Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00656/12.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/29/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA; TAXAS; CUSTO DE INSTALAÇÃO DE RAMAL DE SANEAMENTO; TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS.
Sumário:1. A competência em razão da matéria afere-se pelo pedido formulado e pela natureza da relação jurídica que serve de fundamento a esse pedido, tal como a configura o autor.

2. Estando em causa pedidos de condenação do demandado a pagar os custos de instalação do ramal de saneamento que constituem taxas, respectivos juros de mora, a competência em razão da matéria para apreciar o pleito é dos tribunais tributários.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A. G., S.A.
Recorrido 1:J. R. P. . C..
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Outros despachos
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A A. G., S.A. veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 01.10.2012, pelo qual foi julgado o Tribunal materialmente incompetente para conhecer de parte do que foi pedido e competente noutra parte, e na parte em que se conheceu do pedido, julgou a acção que lhe moveu J. R. P. . C. parcialmente procedente.

Invocou para tanto, em síntese, que existe prejudicialidade entre os pedidos formulados pela Autora/Recorrente e que não têm a natureza de taxa os custos peticionados nos segundo e terceiro pedidos.

O Recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*
I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A – O presente recurso versa questões de direito, na medida em que as normas que servem de fundamento jurídico à sentença judicial, proferida pelo digníssimo Tribunal “a quo”, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas de forma distinta.

B - O presente recurso também se fundamenta no facto de não se ter atendido à relação de prejudicialidade dos pedidos formulados pela Autora.

C - Dispõe o art.º 150.º, n.º 1, do Decreto-Regulamentar n.º 23/95 de 23.08: “As redes de águas residuais domésticas dos edifícios abrangidos pela rede pública devem ser obrigatoriamente ligadas a esta por ramais de ligação.” Igualmente, considerando o art.º 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 207/94, de 6 de Agosto: “É obrigatório instalar em todos os prédios a construir, remodelar ou ampliar, sistemas prediais de abastecimento de água e de drenagem de águas residuais…”

D - Efetivamente, a ligação dos edifícios à rede de drenagem pública é feita através de ramais de ligação, conforme o disposto no art.º 146.º do citado Decreto Regulamentar: “Os ramais de ligação têm por finalidade assegurar a condução das águas residuais prediais, desde as câmaras de ramal de ligação até à rede pública”, com idêntica redação art.º 4.º do Regulamento atual e arts. 25 e 26 do Regulamento revisto.

E – Preceitua o Decreto-Lei n.º 379/93 de 5 de Novembro, art.º 2.º n.º 2 “tendo em vista a concretização dos principais enunciados no número anterior, é obrigatória para os utilizadores a ligação aos sistemas previstos no presente diploma, e, se for o caso, disso, a criação de condições para harmonização com os respetivos sistemas municipais”; art.º n.º 4 “São considerados utilizadores, para os efeitos do n.º 2, os municípios no caso de sistemas multimunicipais, qualquer pessoa singular ou coletiva, publica ou privada, no caso dos sistemas municipais ou da destruição direta integrada em sistemas municipais”.

F - No que aos ramais de saneamento concerne, estrutura já aqui definida, é obrigação da Recorrente proceder à sua instalação, conforme os art.º 4.º, n.º 2, al. h), do Decreto-Lei n.º 207/94 de 6 de Agosto, “Promover a instalação, substituição ou renovação dos ramais de ligação dos sistemas;”; art.º 282.º do Decreto Regulamentar n.º 23/95, de 23 de Agosto” Os ramais de ligação devem considerar-se tecnicamente como partes integrantes das redes públicas distribuição e drenagem, competindo a entidade gestora promover a sua instalação”; art.º 6.º, n.º 3, do Regulamento revisto e art. 15 nº 1 do regulamento atual e cláusula n.º 35.ª, n.º 2, do Contrato de Concessão” … competindo à concessionaria promover a sua construção, instalação, conservação, substituição e/ou renovação”

G - Sendo ainda certo que o Contrato de Concessão, aqui em causa, obedece aos princípios estabelecidos no identificado Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, dispõe na cláusula 34.ª, n.º 1, do documento complementar do Contrato de Concessão, “… é obrigatória a instalação em todos os prédios a construir, remodelar ou ampliar, de sistemas prediais de abastecimento de água e de drenagem de águas residuais, sendo esta obrigação extensível a prédios já existentes à data de instalação dos Sistemas, (…)”.

H - Salienta-se, ainda, o estabelecido no atual regime de abastecimento de água e saneamento, Decreto-Lei 194/2009, de 20 de Agosto, que, no Capítulo VII – Relações com os Utilizadores, no art.º 69.º, n.º1: “Todos os edifícios, existentes ou a construir com acesso ao serviço de abastecimento público de água ou saneamento de águas residuais, devem dispor de sistemas prediais de distribuição de água e de drenagem de águas residuais devidamente licenciados, de acordo com as normas de conceção e dimensionamento em vigor e estar ligados aos respetivos sistemas públicos.”

I - Sufragando a obrigatoriedade de ligação dos edifícios abrangidos pela rede pública, dispõe ainda o Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, que veio revogar o Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de Fevereiro, que apenas são licenciáveis os sistemas particulares caso não existam redes públicas.

J - Em consonância com tais normativos, dispõe o art.º 26.º, n.º 1, do Regulamento revisto: “ As redes de águas residuais domésticas dos edifícios abrangidos pela rede pública devem ser obrigatoriamente ligados a esta por ramais de ligação.”, bem como o art.º 74º do mesmo Regulamento e arts. 15º, 16º, 18º e 22º do Regulamento atual.

K - Por conseguinte, dispõe a Cláusula 35.ª, n.º 3, do Contrato de Concessão: “Pelo primeiro estabelecimento de ramais de ligação será cobrado ao Utilizador o valor das obras respetivas de acordo com medição e preços constantes do Tarifário.”, Cláusula 66ª nº1 e ainda o art.º 65.º, n.º 6, do Regulamento: “Pela instalação dos ramais de ligação será cobrada aos proprietários, usufrutuários ou aqueles que detém a legal administração do prédio, os encargos inerentes da sua execução da respetiva tarifa de ligação por fogo ou fração”, com idêntica redação o disposto no atual regulamento no Art.16 n.º3 e 4”… proceder ao pagamento do preço de ligação, ramal e CRL” .

L - O Município, entidade concedente dos serviços concessionados, no caso sub judice o Município de G., transferiu para a Concessionária o encargo de gerir a prestação dos serviços públicos essenciais, sujeitando-a aos seus poderes de tutela e superintendência. Em que especialmente se destaca o poder do Município aprovar o Regulamento daqueles serviços, bem como os respetivos Tarifários ou Preçários, limitando-se a Concessionária a promover a sua aplicação, mas constituindo a arrecadação de tais preços sua receita e remuneração dos seus capitais.

M - A Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, (Lei da Água) também impõe, no art.º 82.º, que no regime das tarifas a aplicar esteja assegurada a recuperação do investimento inicial e de eventuais novos investimentos de expansão, modernização e substituição, visando ainda uma adequada remuneração dos capitais próprios da Concessionária, nos termos do respetivo Contrato de Concessão, e o cumprimento dos critérios definidos na Lei e nas orientações do Instituto Regulador.

N - Aliás, nesse sentido, a ERSAR, I. P., defende que os tarifários têm que permitir a recuperação dos custos diretos e indiretos suportados com a prestação dos serviços, em conformidade com o estabelecido na Diretiva 2000/60/CE do Parlamento e Conselho, de 23 de Outubro .

O - Atente-se ao teor do documento junto sob o n.º4, emitido pelo IRAR, atualmente ERSAR, I. P., no seu ponto n.º 3: “… a partir de tal ligação ou a partir do momento em que, tendo sido notificado para tal ligação, o utente não disponibilizou o prédio para o efeito, pode a entidade gestora começar a cobrar a taxa ou a tarifa de disponibilidade de água e/ou saneamento (desde que aprovada pelas instancias municipais competentes e de acordo com a estrutura definida no Contrato de Concessão que exista), como ainda os preços relativos aos ramais de ligação executados, nos termos do disposto na Lei das Finanças Locais”.

P - A Autora, entidade concessionária responsável pela gestão e exploração dos serviços públicos de distribuição de água e tratamento de águas residuais, no Município de G., desde 31 de Outubro de 2001, adquiriu a qualidade de Entidade Gestora dos Serviços Públicos Municipais de Abastecimento de Água e de Saneamento de G..

Q - De acordo com o disposto na Lei das Finanças Locais, aprovada pela Lei n.º 42/98, de 6 de Agosto, atualmente revogada pela Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, os Municípios têm a faculdade de exigir aos seus utentes os custos de construção dos ramais domiciliários, não obstante os mesmos serem pertença do domínio público.

R - Por razões de interesse público e sustentabilidade da exploração dos sistemas (dado os vultuosos investimentos e custos de manutenção), justificam-se estas opções legislativas de repercutir sobre o consumidor os respetivos custos.

S - Esta faculdade dos Municípios, de cobrar taxas ou tarifas ou preços, pode ser transferida para a Entidade Gestora dos respetivos serviços, independentemente do tipo e natureza de construção jurídica que possam revestir.

T - Estabelecendo o art.º 13.º, n.º 2, do referido Decreto-Lei n.º 379/93, de 5 de Novembro, que a Concessionária, precedendo aprovação pelo Concedente, “tem direito a fixar, liquidar e cobrar uma taxa aos utentes, bem como a estabelecer o regime de utilização e está autorizada a recorrer ao regime legal de expropriação…”.

U - Preceitua a Cláusula 63.ª do Contrato de Concessão, n.º 1: “a concessionária tem direito a fixar, liquidar e cobrar, relativamente a cada um dos serviços as seguintes tarifas e taxas:

b.b) tarifa de ligação (redação atual de preço)
b.d) taxas de construção de ramais”(redação atual de preço de ramal)
bem como o Preçário anexo I do Regulamento atual e anterior TARIFÁRIO, estando aí previstas os preços/tarifas de ligação, de ramal de ligação e de caixa de ramal de ligação.

V- A decisão recorrida contraria a maioria das decisões judiciais, proferidas por diferentes tribunais, em pedidos em tudo semelhantes aos que foram objeto desta decisão, ora posta em crise, todos tendo concluído pela legalidade e legitimidade da cobrança dos custos de instalação dos ramais de ligação, considerando a relação de prejudicialidade entre os pedidos e julgando-se com competência material para ambos. (Junta-se, a título meramente exemplificativo, cópia das sentenças proferidas no âmbito do Proc.º n.º 5228/05.4TBGMR, que correu termos pelo 5º Juízo Cível do Tribunal de Guimarães, e do Proc.º n.º 1234/10.5BEPRT, que correu termos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto).

W- Pelo que o litígio em apreço resulta, prima facie, da exigência legal, imposta autoritariamente pela Autora, da adoção de uma determinada conduta que consiste na ligação da habitação da Ré à rede pública de saneamento, e consequente pagamento, referente à instalação do respetivo ramal.

X- Assim, dispõe o artigo 4.º n.º1 do ETAF (Estatuto do Tribunais Administrativos e Fiscais) que “Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objeto: (…)

d) Fiscalização da legalidade de normas e demais atos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos;
(…)
f) Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objeto passível de ato administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspetos do respetivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que atue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público; (…).

Y - Estamos, in casu, perante uma questão administrativa, na medida em que emerge de uma resolução autoritária que impõe aos cidadãos a prática de um determinado ato e o pagamento de uma prestação pecuniária sem que seja dada qualquer alternativa, com o objetivo da prossecução de um interesse público.

Z - Portanto, cremos que, é competente para conhecer o litígio em apreço, a jurisdição dos tribunais administrativos, tendo em conta a natureza da questão principal presente nestes autos.

AA - Mais se salienta que entendimento contrário implicaria a separação de pedidos de natureza incindível, dado o nexo causal entre ambos.

AB - Aliás o pedido de ligação do imóvel à rede pública existente só é exigível e está dependente do pagamento antecipado dos custos de instalação de ramal, da caixa de ramal de saneamento e da tarifa de ligação.

AC - Por conseguinte, a declaração apenas da obrigatoriedade da ligação, revela-se inexequível, pois estão já determinados os fundamentos da exigibilidade dos pagamentos peticionados (no mesmo sentido vide parecer do ministério público do Tribunal Central Administrativo Norte no proc. Nº 2695/10.8BEPRT).

AD - Mais acresce que não obstante, a doutrina e a jurisprudência, qualificar os montantes pecuniários aqui em causa- Tarifa de Ligação, Câmara de Ligação-Ramal de saneamento, como TAXAS,

AE - Não estamos perante prestações de natureza tributária, não se trata de tributos, não se trata de uma receita do Município. Salvo o devido respeito, a fundamentação doutrinária e jurisprudencial invocada pelo tribunal “a quo”, parte do errado pressuposto de que estamos perante – Taxas, tarifas, ou preços Municipais, isto é, cuja titularidade desta receita é do Município de G. e visaria compensar o “investimento público” deste.

AF - Certo é que, face ao supra alegado, estamos perante um serviço concessionado á aqui Autora, a qual investe os seus capitais exclusivamente privados nestas infraestruturas e pretende ser remunerado pelos preços que constam do respetivo tarifário que impende sobre os utentes/utilizados abrangidos.

AG - Ao invés, constitui receita pública, a retribuição que o Município recebe da concedente pela concessão do serviço.

AH - Mais acresce que, que a Autora, entidade concessionária, de capitais totalmente privados, não detém qualquer poder tributário, competência ou capacidade tributária, estando as suas notas de cobrança desprovidas de força executiva. (vide Pedro Gonçalves, in A Concessão de Serviços Públicos, Marcello Caetano in Manual de Direito Administrativo).

AI - Ademais, conforme estabelece o contrato de concessão (vide documento n.º1 Contrato de Concessão junto aos autos- Cláusula 59.ª,62.ª e 63.ª) não se verifica qualquer sub-rogação das prerrogativas de cobranças que assiste às entidades administrativas, no caso ao Município de G. (Entidade Concedente).

AJ - A Autora é um sujeito de direito privado, que em nome próprio e com autonomia, gere um serviço público, mas não detém, nem lhe foram delegados todos os poderes inerentes a uma gestão pública (aliás, entende Marcello Caetano, que na concessão a “Pessoa coletiva pública transfere temporariamente o exercício dos direitos exclusivos de exploração do serviço por conta e risco da concessionária”).

AK - Face ao exposto, não estamos perante uma ação que verse sobre a apreciação de uma “questão fiscal”, tais preços não correspondem a tributos, não tem natureza tributária, pois não se trata de relação jurídica fiscal, entendendo-se como tal “todas as que emergem de resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objetivamente conexas”, nem estão sujeitos ao regime de cobrança de receitas fiscais reguladas no Código do Processo Tributário.

AL - Estes preços, taxas ou tarifas que se encontram previamente estabelecidos por via administrativa, pois constam do próprio contrato de concessão e Regulamento do serviço, não consubstanciando contraprestações de carácter tributário, estando as respetivas notas de cobrança desprovidas de força executiva.

AM - Ao invés estamos perante uma questão de natureza administrativa, aplicando-se as regras de direito administrativo e não as normas de direito fiscal, não se tratando de uma acção em que se pretenda obter o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos em matéria fiscal.

AN - Na questão em apreço, tal como é apresentada pela autora, está em causa a prestação de um serviço público, que está sujeito aos princípios da legalidade administrativa, mas não está sujeito ao principio da legalidade tributária (nesse sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6/10/2004 e de 22/05/2002; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28/09/2006; Acórdão do Tribunal Constitucional 1139/96, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02705/96, Acórdão do Tribunal de Conflitos de 25/11/2010)

AO - Certo é que noutros Municípios (Águas de B… S.A., Águas da F…, S.A. V., V., Águas do S…, S.A, etc.), cuja prestação destes serviços decorre em regime de Concessão, recorrem aos Tribunais Administrativos ou mesmo Comuns (conforme a natureza jurídica subjacente à cobrança seja pública ou privada) para cobrança coerciva das suas receitas.

AP - Neste sentido foi entendimento deste Tribunal Administrativo “a quo” em vários processos, designadamente nos processos (vide Processo n.º 738/09.7BEPRT, Processo n.º 3012/09.5BEPRT, Processo n.º 981/10.6BEPRT, Processo n.º 797/11.2BEPRT, Processo n.º 1150/11.5BEPRT, Processo n.º 3209/11.8BEPRT e Processo n.º 3121/11.0BEPRT).

AQ - A determinação da jurisdição competente deve ser aferida em função da configuração em que a autora formula a sua pretensão (a competência material do tribunal afere-se pelo quid disputam) e dada a dependência dos pedidos em causa bem como todo o exposto deverão ser cometidos todos os pedidos ao Tribunal Administrativo por se entender materialmente competente.

AR – A Autora não se conforma com a decisão da declarada incompetência material, pois não se aplica o disposto no art.º 49 nº 1 c) do ETAF, sendo competente a jurisdição administrativa também para os pedidos de condenação no pagamento dos encargos decorrentes da obrigatoriedade de ligação dos imóveis à rede pública de saneamento, declarada pelo tribunal “a quo”.
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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. A Autora é titular, desde 31.10.2001, de um contrato de concessão de exploração e Gestão dos Serviços Públicos Municipais de Água e Saneamento de G., mediante o qual explora e gere o sistema municipal de captação, tratamento e distribuição de água para consumo humano; efectua recolha, tratamento e rejeição de efluentes e a recolha e tratamento de resíduos sólidos; bem assim como detém a obrigação de instalação de ramais de ligação ao saneamento em todas as freguesias do concelho de G..

2. No âmbito daquele contrato de concessão, a Autora promoveu a instalação de ramais de ligação ao saneamento, em diversas freguesias de G., designadamente na freguesia de J….

3. O Réu é dono e legítimo proprietário do prédio, sito na Rua (…), concelho de G., o qual se encontra ligado à rede pública de água, por força de contratos de fornecimento de água de uso doméstico – Doc. 2 junto com a PI – fls. 16 a 19 dos autos.

4. A Autora, por missiva com referência interna Edital 117/87, datado de 13/09/2011, com a indicação de Assunto: Ligação de Saneamento no local; Rua (…), N.º Local de Consumo: 51755, notificou o Réu de que se encontrava ao seu dispor um sistema público de drenagem de águas residuais e que: (Vide doc. 3 junto com a PI, fls. 20 e 21 dos autos).

«Relativamente à ligação da sua habitação à rede pública, de acordo com ocomprimento médio de ramal no seu arruamento, os valores a pagar são:
1,000 Ramal de Saneamento: Ø 160 mm 5 metros 884,70 + IVA à taxa em vigor
1,000 Câmara de ligação Profundidade 0,96 Mts 364,14 + IVA à taxa em vigor
1 Tarifa de ligação 239,40 + IVA à taxa em vigor
Estes valores, segundo o disposto no Art. 74º do Regulamento Municipal de Drenagem Pública e Predial de Águas Residuais no Concelho de G. e Artº 150º do Decreto Regulamentar nº 23/95 de 23 de Agosto, deverão ser liquidados até ao dia 13 de Outubro de 2011.
Após ter procedido a tais pagamentos, deverá efectuar a ligação da sua habitação à rede pública, até ao próximo dia 14 de Outubro de 2011”.

5. O Réu não pagou à Autora, no todo ou em parte, nem na data do seu vencimento nem posteriormente, o montante facturado, bem assim como não efectuou a ligação do referido prédio à rede pública de saneamento.
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III - Enquadramento jurídico.

1. A incompetência dos tribunais administrativos e competência dos tribunais tributários.

1.1. A obrigação de ligação à rede pública.

A competência em razão da matéria afere-se pelo pedido formulado e pela natureza da relação jurídica que serve de fundamento a esse pedido, tal como a configura o autor – vd. neste sentido, os acórdãos da Relação de Évora de 8.11.1979, Colectânea de Jurisprudência, 1979, IV, p. 1397, do Supremo Tribunal de Justiça de 3.2.1987, BMJ 364, p. 591, e de 9.5.1995, Colectânea de Jurisprudência /acórdãos STJ, 1995, II, p. 68; do Supremo Tribunal Administrativo de 10.3.1988, recurso 25.468, de 27.11.1997, recurso 34.366, e de 28.5.1998, recurso 41.012; e do Tribunal dos Conflitos, de 23.9.2004, processo n.º 05/04; na doutrina, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1ª ed., vol. I, p. 88.

Para conhecimento desta questão torna-se necessário saber que tipo de relação jurídica está em causa e se a mesma corresponde a matéria administrativa ou tributária.

Sobre o assunto compete analisar o disposto no Decreto-Lei n.º 379/93, de 05.11, no Decreto-Lei n.º 207/94, de 08.08, no Decreto Regulamentar n.º 25/93, de 23.08, e no Regulamento Municipal de Drenagem Pública e Predial de Águas Residuais do Concelho de G. e o Decreto-Lei 194/2009, de 20.08, diploma que revogou o Decreto-Lei n.º 207/94.

Determina o Decreto-Lei n.º 379/93, de 05.11, no artigo 2.º o seguinte:

«(…)
“2 – Tendo em vista a concretização dos princípios enunciados no número anterior, é obrigatória para os utilizadores a ligação aos sistemas previstos no presente diploma, e, se for caso disso, a criação de condições para harmonização com os respectivos sistemas municipais.
(…)
4 – São considerados utilizadores, para os efeitos do nº 2, os municípios, no caso de sistemas multimunicipais, qualquer pessoa singular ou colectiva, pública ou privada, no caso de sistemas municipais ou da distribuição directa integrada em sistemas municipais.”

O Decreto-Lei n.º 207/94, de 08.08, estabelece no n.º 1 do seu artigo 9.º (com a epígrafe «Instalação de sistemas prediais»), o seguinte:

“1 - É obrigatório instalar em todos os prédios a construir, remodelar ou ampliar sistemas prediais de abastecimento de águas e de drenagem de águas residuais.

2 – A obrigatoriedade referida no número anterior é extensível a prédios já existentes à data da instalação dos sistemas públicos, podendo ser aceites, em casos especiais, soluções simplificadas, sem prejuízo das condições mínimas de salubridade.

3 - A instalação dos sistemas prediais é da responsabilidade dos proprietários ou usufrutuários”.

O Decreto Regulamentar n.º 23/95, de 23.08 no seu artigo 150.º, n.º 1 dispõe:

«As redes de águas residuais domésticas dos edifícios abrangidos pela rede pública devem ser obrigatoriamente ligados a esta por ramais de ligação».

O Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20.08, veio revogar o Decreto-Lei n.º 207/94, de 08.08 (vide artigo 79.º, n.º 1 daquele primeiro diploma), sendo que, não obstante manteve a obrigação de ligação ao sistema de abastecimento público de águas de saneamento e águas residuais, no seu artigo 69.º, que sob a epígrafe (Ligação de imóveis edificados aos sistemas de abastecimento público de água e de saneamento de águas residuais), dispõe o seguinte:

“1 - Todos os edifícios, existentes ou a construir, com acesso ao serviço de abastecimento público de água ou de saneamento de águas residuais devem dispor de sistemas prediais de distribuição de água e de drenagem de águas residuais devidamente licenciados, de acordo com as normas de concepção e dimensionamento em vigor, e estar ligados aos respectivos sistemas públicos.
(…)
4 - A instalação dos sistemas prediais e respectiva conservação em boas condições de funcionamento e salubridade é da responsabilidade da proprietária.”

O Regulamento Municipal de Drenagem Pública e Predial de Águas Residuais do Concelho de G. de 1999 (publicado no Apêndice n.º 70, da II série do Diário da República n.º 133, de 09.06.1999), prevê nos seus artigos 26.º, n.º 1 e 74.º a obrigação da ligação das redes de águas residuais domésticas à rede pública, da forma que a seguir se transcreve.

“Artigo 26.º
(Ligação à rede de drenagem pública de águas residuais)
1 – As redes de águas residuais domésticas dos edifícios abrangidos pela rede pública devem ser obrigatoriamente ligados a esta por ramais de ligação.”

“Artigo 74.º
(Instalação do sistema predial)

1- Nos aglomerados populacionais servidos por sistemas públicos de drenagem de águas residuais é obrigatório ligar em todos os prédios construídos ou a construir, de carácter habitacional, comercial, associativo, beneficiante, hospitalar e outros quer marginando vias públicas, quer afastados delas, as canalizações, acessórios, instalações complementares e aparelhos sanitários necessários à recolha, isolamento e completa evacuação das águas residuais domésticas, comerciais e industriais e conduzi-las até ao limite da propriedade com a via pública, através de ramais independentes de ligação ao sistema público.

2 – Logo que a ligação à rede entre em funcionamento, os proprietários, usufrutuários ou daqueles que estejam na legal administração do prédio, onde existam sistemas depuradores, são obrigados a entulhá-los no prazo de 30 dias depois de esvaziados e desinfectados, devendo as matérias retiradas ser enterradas.

(…)

7 – Estão ainda isentos de obrigatoriedade de ligação às redes de recolhas de águas residuais os prédios ou fogos cujo mau estado de conservação ou ruína os torne inabitáveis e estejam de facto permanente e totalmente desabitadas.

O mencionado regulamento foi alterado em 2009, sendo que se mantêm as mesmas obrigações – vide artigos 15.º, 16.º, 18.º, 22.º e Anexos.

Estas obrigações legais mantêm-se no «Regulamento de Distribuição de Água e Drenagem de Águas Residuais do Município de G.» (Regulamento n.º 197/2009), publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 95, de 18.05.2009, teve uma Declaração de Rectificação n.º 1640/2009, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.º 129, de 07.06.2009, que publica os Anexos do Regulamento.

Ora, resulta da conjugação dos citados dispositivos legais e regulamentares a obrigatoriedade de ligação à rede pública dos ramais de ligação ao saneamento básico público, para todo e qualquer prédio, de natureza doméstica, comercial ou industrial, construído ou a construir.

Tal situação tem a ver com razões de interesse geral da sociedade, como de saúde pública, de higiene, salubridade e protecção do ambiente, conforme refere o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 207/94 e actualmente estabelecem os artigos 3.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20.08.

Este último diploma refere logo no início do seu preâmbulo o seguinte:

«As actividades de abastecimento público de água às populações, de saneamento de águas residuais urbanas e de gestão de resíduos urbanos constituem serviços públicos de carácter estrutural, essenciais ao bem-estar geral, à saúde pública e à segurança colectiva das populações, às actividades económicas e à protecção do ambiente. Estes serviços devem pautar-se por princípios de universalidade no acesso, de continuidade e qualidade de serviço e de eficiência e equidade dos tarifários aplicados».

Desta forma, sendo o Réu o proprietário do imóvel em causa, impendia sobre o mesmo a obrigação de efectuar a mencionada ligação, segundo obrigava o n.º 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 207/94 e conforme obriga actualmente o artigo 69.º do Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20.08.

Assim, no que concerne à ligação do sistema predial à rede pública, estamos perante uma relação jurídica administrativa, a qual visa um fim público que é o da saúde, higiene e salubridade públicas e qualidade ambiental. De tal forma, que actualmente a recusa por parte da proprietária na realização da ligação ao sistema de drenagem público, constitui uma contraordenação – vide artigo 72.º, n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 194/2009.

Face ao exposto, o peticionado a este título – que se pode configurar como um pedido para prestação de facto – corresponde a matéria administrativa e, como tal, o Tribunal Administrativo é materialmente competente para o efeito.

Assim foi decidido pela 1ª instância, não tendo tal decisão sido objecto de recurso, pelo que a mesma transitou em julgado.

1.2. A importância exigida pela ligação ao sistema público de drenagem de águas residuais e respectivos juros de mora.

Compete agora analisar se a quantia peticionada é devida, a título de despesas ou se configura uma taxa.

Conforme acima se deu por assente no ponto 4 da matéria de facto, a Autora notificou o Réu de que se encontrava ao seu dispor um sistema público de drenagem de águas residuais, que devia proceder à respectiva ligação e pagar um valor estabelecido de acordo com o comprimento médio do ramal do seu arruamento.

Independentemente da designação que a concessionária do serviço público em causa, aqui Autora, confere aos valores a pagar, o que importa é a relação jurídica subjacente aos valores que estão em cobrança.

Conforme se viu está em causa uma imposição da administração pública, o que significa que se está perante o exercício de uma actividade pública na disponibilização aos utentes de condições de salubridade, higiene, saúde e qualidade ambiental, perante a qual é admissível a cobrança de uma prestação pecuniária pela disponibilização de um serviço público, tenha o mesmo sido ou não solicitado pelo beneficiário.

As quantias aqui em cobrança podem dividir-se em dois aspectos, sendo um o referente a Ramal de Saneamento e Câmara de Ligação e o outro relativo a Taxa de Ligação – vide ponto 4 da matéria de facto.

A própria entidade gestora do sistema, designa como Tarifa de ligação o serviço que pretende prestar e cobrar.

Neste sentido o valor em cobrança corresponde a uma taxa, a qual é contrapartida da prestação de um serviço: a ligação à rede de saneamento ou de águas residuais – vide artigo 4.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária e artigo 3.º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais.

Sobre este assunto já se pronunciou o Tribunal Central Administrativo Sul no sentido de que a quantia liquidada pela ligação ao saneamento se qualifica como taxa, ainda que nalguns casos seja designada como tarifa.

Veja-se, a título de exemplo o acórdão desse Tribunal de 09.05.2000, no processo n.º 900/98 (sumário):

“1. A tarifa de ligação de esgotos representa a contrapartida pelo bem utilizado da ligação do prédio a uma rede de esgotos instalada.

2. As tarifas apenas estão sujeitas ao princípio da legalidade administrativa e não também ao da legalidade tributária.

Não se verifica ilegalidade na liquidação da tarifa de ligação de esgotos, fixada, ao abrigo da alteração do art. 76º do RGCECL, na redacção que lhe introduziu o Edital nº 60/90, de 7/8/90, em 0.7% do valor patrimonial do prédio, pois que, pese embora o anteriormente disposto no art. 11º do DL nº 31.674, tal alteração cai no âmbito das competências da Assembleia Municipal, nos termos dos arts. 4º nº l al. h) e 12º da Lei das Finanças Locais e 39º do DL nº 100/84, de 29/3 e que a definição do preço ou tarifa da taxa é da competência da CML, «ex vi» do art. 51º, n.º l, al. p) do mesmo DL nº 100/84 e já que a fixação da mesma em 0.7% do valor patrimonial do prédio a cuja ligação se refere não é constitucionalmente desproporcionada.”

No mesmo sentido vai o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 04.02.1998, no processo n.º 021513, o qual também conclui no sentido de que a tarifa de ligação de esgotos representa a contrapartida pela utilização da ligação do prédio a uma rede de esgotos instalada.

Também no Código de Procedimento e Processo Tributário anotado e comentado Jorge Lopes de Sousa, volume I, edição 2006, Áreas Editora, pág. 226 e 227 (nota 18 ao artigo 16.º do Código de Procedimento e Processo Tributário), se refere que as designadas tarifas de ligação à rede e conservação de esgotos ou saneamento, correspondem a taxas.

Como se refere no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 28.06.2013, no processo 02708/11.6 PRT:

“I. Atendendo ao critério formal da fonte da obrigação, que é a lei, ao regime económico, que é de monopólio, à indispensabilidade do serviço e à sua natureza comutativa, a tarifa ou preço do serviço de abastecimento de água/saneamento terá a natureza de taxa, constituindo receita tributária.

II. Se, assim, importa ser considerado e quando o que está em discussão se prende não com uma relação jurídico privada de discussão em torno de incumprimento das obrigações decorrentes de contrato de fornecimento/prestação de serviço, mas, ao invés, de discussão quanto a alegadas ilegalidades praticadas no quadro relação jurídico pública, na sujeição e fixação/aplicação de determinado Regulamento de Taxas por parte da A. ao R., então, dúvidas não podem existir que se trata de questão fiscal para a qual o tribunal administrativo “a quo” carece de competência em razão da matéria”.

Da mesma forma, a taxa de ligação peticionada nos presentes autos, corresponde a uma verdadeira taxa, ou seja, a um tributo, logo trata-se de matéria da competência dos Tribunais Tributários.

No que concerne aos valores referentes a Ramal de Saneamento e Câmara de Ligação, compete averiguar a que título podem tais situações serem impostas a pagamento aos particulares que possam ser servidos por tais infraestruturas.

Estas que são de índole municipal, ainda que, construídas por concessionário, correspondem a bens do domínio público municipal. Conforme já acima referido, é obrigatória a utilização de tais bens municipais, sendo que para o efeito se pretende cobrar uma quantia prevista em Regulamento Municipal, já acima referenciado.

Desta forma, trata-se de uma receita pública, a qual carece sempre de suporte normativo para ser arrecadada – vide artigo 10.º da Lei das Finanças Locais – Lei n.º 2/2007, de 15.01, com o seguinte teor:

“Artigo 10.º
Receitas municipais

Constituem receitas dos municípios:

c) O produto da cobrança de taxas e preços resultantes da concessão de licenças e da prestação de serviços pelo município, de acordo com o disposto nos artigos 15.º e 16.º;”

Pugnando no mesmo sentido, pronuncia-se o José Casalta Nabais, em A Autonomia Financeira das Autarquias Locais, Almedina, ano de 2007, Capítulo III (págs. 35 a 65), quando refere os vários tipos de receitas Municipais e onde não se encontra qualquer menção à possibilidade de cobrança de custos propriamente ditos pela realização de uma obra de infraestrutura urbanística de uso geral, mas antes de liquidação de taxas inerentes à realização de investimentos municipais ou de instalação dessas infra-estruturas municipais.

Transcrevemos a citação feita na decisão recorrida para págs. 46, 47, 48 e 53, desta obra:

«Mas ao lado das receitas dos impostos os municípios dispõem de outras receitas tributárias, entre as quais se contam, pela sua importância, as taxas e os preços. A este propósito é de referir que, enquanto a LFL/1998 falava de “taxas” (art. 19.º) e de “tarifas e preços” (art. 20.º), a actual LFL fala em “taxas dos municípios” (art. 15.º) e em “preços” (art. 16.º).» (…)

Diversamente da lei anterior que continha toda uma lista exaustiva das situações em que os municípios podiam cobrar taxas, a Lei das Finanças Locais actual limita-se a remeter no seu artigo 15.º, para o Regime Geral de Taxas das Autarquias Locais, dispondo que:

“…os municípios podem criar taxas nos termos do regime geral das taxas das autarquias locais” (n.º 1), acrescentando que «a criação de taxas pelos municípios está subordinada aos princípios da equivalência jurídica, da justa repartição dos encargos públicos e da publicidade, incidindo sobre utilidades prestadas aos particulares, geradas pela actividade dos municípios ou resultantes da realização de investimentos municipais” (n.º 2).

No respeitante aos poderes tributários em sede de taxas e preços e demais instrumentos de remuneração dos municípios, podemos dizer que, relativamente às taxas municipais, cabem aos municípios todos os poderes tributários, isto é, o poder tributário (stricto sensu), a competência tributária, a capacidade tributária activa, e a titularidade da respectiva receita.

Em primeiro lugar, cabe aos municípios criar taxas e estabelecer a sua disciplina jurídica. Quanto ao poder de instituição ou criação de taxas, é de referir que os municípios podem criar outras taxas para além das constantes dos já referidos n.ºs 1 e 2 do artigo 6.º do Regime Geral de Taxas das Autarquias Locais, pois a lista que estes preceitos contêm não tem a pretensão de constituir uma lista fechada, um numerus clausus. Uma ideia que decorre claramente do corpo daquele n.º 1, em que se dispõe: “as taxas municipais incidem sobre actividades prestadas aos particulares ou geradas pela actividade dos municípios, designadamente: …”».

Na decisão recorrida cita-se mais uma vez José Casalta Nabais, in Direito Fiscal, Almedina, 2010, 6ª edição, págs. 27 a 33, mormente págs. 31 e 32:

«Como verdadeiras tarifas, neste sentido, se configuravam as exigidas pelos municípios, previstas no artigo 20.º da anterior Lei das Finanças Locais, sob a epígrafe “tarifas e preços”, a cobrar, designadamente, pelas actividades de exploração de sistemas públicos de distribuição de água, de drenagem de águas residuais (…), etc. Com efeito, tais tarifas, que na actual Lei das Finanças Locais (…) se passaram a designar “preços” e “mais instrumentos de remuneração” dos municípios para além de não terem de ser estabelecidas pela assembleia municipal, como as taxas, podendo ser fixadas pela câmara municipal, não devem ser inferiores aos custos directa e indirectamente suportados com a prestação dos serviços e com o fornecimento dos bens (art. 16.º da Lei das Finanças Locais)».

Na decisão recorrida cita-se também o artigo publicado por Eduardo Paz Ferreira, na Ciência e Técnica Fiscal, n.º 380, Outubro-Dezembro de 1995, págs. 59 a 84, sob o título:

“Ainda a propósito da distinção entre impostos e taxas: o caso da taxa pela realização de infra-estruturas urbanísticas”, onde aquele analisa assunto em tudo idêntico ao aqui em causa. No caso tratava-se de uma situação referente a criação de taxa pela realização de infra-estruturas urbanísticas primárias e secundárias pelo Município de Lisboa, tendo concluído tratar-se de uma verdadeira taxa e referindo não ser admissível a cobrança de custos propriamente ditos pela realização de uma obra.

Ora, decorre do disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea a) do Regime Geral de Taxas das Autarquias Locais – Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro (em vigor desde 01/01/2007 – vide artigo 18.º), que:

“1 – As taxas municipais incidem sobre utilidades prestadas aos particulares ou geradas pela actividade dos municípios, designadamente:
a) Pela realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas primárias e secundárias;”.

Concluímos assim, como o faz a decisão recorrida, que:

“…pelas actividades prestadas aos particulares ou geradas pela actividade dos municípios, designadamente com a realização de investimentos municipais e mormente com a realização (ou seja, construção), manutenção ou reforço de infra-estruturas urbanísticas primárias e secundárias, é admissível a cobranças de taxas aos particulares beneficiários ou utilizadores dessas obras ou infra-estruturas, ainda que essa utilização seja coactiva (mesmo para quem dele entenda não necessitar).

Somente podem ser receitas públicas as previstas na lei, sendo que não se vislumbra norma que permita cobrar os valores em referência como custos propriamente ditos de uma obra, mas encontra-se base legal para cobrança de tais quantias como taxas, como contraprestação da disponibilização de uma utilidade pela realização de uma nova infraestrutura urbanística, que o particular é obrigado a comparticipar e a utilizar, desde que tenha um prédio em condições de habitabilidade ou de utilização.

Assim, o pagamento dos valores elencados como Ramal de Saneamento e Câmara de Ligação, correspondem a uma taxa, o que comporta uma relação jurídica tributária.

Ou seja, basta que o particular seja proprietário de um prédio para que possa ser obrigado a comparticipar nas despesas de realização das ditas infra-estruturas que servem ou podem servir o seu prédio. Sendo que, apenas é obrigado a liquidar a taxa de ligação, caso o prédio esteja habitado ou em condições de habitabilidade, utilizado ou passível de ser utilizado para fim não habitacional.

No que concerne à alegação da Autora no sentido de ser atribuída a competência ao Tribunal Administrativo, compete dizer que analisados os processos por si indicados como tendo considerado este Tribunal o competente, verifica-se que em nenhum deles a questão foi levantada, consequentemente analisada ou discutida.

Assim, tratam-se de condenações de preceito, por ausência de contestação ou com saneamento tabular, onde não é apreciado o assunto.

Por outro lado, a imposição autoritária do Estado não se verifica só no direito administrativo, mas sobretudo no direito tributário (e os tempos que correm que o digam), pelo que tratar a matéria da forma simplista como é colocada pela Autora, em nada esclarece a relação jurídica subjacente. Aliás, é sobretudo na área tributária que o Estado impõe autoritariamente a sua vontade, uma vez que a relação jurídica administrativa contém a designada administração prestadora, a qual presta serviços ao cidadão, concede ajudas, apoios, subsídios, etc. Desta forma, a visão ancestral do direito administrativo, como de imposição da vontade administrativa, encontra- -se ultrapassada.

Em resumo, pode dizer-se que a Tarifa ou Taxa de Ligação é uma prestação individualizada na prestação de um serviço público, no caso de acesso ao bem higiene, saúde e salubridade públicas, através da disponibilização ininterrupta de um serviço público de drenagem de águas residuais.

No que concerne aos valores decorrentes do Ramal de Saneamento e Câmara de Ligação trata-se de uma comparticipação financeira para custear os encargos resultantes de um investimento público, no caso de instalação de infra-estrutura municipal do seu domínio público e que visa prestar um serviço (obrigatório) aos utentes (ainda que concessionado, não pode deixar de ser configurado como serviço e infra-estrutura municipal).

É que a autarquia não pode concessionar mais poderes dos que os que dispõe, logo não pode a empresa concessionária cobrar quantias que a autarquia não poderia originariamente cobrar. Podendo a autarquia cobrar a título de taxas quantias decorrentes da realização (construção), manutenção ou reforço de infra-estruturas urbanísticas, igualmente pode a empresa concessionária cobrar os valores correspondentes a essas infra-estruturas, sendo que não o pode fazer inovadoramente, mas integrando-se no conjunto de receitas que legalmente estão atribuídas ou são permitidas às autarquias. Sendo essas receitas taxas, o que aqui se pretende cobrar com a construção e ligação à infra-estrutura em apreço, terão de ser igualmente taxas, ainda que cobradas por outrem por conta da autarquia. Vide José Casalta Nabais, em anotação ao Acórdão do STA nos Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 6, Nov.-Dez. de 1997, págs. 48 a 52, onde refere a admissibilidade de cobrança de tarifas/ taxas por concessionário – pág. 49.

Estamos assim, perante matéria tributária ou diante de uma questão fiscal.

Desta forma, nos termos do ETAF – Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, designadamente segundo o disposto no artigo 49.º, n.º 1, alínea a), subalíneas i) e iv), conclui-se que se trata de matéria da competência dos Tribunais Tributários, e, por consequência, o Tribunal Administrativo é materialmente incompetente para analisar a situação em apreço.”

Nenhuma das razões invocadas pela Recorrente afasta a natureza de taxa das quantias peticionadas nos segundo e terceiro pedidos.

Aliás a legislação que a mesma invoca é precisamente a que fundamenta tal natureza, e que tão bem foi analisada, interpretada e aplicada pela decisão recorrida, não nos merecendo tal douta decisão qualquer reparo.

Não existe a alegada relação de prejudicialidade entre o primeiro e os segundo e terceiro pedidos, tanto assim que foi possível a procedência do primeiro pedido, sem a procedência dos demais, e se o Tribunal administrativo fosse competente, a inversa também seria verdadeira.

O facto de o Decreto-Lei nº 226-A/2008, de 31.05, que revogou o Decreto-Lei nº 46/94, de 22.01, impor que apenas são licenciáveis os sistemas particulares caso não existam redes públicas não ilide a natureza de taxa das quantias peticionadas antes a reforça, o mesmo acontecendo com a obrigatoriedade de ligação dos utilizadores aos sistemas públicos prediais de abastecimento de água e de drenagem de águas residuais.

O contrato de concessão celebrado entre o Município de G. e a Autora não retira a natureza de taxa aos preços cobrados pelos serviços prestados pela concessionária.

Não há dúvida que face ao invocado pela Recorrente, está em causa nos presentes autos, um contrato de concessão de serviços públicos e que este constitui um dos contratos tipicamente administrativos, a propósito dos quais a lei estabelece uma regulamentação específica, por razões de interesse público, que os subtrai à jurisdição comum e, por isso, o Tribunal Administrativo a quo se declarou competente para conhecer e decidir o primeiro pedido formulado pela Autora.

Já o mesmo não pode dizer-se do segundo e terceiro pedidos formulados na acção.

Estando em causa pedidos de condenação do Réu a pagar os custos de instalação do ramal de saneamento e de pagamento de juros de mora, que pelas razões já vistas constituem taxas, não pode consentir-se em nenhum dos argumentos em que se apoia a Recorrente para concluir que não são taxas os custos peticionados e respectivos juros de mora.

Citando um trecho do acórdão já referido deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 28.06.2013, no processo 02708/11.6 PRT:

“Na verdade, na vertente do pedido alvo da decisão de absolvição da instância temos que nos situamos efetivamente no quadro ou no âmbito de relação jurídica tributária visto que o litígio não se insere estritamente nas relações entre a concessionária e o utilizador em que aquela pede a este o pagamento de quantia devida por fornecimento de água a que estava obrigado por força de contrato de fornecimento e que não foi pago ou não o foi tempestivamente.

XIV. O que efetivamente está em causa e é pedido naquele segmento reconduz-se ao não pagamento pelo R. de fatura emitida relativa à cobrança de valores relativos ao ramal saneamento [1281.99, € + IVA] e à câmara de ligação [343,80 € + IVA], bem como à tarifa de ligação [195,46 € + IVA], tudo num total de com IVA de 2,203,71 €, valores estes reclamados no quadro do disposto nos arts. 74.º do Regulamento Municipal de Drenagem Pública e Predial de Águas Residuais no Concelho de G. e 150.º do Decreto Regulamentar n.º 23/95, pelo que a causa de pedir e o pedido nesse domínio se enquadra não numa relação jurídica administrativa, mas, ao invés, numa relação jurídica fiscal visto estar em discussão a legalidade da interpretação e aplicação de disposições de direito fiscal, ou que se situa no campo da atividade tributária, impondo-se a manutenção do julgado no segmento aqui sindicado.

XV. Na verdade, do facto da exploração e prestação do serviço ser titulado ou prestado ao utente por empresa privada no quadro ou abrigo de contrato de concessão e do incumprimento pelo utente de notas de cobrança emitidas pela concessionária não estar provida de força executiva, não podendo portanto, dar lugar a um imediato processo de execução fiscal, tal não significa que a relação jurídica que se estabelece entre aqueles sujeitos seja ela uma relação jurídica administrativa visto que não está em causa nem um qualquer incumprimento de contrato administrativo estabelecido ou outorgado entre as partes, nem as normas convocadas como infringidas e os fundamentos do litígio que se apresentam se reconduzem ou podem qualificar como normas administrativas.

XVI. Em causa e no segmento do pedido em questão está a discussão da legalidade dos valores fixados à luz do Regulamento de Taxas supra referido.

XVII. Ora tal como refere Sérgio Vasques “… ainda que as taxas sejam exigidas em virtude da prestação de bens ou serviços, dando corpo a uma relação de troca com os contribuintes, elas não deixam de possuir natureza coativa caraterística de todos os tributos públicos …” sustentando que se mostra “… indispensável, por isso, na fixação desta fronteira inferior entre as taxas e os preços, que somemos ao critério formal da fonte da obrigação critérios materiais respeitantes à própria natureza das prestações. Ora entre os critérios materiais estudados pela doutrina, os que melhor servem ao efeito são talvez o do regime económico em que é realizada a prestação administrativa e o da indispensabilidade que essa prestação administrativa reveste para o particular. Quanto ao regime económico em que é realizada a prestação administrativa, diremos que tendencialmente se está perante taxa quando, por razões de direito ou de facto, não se encontrem no mercado prestações sucedâneas daquelas que a administração realize e o particular se veja por isso verdadeiramente coagido ao seu consumo. Em vez disso, está-se tendencialmente perante preço quando, por razões de direito ou de facto, a administração realize essas prestações em condições de concorrência e o particular disponha por isso de liberdade de escolha entre as prestações asseguradas pelo sector público e pelo sector privado ...” [in: “Manual de Direito Fiscal”, Almedina, Coimbra, 2011, págs. 208 e segs.].

XVIII. E como afirma António Malheiro de Magalhães, fazendo apelo a doutrina sustentada por Teixeira Ribeiro, mostra-se difícil “… apurar a voluntariedade ou coatividade das receitas através da fonte das obrigações de que provêm …” e, nessa medida, acaba por concluir que é preferível, por “mais simples”, tratar de “… conhecer o processo por que se fixa o seu montante: este pode ser fixado por via de negócio ou por via de autoridade. Ora se o montante da receita é negocialmente estabelecido, trata-se, sem dúvida, duma receita voluntária; mas se o é autoritariamente, já se trata duma receita coativa …” [in: “O Regime Jurídico dos Preços Municipais”, Almedina, Coimbra, 2012, pág. 22] [vide, igualmente, Teixeira Ribeiro in: “Lições de Finanças Públicas”, Coimbra Editora, 1997, págs. 30 e 31].

XIX. Entendemos que em termos do regime jurídico económico, pela sua natureza e por expressa determinação legal [cfr. arts. 02.º e 04.º, n.º 1 do DL n.º 194/09], o serviço de abastecimento de água/saneamento apresenta-se em cada tempo e lugar em regime de exclusividade territorial com um único prestador, pelo que estamos, pois, perante um regime de monopólio e não de mercado onde os preços se possam formar de forma livre.

XX. Daí que atendendo ao critério formal da fonte da obrigação, que é a lei, ao regime económico, que é de monopólio, à indispensabilidade do serviço e à sua natureza comutativa, a tarifa ou preço do serviço de abastecimento de água/saneamento terá a natureza de taxa, constituindo receita tributária.

XXI. Se, assim, importa ser considerado e quando o que está em discussão se prende não com uma relação jurídico privada de discussão em torno de incumprimento das obrigações decorrentes de contrato de fornecimento/prestação de serviço, mas, ao invés, de discussão quanto a alegadas ilegalidades praticadas no quadro relação jurídico pública, na sujeição e fixação/aplicação de determinado Regulamento de Taxas por parte da A. ao R., então, dúvidas não podem existir que se trata de questão fiscal para a qual o tribunal administrativo “a quo” carece de competência em razão da matéria.

XXII. É que no caso em apreço o R., ora recorrido, questiona, designadamente, a legalidade do pagamento das várias parcelas, mormente, da referida tarifa de ligação, na certeza de que as outras parcelas reclamadas, como alegados custos/preço do serviço de ligação [com execução do ramal de saneamento e da câmara de ligação] reportam-se não a efetivos trabalhos já executados pela A. com aquela ligação e cujo ressarcimento se visa obter com a dedução da ação, mas, antes e tão-só, a valores calculados com base no Regulamento de Taxas invocado sem que o serviço houvesse sido prestado. Aliás, a pretensão de condenação do R. a proceder à ligação do prédio à rede é disso prova inequívoca, ou seja, de que o serviço/operação de ligação nunca chegou a ser executado pela A., nunca tendo a mesmo suportado quaisquer custos com aquele trabalho, sendo certo que se o R., na parte em que o mesmo foi alvo do julgado condenatório, vier a dar cumprimento ao assim julgado irá vir duplicados os custos com tal ligação [os por si suportados e aqueles que são igualmente reclamados pela A. na ação].

XXIII. Não se está perante um litígio de direito privado relativo a uma relação contratual de prestação de serviço de saneamento, sendo que a reclamação das verbas em questão resulta da exigência imposta autoritariamente pela A., ora recorrente, da tarifa de ligação e de alegados “custos” à mesma associados como contrapartida do serviço prestado.

XXIV. Ora as questões suscitadas, mormente, sobre a necessidade/legalidade da aplicação daquela tarifa revestem uma natureza fiscal entendendo-se, como tal, «todas as que emergem da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objetivamente conexas» [cfr., ainda, quanto à caraterização/definição de «questão fiscal», os acórdãos do Tribunal de Conflitos de 26.09.2006 - Proc. n.º 14/06, de 09.11.2010 - Proc. n.º 17/10 in: «www.dgsi.pt/jcon»].

XXV. Refira-se, por fim, que no citado acórdão do Tribunal de Conflitos de 09.11.2010 [Proc. n.º 17/10] foi decidido que compete «… aos tribunais tributários o conhecimento de ação em que se pretende o reconhecimento da inadmissibilidade da cobrança de consumos mínimos, denominados como tarifa de disponibilidade, por parte de empresa concessionária da exploração e gestão dos serviços públicos municipais de abastecimento de água e de saneamento ...”.

XXVI. Pode, assim, concluir-se que dentro da jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais os tribunais competentes para conhecer do litígio em apreciação são tribunais tributários face ao quadro normativo convocado.”

No mesmo sentido se pronuncia o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, de 25.11.2011, no processo 02750/10.4 PRT, que, debruçando-se sobre a questão da competência em razão da matéria, sustenta:

“À face do ETAF na Jurisdição administrativa e fiscal a competência dos tribunais administrativos e dos tribunais tributários para o conhecimento das pretensões perante os mesmos deduzidas está repartida em função dos litígios serem emergentes respectivamente de relações jurídicas administrativas ou de relações jurídicas fiscais. Com efeito, por “questão fiscal” deverá entender-se, de harmonia com a jurisprudência firmada pelo STA, a que, de qualquer forma, imediata ou mediata faça apelo à interpretação e aplicação de norma de direito fiscal com atinência ao exercício da função tributária da Administração ou à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos. É “questão fiscal” pois, aquela que emerge de resolução autoritária que imponha o pagamento de prestações pecuniárias com vista à satisfação de encargos públicos dos respectivos entes impositivos (cfr. Casalta Nabais in: “Direito Fiscal"’ 2.ª edição, pág. 366). Ou ainda, por outras palavras, “estamos perante questão daquela natureza quando a mesma diga respeito à interpretação e aplicação de normas legais de natureza tributária, ou seja, se refira a uma resolução autoritária que negue direito a não pagamento ou que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação dos encargos públicos do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que com elas estejam objectivamente conexas ou teleologicamente subordinadas. (...)”.

Ora, no caso concreto a imposição do pagamento dos montantes peticionados nos primeiro e segundo pedidos resulta de uma resolução autoritária que resulta apenas da lei e que nega o direito ao não pagamento, impondo o pagamento de determinada prestação pecuniária.

Assim, soçobra o presente recurso jurisdicional, impondo-se manter nos seus precisos termos a decisão recorrida.
*
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.


Porto, 29.11.2019

Rogério Martins
Luís Garcia
Conceição Silvestre