o acidente dos presentes, não chegando sequer a ser uma questão de ilidir uma presunção, antes de uma culpa efetiva.
VI.) A conduta causal para a eclosão do acidente não reside na velocidade imprimida pelo condutor ao veículo, mas sim na omissão de medidas por parte da Ré para evitar que pela faixa de rodagem da autoestrada 4 circulasse um canídeo.
VII.) Nos termos do disposto no art. 570°, n°1 do CC, e uma vez que há culpa efetiva da Recorrida e não uma mera presunção, poderia ter sido feita uma ponderação quanto ao valor peticionado, designadamente calculando ainda que equitativamente, qual a proporção de danos que esse acréscimo de 10 Km/h representa no universo dos danos peticionados pela Recorrente.
VIII.) A sentença ora em crise faz uma incorreta interpretação e aplicação dos art.483° e 570º do Código Civil.
NESTES TERMOS e nos melhores de direito, que V. Exas. Mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Sentença recorrida, e consequentemente, condenar-se a Recorrida, fazendo-se assim a acostumada Justiça.
*
O Recurso foi admitido por Despacho de 14 de fevereiro de 2018
*
A Recorrida/B..., veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 7 de março de 2018, concluindo:
1 – Tal como resulta da matéria dada como provada, no dia em que ocorreu o acidente, a B... efetuou patrulhamento no local cerca de uma hora antes da ocorrência do acidente e nada foi detetado que fizesse perigar a circulação na autoestrada. (Alíneas 25 a 28 dos factos provados).
2 – Resulta, igualmente dos factos provados, que não houve qualquer omissão por parte da Ré B... relativamente aos deveres a que está obrigada pelo contrato de concessão.
4 – Atento os factos provados, a Ré logrou ilidir a presunção de incumprimento da observância dos deveres de segurança que sobre si recaem.
5 – A B... agiu com a diligência e o cuidado que se pode esperar de uma concessionária de autoestradas.
6 – A Ré alegou e demonstrou que cumpriu efetivamente com os seus deveres de manutenção, conservação, vigilância e fiscalização, decorrentes do contrato de concessão, quer por prova documental quer por prova testemunhal.
7 – De facto, atenta a matéria dada como provada, não é possível concluir pela responsabilidade da B... quanto à ocorrência do acidente, pois, perante o artª 12, nº 1, da Lei nº 24/2007, deve ter-se por ilidida a presunção aí estabelecida, uma vez que resultou provado que a Ré, concessionária da A4, cumpriu todos os deveres de vigilância que sobre si impendiam, no local onde ocorreu o acidente.
8 – Alega a Apelante, que a Sentença padece de nulidade nos termos do artigo 615º, nº1 alínea c) do CPC, no entanto, os fundamentos da Sentença não estão em oposição com a decisão nem ocorre nenhuma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
9 - Tendo resultado provado, que foi efetuado o patrulhamento na A4, para que o trânsito se procedesse em segurança e comodidade, não tendo sido detetado qualquer obstáculo que pusesse em risco a segurança dos utentes da Autoestrada, a Sentença a quo deve ser confirmada.
10 – Tendo igualmente resultado provado, que o condutor do veículo interveniente no acidente de que tratam os presentes autos, conduzia em excesso de velocidade, de noite, o acidente só a ele pode ser imputado por desrespeito das regras estradais, pondo em risco a sua segurança e dos demais utentes da autoestrada.
11 – Devem, assim, improceder as conclusões formuladas pela Apelante.
Nestes termos, deve ser mantida a Sentença recorrida, só assim se fazendo, Venerandos Desembargadores, como é habitual, nesse Tribunal Administrativo Central do Norte JUSTIÇA!”
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Em 22 de março de 2018 veio a FCS SA, em resultado de ter sido admitida a sua intervenção acessória provocada, apresentar as suas contra-alegações de Recurso, sem que tenha apresentado conclusões.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, devidamente notificado, nada veio dizer, requerer ou Promover.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
As principais questões a apreciar resultam da necessidade de verificar, designadamente, a invocada nulidade e obscuridade da Sentença proferida em 1ª instância, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, como provada, a qual aqui se reproduz:
Com interesse para a decisão da causa consideram-se como provados os seguintes factos:
1) A ré celebrou com a interveniente contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 3…99, garantindo por meio deste o pagamento de indemnizações até ao montante de € 750 000,00 que aquela pudesse ter que suportar perante terceiros na sua qualidade de concessionária da exploração, conservação e manutenção da A4;
Doc. 1 junto com a contestação da ré
2) A autora celebrou com METSL um contrato de seguro do ramo Automóvel, titulado pela apólice n.º 34/1…1;
Doc. 1 junto com a p.i.
3) Através do referido contrato, a autora assumiu a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação decorrentes da circulação do veículo de matrícula …-…-ZQ, bem como a cobertura facultativa de Choque, Colisão ou Capotamento, [v.g. Danos Próprios];
Doc. 1 junto com a p.i.
4) No dia 20.10.2014, pelas 06:30 horas, ocorreu um acidente de viação, ao km 44,300 da Autoestrada A4, na Freguesia de São Mamede Recezinhos, Concelho de Penafiel;
Doc. 2 junto com a p.i.; doc. 2 junto com a contestação da ré Depoimento de JL
5) Neste acidente, foi interveniente o veículo referido em 3), conduzido por JCSL;
Doc. 2 junto com a p.i. Depoimento de TT e JL
6) No local do acidente, a Autoestrada A4 configura uma curva à esquerda;
Depoimento de TT, JL, JM e AA
7) Onde o trânsito se processa em ambos os sentidos;
Depoimento de TT e JL
8) Delimitados por separador central;
Depoimento de TT e JL
9) A faixa de rodagem no local do acidente, no sentido Porto/Amarante, é composta por duas vias de circulação;
Depoimento de TT e JL
10) Delimitadas por linhas longitudinais descontínuas;
Depoimento de TT e JL
11) Nas circunstâncias supra descritas, o veículo referido em 3) circulava na A4, no sentido Porto/Amarante;
Depoimento de TT, JL e AA
12) Pela via de trânsito da esquerda, estando a ultrapassar um camião;
Depoimento de JL
13) Aproximadamente ao km 44,300, circulando a cerca de 130 Km/h, o condutor do veículo mencionado em 3) foi surpreendido pelo aparecimento de um animal de raça canídea na via, sem nada que o fizesse prever; Depoimento de JL
14) Vindo do separador central em direção à berma do lado direito, atento o sentido de marcha do veículo;
Depoimento de JL
15) O animal atravessou-se, súbita e inopinadamente, à frente do veículo;
Depoimento de JL
16) Tornando inevitável o embate entre a parte frontal esquerda do veículo e o referido animal;
Depoimento de TT, JL e AA
17) A G.N.R. esteve presente no local do acidente e tomou conta da ocorrência, tendo sido elaborada a respetiva participação, onde consta, entre o mais, a presença do animal na via;
Doc. 2 junto com a p.i. Depoimento de TT, JL e AA
18) Também esteve presente no local funcionário da ré que se encontrava a realizar a patrulha da autoestrada e que para aí foi mobilizado pelo Centro de Coordenação de Operações na sequência de comunicação do acidente pela GNR-BT pelas 06:37;
Doc. 2 junto com a contestação da ré Depoimento de TT, JL, JM e AA
19) Do acidente supra descrito resultaram danos materiais na parte frontal sobre o lado esquerdo do veículo seguro, nomeadamente, no para-choques, guarda-lamas, capot e farol, airbags, consola;
Depoimento de TT, JL e AA
20) A autora solicitou aos seus serviços técnicos a realização de uma peritagem ao veículo, a fim de serem determinados os danos e orçamentado o valor da reparação;
Doc. 3 junto com a p.i. Depoimento de SA
21) Na sequência da peritagem, foi possível concluir que o veículo apresentava danos no valor de € 15 301,53;
Doc. 3 junto com a p.i. Depoimento de SA
22) Tendo em conta que o orçamento apresentado era superior ao valor venal do veículo [€ 11 956,52], a viatura foi considerada uma perda total;
Depoimento de SA
23) Tendo a autora, procedido ao pagamento de indemnização no montante de €6.890,00;
Doc. 4 junto com a p.i. Depoimento de SA e JL
24) A título de despesas de peritagem e averiguação, a autora despendeu, ainda, a quantia total de € 225,27;
Doc. 5 junto com a p.i. Depoimento de SA
25) A autora realiza patrulhamentos constantes na A4, por onde também circula a GNR;
Depoimento de TT, JM, AA e RS
26) No dia e hora do acidente, foram e estavam a ser realizados patrulhamentos, tendo o funcionário referido em 19) passado no local do mesmo cerca das 05:02 e, em sentido contrário, cerca das 05:45;
Docs. 3 e 4 juntos com a contestação da ré Depoimento de JM, AA e RS
27) Em data posterior ao sinistro, foram vistoriados 500 m de vedação para cada do local do mesmo;
Doc. 5 junto com a contestação da ré Depoimento de MB
28) A A4 encontra-se vedada por vedações com altura de cerca de 1 m e 10 cms, tendo duas fiadas de arame farpado, uma em cima e outra rente ao chão, e uma rede metálica progressiva, com exceção, dos Nós/Ramos de acesso e/ou de saída.
Depoimento de MB
*
IV – Do Direito
Importa agora analisar e decidir o suscitado.
Desde logo, sublinha-se que, tendo-se o acidente objeto da presente Ação verificado em 20 de outubro de 2014, o diploma relativamente à Responsabilidade Civil aplicável será a Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, sendo ainda relevante atender, nomeadamente, à Lei nº 24/2007, de 18 de julho, que define os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas.
Por forma a percecionar o sentido da decisão proferida pelo tribunal a quo, infra se transcreverá o essencial do discurso fundamentador da decisão recorrida:
“A autora peticiona que a ré seja condenada no pagamento do montante de €7.115,27, a título de indemnização por responsabilidade civil extracontratual decorrente dos danos provocados a veículo abrangido por contrato de seguro.
(...)
Vem imputada à ré uma atuação omissiva de não ter tomado providências no sentido de assegurar a segurança da circulação dos veículos automóveis na A4.
Conforme resulta dos autos, não existiu da parte da ré qualquer comportamento no sentido de prevenir o condutor do veículo seguro para a existência do cão que acabou por embater no veículo em causa. Portanto, está preenchido o primeiro pressuposto legal.
O facto é causa é ilícito e culposo?
A Lei n.º 24/2007, de 18 de julho veio definir “direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares e estabelece, nomeadamente, as condições de segurança, informação e comodidade exigíveis, sem prejuízo de regimes mais favoráveis” (artigo 1.º).
(...)
O legislador resolveu no artigo 12.º a problemática da repartição do ónus de prova dos elementos constitutivos da obrigação de indemnizar: quando esteja em causa um sinistro numa autoestrada concessionada, provocada pelo atravessamento de um animal, e que a autoridade policial competente tenha verificado no local as causas do acidente (v.g. a viatura acidentada e o animal), a entidade concessionária fica onerada com uma presunção de incumprimento das obrigações de segurança que lhe cabe observar, cabendo-lhe, portanto, o ónus de prova do cumprimento das obrigações de segurança.
(...)
Analisando agora o caso concreto.
Da matéria de facto dada como provada resulta que o veículo segurado pela autora, conduzido por JL, quando ia a circular na A4 no dia 20.10.2014 ao Km 44,300, acabou por embater num cão.
Ficou provado que o acidente resultou do embate do cão no veículo segurado.
Da matéria de facto dada como provada resulta que a autora assumiu, mediante celebração de contrato de seguro o pagamento de danos emergentes de acidentes de viação decorrentes da circulação do veículo com a matrícula …-…-ZQ.
Resulta também dos factos provados que o referido veículo, quando circulava no dia 10.10.2014, cerca das 06:30 na Autoestrada A4, ao Km 44,300 embateu contra um animal de raça canídea. O condutor não logrou evitar o embate.
Em resultado do embate, o veículo automóvel sofreu vários danos.
Ficou provado que o acidente teve como causa o atravessamento de um cão na faixa de rodagem em que seguia o veículo automóvel segurado.
A causa do acidente foi comprovada pela GNR, bem como por funcionário da ré que se deslocou ao local.
(...)
Repare-se que a GNR teve oportunidade de constatar, com atualidade, e no local ou nas suas proximidades todos os elementos relevantes do acidente: um cão morto em plena faixa de rodagem (o qual foi recolhido por funcionário da entidade demandada), o local provável do atropelamento do animal (constatado como o local indicado pelo condutor e onde foi encontrado o animal morto) e a existência de danos na parte frontal e inferior do veículo.
Não é à autora que cabe alegar ou provar a forma como o canídeo se introduziu na autoestrada, nem em concreto alegar e provar que concretas medidas de segurança a ré incumpriu. Na verdade, e como decorre do artigo 350.º do CC, tendo a autora em seu favor uma presunção de incumprimento da ré, escusa de alegar e provar esse incumprimento.
Portanto, não é à autora que cabe alegar ou provar a ilicitude e a culpa da atuação da ré, mas antes a esta última que cabe ilidir a presunção que sobre si recai.
Importa, pois, verificar se a ré logrou provar o cumprimento das obrigações de segurança, ilidindo a presunção de incumprimento que sobre si recai por força do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, de 18 de julho.
(...)
Resulta dos factos provados que a autoestrada A4 tem uma rede que a veda em toda a extensão, a qual foi instalada de acordo com as indicações do Estado Português.
Provou-se que em data posterior ao acidente a ré verificou 500 metros da vedação para cada lado do acidente e que não detetou qualquer anomalia na rede.
Provou-se ainda que a ré tem um sistema de patrulhamento regular, através do qual efetua inspeções em viatura em toda a extensão da autoestrada. Provou-se que no próprio dia do acidente foram efetuadas várias voltas à autoestrada concessionada, tendo um funcionário passado no local do acidente às 05:02 e, em sentido contrário, às 05:45.
Tendo presente o quadro fáctico alegado pela ré e dado como provado, impõe-se a seguinte questão: a demonstração de que a ré vigia regularmente a autoestrada, que no dia do acidente os vigilantes de serviço passaram por várias ocasiões no local sem detetar qualquer anomalia ou animal é suficiente para ilidir a presunção de incumprimento que recai sobre a ré, por força do artigo 12.º, n.º 1 da Lei n.º 24/2007, de 18 de julho?
Afigura-se que não.
Em primeiro lugar, nada foi alegado, e nada resultou da prova apresentada, no sentido de que a vedação concretamente instalada no local impede efetivamente a entrada de um cão como aquele que esteve envolvido no acidente a que os autos respeitam.
Impunha-se à ré alegar e demonstrar que a rede/vedação em causa é idónea a prevenir a entrada de cães, como o que esteve envolvido no acidente em causa, na autoestrada, demonstrando concretamente que medidas tomou para aumentar/garantir a segurança no local, não sendo suficiente a existência genérica de meios direcionados para todos os aspetos em termos abstratos, sem qualquer garantia de que concretamente possibilitava evitar o acidente em causa.
Na verdade, impõe-se à ré, enquanto concessionária tomar medidas em matéria de segurança dos veículos que circulam na autoestrada, já que é ela que detém, enquanto concessionária, a posse sobre o bem em causa.
Por outro lado, o cumprimento de obrigações de segurança não se restringe à operação de patrulhamentos e à confirmação do estado das vedações, ou à sua mera existência em conformidade com o que foi estipulado.
Como é do conhecimento geral, sendo um facto notório, a atividade de condução de veículos automóveis é uma atividade perigosa, que está vinculada por múltiplas regras específicas relativas não só à própria atividade mas ainda à faculdade de conduzir.
(...)
Portanto, do próprio contrato de concessão resulta que cabe à ré, enquanto concessionária da A4, assegurar permanentemente as boas condições de segurança da autoestrada.
No caso em apreço, nada é alegado de concreto no sentido de terem sido tomadas medidas concretas para prevenir a entrada e/ou permanência do cão cujo embate no veículo da autora está na origem do acidente em causa: não se sabe se o acidente em causa é um caso isolado naquele local ou se é frequente a ocorrência ou avistamento de cães; não se sabe por onde possa ter entrado o cão e que medidas concretas foram tomadas para prevenir, em termos razoáveis, a sua introdução na via. Esta ponderação deveria ter sido apresentada pela ré, de forma a permitir perceber se a mera existência da vedação e os patrulhamentos são, em concreto, razoáveis e idóneos a garantir a permanente manutenção das boas condições de segurança na autoestrada.
(...)
Importa não esquecer que está em causa uma concessão, a qual implica necessariamente uma transferência, em termos efetivos, de um risco substantivo para a concessionária, o que significa que os utentes da autoestrada veem a circulação na autoestrada, em condições de segurança, ser garantida pela concessionária, não lhes sendo expectável a existência de cães na via, na qual estão legalmente autorizados, em princípio, a circular a 120 Km/h, que é a velocidade máxima permitida em Portugal.
(...)
A ré não demonstrou, portanto, que a autoestrada estava efetivamente vedada em condições de segurança, tendo procedido à instalação de todos os mecanismos razoáveis que permitam evitar situações como a dos autos.
Competia à ré a demonstração dos específicos meios que instalou na autoestrada para prevenir a entrada de cães e a produção de um acidente como o que está em causa.
Importa, aliás, referir que mesmo os patrulhamentos efetuados, embora assumam grande relevância, não se afiguram idóneos para controlar o risco de entrada de animais.
Não se afigura razoável que um funcionário da ré, ainda que circule a baixa velocidade, possa simultânea, efetiva e eficientemente, controlar a condução e os elementos de risco, bem como as vedações, as quais, muitas vezes, nem sequer estão ao nível da plataforma da estrada.
Os patrulhamentos não são especificamente destinados à deteção de animais.
(...)
Como é facilmente constatável, um cão é um animal que se move, e esconde. Pode não ter entrado nos 500 metros de vedação controlada, mas não pode descartar-se que tenha entrado a 600 ou 700 ou mais metros de distância do local do embate ou a uma maior distância e que se tenha deslocado sem ser visto pelos funcionários da ré ou outros utilizados da autoestrada.
Em segundo lugar, em face da jurisprudência constante dos Tribunais Superiores, a ré teria que demonstrar que o cão se introduziu na autoestrada de uma forma incontrolável, por um motivo de força maior, nomeadamente através de um ato de terceiro que não podia impedir.
No caso em apreço, não se sabe de onde veio o cão, sendo certo que o mesmo surgiu na faixa de rodagem da autoestrada pela qual seguia o automóvel segurado pela autora, quando não devia ter aparecido e não era expectável para o condutor que aparecesse. A presença de um qualquer animal, nomeadamente de um cão, numa autoestrada é sempre um fator de grande risco, já que no local em causa é permitido atingir a velocidade de 120 Km/h.
(...)
No entanto, afigura-se que no caso concreto se verificam circunstâncias que permitem concluir existir culpa do lesado.
Como é do conhecimento geral, a velocidade máxima a que se pode circular em Portugal é 120 Km/h.
Ora, resulta dos autos que o condutor circulava na autoestrada a cerca de 130 Km/h.
Tal circunstância constitui culpa do lesado.
Na verdade, o condutor circulava às 06:30, em local não iluminado a velocidade superior àquela que legalmente lhe era permitido.
Consequentemente, não pode deixar de se ponderar estas circunstâncias e a culpa do próprio condutor na produção do acidente.
O artigo 4.º do Regime em análise estabelece o seguinte: “quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do ato jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”
O artigo referido determina que o julgador deve ponderar no âmbito da responsabilidade do Estado e demais entidades públicas a concorrência e factos praticados pelo administrado e que tenham concorrido ou agravado a produção os danos causados.
Face ao excesso de velocidade, com incumprimento dos limites legalmente estabelecidos, o condutor potenciou ou ampliou, ele próprio, a situação de perigo.
Repare-se que não é possível conhecer por que razão o animal se deslocou para a via. No entanto, não é de descartar que se possa ter assustado e ao tentar fugir ter sido colhido pela viatura.
Por outro lado, também é necessário ponderar os danos que são invocados nos autos, que manifestamente são excessivos face a outras situações com contornos idênticos, em que a única diferença é a velocidade do veículo: uma velocidade no cumprimento dos limites legais teria resultado necessariamente numa diminuição dos danos produzidos e poderia inclusive permitir que o animal não fosse atropelado, não que a velocidade a 120 Km pudesse impedir o embate, mas poderia ter permitido que o animal regressasse ao meio da via ou fizesse a passagem sem que ocorresse o atropelamento.
Repare-se que cabia à autora, sub-rogada no direito do condutor, afastar estas possibilidades. Não o tendo feito, resulta dos autos a existência de uma culpa do condutor em moldes a afastar o direito de indemnização.
Consequentemente, é de concluir pela improcedência da presente ação pela existência de culpa do lesado.
Vejamos:
O Recurso em análise resulta da Absolvição da B... e da FCS do pagamento à LS do valor indemnizatório peticionado de 7.115,21€.
Refira-se desde já que se não acompanha o entendimento adotado pelo tribunal a quo no que concerne à existência de culpa do lesado no que à verificação do sinistro diz respeito, mormente em decorrência do facto do controvertido veículo poder estar a circular a uma velocidade de “cerca de 130 Km/h”.
Em conformidade com o regime legal vigente, enunciado na decisão recorrida, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e outras pessoas coletivas públicas, por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, assenta nos mesmos pressupostos previstos na lei civil para idêntica responsabilidade, com as especialidades advenientes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos, o que pressupõe a prática de um facto - ou a sua omissão, quando exista o dever legal de agir - a ilicitude deste, a culpa do agente, o dano e o nexo de causalidade entre aquele facto e o dano.
Se é verdade que a B... pugna pela ausência de culpa sua no acidente em análise, o que é facto é que é aplicável à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública a presunção de culpa consagrada no artigo 493.º, n.º 1, do Código Civil (CC).
Como resultou já explicitado no acórdão deste TCAN nº 00217/13.8BEMDL, de 19-11-2015, tem sido salientado na jurisprudência, nomeadamente no Acórdão do STA, de 09-09-2009, P. 0615/09, que o “lesado por acidente de viação tem direito a ser indemnizado, incluindo por danos sofridos pelo veículo, (...) verificados que estejam os demais requisitos da responsabilidade civil.”
Neste aresto reiterou-se a jurisprudência do Acórdão do STA, de 03.07.2003, P. 0903/03, onde taxativamente se concluiu que “um acidente (…) provocado a veículo automóvel confere ao condutor o direito a ser indemnizado pelos prejuízos dele decorrentes, e por si sofridos, ainda que não seja o seu proprietário, já que a questão da propriedade não é condição subjetiva da titularidade de tal direito nem condiciona, necessariamente, o instituto da responsabilidade civil por atos ilícitos.” Acresce que estando o Recorrido na posse do veículo, tem que se “presumir que é titular do direito corresponde aos atos que pratica sobre o mesmo” (cf. Acórdão do STJ, de 16.12.2010, P. 4872/07.0TBBRG.G1.S1).
Tendo a aqui Recorrente alegado e provado danos no referido veículo, em resultado do acidente, verifica-se o pressuposto do dano.
A B... invoca, em síntese, que não terá sido demonstrada a sua culpa, pois que terá cumprido os deveres de manutenção e conservação a seu cargo, tudo tendo feito que estava ao seu alcance para evitar a ocorrência do presente acidente.
Em qualquer caso, refere, e bem, o tribunal a quo que “tendo presente o quadro fáctico alegado pela ré e dado como provado, impõe-se a seguinte questão: a demonstração de que a ré vigia regularmente a autoestrada, que no dia do acidente os vigilantes de serviço passaram por várias ocasiões no local sem detetar qualquer anomalia ou animal é suficiente para ilidir a presunção de incumprimento que recai sobre a ré, por força do artigo 12.º, n.º 1 da Lei n.º 24/2007, de 18 de julho? Afigura-se que não.”
Mais conclui o tribunal a quo, de forma lapidar, que a B... não fez a prova que lhe competia de forma a ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia.
Em concreto, referiu o tribunal a quo que “Em primeiro lugar, nada foi alegado, e nada resultou da prova apresentada, no sentido de que a vedação concretamente instalada no local impede efetivamente a entrada de um cão como aquele que esteve envolvido no acidente a que os autos respeitam.
Impunha-se à ré alegar e demonstrar que a rede/vedação em causa é idónea a prevenir a entrada de cães, como o que esteve envolvido no acidente em causa, na autoestrada, demonstrando concretamente que medidas tomou para aumentar/garantir a segurança no local, não sendo suficiente a existência genérica de meios direcionados para todos os aspetos em termos abstratos, sem qualquer garantia de que concretamente possibilitava evitar o acidente em causa.
Na verdade, impõe-se à ré, enquanto concessionária tomar medidas em matéria de segurança dos veículos que circulam na autoestrada, já que é ela que detém, enquanto concessionária, a posse sobre o bem em causa.
Por outro lado, o cumprimento de obrigações de segurança não se restringe à operação de patrulhamentos e à confirmação do estado das vedações, ou à sua mera existência em conformidade com o que foi estipulado.
Como é do conhecimento geral, sendo um facto notório, a atividade de condução de veículos automóveis é uma atividade perigosa, que está vinculada por múltiplas regras específicas relativas não só à própria atividade mas ainda à faculdade de conduzir.
Assim, o concessionário ou subconcessionário de uma autoestrada tem necessariamente que estar consciente de que se comprometeu com o Estado Português a exercer funções numa atividade que envolve um risco elevado para os condutores, que são os beneficiários da concessão. Assim, as obrigações de segurança que impendem sobre o concessionário ou subconcessionária devem adaptar-se aos níveis de risco e perigosidade.
A isto acresce que a Base XXXVI, n.º 2 refere que “a concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas autoestradas, quer tenham sido por si construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação e exploração, sujeitas ou não ao regime de portagem.”
Não é despiciente recordar que é a própria informação dos serviços da B... quem afirma que “neste local existe o nó do IP9 ao que por esse acesso poderá ter entrado”, o cão, entenda-se (Doc 5 Contestação B... – fls. 40 Procº físico), sendo que é o próprio contrato de concessão que determina que cabe à B..., enquanto concessionária da A4, assegurar permanentemente as boas condições de segurança da autoestrada.
Em concreto, desconhece-se a proveniência do canídeo, sendo certo que o mesmo se encontrava inadvertidamente na faixa de rodagem da autoestrada onde foi embatido.
Mesmo admitindo que a B... exerça todas as Ações de fiscalização que afirma levar a cabo, o que é facto é que se não mostra que as mesmas se apresentem como suficientes e adequadas para ilidir a presunção de incumprimento que sobe si recai, por força do artigo 12.º, n.º 1 da Lei n.º 24/2007, de 18 de julho.
O que é facto é que a B... não conseguiu demonstrar a proveniência do cão ou que o mesmo surgiu de forma incontrolável por si e que, por esse motivo, não lhe é imputável o sinistro.
Aliás, não tendo sequer ficado demonstrado que a rede existente terá a capacidade de impedir a entrada de canídeos, é desde logo irrelevante que se demonstrasse que não existiria qualquer anomalia na mesma, numa extensão de 500m.
É igualmente irrelevante a existência de patrulhamentos se não ficar demonstrado, como não ficou, que estão instalados na autoestrada em causa os meios físicos e técnicos que visem impedir a entrada de canídeos e outros animais na via.
A ré não demonstrou, portanto, que a autoestrada estava efetiva e eficazmente vedada em condições de segurança, tendo procedido à instalação de todos os mecanismos que permitem evitar situações como a dos autos.
Competia à Ré a demonstração dos específicos meios que instalou na autoestrada para prevenir a entrada de canídeos na via.
Por outro lado, em face da jurisprudência constante dos Tribunais Superiores, a B... sempre teria que demonstrar que o cão surgiu na autoestrada de uma forma inusitada e incontrolável, por um motivo de força maior, nomeadamente através de um ato de terceiro que não podia impedir.
Se é certo que não se sabe de onde veio o canídeo, o que é verdade é que o mesmo surgiu na faixa de rodagem da autoestrada, onde foi embatido, o que não é suposto, mormente e por maioria de razão, numa via em que os condutores têm de pagar a sua circulação.
A presença de um qualquer animal, nomeadamente de um cão, numa autoestrada é sempre um fator de grande risco, já que no local em causa é permitido atingir a velocidade de 120 Km/h, quando é certo que a Recorrente também não demonstrou que a autoestrada estava efetivamente vedada em condições de segurança, ou seja, que tivesse procedido à instalação de mecanismos que permitissem evitar situações como a dos autos.
Não sendo conhecida a efetiva razão determinante do inusitado atravessamento do animal na faixa de rodagem, é a favor do lesado, e não da concessionária, que a respetiva dúvida terá de resolver-se, de acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, conjugado com o n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil (cfr. neste sentido o Acórdão do TRP, de 04.07.2013, P. 3238/11.1TBGMR.P1).
Na situação em apreciação a concessionária não logrou ilidir a sua presunção de culpa, mormente fazendo prova de ter atuado com o cuidado que lhe era exigível, não demonstrando sequer que a ocorrência do sinistro se tivesse ficado a dever à intervenção de terceiros e/ou a caso fortuito ou de força maior, mostrando-se assim preenchido o pressuposto do facto ilícito.
Como se sumariou no Acórdão deste TCAN, de 03.05.2007, no Processo n.º 00814/04.2BEBRG, “(…) a ilisão de uma presunção "juris tantum" só é feita mediante a prova do contrário, não sendo bastante a mera contraprova, pelo que o "non liquet" prejudica a pessoa/parte contra quem funciona a presunção.
Sobre o R. impende o ónus de provar a adoção de todas as providências que, segundo a experiência comum e as regras técnicas aplicáveis, fossem suscetíveis de evitar o perigo, prevenindo o dano, o qual não se teria ficado a dever a culpa da sua parte, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
Para se ter como ilidida a presunção de culpa do R. não basta a simples prova, em abstrato, de que o mesmo desenvolve ou dispõe de funcionários ou dum corpo técnico que têm por função proceder à fiscalização e reparação das vias sob sua jurisdição, pois tem de ser demonstrado quais são as providências desencadeadas em relação à via pública em questão, a fim de que o Tribunal possa aferir se aquele «organizou os seus serviços de modo a assegurar um eficiente sistema de prevenção e vigilância de anomalias previsíveis», exercendo uma «adequada e contínua fiscalização».
Aliás, se dúvidas houvesse, já o Tribunal Constitucional se pronunciou relativamente à interpretação do artigo 12.º/1 da Lei n.º 24/2007, no sentido da sua não inconstitucionalidade, afirmando que “na aceção segundo a qual em caso de acidente rodoviário em autoestradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus de prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária e esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem, tendo de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral que não lhe deixou realizar o cumprimento” (Cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 596/2009 e n.º 629/2009).
Importa agora a analisar o modo como o tribunal de 1ª instância infletiu o sentido do raciocínio que vinha discorrendo, tendo acabado por desresponsabilizar a B..., por ter entendido que haveria concorrência de culpas, decorrente do facto do veículo circular a “cerca de 130km/h”, 10km/h acima do limite legal naquele local.
Em qualquer caso, é incontornável que a causa do acidente reside no facto de inadvertidamente o canídeo se encontrar em plena autoestrada, tendo ficado por demonstrar que a potencial diferença de 8% na velocidade do veículo pudesse interferir nos danos resultantes do acidente.
Efetivamente, não ficou demonstrado que o afirmado, vaga e imprecisamente pela testemunha indicada no facto 13, de acordo com a qual o veículo circularia “a cerca de 130km/h”, ou seja, no limite, cerca de 8% acima do limite de velocidade permitido no local, possa ter concorrido para o agravamento dos prejuízos decorrentes do acidente, fazendo aplicar-se a “concorrência de culpa”, sendo que a causa direita do acidente residiu no facto do canídeo se encontrar inadvertidamente na autoestrada.
Para que a indemnização fosse excluída ou reduzida em virtude da concorrência de culpas seria necessário que tivesse ficado provado que a conduta do condutor do veículo teria estado na origem total ou parcial dos danos sofridos, o que não foi manifestamente o caso.
À luz do artº 570º, ainda do C.C., não ficou pois demonstrado que o facto do veículo poder eventualmente circular até cerca de mais de 10km/h do que o limite de velocidade permitido no local, possa ter concorrido para a produção ou agravamento dos danos verificados, em face do que não ocorreu concorrência de culpas, o que desde logo permite contrariar o entendimento adotado pelo tribunal a quo, de desresponsabilizar a B... pelo Acidente.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao Recurso, revogar a Sentença Recorrida, mais se condenando a B... no pagamento da indemnização peticionada.
Custas pelos Recorridos
Porto, 14 de setembro de 2018
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. João Beato
Ass. Hélder Vieira