Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01256/10.6BEPRT |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 10/31/2024 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES |
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Descritores: | EXAME CRÍTICO DA PROVA; FALTA DE APRECIAÇÃO; FALTA DE FACTOS; |
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Sumário: | I. A nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto, abarca não apenas a falta de discriminação dos factos provados e não provados, a que se refere o artigo 123º, nº 2 do CPPT, mas também a falta de exame crítico das provas, prevista no artigo 659º, nº 3 do CPC. II. A exigência de fundamentação da sentença tem naturalmente várias valências, pois que, num primeiro momento, serve para impor ao juiz da causa que pondere e reflita criticamente sobre a decisão, mas também para permitir que as partes, ao recorrerem da sentença, estejam na posse de todos os elementos que determinaram o sentido da decisão e, por último, torna possível ao Tribunal de recurso apreciar o acerto ou desacerto da sentença recorrida. III. A inobservância da fixação de factos, do dever legal de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e, mais concretamente, a mera referência genérica aos meios de prova em que sustentou o julgado omitindo uma análise crítica dos mesmos, faz com que o tribunal de recurso também fique impedido de sindicar o erro de julgamento invocado pela recorrente.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Conceder parcial provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 10.10.2023, a qual julgando procedente a Impugnação Judicial deduzida por [SCom01...] Holding, S.A. contra a liquidação adicional de IRC de 2005 e respectivos juros, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional. Alegou, formulando as seguintes conclusões: «(…) A- Vem o presente recurso interposto contra a sentença proferida nos presentes autos que julgou a impugnação procedente e determinou a anulação da liquidação adicional de IRC nº ...14 referente ao exercício de 2005, da demonstração de acerto de contas nº ...82 e da demonstração de liquidação de juros compensatórios nº ...50 no montante total de € 704.188,56. B- A Fazenda Pública não se conforma com o decidido quanto às despesas não documentadas e/ou confidenciais - conta 7169 e conta 741239 -, bem como quanto ao benefício fiscal da criação líquida de emprego jovem, cingindo-se o presente recurso às mesmas, por ter incorrido a sentença proferida pelo Tribunal a quo em erro de julgamento de facto e de direito nomeadamente do artigo 23º, artigo 42º, nº 1, alínea g) do CIRC e ainda do artigo 17º do EBF. C- A impugnante, não obstante notificada para o efeito, não apresentou em sede de inspeção nem em sede de direito de audição, qualquer documento de suporte relativamente à conta “7169” - € 1.438,11. D- Em sede de impugnação a impugnante veio juntar o documento 8 relativamente ao valor de € 1.438,11 referente segundo a própria a diversos serviços bancários prestados por terceiros à [SCom02...] no âmbito da sua atividade. E- O documento 8 apresentado e organizado pela impugnante na douta p.i. de impugnação é composto por vários anexos que têm uma sequência numérica aleatória, conforme se pode aferir dos mesmos. F- Com vista à prova do alegado na p.i. relativamente ao valor de € 1.438,11 a impugnante exibe o anexo 111 e o anexo 12 (insertos no documento 8). G- O anexo 111 não é mais do que um mapa avulso elaborado manualmente; o anexo 12 é um mapa que pretende refletir o extrato da conta “7169 – Outros”, contudo não se encontra certificado nem ratificado contabilisticamente. H- O único alegado suporte documental apresentado, é uma listagem de diversas despesas na qual imputa à conta “7169” apenas € 342,74, inferior, portanto ao valor corrigido que como supra se referiu se cifrou em € 1.438,11. I- O documento 8 e os seus anexos 111 e 12 não podem ser considerados documentos de suporte aptos a demonstrar a indispensabilidade dos custos nem sequer a aceitação fiscal dos custos, pois não dá cumprimento ao vertido no artigo 23º do CIRC. J- O artigo 115º, nº 3, alínea a) do CIRC refere que “na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte: a) todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário”. K- A inexistência de documento de suporte legalmente exigido para os custos em causa, implica de imediato a sua não dedutibilidade para efeitos fiscais de acordo com o estipulado no artigo 42º do CIRC nº 1 alínea g) que estabelece de forma clara que “não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável (…) os encargos não devidamente documentados.” L- O artigo 23º, nº 1 do CIRC dispõe à data dos factos que consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. M- O artigo 23º do CIRC deve ser interpretado conjuntamente com o artigo 42º do mesmo Código. N- Para efeitos de dedução de custos nos termos do artigo 23º e alínea g) do nº 1 do artigo 42º do CIRC não basta a comprovação da realização da despesa e da respetiva indispensabilidade para a realização dos proveitos da empresa, mesmo que a impugnante o tivesse feito, pois exige-se sempre que os encargos estejam documentados e exista conexão entre o documento apresentado e o registo contabilístico. O- O Tribunal a quo não procedeu à análise fundamentada do documento 8 e seus anexos para poder determinar a aceitação das despesas como custos do exercício e ainda que os mesmos fazem prova clara da indispensabilidade dos mesmos para a formação dos proveitos da [SCom02...]. P- No que concerne à conta “741239 – Deslocações, Estadas e Representações - Outras” da [SCom02...], no decurso da ação inspetiva a impugnante foi notificada para apresentar documentos justificativos e comprovativos dos custos mencionados naquela conta. Q- Em sede de direito de audição a impugnante juntou o documento 18 tendo sido o mesmo aceite para justificação de parte da correção inicialmente proposta de € 34.493,87, contudo dado que não foram apresentados os documentos de suporte, para a sua aceitação fiscal, foi mantida a correção relativamente a alguns registos no montante de € 21.465,49. R- Em sede de impugnação a impugnante veio juntar com a p.i. o documento nº 9, por si organizado, que mais não passa de documentos avulsos que não foram exibidos em sede própria, ou seja, durante o processo inspetivo e no exercício do direito de audição, pois a sua junção em sede de impugnação não permite fazer corresponder os documentos apresentados às respetivas contas correntes, uma vez que as mesmas não foram exibidas em sede de impugnação, nem existe forma de as obter. S- Sem as contas correntes é impossível validar os documentos apresentados, não garantindo, por esse motivo, que a soma de tais documentos correspondam a parte do valor registado contabilisticamente na conta “741239 – Despesas de representação”, pelo que o Tribunal a quo sem proceder à análise fundamentada dos mesmos T- Atendendo a que não consta dos autos as contas correntes/balancetes para poder ser possível validar os documentos apresentados e garantir que a soma de tais documentos correspondam a parte do valor registado contabilisticamente na conta “741239 – Despesas de representação” nunca poderia o Tribunal a quo decidir apenas com base no documento 9 junto com a p.i., e sem qualquer análise ao mesmo, que aquelas despesas deixam de poder ser qualificadas como despesas não documentadas, e assim anular a liquidação adicional parte correspondente a esta correção, bem como a resultante da tributação autónoma. U- O Tribunal a quo nunca poderia ter validado documentos que não tinha a certeza que estavam efetivamente relevados contabilisticamente nas contas respetivas. V- De acordo com o artigo 17º do EBF o benefício apenas aproveita à criação líquida de emprego para jovens com idade não superior a 30 anos admitidos por contrato de trabalho sem termo, sendo estes os requisitos a comprovar pelo beneficiário do benefício fiscal. W- Para prova do cumprimento daqueles requisitos a impugnante escassamente deu a conhecer, em sede de ação inspetiva, algumas cópias das folhas de remuneração remetidas à Segurança Social para efeitos de liquidação e cobrança da taxa social única, folhas estas de remuneração que apenas dão uma perspetiva parcial do panorama contributivo da empresa relativamente a determinados trabalhadores, mas não indicam qual o tipo de contrato que as suporta, ou seja, se se trata de um contrato a termo ou sem termo, não ressalta que à data do exercício em exame, os trabalhadores em causa tenham permanecido vinculados com base em contrato de trabalho por tempo indeterminado ou que se encontrem preenchidos os restantes requisitos conditio sine qua non para o aproveitamento do benefício, nomeadamente se existiu criação líquida de emprego relativa à contratação sem termo de jovens. X- Contrariamente ao vertido na sentença proferida pelo Tribunal a quo a DSIT não procedeu à correção pelo simples facto da impugnante não ter apresentado contratos de trabalho reduzidos a escrito, mas antes porque a impugnante na ausência daqueles contratos reduzidos a escrito não apresentou elementos probatórios que permitissem aferir e comprovar os requisitos insertos no artigo 17º do EBF e assim poder usufruir do benefício fiscal. Y- O Tribunal a quo apenas com as folhas de remuneração enviadas à Segurança Social e com o documento nº 14 junto com a p.i., que mais não passa de recibos de vencimento, erradamente, demonstra a existência de vínculos laborais daqueles trabalhadores, em conformidade com o artigo 17º do EBF. Z- Quer as folhas de remuneração, quer os recibos de vencimento apenas indicam que existe um vinculo laboral entre a entidade patronal e aquele trabalhador, mas para o que interessa aos presentes autos, não nos dão a conhecer em que data tiveram início os contratos de trabalho e quando terminaram, a idade dos contratados, se se tratam de jovens com idade até aos 30 anos, se se tratam de contratos por tempo indeterminado, e se após o terminus do contrato de trabalho os pressupostos se mantiveram. AA- Dispõe o artigo 6.º, n.º 7 do RCP que nas causas de valor superior a € 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. BB- A dispensa do remanescente da taxa de justiça prevista neste preceito legal depende, portanto, da verificação de três requisitos cumulativos: valor superior a €275.000,00, a simplicidade da causa e a conduta das partes facilitadora e simplificadora do trabalho desenvolvido pelo tribunal. CC- No caso sub judice, justifica-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida à luz do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, uma vez que as questões a decidir não se afiguraram particularmente complexas, a conduta processual das partes foi a legalmente prevista, não merecendo qualquer reparo ou censura. DD- Desta forma, e pelo exposto, a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de erro de julgamento de facto e de direito nomeadamente do artigo 23º, artigo 42º, nº 1, alínea g) do CIRC e ainda do artigo 17º do EBF. Termos em que, Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências. Mais requer a Fazenda Pública, a dispensa do pagamento do acréscimo de taxa de justiça devida por cada € 25.000,000 ou fração acima dos € 275.000,00, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), bem como a dispensa do pagamento do remanescente acima dos € 275.000,00 ao abrigo do nº 7 do artigo 6º do RCP, na conta de custas a elaborar a final.» 1.2. O Recorrido ([SCom01...] Holding SGPS, S.A.), notificado da apresentação do presente recurso não apresentou contra-alegações: 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 2187 do SITAF, com o seguinte teor “Porquanto isenta de erros de julgamento, entendemos ser de confirmar a sentença recorrida.” 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. Questões a decidir: Conforme deflui do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 2, ambos do CPC, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem é delimitado em função do teor das conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida), só sendo lícito ao tribunal de recurso apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente por imperativo do artigo 660º ex vi do artigo 713º, nº 2, do citado diploma legal, todos ex vi artigo 281º do CPPT. Dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo Recorrente respigam-se como questões solvendas as seguintes, alinhadas segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas: - Do pretenso erro de julgamento decorrente da incorrecta dedução de consequências jurídicas a partir dos documentos junto pela Impugnante, a saber n.º 8, 9 e 14, sobre os quais não recaiu qualquer análise fundamentada. - Da dispensa do remanescente da taxa de justiça. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 De facto 2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação: «1) O Impugnante exerce a atividade de gestão das participações sociais noutras sociedades, como forma indireta do exercício de atividades económicas, sendo a sociedade dominante do designado Grupo ... que vem aplicando desde 2003 o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) previsto no artigo 63º e seguintes do Código do IRC; 2) À data dos factos que deram origem à liquidação adicional em apreço, i.e., em 31 de dezembro de 2005, além do Impugnante, faziam parte do Grupo as seguintes sociedades: » [SCom02...], SA (adiante “[SCom02...]”), sociedade que, com efeitos a 1 de janeiro de 2005, incorporou por fusão a sociedade também pertencente ao [SCom03...], SA (adiante “[SCom03...]”); » [SCom04...], SA (adiante “[SCom04...]”); » [SCom05...], SA (adiante “[SCom05...]”); » [SCom06...], SA (adiante “[SCom06...]”); 3) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI20.....52, de 11 de maio de 2009, foi realizada uma ação de inspeção interna de âmbito parcial à declaração de rendimentos modelo 22 de IRC de 2005, do Grupo tributado de acordo com o RETGS, levada a cabo pela Divisão de Inspeção a Seguradoras e Sociedades Financeiras da Divisão de Serviços de Inspeção Tributária (DSIT); 4) Aquela ação terminou com a emissão do respetivo Relatório de Inspeção, que contém as seguintes correções em sede de IRC: (i) Encargos Financeiros não aceites como custo fiscal (Impugnante): € 15.731,73; (i) Majoração das quotizações a favor de associações empresariais ([SCom05...]): € 2.517,05; (iii) Provisão para crédito vencido ([SCom02...]): € 3.182,00; (iv) Reintegrações excessivas – Obras em imóveis arrendados ([SCom02...]): € 72.427,07; (v) Despesas não documentadas e/ou confidenciais ([SCom02...]): € 450.513,55; (vi) Custos não devidamente documentados ([SCom02...]): € 133.672,78; (vii) Custos não aceites nos termos do artigo 23º do Código do IRC ([SCom02...]): € 46.030,30; (viii)Encargos da responsabilidade de terceiros – Imposto do Selo – Contratos financeiros ([SCom02...]): € 611.327,59; (ix) Benefício fiscal – Criação líquida de emprego jovem ([SCom02...]): € 91.686,80; (x) Tributação autónoma – Despesas não documentadas e/ou confidenciais ([SCom02...]) – € 224.577.75; - cf. doc. junto com a p.i. sob o n.º 4; 5) No âmbito da referida inspeção a DSIT apurou, um montante de € 1.427.088,71 de correções à matéria coletável, e de € 224.577,75 correspondentes a tributação autónoma – cf. RIT; 6) Do RIT a que se alude em 4. consta, no que releva para estes autos, o seguinte: “[…] I.4. Descrição sucinta das conclusões da ação de inspeção I.4.1. Correções à Matéria Tributável [Imagem que aqui se dá por reproduzida] I.4.2. Imposto em falta [Imagem que aqui se dá por reproduzida] […] III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES RESULTANTES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO […] III.1. Correções à Matéria Tributável do Grupo [Imagem que aqui se dá por reproduzida] III.2. Imposto em falta [Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida] 7) As correções à Matéria Tributável do Grupo a que se alude na al. anterior, nos pontos 1.3 a 1.9 tiveram como suporte os fundamentos apontados no Relatório de Inspeção Tributária elaborado na sequência do procedimento inspetivo de que a sociedade dominada [SCom02...] foi alvo, que consta como anexo 2 ao RIT a que se alude nas als. Anteriores. Do qual consta: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] […] - cf. anexo 2 do RIT a que se alude supra; 8) Em consequência das correções efetuadas pela DSIT, foi o ora Impugnante notificado da liquidação adicional de IRC, aqui impugnada, respeitante ao exercício de 2005, com o n.º ...14, de 14 de dezembro de 2009, da demonstração de acertos de contas nº ...82 e da demonstração de liquidação de juros compensatórios nº ...50, estas últimas de 16 de dezembro de 2009, no montante total de € 704.188,56 (setecentos e quatro mil cento e oitenta e oito Euro e cinquenta e seis cêntimos); 9) O Impugnante aceitou uma parte das correções efetuadas pela DSIT na mencionada ação de inspeção ao exercício de 2005, tendo efetuado o pagamento do imposto correspondente às correções mencionadas nos pontos (i), (ii) e (iii) – cf doc. junto com a p.i. sob o n.º 5; 10) A [SCom02...], SA, socorre-se na sua atividade de pessoas externas à sociedade que a recomendam ou promovem na celebração de contratos de financiamento – cfr. testemunho de «AA» e de «BB»; 11) Os angariadores recebem como contraprestação deste serviço uma comissão – cfr. testemunho de «AA» e de «BB»; 12) São ainda realizadas campanhas de promoção nos termos dos quais os angariadores, por via de um sistema de acumulação de alcance de plafons, obtêm direito a receber determinados prémios à sua escolha – cfr. testemunho de «AA» e de «BB» e documentos juntos aos autos a fls. 784 a 793 do processo físico; 13) No âmbito dessas campanhas e atingido o direito ao prémio, por alcance do plafond necessário, cabe ao angariador escolher o premio que pretende, de entre várias alternativas, bem como o momento em que o reclama face aos pontos obtidos ou que prevê vir a obter – cfr. testemunho de «AA»; 14) O angariador quando recebe o prémio assina um documento, assumindo a receção do mesmo, no qual se encontra discriminado o prémio recebido - cfr. testemunho de «AA» e documentos 4 a 655 a fls. 33 a 680 do processo físico; 15) A [SCom02...], SA elabora listagem de prémios de campanha de onde decorre a identificação do beneficiário, NIF, bem atribuído, o valor do bem atribuído e o momento da entrega – cfr. fls. 724 a 728, 794 a 799 do processo físico; 16) A [SCom02...], SA vai adquirindo ao longo do exercício diversos bens à medida que vai verificando, por análise da situação da acumulação de pontos de cada um, poderem estes ser reclamados pelos angariadores – cfr. testemunho de «AA» e de «BB». ** Factos não provados Não se mostram provados outros factos, além dos supra referidos. ** Motivação da decisão de facto O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados - artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT), foram corroborados pelos documentos juntos, conforme preestabelece o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil (CC), o posicionamento assumido pelas partes nos seus articulados, bem como pela prova testemunhal produzida em sede da diligência de inquirição de testemunhas levada a cabo. No que respeita à prova testemunhal, a formação da convicção do Tribunal baseou-se essencialmente numa apreciação livre (cfr. artigo 396.º do Código Civil e artigo 607.º n.º 5 do CPC), atendendo, para tal efeito, à razão de ciência apresentada pela testemunha inquirida e recorrendo, ainda o Tribunal, às regras da experiência comum. Com efeito, foi a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova conjugada que, à luz da experiência, sedimentaram a convicção do Tribunal. «AA», Diretor de Controlo de Crédito, é funcionário do Grupo económico na qual se integra a Impugnante. Foi diretor Comercial da [SCom02...] pertencente à Impugnante desde outubro de 1997 até princípios de 2007 Foi questionado a toda a matéria de facto constante da petição inicial. Prestou depoimento de forma espontânea e credível, tendo demonstrado deter conhecimentos diretos e concretos dos factos a que foi questionado. «BB», TOC, exerceu funções no [SCom01...], empresa do Grupo, como assistente administrativo desde maio de 1999 até 2008. Atualmente, exerce funções de chefia no departamento de TOC da [SCom02...] desde 2009. Foi questionado a toda a matéria de facto constante da petição inicial, tendo respondido de forma clara, espontânea e séria. A convicção do Tribunal quanto aos pontos 10 e seguintes da matéria de facto assente resultou dos testemunhos claros de «AA» e de «BB», uma vez que ambos explicaram ao Tribunal como funcionava a atividade prosseguida pela [SCom02...], SA (doravante somente [SCom02...]), recorrendo esta a pessoas externas à sociedade que a recomendam ou promovem na celebração de contratos de financiamento na medida em que se mostra muito mais económico do que deter um funcionário em cada um desses locais, bem como quanto à forma de pagamento dos serviços prestados pelos angariadores e, ainda, como funcionava a atribuição de prémios. Mensalmente os angariadores eram informados do valor acumulado de produção e em que patamar estariam. Por norma, tinham prémios disponíveis para conseguir fazer uma entrega rápida, por forma a conseguir provir a necessidade do angariador.» 2.2. De direito Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na qual se julgou totalmente procedente a impugnação intentada pela ora segunda Recorrente ([SCom01...] Holding, SGPS, S.A.) contra a liquidação adicional de IRC nº ...14 referente ao exercício de 2005, da demonstração de acerto de contas nº ...82 e da demonstração de liquidação de juros compensatórios nº ...50 no montante total de € 704.188,56. No âmbito da ação inspetiva interna parcial da declaração Modelo 22 de IRC do grupo [SCom01...] Holding SGPS, S.A., credenciada pela ordem de serviço OI20.....52, com referência ao exercício de 2005, foram efetuadas correções de natureza meramente aritmética à matéria tributável, sendo que pela presenta acção foi questionada a legalidade das seguintes correcções: Reintegrações excessivas – Obras em imóveis arrendados ([SCom02...]): € 72.427,07; Despesas não documentadas e/ou confidenciais ([SCom02...]): € 450.513,55; Custos não devidamente documentados ([SCom02...]): € 133.672,78; Custos não aceites nos termos do artigo 23º do Código do IRC ([SCom02...]): € 46.030,30; Encargos da responsabilidade de terceiros – Imposto do Selo – Contratos financeiros ([SCom02...]): € 611.327,59; Benefício fiscal – Criação líquida de emprego jovem ([SCom02...]): € 91.686,80 e, Tributação autónoma – Despesas não documentadas e/ou confidenciais ([SCom02...]) – € 224.577.75., em conformidade com delimitação do objecto da impugnação fixado pelo Tribunal a quo. Saliente-se que os referidos custos têm a sua génese numa das sociedades participadas da [SCom01...] Holding SGPS, S.A. (Recorrida), mais concretamente da [SCom02...], S.A., sendo que esta última integra o grupo encabeçado pela aludida Recorrida que optou pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades. Perante a procedência total da acção e a posição recursória da AT, impõe-se delimitar o objeto do presente recurso jurisdicional. Sendo que, atentas as conclusões e alegações, a Recorrente, não se conforma com o decidido quanto às despesas não documentadas e/ou confidenciais - conta 7169 e conta 741239 -, bem como quanto ao benefício fiscal da criação liquida de emprego jovem, por ter incorrido a sentença proferida pelo Tribunal a quo em erro de julgamento de facto e de direito nomeadamente do artigo 23º, artigo 42º, nº 1, alínea g) do CIRC e ainda do artigo 17º do EBF, cingindo-se o presente recurso às mesmas, pelo que quanto ao mais decidido a falta de ataque determina o seu trânsito. Dito isto, avancemos. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, e suprarreferido, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. Nas suas conclusões, C a O, a Recorrente põem em causa a idoneidade do documento n.º 8 junto com a petição pela Impugnante e afirma “O Tribunal a quo não procedeu à análise fundamentada do documento 8 e seus anexos para poder determinar a aceitação das despesas como custos do exercício e ainda que os mesmos fazem prova clara da indispensabilidade dos mesmos para a formação dos proveitos da [SCom02...]” [conta 7169]. Mais, desenvolve a mesma argumentação quanto à conta 741239 – conclusões P a U, aí afirmando “...o Tribunal a quo sem proceder à análise fundamentada” decidiu relevar o documento n.º 9. Por último, e quanto ao benefício fiscal da criação líquida de emprego jovem, conclusões V a Z, a Recorrente objecta que “O Tribunal a quo apenas com as folhas de remuneração enviadas à Segurança Social e com o documento nº 14 junto com a p.i., que mais não passa de recibos de vencimento, erradamente, demonstra a existência de vínculos laborais daqueles trabalhadores, em conformidade com o artigo 17º do EBF. /Quer as folhas de remuneração, quer os recibos de vencimento apenas indicam que existe um vinculo laboral entre a entidade patronal e aquele trabalhador, mas para o que interessa aos presentes autos, não nos dão a conhecer em que data tiveram início os contratos de trabalho e quando terminaram, a idade dos contratados, se se tratam de jovens com idade até aos 30 anos, se se tratam de contratos por tempo indeterminado, e se após o terminus do contrato de trabalho os pressupostos se mantiveram.”. Vejamos se lhe assiste razão. Se bem escrutinamos as conclusões de recurso as mesmas reconduzem-se a falta de apreciação critica dos documentos e de motivação do julgamento no que concerne aos documentos n.º 8, 9 e 14 juntos com a petição, na exacta medida em que os mesmos foram determinantes para a não aceitação das correcções efectuadas supra identificadas, objecto do presente recurso, o que, a verificar-se, corresponde à nulidade da sentença prevista no artigo 125º, n.º 1 do CPPT. Como vimos, a sentença recorrida fixou os dezasseis factos que se deixaram transcritos: do primeiro ao nono, a dar nota da actividade da impugnante, da realização de inspecção, do relatório de inspecção e da notificação das liquidações de IRC impugnada e seu valor e da aceitação parcial de algumas das correcções; os factos décimo a décimo sexto dá nota da actividade da [SCom02...] e da caracterização da actividade nos termos em que a mesma se desenvolve, realização de campanhas, angariação de clientes, promoção, campanhas, cuja motivação assenta quer na prova testemunhal, quer em documentos como discorre da motivação, de que “A convicção do Tribunal quanto aos pontos 10 e seguintes da matéria de facto assente resultou dos testemunhos claros de «AA» e de «BB», uma vez que ambos explicaram ao Tribunal como funcionava a atividade prosseguida pela [SCom02...], SA (doravante somente [SCom02...]), recorrendo esta a pessoas externas à sociedade que a recomendam ou promovem na celebração de contratos de financiamento na medida em que se mostra muito mais económico do que deter um funcionário em cada um desses locais, bem como quanto à forma de pagamento dos serviços prestados pelos angariadores e, ainda, como funcionava a atribuição de prémios. / Mensalmente os angariadores eram informados do valor acumulado de produção e em que patamar estariam. Por norma, tinham prémios disponíveis para conseguir fazer uma entrega rápida, por forma a conseguir provir a necessidade do angariador.” Sendo que em momento algum, quer no julgamento de facto, quer na motivação que o integra, é dada nota dos documentos n.º 8, 9 e 14 a que alude a Recorrente, nem a ocorrências relevantes extraídas dos mesmos, nem sequer se explica a razão pela qual tal matéria não foi considera para efeito do julgamento de facto. E, tão mais estranho, quando os mesmos foram considerados e relevados para efeitos da análise jurídica, deles decorrendo tout court a procedência da pretensão formulada pela Impugnante aquando da junção aos autos de tais documentos, ou seja, da consideração dos custos e dos benefícios que no seu entender os mesmos documentavam no sentido de abalar a fundamentação da AT quanto aquelas mesmas correções. Para tanto, atentemos, na sentença recorrida, na parte reservada à aplicação do direito à subsunção jurídica e/ou da inexistência de fundamentação quantos aos documentos que permitam alcançar a motivação que lhe subjaz, que aqui se transcreve: «Conta 7169 – € 1.438,11 Este montante refere-se a despesas relativas a diversos serviços bancários prestados por terceiros à [SCom02...] no âmbito da sua atividade. Ainda, que em sede de procedimento inspetivo, o Impugnante, mais concretamente a [SCom02...], não tenha logrado juntar os documentos comprovativos, alegando, dificuldade da obtenção dos mesmos junto das entidades prestadoras desses serviços, procedeu agora à sua junção, cujas cópias constam como Documento nº 8, da p.i Assim, em face da apresentação de tais documentos comprovativos, e atendendo a que terá de se admitir a aceitação destas despesas como custos do exercício, nomeadamente pela clara indispensabilidade dos mesmos para a formação dos proveitos da [SCom02...], porquanto os mesmos decorrem do normal exercício da atividade da [SCom02...], deve ser anulada a liquidação adicional na parte correspondente a esta correção, bem como a que resulta da tributação autónoma que alegadamente incidiria sobre estas despesas. (...) Conta 741239 – € 21.465,49 O montante acima identificado corresponde aos custos desconsiderados pela DSIT no Relatório notificado ao Impugnante como fiscalmente relevantes, por, alegadamente, os mesmos não se encontrarem suportados pelas faturas respetivas. Ora, esclarece o Impugnante que tais custos dizem respeito a despesas de representação incorridas pela [SCom02...] e cujos documentos de suporte, aquando da ação inspetiva e do exercício do direito de audição, não se encontravam, de facto, na posse da [SCom02...] e do Impugnante. Não obstante, o Impugnante procedeu à junção de todos os documentos que comprovam tais despesas, cf. Cópias que constituem o Documento nº 9, da p.i. Nestes termos, e uma vez apresentados os documentos em falta, fica desprovida de sentido a fundamentação legal constante do Relatório emitido pela DSIT para justificar tal correção, já que as mesmas, por motivos óbvios, deixam de poder ser qualificadas como despesas não documentadas. Assim, deve, por este motivo, ser anulada a liquidação adicional na parte correspondente a esta correção, bem como a que resulta da tributação autónoma que alegadamente incidiria sobre estas despesas. (...) VI. DO BENEFÍCIO FISCAL DA CRIAÇÃO LÍQUIDA DE EMPREGO JOVEM – € 91.686,80 – art. 296.º a 327.º da p.i. Nesta matéria são desconsiderados pela DSIT € 91.686,80, relativos ao benefício fiscal de criação líquida de emprego jovem (CLE). (...) A inexistência de contratos de trabalho por tempo indeterminado reduzidos a escrito, determina que o Impugnante demonstre a existência de vínculos laborais com tais características, Pelo que, tendo presente as respetivas folhas de remuneração enviadas à Segurança Social, juntas pela [SCom02...] no direito de audição apresentado, que constam, portanto, do PA, bem como os respetivos recibos de vencimento, [cf. Documento nº 14, junto com a pi.], resulta demonstrada cabalmente a existência dos vínculos laborais entre a [SCom02...] e os seus trabalhadores. (...) É precisamente na ausência de redução a escrito dos contratos de trabalho, conjugada com a folhas de remuneração enviadas à Segurança Social, que reside a demonstração da perenidade dos vínculos laborais. Assim se preenchendo os requisitos estabelecidos pelo artigo 17º do EBF, porquanto estamos ante contratos de trabalho por tempo indeterminado, celebrados com jovens de idade não superior a 30 anos.» (fim de transcrição) Recuperando a análise feita no nosso acórdão deste TCA de 22.02.2024, no processo º 173/13.2BEMDL, dir-se-á que “No que toca à falta de especificação dos fundamentos de facto da sentença, tem-se entendido que esta nulidade envolve não apenas a falta de discriminação dos factos provados e não provados, a que se refere o artigo 123º, nº 2 do CPPT, mas também a falta de exame crítico das provas, previsto no artigo 607º, nº 4 do CPC. Efectivamente quanto às sentenças a proferir rege o art. 607º do CPC sobre a “Elaboração da sentença” que “(...) 2 - A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar. 3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final 4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. (...)” Como aponta Jorge Lopes de Sousa quanto à falta de especificação dos fundamentos de facto da sentença, Vide, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, vol. II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 358 “(...) esta falta não poderá deixar de reportar-se à fundamentação de facto exigida por este Código (leia-se, CPPT) e nele, ao contrário do que sucede no CPC (art.º 659º, nº3), exige-se não só a indicação dos factos provados, mas também dos não provados. Trata-se de uma exigência suplementar de fundamento de facto, não prevista no processo civil, que é a discriminação da matéria de facto não provada, cumulativamente com a provada. Na previsão desta norma, a indicação da matéria de facto não provada deve ser feita indissociavelmente da indicação da matéria de facto provada, como se depreende da expressão “o juiz discriminará também a matéria de facto provada da não provada”, o que pressupõe que essa discriminação seja feita concomitantemente. Sendo assim, a falta de discriminação da matéria de facto não provada, no domínio do contencioso tributário, será equiparável à falta de indicação da matéria de facto provada, para efeitos da nulidade prevista no art.º 125º, nº1 do CPPT”. Como é evidente, a exigência de tal discriminação dos factos provados e dos não provados só se justifica relativamente aos factos que se mostrem relevantes segundo as várias soluções plausíveis de direito [artigo 508º-A, nº1, al. e), 511º e 659º do CPC]. E, em acórdão também deste TCA Norte de 30.04.15, no processo º 730/09.1 BEPNF, a propósito se discorreu que “A exigência de fundamentação é justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou o veredicto do tribunal a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior exerça sobre elas a censura que se impuser. Dito de forma diversa, a fundamentação, para além de visar persuadir os interessados sobre a correcção da solução legal encontrada pelo Estado, através do seu órgão jurisdicional, tem como finalidade elucidar as partes sobre as razões por que não obtiveram ganho de causa, para as poderem impugnar perante o tribunal superior, desde que a sentença admita recurso, e também para este tribunal poder apreciar essas razões no momento do julgamento. Logo, o julgamento da matéria de facto é um momento essencial da realização da justiça constitucionalmente cometida aos tribunais. De acordo com o disposto no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. O juiz tem, por isso, o dever de se pronunciar sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão, discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica dos elementos de prova e especificando os fundamentos decisivos para a convicção formada - cfr. artigos 123.º, n.º 2, do CPPT. Exige-se assim, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida. “Não se trata, por conseguinte, de um mero juízo arbitrário ou de intuição sobre a realidade ou não de um facto, mas de uma convicção adquirida através de um processo racional, alicerçado - e, de certa maneira, objectivado e transparente - na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da Justiça” – cfr. J. Pereira Baptista, in Reforma do Processo Civil, 1997, pags 90 e ss. O exame crítico da prova deve consistir, assim, na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu num determinado sentido e não noutro. Logo, o julgador não se deve limitar a uma simples e genérica indicação dos meios de prova produzidos (v.g. “prova testemunhal” ou “prova por documentos”), impondo-se-lhe que analise criticamente essa prova produzida. Rectius, o tribunal deve justificar os motivos da sua decisão quanto à matéria de facto, declarando por que razão deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos, achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos particulares, etc. Não basta, pois apresentar como fundamentação, o mero elenco dos meios de prova, v.g., “os depoimentos prestados pelas testemunhas e a inspecção ao local”, sendo necessária a indicação das razões ou motivos porque relevaram no espírito do julgador - cf. António Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Volume, 2ª, edição, a págs. 253 a 256. Em suma, a fundamentação de facto não se deve limitar à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cogniscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre os pontos da matéria de facto - assim, Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, 2011, Vol. II, pág. 321”. E prosseguindo, “Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental), a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos (…). Mas, quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos relativamente aos quais essa apreciação seja necessária”, vide, Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, vol. II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 321 e 322. Como ensina M. Teixeira de Sousa “… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …”, vide, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, Lx 1997, pág. 348.” Volvemos, ao caso concreto em apreciação, cientes da composição do julgamento factual operado e do julgamento supratranscrito e aqui assacado em sede recursória. E, visto o probatório e da confrontação com o julgado, é para nós certo que o dever de fundamentação que vimos analisando não foi cumprido pelo tribunal a quo, designadamente no que concerne à análise crítica das provas e densificação, ou ausência total de transposição dos factos que se impunham perante a alusão aos documentos n.º 8, 9 e 14, dos quais foram retiradas sem mais as conclusões de procedência. Atente-se que o documento n.º 8 é composto por 14 folhas, o n.º 9 por mais de 700 folhas e o n.º 14 de 407 folhas. Efectivamente como resulta do exposto supra, aquando da transcrição do julgamento da matéria de facto, o Tribunal a quo absteve-se de transpôr para a matéria de facto provada e não provada um qualquer facto que emergisse dos documentos em análise (n.º 8, 9 e 14), não estabelecendo uma qualquer consideração sobre os mesmos em sede de motivação que permitisse aferir a apreciação critica relevada quanto aos mesmos. Vejamos. Em sede de subsunção jurídica dos factos ao direito, pasme-se, o Tribunal a quo refere-se em bloco aos documentos n.º 8, 9 sem deles retirar um qualquer facto, o que per si seria um erro da estrutura lógica da sentença, mas que ainda assim seria talvez susceptível de alcançar da valoração e apreciação critica dos documentos, num “salto mortal” conclui que a Impugnante fez prova das despesas (não se sabe quais) como custos do exercício. E, o mesmo se diga do documento n.º 14, em que se limita a concluir que dos recibos de vencimento juntos é possível concluir que estamos perante contratos de trabalho por tempo indeterminado, celebrados com jovens de idade não superior a 30 anos – que contratos, que trabalhadores, qual a idade dos mesmos, qual o período, tudo isto é omisso do julgamento de facto e, o que temos é uma extrapolacção de que os pressupostos quanto aos trabalhadores que AT não reconheceu o direito ao benefício está provado por força daquele documento . Ora, não é apreensível, na miríade dos documentos em menção juntos aos autos, e que em concreto foram tidos, diremos nós em abstracto tidos como uma verdade absoluta, não conseguimos descortinar, nem ficcionar quais os factos e, como tal este Tribunal ad quem ignora por completo o processo avaliativo e critico que norteou o julgamento sindicado. Assim, resulta imperscrutável o real juízo valorativo e crítico da prova que recaiu sobre os documentos mencionados, a que acresce a total ausência de factos careados ao probatório sobre a factualidade a que os mesmos se reportam por inferência do alegado em sede de petição. Está, pois, comprometida a exigência legal da explicitação mínima do exame crítico das provas, o que de todo inviabilizada a compreensão dos motivos da decisão, ou seja, das razões que, do ponto de vista do Tribunal a quo, foram decisivas para se decidir como decidiu, nos segmentos refutados pela Recorrente. Aliás, e como sem esforço se percebe, esta actuação do Tribunal a quo, de omissão dos factos, dificulta em muito a impugnação da matéria de facto e o cumprimento do ónus que, a este propósito, recai sobre o Recorrente. Note-se que esta nulidade - falta de especificação dos fundamentos de facto da sentença – corresponde, a montante, à exigência de fundamentação da sentença, no que respeita à fixação da matéria de facto, tal como prevê o artigo 123º, nº2 do CPPT - “O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”. Tal fundamentação consiste, como se percebe, na indicação dos meios de prova que foram considerados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, por forma a serem exteriorizadas as razões pelas quais se decidiu num certo sentido e não noutro qualquer. A exigência de fundamentação da sentença tem naturalmente várias valências, pois que, num primeiro momento, serve para impor ao juiz da causa que pondere e reflicta criticamente sobre a decisão, mas também para permitir que as partes, ao recorrerem da sentença, estejam na posse de todos os elementos que determinaram o sentido da decisão e, por último, torna possível ao Tribunal de recurso apreciar o acerto ou desacerto da sentença recorrida. Como ensina M. Teixeira de Sousa “… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …” Vide, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, Lx 1997, pág. 348. Por outro lado, como bem salientou Tomé Gomes, in “Da sentença cível”, in “O novo processo civil”, caderno V, e-book publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, jan. 2014, p. 39, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos, «(…) a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.» Tendo presente estas considerações, estamos convictos que as mesmas em nada beliscam a conclusão de que, no caso em análise se verifica efectivamente uma das raras ocasiões em que importa considerar verificado o vício da nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e de direito, na medida em que como expusemos, a sentença recorrida não permite o escrutínio das razões que conduziram à decisão proferida a final, sendo incongruente com o objecto as razões de direito em que estriba. Feito este parêntesis em que assenta a nossa indignação, pois não alcança este Tribunal ad quem o percurso cognitivo ou outro conducente à procedência da acção, volvemos à nulidade tout court, tal e qual nos é suscitada pela Recorrente, com ênfase na ausência de apreciação critica sobre os documentos em que assenta o julgado que aqui impugna. Portanto, face ao exposto, há que, reconhecer que a sentença recorrida padece da nulidade consubstanciada na não especificação dos fundamentos de facto da decisão (artigo 125º, nº1 do CPPT), pois não discrimina em sede de julgamento de factos, factualidade não discriminada, mas que em termos generalistas assenta o seu julgamento ao remeter para os documentos juntos com a petição, omitindo ainda um qualquer exame crítico sobre os mesmos, a saber motivação. Vimos já que, com o presente recurso, a Recorrente pretende que o Tribunal, além do mais, aprecie e decida os eventuais erros de julgamento da matéria de facto (mas quais facto, não indica, nem podia) por errada valoração da prova e, também, erro de julgamento da matéria de direito nomeadamente do artigo 23º, artigo 42º, nº 1, alínea g) do CIRC e ainda do artigo 17º do EBF. Porém, no caso, tal não se afigura possível. Como se disse em acórdão deste TCAN, de 18.01.12, proferido no âmbito do processo n.º 191/04, “A fundamentação da matéria de facto provada e não provada em primeira instância, a explicação crítica por parte do julgador de tal matéria, é essencial para que o Tribunal de recurso se possa pronunciar sobre a mesma, caso venha a ser posta em causa em sede de recurso. Inexistindo nesta decisão recorrida tais razões, fica, de modo inexorável, este Tribunal de recurso coarctado e impedido de exercer plenamente os seus poderes, não podendo decidir, de facto e de direito, como lhe compete”. Para mais, aditamos nós, inexiste qualquer silogismo entre a matéria de facto provada, que permita estabelecer ou percecionar tais razões na sentença recorrida, na parte reservada à aplicação do direito aos factos que nesta sede vem assacado. Assim sendo, limitar-nos-emos a declarar a nulidade parcial da sentença recorrida, com a consequente remessa dos autos ao tribunal de primeira instância para prolação de nova decisão expurgada da insuficiência apontada. O recurso merece, assim, provimento. 2.3. Da dispensa do remanescente da taxa de justiça Preceitua o artigo 6.º, n.º 7 do RCP que nas causas de valor superior a € 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. A dispensa do remanescente da taxa de justiça prevista neste preceito legal depende, portanto, da verificação de dois requisitos cumulativos: a simplicidade da questão tratada e a conduta das partes facilitadora e simplificadora do trabalho desenvolvido pelo tribunal. No caso, entendemos que se justifica a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso à luz do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, uma vez que as questões a decidir no recurso não se afiguraram particularmente complexas, a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo e o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida se afiguraria (não havendo dispensa do pagamento do remanescente) algo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado. 2.4. Conclusões I. A nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto, abarca não apenas a falta de discriminação dos factos provados e não provados, a que se refere o artigo 123º, nº 2 do CPPT, mas também a falta de exame crítico das provas, prevista no artigo 659º, nº 3 do CPC. II. A exigência de fundamentação da sentença tem naturalmente várias valências, pois que, num primeiro momento, serve para impor ao juiz da causa que pondere e reflita criticamente sobre a decisão, mas também para permitir que as partes, ao recorrerem da sentença, estejam na posse de todos os elementos que determinaram o sentido da decisão e, por último, torna possível ao Tribunal de recurso apreciar o acerto ou desacerto da sentença recorrida. III. A inobservância da fixação de factos, do dever legal de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e, mais concretamente, a mera referência genérica aos meios de prova em que sustentou o julgado omitindo uma análise crítica dos mesmos, faz com que o tribunal de recurso também fique impedido de sindicar o erro de julgamento invocado pela recorrente. 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder parcial provimento ao recurso, julgando parcialmente nula a sentença recorrida na parte impugnada, ordenar a remessa do processo ao Tribunal Tributário do Porto, a fim de aí ser proferida nova decisão onde se supra o apontado vício. Custas a cargo da Recorrida, sem prejuízo da dispensa do remanescente da Taxa de Justiça concedida nesta sede. Porto, 31 de outubro de 2024 Irene Isabel das Neves (Relatora) Cristina Maria Santos da Nova (1.ª Adjunta) Paulo Moura (voto a decisão) (2.º Adjunto) |