Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00796/08.1BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/05/2016
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:RECONVENÇÃO; EMPREITADA; MULTA CONTRATUAL; TIPO DE AÇÃO.
Sumário:1 – A forma de processo é instituída pela lei, por referência aos diferentes tipos de pretensões que podem ser deduzidas em juízo, sendo que a propriedade ou adequação da forma de processo se afere em função do tipo de pretensão deduzida em juízo pelo autor.
2 - No contrato de empreitada de obras públicas, regulado pelo DL n.º 59/99, de 02/03, a aplicação de multa por violação do prazo contratual é uma questão atinente à execução do contrato.
3 - Face ao disposto no nº 1 do art.º 254º/1 do DL nº 59/99, de 2/3, todas as questões relativas à execução do contrato de obras públicas, independentemente da sua natureza têm de ser apreciadas no âmbito da ação administrativa comum.
4 – Se é certo que o n.º 1 do artigo 140.º do RJEOP, relativo às notificação no âmbito da Execução das empreitadas, refere que “As notificações das resoluções do dono da obra ou do seu fiscal serão obrigatoriamente feitas ao empreiteiro ou seu representante, por escrito e assinadas pelo fiscal da obra”, o que é facto é que resulta do seu elemento literal, a referida norma dispõe sobre a notificação de decisões conexas com a “execução” dos trabalhos, e não tanto das questões relativas ao incumprimento da empreitada, designadamente, o seu prazo contratual, como resulta da leitura conjugada dos artigos 178.º a 184.º, mormente os Artº 182.º e 183.º, todos do RJEOP.
5 – Não obstante o nº 5 do artigo 201.º do RJEOP, referir que “A aplicação de multas contratuais … será precedida de auto lavrado pela fiscalização, do qual o dono da obra enviará uma cópia ao empreiteiro, notificando-o para, no prazo de oito dias, deduzir a sua defesa ou impugnação”, o que é facto é que estando em causa a aplicação de multa em resultado do incumprimento do prazo contratual da execução da empreitada, a mesma não carecerá necessariamente da intervenção da Fiscalização.
Só estando em causa irregularidades ou quaisquer erros na execução da obra/empreitada é que se justificará a participação da Fiscalização, enquanto garante do cumprimento do projeto concursado, em função do contrato, do caderno de encargos e do plano de trabalhos em vigor, como resulta do Artº 180º do RJEOP.
É manifesto que a fiscalização tem uma competência meramente instrumental, em face do que a sua intervenção incidirá predominantemente sobre questões diretamente relacionadas com as operações “no terreno”, relacionadas com a obra,*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:P... – Construção de Vias de Comunicação, Lda.
Recorrido 1:Município de Miranda do Corvo
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no qual concluiu que:
“1) Deverá ser concedido provimento ao recurso jurisdicional no segmento relativo ao uso devido da ação administrativa comum e à sua tempestividade;
2) Deverá este Venerando TCA Norte conhecer, em substituição, das questões cujo conhecimento o TAF a quo julgou prejudicado e, fazendo-o, 3) Deverá julgar a reconvenção procedente, por provada, e, como decorrência, condenar a Recorrente no pedido reconvencional.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
A P... – Construção de Vias de Comunicação, Lda., devidamente identificada nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, que intentou contra o Município de Miranda do Corvo, tendente à condenação deste no pagamento de 89.532,43€, da qual 4.080,43€ correspondente a juros moratórios vencidos, acrescida de juros vincendos”, inconformado com a Sentença proferida em 30 de Dezembro de 2014, no TAF de Coimbra, na qual se decidiu:
“(…) julga-se procedente, por provado o pedido inicial, e, em consequência, condena-se o Réu Município de Miranda do Corvo a pagar à Autora a quantia de €84.135,02, a título de revisão de preços da empreitada “EN342 – Pavimentação entre Miranda do Corvo e Limite do Concelho da Lousã – Troço no concelho de Miranda do Corvo”, acrescido de juros de mora devidos pelo atraso no pagamento bem como de IVA à taxa aplicável.
Julgando procedente o pedido reconvencional condena-se a Autora a pagar ao Réu a quantia de €96.454,70, correspondente à multa contratual aplicada, acrescida de juros de mora legalmente devidos”,
veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão, em 11 de Fevereiro de 2015 (Cfr. fls. 374 a 384 Procº físico).

Formula o aqui Recorrente/P... nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões (Cfr. fls. 382 a 384 Procº físico):

“1) A sentença recorrida decidiu (singelamente) a reconvenção, julgando-a procedente, em virtude da decisão que aplicou a multa não ter sido impugnada tempestivamente, segundo diz “nos termos do art. 58.º do CPTA, e porque não lhe é imputado qualquer fundamento de nulidade”, ou seja, para o Tribunal aquela aplicação de multa consolidou-se na ordem jurídica com a força de caso decidido, não havendo assim lugar à discussão da respetiva legalidade (dessa multa).

2) A sentença sofre de claro erro de julgamento, sendo aliás que afronta jurisprudência sedimentada a partir da prolação do Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 15-05-2002, proferido no proc. n.º 046106, que aqui se se considera devidamente reproduzida.

3) A decisão de aplicação de multa comunicada pelo ofício de 14/2/2008 da Câmara Municipal de Miranda do Corvo, não sendo, ao contrário do que em erro de julgamento foi decidido, um ato administrativo que, autoritária e imperativamente, definiu, com a força de caso decidido, a situação jurídica subjacente a esta multa, não se consolidou na ordem jurídica e, assim, a discussão da sua legalidade pode ser levada a efeito no presente processo ao contrário do que foi decidido.

4) Como tal e ressalvado o devido respeito, a sentença viola também o disposto, entre o mais, no art. 20.º da CRP (princípio da tutela jurisdicional efetiva).

5) Depois e entre o mais, a aplicação da multa sempre seria ineficaz por não ter sido notificada à recorrente, nos termos do artigo 140.º, n.º 1 do RJEOP – cfr. Ac. do STA de 29/05/2001, proferido no processo 047340.

6) Depois, a pretensa multa sempre seria ilegal pelo facto de o R. não ter de todo em todo observado os termos da lei, já que não foi entregue à recorrente qualquer auto de notícia lavrado pela fiscalização, que necessariamente tem de preceder eventual aplicação de multa pelo dono da obra (cfr. art. 201.º, n.º 5 do RJEOP).

7) Mais ainda, a pretensa multa é ilegal, porque não foi a A. e recorrente notificada para, no curto prazo de oito dias deduzir a sua defesa ou impugnação, violando, por isso, crassamente o direito à audiência prévia da A., preterindo, assim, formalidade essencial, pelo que a pretensa multa não se considera nem pode considerar aplicada, nos termos do art. 233.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 59/99.

8) Assim, não tendo sido observados os condicionalismos legais, em franco desrespeito dos direitos de defesa da A. e ora recorrente, a decisão de aplicação da multa sempre seria ineficaz e inválida, razão pela, ao ter considerado procedente o pedido reconvencional, a sentença padece de erro de julgamento, por afronta ao disposto nos arts. 140.º, n.º 1, 201.º, n.º 5 e 233.º, n.º 3 do RJEOP, devendo ser revogada.

9) Atenta a manifesta simplicidade da questão da ilegalidade da decisão que aplicou a multa, temos que a mesma é também manifestamente ilegal, na medida em que afronta jurisprudência perfeitamente pacífica e nunca excecionada pelo Supremo Tribunal Administrativo, pois a mesma foi aplicada em 14/2/2008 e a receção provisória ocorreu em 23/11/2007.

10) Sendo que após a receção provisória da obra, não pode o dono da obra aplicar multa contratual – cfr. art. 233.º, n.º 4 do RJEOP e jurisprudência citada supra no corpo das alegações.

11) Pelo que ao ter considerado procedente a compensação, deduzida em reconvenção pelo R., a sentença recorrida padece, pois, de erro de julgamento, violando o disposto no art. 233º, n.º 4 do DL n.º 59/99.

Termos em que, deve ser considerado procedente o presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, como é de JUSTIÇA!”

O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 7 de Abril de 2015 (Cfr. fls. 398 e 399 Procº físico).

O Recorrido/Município, veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 11 de Maio de 2015, concluindo (Cfr. fls. 406v a 408 Procº físico:

“A. A Autora vem recorrer do segmento da douta sentença que julgou procedente o pedido reconvencional, condenando-a a pagar ao Réu a quantia de €96.454,70, correspondente à multa contratual aplicada, acrescida de juros de mora legalmente devidos,
B. Sustenta que a sentença sofre de erro de julgamento, uma vez que afronta o teor do Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 15 de Maio de 2002.
C. O Decreto-Lei n.º 59/99, de 02 de Fevereiro, limitou-se a estabelecer, no seu art. 254.º, uma regra geral de que seguem a forma de ação todas as "questões" sobre a interpretação, validade ou execução do contrato, sem distinguir, de um modo expresso/literal, os atos administrativos das meras declarações negociais.
D. Essa lacuna legislativa levou a interpretações contraditórias quanto a saber se o meio processual adequado para impugnar uma multa aplicada no âmbito da execução de um contrato administrativo seria a ação administrativa comum ou a ação administrativa especial.
E. No entanto, o Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, revogou o Decreto-Lei n.º 59/99 e aprovou o Código dos Contratos Públicos (CPP) ainda vigente, sendo que a alínea c) do n.º 2 do seu artigo 307.º determina que a aplicação das sanções previstas para a inexecução de contratos públicos reveste a natureza de ato administrativo, devendo, em consequência, ser impugnado no prazo previsto no art. 58.º do CPTA.
F. Ou seja, o legislador deixou bem claro que considerava a aplicação de uma multa por inexecução de um contrato público reveste a natureza de ato administrativo, devendo, em consequência, ser impugnada no prazo de três meses previsto no art. 58.º do CPTA.
G. Ora, s.m.o, deve agora o intérprete dar maior preponderância ao pensamento legislativo com previsão expressa na letra da lei, ou como disse o STJ (no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 11 de Maio de 2009 (Proc. n.º 418/07.8PSBCL-A.S1, disponível em www.dgsi.pt), devem ser tidos em conta “argumentos novos, não considerados na decisão que fixa a jurisprudência, ou que, considerando a legislação no seu todo, a jurisprudência fixada se mostre já ultrapassada”
H. Pelo que, bem andou o douto Tribunal a quo ao considerar que, na falta de impugnação tempestiva, e porque não lhe é imputado qualquer fundamento de nulidade, se consolidou na ordem jurídica, com a força de caso decidido, a aplicação da multa contratual, deixando de haver lugar à discussão da respetiva legalidade.
I. Acresce que, mesmo que o Tribunal a quo tivesse considerado a impugnação tempestiva, da leitura da matéria de facto dada como provada não resulta qualquer das omissões/irregularidades que a Recorrente invoca nas suas alegações de recurso.
J. Considerando-se contudo que o prazo para a conclusão da obra não foi cumprido e que a multa foi comunicada em 20.03.2006 – pontos 5 e H da matéria de facto dada como provada.
K. Pelo que, forçoso será de concluir que no caso dos autos, a multa foi devidamente aplicada.
Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deve ser julgado improcedente o recurso interposto e mantida a decisão decretada pelo Venerando Tribunal a quo, Assim se fazendo JUSTIÇA!”

O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 29 de Maio de 2015 (Cfr. fls. 417 Procº físico), veio a emitir Parecer em 11 de Junho de 2015, no qual concluiu que:
“1) Deverá ser concedido provimento ao recurso jurisdicional no segmento relativo ao uso devido da ação administrativa comum e à sua tempestividade;
2) Deverá este Venerando TCA Norte conhecer, em substituição, das questões cujo conhecimento o TAF a quo julgou prejudicado e, fazendo-o,
3) Deverá julgar a reconvenção procedente, por provada, e, como decorrência, condenar a Recorrente no pedido reconvencional.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa analisar e decidir o suscitado pela Recorrente/P... Lda., designadamente, os invocados erros de julgamento relativos à matéria de direito, com o que terão sido violados os artigos 20.º da CRP, 140.º, n.º 1, 201.º, n.º 5 e 233.º, n. 3 e 4, estes últimos do RJEOP, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade, como provada e não provada, a qual aqui se reproduz:
“A. À Autora foi adjudicada pelo Município Réu a empreitada denominada “EN-342 – Pavimentação entre Miranda do Corvo e limite do concelho de Lousã – Troço no concelho de Miranda do Corvo;
B. Consta do “Auto de consignação parcial da obra” (doc. 2 anexo à contestação):
“Aos dezasseis dias do mês de Fevereiro do ano de dois mil e cinco, (…) foram prestadas as necessárias e convenientes indicações para ficarem bem definidas as condições em que ela deve ser realizada, e entregues ao adjudicatário cópias das peças escritas e desenhadas.
O prazo de execução para a referida empreitada é de sessenta dias a partir da data da consignação.
(…)
Foi dada posse ao empreiteiro, os terrenos compreendidos entre o KM 53+680 e o KM 57+630 (limite de concelhos de Miranda do Corvo e Lousã, uma vez que, não obstante a Câmara Municipal estar na posse dos demais terrenos necessários à execução da obra, a extensão e importância da totalidade desta obra não pode efetuar-se na sua totalidade, pelo que apenas se efetua a consignação parcial dos terrenos compreendidos entre os referidos quilómetros.
(…)
C. Com a carta ref.ª 1044/05, datada de 8 de Março de 2005, sob o assunto “EN-342 – Pavimentação entre Miranda do Corvo e limite do concelho de Lousã – Troço no concelho de Miranda do Corvo” a Autora remeteu ao Réu “o plano de trabalhos e plano de segurança e saúde relativos à obra em epígrafe” (Doc. n.º 1 anexo à contestação);
D. As obras foram provisoriamente recebidas em 23/11/2007 (Doc. n.º 1 anexo à P.I.);
E. O valor inicial do contrato foi de €595.399,38, acrescido de IVA;
F. Foi de €99.204,46, o valor dos trabalhos a menos;
G. Com data de 29 de Agosto de 2005, a Autora endereçou à Câmara do Município Réu (doc. n.º 4 anexo à contestação):
“Continuando em desenvolvimento as obras das Águas do Mondego, bem como, obras de instalação elétrica e que interferem com os trabalhos da empreitada em epígrafe, e tendo em conta que nos foi solicitado recentemente preço para proceder à reparação da ponte sobre o Rio “Dueça”, e ainda aguardamos instruções quanto à forma de reperfilamento do pavimento, vimos informar que não nos foi possível concluir os trabalhos da empreitada dentro do prazo previsto.
Face ao exposto solicito a Vossa Exa se digna conceder uma prorrogação de mais 60 dias.
(…)”
H. Consta da comunicação, via telecópia, remetida pela Câmara do Município Réu à Autora, com data de 20 de Março de 2006 (Doc. n.º 5 anexo à contestação):
“(…) solicitamos que durante a presente semana procedam à limpeza do material existente na obra supra identificada, bem como ao refecho, com aguada de cimento, de toda a calçada aplicada em obra.
No que respeita ao restante troço, ainda não consignado, e após contacto com a direção de obra, propomos o próximo dia 05 de Abril como data para celebração de Auto de Consignação do troço entre os KM50+500 e o KM 53+680.
Reforçamos ainda, e mais uma vez, a necessidade de concluir imediatamente o troço em execução, não nos sendo possível, nesta data, prever o final dos trabalhos, comunicamos que as multas por violação de prazo contratual ascende a € 96.454,70.”
I. Consta da comunicação, via telecópia, remetida pela Autora, à Câmara do Município Réu, com data de 20 de Março de 2006 (Doc. n.º 6 anexo à contestação):
“Recebemos o v/ fax de 20 de Março de 2006 (…)
Estranhamos, contudo, o último parágrafo no qual referem que “multas por violação de prazo contratual ascende a €96.454,70”. Ora, ao longo de todo o processo nunca fomos alertados para tal facto, pois se tal tivesse acontecido desde logo teríamos contestado na medida em que, como é sabido, na obra que nos foi consignada, a Câmara Municipal de Miranda do Corvo fez atuar outra empreitada, instalações elétricas ao longo dos passeios que vieram a interferir com os nossos trabalhos, provocando-nos atrasos e prejuízos.
(…)”
J. Com data de 25.01.2008, a Autora emitiu a fatura n.º 5 no valor de 81.477,92, acrescido de IVA no valor de €4.073,90, relativa a Revisão de preços na empreitada “EN-342 – Pavimentação entre Miranda do Corvo e limite do concelho de Lousã – Troço no concelho de Miranda do Corvo”, remetida ao Réu por carta da mesma data (Docs. ns.3 e 4 anexos à P.I.)
K. Datado de 14/02/2008, a Câmara do Município Réu, endereçou à Autora um ofício do seguinte teor (Doc. n.º 7 anexo à contestação):
“Após apreciação da v/ fatura n.º 5, datada de 25.01.2008, no montante de € 85.551,82 e referente a revisão de preços foram detetados vários lapsos no que concerne a datas sobre as quais incide o respetivo coeficiente de atualização, índices e mão-de-obra e materiais e prazos de execução da empreitada, pelo que consideramos de nulo efeito o cálculo apresentado.
(…)
Serve ainda a presente comunicação para em anexo remeter Nota de Débito no montante de €96.454,70 referente a multa por violação do prazo de execução.
(…)”
L. A proposta apresentada pela Autora contemplava um prazo de execução de 60 dias, para a totalidade da obra.
Em função do resultado da perícia bem como dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, julga-se provado:
1. Foi de €14.773,84, o valor dos trabalhos a mais, com preços contratados;
2. Para a obra consignada em 16/2/2006, pelo prazo de 60 dias, estava previsto o valor de € 406.708,67;
3. a consignação de obra em 10/05/2006, foi pelo prazo de 60 dias, e pelo valor de €188.690,71;
4. Ascende ao montante de €84.135,02 o valor devido pelas revisões de preço, acrescido de IVA à taxa em vigor;
5. A Câmara do Município Réu remeteu à Autora, via telecópia, com data de 21 de Junho de 2005 uma comunicação da qual consta (Doc. n.º 3 anexo à contestação):
“Serve a presente para expressar um claro desapontamento e preocupação sobre o ritmo dos trabalhos que de desenvolvem na empreitada supra mencionada.
Verifica-se inclusive um claro abandono pela V/ parte no que respeita a esta obra.
A empreitada foi adjudicada através de uma proposta variante (com redução do prazo de execução), à empresa P..., Construções de Vias de Comunicação, Ld.ª.
Verifica-se um absoluto incumprimento do contratualmente estabelecido, e no (que) respeita ao prazo de execução, pelo que é intenção da Autarquia indeferir quaisquer prorrogações, e comunicar a v/ atitude de negligência e falta de profissionalismo ao IMOPPI.
(…)
6. Câmara do Município Réu remeteu à Autora, via telecópia, com data de 6 de Setembro de 2005 uma comunicação da qual consta (Doc. n.º 4 anexo à contestação):
“Após receção da v/ comunicação, ref.ª 2843/05, datada de 29.08.2005, reiteramos a informação prestada anteriormente junto da direção técnica da obra no que respeita à ausência de realização de quaisquer trabalhos promovidos pela Águas do Mondego no troço em execução.
Da mesma forma existem frentes de trabalho cujo desenvolvimento dependem estritamente de V/ iniciativa como seja a passagem pedonal metálica sobre o rio Dueça, aplicação de lancil e calçada em passeios e conclusão do sistema de drenagem de águas pluviais, trabalhos estes a realizar em fase prévia à aplicação de pavimento na faixa de rodagem.
Foi inclusivamente possível observar um fraco desenvolvimento dos trabalhos nas últimas semanas.
Pelo exposto comunicamos o indeferimento da pretensão, e solicitamos a conclusão do troço urbano da empreitada de maneira a minimizar o prejuízo verificado pelos utentes da via.
…”
Não se provou que:
I - Foi de €138.610,78, acrescido de IVA o valor dos trabalhos adicionais;
II - O valor sujeito a revisão de preços na primeira adjudicação correspondesse ao total adjudicado;
VIII - O cronograma financeiro que serviu de base ao cálculo apresentado pela Autora, não corresponde, nem ao apresentado com a proposta, nem aquando do início dos trabalhos.

IV – Do Direito
Importa agora analisar e decidir o suscitado.
Vem a Autora/P... Lda. interpor Recurso da sentença do tribunal a quo, designadamente, do segmento que julgou procedente o pedido reconvencional que julgou “(…) procedente o pedido reconvencional”, mais se condenando “a Autora a pagar ao Réu a quantia de €96.454,70, correspondente à multa contratual aplicada, acrescida de juros de mora legalmente devidos”.

Vejamos o suscitado:
DOS ERROS DE DIREITO
Relativamente ao invocado erro de julgamento, quanto à forma do processo, designadamente, à tempestividade da “impugnação” da multa contratual aplicada à P... Lda, por violação do prazo de execução da empreitada, pela sua relevância e adequação à situação, permitimo-nos transcrever segmentos do acórdão deste TCAN nº 00231/09.8BEPRT, de 20 de março de 2015, aplicáveis à situação em análise:
“Alega para o efeito que ao tempo dos factos em causa na ação, vigorava o RJEOP aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março, sendo que a decisão de aplicação de multas não revestia a natureza de ato administrativo, mas antes era tratada como questão que tinha a ver com a interpretação e execução do contrato, pelo que a ação adequada é a ação administrativa comum.
E assiste-lhe razão, como passamos a demonstrar.
No que concerne à forma de processo, a mesma é estabelecida pela lei, por referência aos diferentes tipos de pretensões que podem ser deduzidas em juízo, sendo que a propriedade ou adequação da forma de processo se afere em função do tipo de pretensão deduzida em juízo pelo autor.
Assim, a inadequação do meio processual ocorrerá sempre que a forma processual escolhida não corresponder à natureza ou ao valor da ação, sendo a sua adequação, reafirma-se, aferida pelo pedido.
Por seu turno, o pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a ação, ou seja, a finalidade, o resultado, a providência que se quer alcançar [cfr. art.º 498.º, n.º3 do CPC na redação vigente ao tempo em que foi instaurada a ação, igual à que consta do art. 581.º, n.º 3 do CPC/2013] e, ademais, constitui vinculação temática para o tribunal, pois é dentro dele que o tribunal se move [cfr.art. 668.º, n.1, alínea e) do CPC/61 e art. 615.º, n.º 1, al. e) do CPC/13].
O erro na forma de processo constitui nulidade ao abrigo do disposto nos artigos 199.º e 202.º do CPC/61-versão aplicável aos autos tendo em conta a data em que a ação foi instaurada- [cfr. artigos 193.º e 196.º do CPC/13], representando, assim, exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que determina a absolvição da instância [cfr. artigos 493.º, n.ºs 1 e 2, 494.º, alínea b) e 495.º do CPC/61, atuais artigos 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, alínea b) e 578.º do CPC/13], caso o processo não possa ser convolado na forma adequada.
No âmbito do contencioso administrativo, é no artigo 35.º do CPTA que se estabelece o elenco das formas de processo correspondente às variadas pretensões deduzidas perante a jurisdição administrativa.
De acordo com a previsão do artigo 37º, n.º1 do CPTA «Seguem a forma de ação administrativa comum os processos que tenham por objeto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da jurisdição administrativa e que, nem neste Código nem em legislação avulsa, sejam objeto de regulação especial».
Por seu turno, no artigo 46.º, n.º1 do mesmo código determina-se que «Seguem a forma de ação administrativa especial, (...) os processos cujo objeto sejam pretensões emergentes da prática ou omissão ilegal de atos administrativos, bem como de normas que tenham ou devessem ter sido emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo».
A distinção que o CPTA estabelece entre as formas da ação administrativa comum e da ação administrativa especial assenta no critério de saber se o processo respeita ou não, ao exercício de poderes de autoridade, por parte da Administração.
De harmonia com as referidas normas legais, e para o que aqui releva, seguem a forma de ação administrativa especial as ações nas quais sejam formulados pedidos específicos de remoção de atos de autoridade praticados pela Administração - atos administrativos ou normas regulamentares - ou de condenação da Administração à emissão desses atos de autoridade.
Por sua vez, seguem a forma de ação administrativa comum as ações nas quais estejam em discussão relações jurídicas administrativas paritárias.
No tocante a esta questão, Vieira de Andrade in a “A Justiça Administrativa”, 9ª ed., pags. 168/69 escreve que:“ … verifica-se que a opção decisiva da lei é a que distingue, ao lado da ação administrativa comum, a ação administrativa especial, concebida esta para os litígios cujo objeto sejam pretensões emergentes da emissão ou da omissão de atos administrativos ou de normas de direito administrativo… Na realidade, a diferença entre as duas formas de processo depende de estar, ou não, em causa a prática ou a omissão de manifestações de poder público, o que significa que continua a pensar-se … em razão do exercício formal de poderes unilaterais de autoridade. Por outras palavras, o critério decisivo para a distinção entre os dois domínios do regime processual parece ser o da existência, ou não, de uma relação jurídica tendencialmente paritária entre as partes – haverá um regime especial nos casos em que, na relação material controvertida, se afirme a autoridade de uma das partes sobre a outra, em regra, da Administração sobre o particular”.
Também neste mesmo sentido, João Caupers, in Introdução ao Direito Administrativo, 9ª ed., pags. 336, afirma expressivamente que “… Ao contrário, a ação administrativa especial veicula pedidos que, por se reportarem a comportamentos jurídicos, ou às respetivas omissões, estão intimamente ligados ao estatuto competencial da Administração Pública, não sendo concebível que se pudessem dirigir contra particulares; um particular não pode praticar nem omitir atos administrativos ou regulamentos, comportamentos jurídicos que pressupõem a titularidade de poderes públicos, que somente podem pertencer às entidades empenhadas na prossecução de atividade administrativa pública.
Por outro lado, os poderes que o tribunal administrativo utiliza quando decide contra a administração uma ação administrativa comum, precisamente porque são idênticos aos que o tribunal comum utiliza quando decide ações cíveis contra quaisquer cidadãos ou empresas, em nada perturbam a atividade administrativa pública: condenar o Estado a pagar uma indemnização não é diferente de condenar um cidadão a fazer o mesmo. Inversamente, o tribunal administrativo, ao julgar procedente uma ação administrativa especial, vai interferir na atividade administrativa pública, podendo mesmo determinar a prática pela administração de atos que esta gostaria de poder evitar” – [cfr. ainda, no mesmo sentido, Ação Administrativa Comum – Ação Administrativa Especial, na reforma de 2002 – João Raposo “A tramitação da ação administrativa especial – Cadernos de Justiça Administrativa, nº 39, Maio/Junho 2003, págs. 14 e segs; Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, I Vol., Anotação I ao art. 46º do CPTA, pags. 309; Luís Duarte Nunes e Leandro Esteves – Direito Administrativo – Casos Práticos, pags. 93 e segs].
Sobre a questão da propriedade do meio processual adequado para a impugnação das decisões de aplicação de multas contratuais por parte da Administração, no âmbito de contrato de empreitada de obras públicas celebrado ao abrigo do regime jurídico anterior ao Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008 de 29/01, existe abundante jurisprudência, a qual, a partir do Acórdão do Pleno do STA de 15/05/02, proferido no recurso n.º 046106, é firme no sentido de que «A aplicação de multas por incumprimento de prazos contratuais, prevista no art. 201º do DL nº 59/99, de 2 de Março, consubstancia um ato praticado no âmbito da execução do contrato de empreitada, cuja impugnação deve ser exercitada por via de ação, e não através de recurso contencioso»- cfr. Acs. do STA, de 07.10.04, Rec. n.º 0640/04; de 03.11.05, processo 0582/05; de 14.07.05, processo 0106/05;de 14.12/05, processo 0614/05.
Nesse acórdão do Pleno do STA [de 15/05/02], escreveu-se:
«(…) No seguimento do estatuído no DL 48 871, a não referência no DL 235/86 e nos Decretos-Leis posteriores à impugnação contenciosa dos atos praticados pela Administração após a celebração do contrato foi entendida por uma parte da jurisprudência e da doutrina no sentido de que só através da ação poderiam ser atacados judicialmente os atos da Administração praticados após a celebração do contrato de empreitada de obras públicas.
O DL 405/93 de 10 de Dezembro, ao reiterar o estatuído no art.° 221.° n.° 1 do D.L. 235/86 de 18 de Agosto, não pode deixar de ser interpretado, ao manter aquele dispositivo, em face do que veio a ser estatuído no CPA., de acordo com o que foi referido anteriormente, (acolhimento pelo Decreto-Lei dos princípios orientadores e disposições fundamentais definidos pelo CPA).
Já antes do CPA os art.°s 9.° n.º 3 do ETAF (D.L. 129/84 de 27 de Abril), e 51.° n.º 1 alínea g) do mesmo diploma, estabeleciam a possibilidade de impugnação autónoma de atos administrativos relativos à execução dos contratos administrativos prevendo-se a ação como forma geral de dirimir as questões relativas aos contratos administrativos.
O CPA ao definir os casos em que a Administração no âmbito dos contratos podia praticar atos administrativos (art.° 180.°), quais os atos que não poderiam ser considerados definitivos e executórios para efeitos de impugnação contenciosa (art.º 186.°) e os casos em que a Administração podia obter a execução forçada das prestações em causa (art.° 187.°), veio, porém, trazer alguma luz à interpretação daquele citado art.° 225.° n.° 1 do D.L. 405/93 de 10 de Dezembro, designadamente quando no artigo 180 do CPA, chama a atenção para que os poderes da Administração em relação aos contratos por ela estabelecidos têm de ter em conta o que resultar da lei e da natureza do contrato.
É em todo o caso indiscutível que o art. 9º, nº 3 do ETAF não tem, de modo algum, o sentido de atribuir a natureza de ato administrativo destacável às posições que a Administração assuma na execução dos contratos administrativos. Prevê apenas a eventualidade de – com base noutras fontes normativas - ocorrer essa forma de intervenção da entidade pública, à qual a contraparte se poderá opor através de recurso contencioso.
Ora, no sistema gizado pelo legislador do Dec. Lei n.º 405/93, não perdendo de vista que nos encontramos no quadro normativo de uma espécie particular dentro do género "contrato administrativo" (art.º 9.° do ETAF) rege o n.º 1 do art. 225° do DL 405/93 de 10 de Dezembro, que expressamente estabelece ser a ação o meio processual adequado a resolver as "questões" relativas à execução do contrato de empreitada de obras públicas.
De acordo com esta regra, que tem natureza imperativa, cuja aplicação, por isso, não é dado às partes afastar, todas as questões ligadas à execução do contrato – refiram-se elas ao seu desenvolvimento normal ou aos seus incidentes sancionatórios ou patológicos – desde que abrangidos na textura normativa deste diploma legal, serão apreciadas através do processo de jurisdição plena que é a ação.
É a letra da lei que o impõe e também a sua "ratio", atentas as vantagens oferecidas, no tocante à produção de prova, por este meio processual face ao recurso contencioso, já que se trata de controvérsias que geralmente envolvem matéria de facto de grande complexidade.
O interesse público que inegavelmente subjaz ao preceito do art.º 181.º do mesmo diploma legal que prevê a aplicação de multas por violação dos prazos contratuais encontra-se deste modo subordinado à apontada diretriz do art.º 225.°, n.º 1, não pedindo que à sua sombra a entidade pública contratante pratique atos de autoridade submetidos, como tais, ao contencioso de anulação.
O que acabamos de dizer não exclui, assim, que a Administração, em casos muito contados, por razões exógenas à execução do contrato, não possa praticar atos administrativos que com ele diretamente interfiram. Será o caso, p. ex., da rescisão unilateral do contrato por imperativo de interesse público prevista no art.º 180.º, al. c) do CPA, ou a modificação também unilateral do conteúdo das prestações [al. a) do mesmo preceito], atos que, por espelharem o exercício de um poder discricionário potenciado por um interesse público de particular intensidade, mais facilmente se amoldam aos limites cognitivos do contencioso de anulação.
Da evolução legislativa citada e de uma combinação harmónica destes princípios pode concluir-se que houve por parte do legislador a intenção de distinguir no contrato de empreitada de obras públicas entre o período anterior à celebração do contrato e o período posterior a essa celebração.
A partir do momento em que a Administração e o empreiteiro celebram o contrato de empreitada de obras públicas, a Administração, no interesse da prossecução da obra nas melhores condições pode pressionar o empreiteiro à realização de obras, no quadro legal e contratualmente definido, no desenvolvimento da relação estabelecida.
A partir daí, todas as questões relativas à execução do contrato de empreitada de obras públicas são consideradas como "questões" a decidir através do instrumento processual da ação, retirando qualquer relevância à qualificação dogmática das posições da Administração a elas subjacentes como atos administrativos destacáveis ou como meras declarações negociais, já que a opção legislativa foi a de, qualquer que fosse a sua natureza, as submeter à apreciação dos Tribunais através do meio processual ação.
Dir-se-á, contudo, que dificilmente se compaginaria com a característica da autotutela executiva que caracteriza o ato administrativo a imposição dessa forma processual de discussão de tais controvérsias.
Há, pois, que concluir que, no âmbito do DL 405/93, o meio próprio de reação para dirimir quaisquer "questões" relativas à execução do contrato, e independentemente da natureza dessas "questões", é a ação.»
Na situação dos autos, o contrato de empreitada de obras públicas em causa encontra-se sujeito ao regime legal do Decreto-Lei n.º 59/99, de 02/03, facto que, porém, não afasta a aplicabilidade da jurisprudência expendida no mencionado Acórdão do Pleno à situação dos autos.
Na verdade, contrapondo o teor dos artigos 181.º e 225.º do Decreto-Lei n.º 405/93, de 10/12 [diploma aplicável ao contrato de empreitada em análise do mencionado Ac. do Pleno], com o teor dos artigos 201.º e 254.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 02/02 [diploma aplicável aos autos que temos em mãos], verifica-se que a solução normativa neles contida é similar.
Neste sentido, pronunciou-se expressamente o Ac. do STA de 14/07/05, processo n.º 0106/05, já acima referido.
Deste modo, perante a factualidade assente e as pretensões concretamente formuladas pela autora, afigura-se-nos inequívoco, atento o disposto nos artigos 201.º e 254.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 02/02 e a arreigada jurisprudência nacional que a este respeito existe, que o meio processual adequado à efetivação da tutela jurisdicional pretendida pela autora, é a ação administrativa comum, tal como defendido pela Recorrente, procedendo, por conseguinte, o apontado erro de julgamento assacado ao despacho saneador.

E no precedente e parcialmente transcrito Acórdão deste TCAN, se sumariou:
“I- A forma de processo é instituída pela lei, por referência aos diferentes tipos de pretensões que podem ser deduzidas em juízo, sendo que a propriedade ou adequação da forma de processo se afere em função do tipo de pretensão deduzida em juízo pelo autor.
II- No contrato de empreitada de obras públicas, regulado pelo DL n.º 59/99, de 02/03, a aplicação de multa por violação do prazo contratual é uma questão atinente à execução do contrato.
III- Face ao disposto no nº 1 do art.º 254º/1 do DL nº 59/99, de 2.3, todas as questões relativas à execução do contrato de obras públicas, independentemente da sua natureza têm de ser apreciadas no âmbito da ação administrativa comum (...)”

Acompanhando o entendimento expendido no parcialmente transcrito acórdão deste TCAN, mostra-se que a ação administrativa comum seria o meio próprio para a aqui Recorrente ter conseguido a apreciação e decisão judicial relativamente às ilegalidades imputadas à aplicação da multa contratual, ao contrário do decidido em 1ª Instância.

Soçobra assim a argumentação aduzida pelo tribunal a quo relativamente à procedência do pedido reconvencional, assente na mera intempestividade da impugnação e na força de caso decidido do ato de aplicação da multa.

Em face do que precede, e sem prejuízo do que demais se decidirá, sempre procede o recurso quanto à questão analisada, o que determina a necessidade de, em substituição, se analisarem os vícios suscitados face ao ato de aplicação da controvertida multa.

Assim, atento o entendimento precedentemente explicitado, importa analisar as demais e consequentes questões jurídicas que se colocam relativamente à “multa”, não obstante não terem sido apreciadas em 1ª instância, em face do entendimento aí adotado, a luz do Artº 149º do CPTA.

Desde logo, e no que concerne ao modo como foi aplicada a multa, importa verificar se o Município estaria vinculado ao formalismo constante do Decreto-Lei n.º 55/99, de 2 de Março (RJEOP), entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, mas ainda assim aqui aplicável.

O n.º 1 do artigo 140.º do RJEOP, relativo às notificação no âmbito da Execução das empreitadas, refere que “As notificações das resoluções do dono da obra ou do seu fiscal serão obrigatoriamente feitas ao empreiteiro ou seu representante, por escrito e assinadas pelo fiscal da obra”.

Como resulta do seu elemento literal, a referida norma dispõe sobre a notificação de decisões conexas com a “execução” dos trabalhos, e não tanto das questões relativas ao incumprimento da empreitada, designadamente, o seu prazo contratual, que é o que aqui está em questão, como resulta da leitura conjugada dos artigos 178.º a 184.º, mormente os Artº 182.º e 183.º, todos do RJEOP.

Em face do que precede, e tal como preconizado pelo Ministério Público, no seu Parecer, não se mostra aplicável à situação em análise o normativo invocado (Artº 140º CPTA), em face do que improcederá, neste aspeto, o recurso jurisdicional em análise.

Analisemos agora a suscitada suposta violação do nº 5 do artigo 201.º do mesmo RJEOP, a qual estatui que “A aplicação de multas contratuais nos termos dos números anteriores será precedida de auto lavrado pela fiscalização, do qual o dono da obra enviará uma cópia ao empreiteiro, notificando-o para, no prazo de oito dias, deduzir a sua defesa ou impugnação”.

Como resulta desde logo dos “Factos Provados” e no que concerne à aplicação da controvertida multa, o Município não deu aparentemente pontual cumprimento às formalidades legalmente estabelecidas, importando verificar se a conduta adotada se consubstancia na violação do regime legal vigente.

No entanto, o que aqui está em causa é a aplicação de multa em resultado do incumprimento do prazo contratual da execução da empreitada, o que naturalmente não carece necessariamente da intervenção da Fiscalização.

Só estando em causa irregularidades ou quaisquer erros na execução da obra/empreitada é que se justificará a participação da Fiscalização, enquanto garante do cumprimento do projeto concursado, em função do contrato, do caderno de encargos e do plano de trabalhos em vigor.

É pois isso que resulta do Artº 180º do RJEOP, que infra se transcreve:
Artigo 180.º
Função da fiscalização
À fiscalização incumbe vigiar e verificar o exato cumprimento do projeto e suas alterações, do contrato, do caderno de encargos e do plano de trabalhos em vigor e, designadamente:
a) Verificar a implantação da obra, de acordo com as referências necessárias fornecidas ao empreiteiro;
b) Verificar a exatidão ou o erro eventual das previsões do projeto, em especial, e com a colaboração do empreiteiro, no que respeita às condições do terreno;
c) Aprovar os materiais a aplicar;
d) Vigiar os processos de execução;
e) Verificar as características dimensionais da obra;
f) Verificar, em geral, o modo como são executados os trabalhos;
g) Verificar a observância dos prazos estabelecidos;
h) Proceder às medições necessárias e verificar o estado de adiantamento dos trabalhos;
i) Averiguar se foram infringidas quaisquer disposições do contrato e das leis e regulamentos aplicáveis;
j) Verificar se os trabalhos são executados pela ordem e com os meios estabelecidos no respetivo plano;
l) Comunicar ao empreiteiro as alterações introduzidas no plano de trabalhos pelo dono da obra e a aprovação das propostas pelo empreiteiro;
m) Informar da necessidade ou conveniência do estabelecimento de novas serventias ou da modificação das previstas e da realização de quaisquer aquisições ou expropriações, pronunciar-se sobre todas as circunstâncias que, não havendo sido previstas no projecto, confiram a terceiro direito a indemnização e informar das consequências contratuais e legais desses factos;
n) Resolver, quando forem da sua competência, ou submeter, com a sua informação, no caso contrário, à decisão do dono da obra todas as questões que surjam ou lhe sejam postas pelo empreiteiro e providenciar no que seja necessário para o bom andamento dos trabalhos, para a perfeita execução, segurança e qualidade da obra e facilidade das medições;
o) Transmitir ao empreiteiro as ordens do dono da obra e verificar o seu correcto cumprimento;
p) Praticar todos os demais atos previstos em outros preceitos deste diploma.

É assim manifesto que a fiscalização tem uma competência meramente instrumental, em face do que a sua intervenção incidirá predominantemente sobre questões diretamente relacionadas com as operações “no terreno”, relacionadas com a obra, o que determinará que o aludido Artº 201º do RJEOP não seja aplicável à situação em apreço, em que está, como se disse, em causa o incumprimento do prazo contratual de execução da empreitada, que não carece de qualquer intervenção em obra que não seja pela mera constatação que a empreitada se não encontra concluída.

Assim, e mais uma vez acompanhando neste particular o Ministério Público junto deste Tribunal, não se vislumbra que houvesse necessidade de ser elaborado auto, nos termos do Artº 201º do RJEOP, pela singela razão que a diligência em causa não careceria da intervenção da Fiscalização, por se tratar de um incumprimento de prazo contratual e não de qualquer deficiência ou irregularidade detetada em obra, em face do que improcederá o invocado fundamento de ilegalidade.

Da violação dos números 3 e 4 do artigo 233.º do citado RJEOP.
Vem ainda invocada pela Recorrente a violação do referido normativo.
Prescreve a aludida norma o seguinte:
“(...)
3 - Nenhuma sanção se considerará definitivamente aplicada sem que o empreiteiro tenha conhecimento dos motivos da aplicação e ensejo de deduzir a sua defesa.
4 - Feita a receção provisória, não poderá haver lugar à aplicação de multas contratuais correspondentes a factos ou situações anteriores”.

Dos elementos disponíveis e dados como provados, resulta desde logo que a “P... Lda.” requereu em 29/08/2005 uma prorrogação de 60 dias, para concluir os trabalhos (cfr. o ponto G “factos Provados”), o que singelamente significa que a empreitada não estava concluída, em face do que mal se compreende como possa vir invocar desconhecimento face à circunstância de estar em mora, e de correspondentemente lhe ter sido aplicada multa.

Efetivamente, quando em 20/03/2006 o Município comunica à aqui Recorrente “que as multas por violação de prazo contratual ascende[m] a €96.454,70”, tal pressupõe e é consequente do facto da empreitada se manter por concluir (Cfr. “Facto Provado” H), mal se compreendendo que a defesa da “P... Lda, se tenha limitado a afirmar de que nunca havia sido alertada para esse facto, quando tal circunstância era notória, tanto mais que a empreitada tinha uma duração de apenas 60 dias, prazo há muito ultrapassado, mormente quando sete meses antes havia sido requerida uma prorrogação do prazo.

Mostra-se pois claro que, desde logo, a aqui Recorrente poderia ter deduzido a sua defesa ou impugnado a aplicação da multa, não podendo imputar a responsabilidade da sua omissão ao Município.
Finalmente é ainda mais surpreendente e incompreensível a afirmação feita pela Recorrente, segundo a qual a aplicação da multa ocorreu em data posterior à da receção provisória da obra.

Se é confessamente reconhecido pela Recorrente que tomou conhecimento da multa aplicada em 20/03/2006, e tendo a Receção Provisória ocorrido em 23/11/2007 (Cfr. “Facto Provado” D) não se alcança sequer o raciocínio feito.

Na realidade, e se é certo que o Município dirigiu à aqui Recorrente oficio em 14/02/2008, remetendo a “Nota de Débito no montante de €96.454,70 referente a multa por violação do prazo de execução”, tal não constitui naturalmente a notificação da multa, mas antes a objetivação e concretização da multa já precedentemente aplicada e notificada.

Em face do presentemente expendido, improcederá também neste particular o Recurso interposto, mostrando-se legitima a compensação feita, decorrente da reconvenção apresentada.

* * *
Em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, ainda que com base em divergente fundamentação de direito, em negar provimento ao recurso, mantendo o sentido do segmento decisório recorrido.
Custas pelo Recorrente

Porto, 5 de Fevereiro de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Luís Migueis Garcia