Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00561/13.4BEAVR |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 01/16/2025 |
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Tribunal: | TAF de Aveiro |
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Relator: | IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES |
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Descritores: | CÓDIGO ADUANEIRO COMUNITÁRIO; CONTROLE DE MERCADORIAS IMPORTADAS; OLAF; ÔNUS DA PROVA; DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO; BOA FÉ NO ARTIGO 220º, N.º 2 DO CAC; |
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Sumário: | I. A fundamentação do acto administrativo (tributário) é um conceito relativo, devendo concluir-se pela sua existência quando um destinatário normal, presumido na posição dos interessados em concreto, não tenha dúvidas acerca das razões (factuais e (ou) jurídicas) que motivaram a decisão. II. Como decorre do disposto no artigo 78.º, n.º 3, do CAC, o ónus da prova de que as mercadorias importadas estão em condições de beneficiarem de uma dada preferência pautal cabe aos operadores económicos interessados. III. Não é sobre a Alfândega que recai o dever de diligenciar no sentido de confirmar ou infirmar as conclusões do relatório do OLAF. Esse, ónus da prova, impende sobre a Recorrida, pois é a esta que compete o ónus da prova da confirmação ou infirmação daquela conclusão, demonstrando a real origem dos produtos por si adquiridos. IV. No âmbito de um control a postrriori o ónus da prova da AT pode bastar-se pela articulação de factos-índice reunidos por aquela, à luz das regras da experiência comum, que devem ser objetivos e tão concretos quanto possível, que conduzem à certeza prática de que as declarações aduaneiras poderão ser inexatas. V. Consagra o artigo 220.º, n.º 2, alínea b), do Código Aduaneiro Comunitário, a impossibilidade de registo de uma liquidação a posteriori do montante da liquidação dos direitos legalmente devidos, desde que se encontrem reunidos, em simultâneo, quatro condições, sendo a primeira delas que o registo da liquidação em montante inferior ao legalmente devido derive de um erro ativo das próprias autoridades aduaneiras, estando assim excluídos os erros resultantes da simples aceitação de elementos ou documentos juntos à declaração aduaneira, que se revelem posteriormente incorretos.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A Alfândega de Leixões, (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 31.12.2014, que julgando procedente a impugnação intentada por [SCom01...], S.A. (Recorrida) contra liquidação de IVA, direitos aduaneiros, direitos anti-dumping e juros no valor de 38.089,03€, inconformada veio dela recorrer. Alegou, formulando as seguintes conclusões: «(…) I. O objecto do presente recurso é a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 31.12.2014, proferida nos autos em epígrafe, dando provimento à impugnação apresentada pela firma [SCom01...]. S.A.: II. A douta sentença recorrida padece de vício de violação da lei ao considerar que não se encontra cumprido o ónus da prova por a liquidação se fundamentar no relatório do organismo europeu de luta contra a fraude (OLAF); III. inquéritos efetuados pelo OLAF, nos termos do disposto no nº 2 do art.9º do Regulamento (CE) no 1073 / 1999, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, constituem nas mesmas condições e com o mesmo valor que os relatórios administrativos elaborados pelos inspectores administrativos nacionais. elementos de prova admissíveis nos processos administrativos ou judiciais do Estado — Membro em que a sua utilização se revele necessária. IV. E. de acordo com a mesma norma, ficarão sujeitos às mesmas regras de apreciação que as aplicáveis aos relatórios administrativos elaborados pelos inspectores administrativos nacionais e terão idêntico valor: V. Além do mais. o OLAF é aplicado base no Regulamento (CE) no 515 / 97, do Conselho, de 13 de Março, sobre assistência mútua administrativa: VI. Assim. a douta sentença recorrida, nos seus fundamentos, fez errada interpretação do cumprimento do dever de fundamentação da decisão por parte da administração, pelo que padece de vício de violação de lei; VII. Contrariamente à fundamentação da douta sentença recorrida, a Administração Fiscal cumpriu o ónus da prova dos pressupostos do seu direito a proceder à liquidação tal como vem definido no art.74º, nº 1 da LGT: VIII. E, assim, o procedimento de liquidação não revela qualquer falha que mereça censura: IX. A douta sentença recorrida ao ter decidido dar provimento à impugnação pelas razões apontadas violou. o disposto no art.s 74º, nº 1 e 77º, nº 1 da LGT, bem como o art. 9º nº 2 do Regulamento (CE) 1073 / 1999. do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio. Nestes termos. a douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que declare que a liquidação efetuada não padece de vício de violação de lei por Falta de fundamentação que leve à sua anulação. Assim se procederá de acordo com a Lei e se fará Justiça.» 1.2. A Recorrida [SCom01...], S.A., notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações. 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 414 e ss. do SITAF, em que a final conclui que «(...) somos de parecer que a decisão da AT se encontra fundamentada e que os documentos juntos não foram objeto de apreciação crítica, pelo que deve ser considerado procedente o recurso.» 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, cumpre aferir se a sentença incorreu em errada valoração da prova e, consequente erro de julgamento de direito ao ter julgado procedente a impugnação. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto 2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação: «1 – Em nome da impugnante foi emitida a liquidação a posteriori e ora impugnada, cfr. fls. 53 destes autos e que aqui se dá por reproduzida. 2 – Por carta datada de 27.03.2013, foi a impugnante notificada para proceder ao pagamento da importância de € 38.089,03 liquidada no âmbito do processo de cobrança LEX/CA/PC-.../2013, cfr. fls. 44 e 45 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas. 3 – A liquidação identificada em 2), tem por base a informação constante destes autos a fls. 47 a 52 e que aqui se dão por integralmente reproduzidas, mas cujos extratos a seguir se transcrevem:”(…)Analisados os documentos que se encontram juntos ao DAU acima referido, constata-se que a empresa em causa declarou para introdução no consumo, regime 40 00, código pautal ...99, com o peso bruto de 42.000,00kg e peso liquido de 40.000,00, valor CIF Leixões USD 42.912,94, a que correspondeu o valor aduaneiro declarado de € 32.153,44,(…)A mercadoria em causa foi vendida pela empresa [SCom02...], com morada no nº 96, (…)Malaysia, tendo sido emitida a fatura comercial nº (…)mercadoria para a qual foi invocado o regime 4000 – preferência SPG(200), apresentado para o efeito o Form A, (…)emitido em Kuala Lumpur, Malaysia, tendo sido liquidado e cobrado IVA, taxa – 20%(…)A divisão de Informações, da Direcão de Serviços Antifraude Aduaneira(…)vem informar que investigação do OLAF(…)no âmbito da missão AM 16/2010, detetou que a mercadoria declarada no DAU mencionado no ponto 1 é de origem Chinesa não podendo beneficiar do regime preferencial SPG, devendo por isso ser cobrados direitos aduaneiros e anti-dumping que são devidos nas importações daquela mercadoria originária da China; (…)Pelas razões expostas no ponto anterior deve de ferro ou aço, do código (…)exportados pela empresa [SCom02...](…)uma vez que as mercadorias, segundo o OLAF, são de origem Chinesa(…)Em face da informação do OLAF(…), uma vez que o Form(…)é inválido pelas razões expostas, urge instruir processo de cobrança à posteriori para liquidar os direitos aduaneiros taxa TPT, direitos anti-dumping e IVA correspondente, assim como os juros compensatórios sobre o IVA e direitos aduaneiros, razão que originou o presente processo que foi registado no “Controlo Aduaneiro” sob o nº LEX/CA/PC-11/2013 de 2013/03/07.(…)”. 4 – Dá-se aqui por reproduzido o DAU e constante destes autos a fls. 55. 5 – Dá-se aqui por reproduzido o documento nº 3 junto com a petição inicial e que corresponde à fatura emitida pela [SCom02...], e constante destes autos a fls. 57 e 58. 6 – Dão-se aqui por reproduzidos os faxes constantes destes autos de fls. 83 a 85 remetidos pela Direção de Serviços Antifraude para a Alfândega de Leixões. 7 – Dá-se aqui por reproduzido o certificado de origem “CERTIFICATE OF ORIGEN”, emitido pela Malásia e constante do PA a fls. 14. 8 – A impugnante dedica-se ao fabrico e distribuição de parafusos, produtos de fixação e peças especiais. 9 – A impugnante procedeu ao pagamento da liquidação ora impugnada em 21.05.2013, cfr. fls. 62 destes autos e que aqui se dá por reproduzida. A matéria de facto dada como assente, tem por base os factos alegados e não impugnados e os documentos acima identificados e igualmente não impugnados. FACTOS NÃO PROVADOS: Inexistem com interesse para a presente decisão.» 2.1.2. Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do CPC ex vi artigo 281.º do CPPT, adita-se à matéria de facto o seguinte: 10. Em 3 de maio de 2012 foi expedido email por «AA», do OLAF - European Antifraud Office com o seguinte teor: “En référence à votre lettre Nº 245 du 7/03/12 et à votre conversation récente avec M. Luis Simões de Matos d’OLAF, je me réjouis que les Autorités portugaises aient pu marier des transbordements en Malaisie des produits concernés d’origine chinoise, avec des importations correspondantes au Portugal, respectivement: - 4 transbordements mentionnés dans l’Annexe 4 de la lettre d’OLAF du 13/10/11. - et 3 transbordements mentionnés dans l’Appendix D annexé à la lettre d’OLAF du 16/12/11. Quoique non concemées en principe par le point 5 de la lettre d’OLAF du 16/12/11, mais dês lors qu’il y a coïncidence entre les transbordements signalés par les Autorités malaisiennes et des importations au Portugak, les Autorités portugaises sont priés de procéder au recouvrement des droits de douane et des droits antidumping correspondant a ces envois dans les termes du point de la lettre d’OLAF du 16/12/11. (...)” [cf. fls. 27 do procedimento administrativo apenso, o qual não se determina a sua tradução porquanto este Tribunal ad quem está apto a alcançar e compreender o seu teor]; 11. Na sequência daquela informação foi elaborada proposta com o seguinte teor: “1- DOS FACTOS 1. A empresa [SCom01...], S.A., NIF ...27, com morada em ..., ..., ... ..., representada pelo despachante oficial Sr. «BB», cédula nº ... declarou para introdução em livre prática e consumo a mercadoria constante no documento administrativo único (DAU) n° 2010PT.............73 de 2010/05/12, processado na Alfândega de Leixões; 2. Analisados os documentos que se encontram junto ao DAU acima referido, constata-se que a empresa em causa declarou para introdução no consumo, regime 40 00, proveniente e com origem na Malásia, 56 caixas com "parafusos sextavados de ferro ou aço", código pautal ...99, com o peso bruto de 42.000,00 kg e peso liquido de 40.000,00, valor CIF Leixões USD 42.912,94, a que correspondeu o valor aduaneiro declarado de € 32.153,44; 3. O representante legal junto da alfândega foi o despachante oficial Sr. «BB», cédula nº ..., na modalidade de representação direta, com morada na Avenida ..., ... ...; 4. A mercadoria em causa foi vendida pela empresa [SCom02...], com morada no n° 96, 1 ½ ..., ..., ...50, ..., ..., Malaysia, tendo sido emitida a fatura comercial n° FT007-E de 08/03/2010, no valor de CIF Leixões USD 42.912,94, mercadoria para a qual foi invocado o regime 4000 - preferência SPG (200), apresentando para o efeito o Form A n° KL 2010/10577 de 08/04/2010, emitido em Kuala Lumpur, Malaysia, tendo sido liquidado e cobrado IVA, taxa - 20% no montante de € 6.528,18 e valor global da dívida aduaneira de € 6.529,93, através do registo de liquidação n° 2010/0353282 de 2010/05/12 e movimento de caixa n° 340-2010/0072267 de 2010/06/11; 5. A Divisão de Informações, da Direção de Serviços Antifraude Aduaneira, da Autoridade Tributária e Aduaneira, através de fax n° 122/2013 de 2013/03/01 (fls. 20 a 23), referenciando os fax n° 459/2012 de 2012/05/28 (fls.26) e n° 699/2012 de 2012/09/07 (fls 24) vem informar que investigação do OLAF (European Anti-Fraud Office) no âmbito da missão AM 16/2010 detetou que a mercadoria declarada no DAU mencionado no ponto 1 é de origem Chinesa não podendo beneficiar do regime preferencial SPG, devendo por isso ser cobrados direitos aduaneiros e antidumping que são devidos nas importações daquela mercadoria originária da China; 6. Pelas razões expostas no ponto anterior deverá ser recusado o regime preferencial SPG aos parafusos de ferro ou aço, do código NC 7318158999, exportados pela empresa [SCom02...]., uma vez que as mercadorias, segundo o OLAF, são de origem Chinesa; 7. Em face da informação do OLAF, uma vez que o Form A n° KL/2010/10577 de 08/04/2010 é inválido pelas razões expostas, urge instruir processo de cobrança à posteriori para liquidar os direitos aduaneiros taxa TPT, direitos antidumping e IVA correspondente, assim como os juros compensatórios sobre o IVA e direitos aduaneiros, razão que originou o presente processo que foi registado no "Controlo Aduaneiro" sob o n° LEX/CA/PC-11/2013 de 2013/03/07; II - DOS FUNDAMENTOS LEGAIS 8. Considerando o disposto no n° 3 do artigo 78° do Código Aduaneiro Comunitário, aprovado pelo Regulamento (CEE) n° 2913/92 do Conselho de 12 de Outubro de 1992, adiante designado por CAC, quando resultar de controlos a posteriori que as disposições que regem o regime aduaneiro para o qual as mercadorias foram declaradas com base em elementos inexatos ou incompletos, as autoridades aduaneiras tomarão as medidas necessárias para regularizar a situação, tendo em conta os novos elementos que dispõem; 9. Considerando o disposto no artigo 67° do CAC que estabelece a data a considerar para efeitos da aplicação das disposições que regem o regime aduaneiro para o qual as mercadorias são declaradas, como sendo a data de aceitação da declaração pelas autoridades aduaneiras; 10. Considerando o estabelecido no artigo 27° do CAC, as regras de origem para as medidas pautais preferenciais adotadas unilateralmente pela Comunidade em benefício de determinados países, grupos ou territórios, são determinadas de acordo com o procedimento do comité; 11. Considerando que não foram cumpridas as regras de origem estabelecidas no artigo 67º e seguintes das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário, aprovado pelo Regulamento (CEE) n.º 2454/93 da Comissão, de 02 de julho de 1993, adiante designadas por DACAC; 12. Considerando que nos termos da alínea a), nº 1 e nº 2 do artigo 201º do CAC, a dívida aduaneira na importação considera-se constituída no momento da aceitação da declaração aduaneira; 13. Considerando que nos termos do artigo 214° do CAC, o montante da dívida aduaneira é determinado com base nos elementos de tributação específicos dessa mercadoria, em vigor no momento da constituição da dívida aduaneira que a ela respeita; 14. Considerando o disposto no n° 3 do artigo 201° do CAC, visto que o declarante agiu na modalidade de representação direta, apenas o importador é devedor na declaração de introdução em livre prática e consumo; 15. Nos termos do artigo 101° da Reforma Aduaneira, aprovada pelo Decreto-Lei n° 46.311, de 27 de Abril de 1965, que dispõe, quando em consequência do mesmo facto tributário, forem devidos direitos de importação e outros impostos a cobrar pela Alfândega, neste caso IVA, observar-se-á o disposto na regulamentação comunitária, designadamente no que respeita ao prazo de caducidade do direito à liquidação, à cobrança a posteriori, ao reembolso e à dispensa do pagamento; 16. Considerando o disposto na pauta de serviço em vigor em 2010/05/12, constata-se que a mercadoria classificada no código NC 7318158999, identificada nos pontos 2 e 4 desta informação é sujeita a direitos aduaneiros no regime 40 00, preferência (100), taxa - 3,7%, direitos antidumping taxa - 85% e IVA à taxa de 20%; 17. Em face do erro na preferência pautal invocada (SPG -200) é devido imposto sobre o valor acrescentado (IVA) à taxa de 20% incidente sobre os direitos aduaneiros e antidumping devidos e não liquidados; 18. Considerando o instituído no artigo 35°, conjugado com o n° 2 do artigo 3°, ambos da Lei Geral Tributária (LGT), anexa ao DL n° 398/98, de 17 de dezembro e Portaria n° 291/2003, de 8 de Abril, são devidos juros compensatórios à taxa de 4%, desde a data do DAU até à presente data, decorrentes do atraso da constituição e liquidação da dívida aduaneira; 19. Considerando as competências atribuídas às Alfândegas pelas alíneas i) e j), do artigo 37.º da Portaria nº 320-A/2011, de 30 de dezembro, é atribuição da Alfândega de Leixões a organização de processos de cobrança a posteriori, a liquidação e cobrança da dívida aduaneira; III - CÁLCULO DA DÍVIDA 20. Nos termos da alínea b), n° 1 do artigo 1°, conjugado com a alínea a), n° 2 do artigo 17°, ambos do Código do IVA (CIVA), procede-se ao cálculo do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) à taxa normal de 20%, a liquidar adicionalmente, resultante da diferença entre o valor liquidado e pago e o devido, em face da preferência retificado; 21. Procede-se ainda ao cálculo dos direitos aduaneiros à taxa - 3,7% e direitos antidumping taxa - 85%, a liquidar adicionalmente, resultante da alteração da preferência pautal, devido à mercadoria ser de origem Chinesa; 22. De acordo com as instruções divulgadas através do Circular n° 107/2009, Série II, proceder-se-á ao cálculo dos juros compensatórios previstos no artigo 35.º da LGT conjugado com o n.º 2 do artigo 3° do mesmo diploma e Portaria n° 291/2003, de 8 de Abril, incidentes sobre a dívida aduaneira a liquidar e contados dia a dia, desde a data da constituição da dívida em 2010/05/12 até à presente data, no total de 1030 dias e taxa de 4% ao ano; 23. Liquidação oficiosa a efetuar: (dá-se aqui por reproduzido o quadro constante de fls. 48 do processo administrativo apenso e respectiva legenda) IV - CONCLUSÕES 24. No DAU n° 2010PT.............73 de 2010/05/12 da Alfândega de Leixões foi invocado o redime preferencial SPG (200) tendo sido apresentado para o efeito o Form A n° KL 2010/10577 de 08/04/2010, emitido em Kuala Lumpur, Malásia, declarando que as mercadorias eram originárias da Malásia, beneficiando assim do regime preferencial, não tendo sido liquidados direitos aduaneiros; 25. Investigação do OLAF no âmbito da missão AM 16/2010 vem informar que as mercadorias em causa são de origem Chinesa, não podendo por isso, beneficiar do tratamento pautal preferencial. Por esse facto vai ser retirada a preferência SPG (200) e tributada a mercadoria no regime TPT, sendo devidos direitos aduaneiros e direitos anti-dumping; 26. Nos termos do n°3, do artigo 201° do CAC é devedor o importador [SCom01...], S.A; 27. Com base na informação do OLAF procedeu-se ao cálculo da dívida aduaneira a liquidar oficiosamente, conforme ponto 23, no montante de € 38.089,03; V - PROPOSTA 28. Em face do exposto, tendo presente a competência atribuída à Alfândega de Leixões, pelas alíneas i) e j), do art. 37° da Portaria no 320-A/2011 de 30 de Dezembro, para efeito da participação dos contribuintes na formação das decisões que lhe digam respeito, nos termos da alínea a), n° 1, n° 5 e 6 do artigo 60° da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo DL n° 398/98, de 17 de Dezembro, propõe-se que o devedor seja notificado do projeto de decisão de liquidação da dívida apurada para, no prazo de 15 (quinze) dias, contados continuamente nos termos do n° 3 do artigo 57° da LGT desde a sua receção, exercer o direito de audição antes da liquidação; (...)” [cfr. proposta e despacho constantes de fls. 44 a 49 do procedimento administrativo apenso]. 12. Notificada a Impugnante não foi exerceu o direito de audição [cf. fls. 50, 51 e 56 do procedimento administrativo apenso] 2.2. De direito In casu, a Recorrente (Alfandega de leixões) não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Aveiro que estribou o fundamento de procedência da impugnação judicial interposta pela recorrida contra a liquidação de IVA, direitos aduaneiros, direitos anti-dumping e juros no valor de 38.089,03€, no facto de a mesma ter por suporte uma informação prestada pelo OLAF (European Anti-Fraud Office) no âmbito da missão AM 16/2010 onde concluíram que a mercadoria declarada no DAU identificado em 4. da matéria de facto dada como assente, é de origem chinesa, não podendo assim beneficiar do regime preferencial SPG, na ausência de qualquer outra diligência junto da impugnante ou entidade exportadora, considerou a mesma ferida de falta de fundamentação, reconduzida a vício de violação de lei por falta de verificação dos pressupostos factuais e jurídicos necessários à liquidação. Assenta o seu inconformismo perante o assim decidido, argumentando que inquéritos efetuados pelo OLAF, nos termos do disposto no nº 2 do art.9º do Regulamento (CE) no 1073 / 1999, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio, constituem nas mesmas condições e com o mesmo valor que os relatórios administrativos elaborados pelos inspectores administrativos nacionais. elementos de prova admissíveis nos processos administrativos ou judiciais do Estado — Membro em que a sua utilização se revele necessária. E, de acordo com a mesma norma, ficarão sujeitos às mesmas regras de apreciação que as aplicáveis aos relatórios administrativos elaborados pelos inspectores administrativos nacionais e terão idêntico valor. Concluindo, que a douta sentença recorrida, nos seus fundamentos, fez errada interpretação do cumprimento do dever de fundamentação da decisão por parte da administração, pelo que padece de vício de violação de lei, mormente do disposto nos artigos 74º, nº 1 e 77º, nº 1 da LGT, bem como o artigo 9º nº 2 do Regulamento (CE) 1073 / 1999, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de maio. Cumpre apreciar e decidir. Temos então com relevo, que no DAU nº 2010PT.............73 de 2010/05/12 da Alfândega de Leixões foi invocado o regime preferencial SPG (200) tendo sido apresentado para o efeito o certificado Form A (KL 2010/10577 de 08/04/2010), emitido em Kuala Lumpur, Malásia, declarando que as mercadorias eram originárias da Malásia, beneficiando assim do regime preferencial, não tendo sido liquidados direitos aduaneiros. No âmbito da missão AM 16/2010 e investigação do OLAF - European Antifraud Office – este informou a autoridade aduaneira nacional de que as mercadorias em causa tinham origem chinesa, não podendo por isso, beneficiar do tratamento pautal preferencial. Por esse facto foi retirada a preferência SPG (200) e tributada a mercadoria no regime TPT, sendo devidos direitos aduaneiros e direitos anti-dumping. Em sede de enquadramento jurídico aplicável, estabelecia o artigo 78.º do CAC que: “1. As autoridades aduaneiras podem, oficiosamente ou a pedido do declarante, proceder à revisão da declaração após a concessão da autorização de saída das mercadorias. 2. As autoridades aduaneiras, depois de concederem a autorização de saída das mercadorias e para se certificarem da exactidão dos elementos da declaração, podem proceder ao controlo dos documentos e dados comerciais relativos às operações de importação ou de exportação das mercadorias em causa, bem como às operações comerciais posteriores relativas a essas mercadorias. Esses controlos podem ser efectuados junto do declarante, de qualquer pessoa directa ou indirectamente interessada profissionalmente nas citadas operações ou de qualquer outra pessoa que, pela sua qualidade profissional, esteja na posse dos referidos documentos e dados. As referidas autoridades podem, igualmente, proceder à verificação das mercadorias, se estas ainda puderem ser apresentadas. 3. Quando resultar da revisão da declaração ou dos controlos a posteriori que as disposições que regem o regime aduaneiro em causa foram aplicadas com base em elementos inexactos ou incompletos, as autoridades aduaneiras, respeitando as disposições eventualmente fixadas, tomarão as medidas necessárias para regularizar a situação, tendo em conta os novos elementos de que dispõem.” Sendo que, o ónus da prova da origem das mercadorias cabe ao declarante/importador, o qual deve diligenciar junto do exportador, seu fornecedor, pela obtenção do certificado de origem Form A. A responsabilidade pelo pagamento da dívida aduaneira cabe ao declarante/ importador (vd. Artigo 201º nº 3 do CAC - regra de responsabilidade objectiva). “I — Nos termos do art. 78.º do CAC e do art. 26.º do Protocolo 1 da Quarta Convenção ACP-CEE, a Administração Aduaneira pode proceder legitimamente à revisão da declaração aduaneira após a concessão da autorização de saída das mercadorias, assim como proceder a controlos a posteriori para se certificar da exactidão dos elementos da declaração e, no caso de constatar que as disposições que regem o regime aduaneiro foram aplicadas com base em elementos inexactos ou incompletos, deve tomar as mediadas necessárias para regularizar a situação tendo em conta os novos elementos de que dispõe, liquidando adicionalmente os impostos que não tenham sido devida e legalmente recebidos. II — Como decorre do disposto no art. 78.º, n.º 3, do CAC e do art. 26.º, n.º 6, do Protocolo 1 da Quarta Convenção ACP-CEE, e repetida e uniformemente o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tem afirmado, o ónus da prova de que as mercadorias importadas estão em condições de beneficiarem de uma dada preferência pautal cabe aos operadores económicos interessados. III — E se tal ónus da prova pode ser fonte de inconvenientes no que diz respeito, em particular quando aquele tiver importado de boa-fé, a mercadorias do Estado beneficiário de preferências pautais cuja origem foi posteriormente posta em causa num controlo "a posteriori", importa recordar que um operador económico avisado e conhecedor do estado da regulamentação deve, na avaliação que faz das vantagens que o comércio de mercadorias susceptíveis de beneficiar de preferências pautais pode proporcionar, ter em conta os riscos inerentes ao mercado que prospecta e aceitá-los como fazendo parte da categoria dos inconvenientes normais do negócio.” [sumário do acórdão deste TCA Norte, de 28.02.2013, proferido no âmbito do Processo: 00068/0-Porto] Em suma, o ónus da prova de que as mercadorias importadas estão em condições de beneficiarem de uma dada preferência pautal cabe aos operadores económicos interessados, como repetida e uniformemente o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tem afirmado. A este propósito escreveu-se no Acórdão do Tribunal de Justiça de 08.12.2012 (processo C‑438/11, Lagura Vermogensverwaltung GmbH/Hauptzollamt Hamburg‑Hafen, in curia.europa.eu): “(…) compete aos operadores económicos tomar, no âmbito das respetivas relações contratuais, as disposições necessárias para se precaverem contra os riscos de uma ação de cobrança a posteriori (acórdão Pascoal & Filhos, já referido, n.º 60; despacho de 9 de dezembro de 1999, CPL Imperial 2 e Unifrigo/Comissão, C‑299/98 P, Colet., p. 1‑8683, n.º 38, e acórdão Beemsterboer Coldstore Services, já referido, n.º 41). Em particular, a obtenção, pelo devedor dos direitos, da outra parte contratante, durante ou após a celebração do contrato, de todos os elementos de prova que confirmam que as mercadorias provêm do Estado beneficiário do sistema de preferências pautais generalizadas, incluindo documentos que provem essa origem, pode constituir a prevenção contra os riscos de uma ação de cobrança a posteriori". Cumpre destacar, que o presente processo de imposição de direitos antidumping iniciou-se com a publicação no Jornal Oficial da União Europeia de Aviso de início de um processo antidumping relativo às importações de determinados parafusos de ferro ou aço originários da República Popular da China [JO C267, p. 31]. Tal Aviso foi publicado em JO C 267, página 31, e a 09 de janeiro de 2007, como consta na parte V, relativo a Avisos no âmbito de procedimentos relativos à execução da política comercial comum – disponível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=OJ%3AC%3A2007%3A267%3ATOC. Nesse seguimento, foi publicado no Jornal Oficial o Regulamento (CE) n.º 91/2009 do Conselho, datado de 26 de janeiro que institui um direito anti-dumping definitivo sobre as importações de determinados parafusos de ferro ou aço originários da República Popular da China – disponível in https://eur-lex.europa.eu/ legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A32009R0091. De seguida, foi publicado no Jornal Oficial o Regulamento (UE) n.º 966/2010 da Comissão de 27 de Outubro de 2010 que inicia um inquérito sobre a eventual evasão às medidas anti-dumping instituídas pelo Regulamento (CE) n.º 91/2009 do Conselho sobre as importações de determinados parafusos de ferro ou aço originários da República Popular da China através de importações de determinados parafusos de ferro ou aço expedidos da Malásia, independentemente de serem ou não declarados originários da Malásia, e que torna obrigatório o registo destas importações: disponível em: https://eur-lex.europa.eu/ LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2010:282:0029:0032:PT:PDF. Por fim, salienta-se a publicação no Jornal Oficial do Regulamento de Execução n.º 723/2011 do Conselho de 18 de julho de 2011 que torna extensivo o direito anti-dumping definitivo instituído pelo Regulamento (CE) n.º 91/2009 sobre as importações de determinados parafusos de ferro ou aço originários da República Popular da China às importações de determinados parafusos de ferro ou aço expedidas da Malásia, independentemente de serem ou não declaradas originárias da Malásia. Ora, conforme resulta da conjugação do supra exposto com o teor dos factos provados, constata-se que a a importação dos bens em causa ocorreu a 12 de maio 2010 conforme decorre do DAU n.º 2010PT..........73. Ou seja, as importações em causa, ocorreram em momento anterior à publicação do Regulamento (UE) n.º 966/2010 da Comissão de 27 de Outubro de 2010 que inicia um inquérito sobre a eventual evasão às medidas anti-dumping instituídas pelo Regulamento (CE) n.º 91/2009 do Conselho sobre as importações de determinados parafusos de ferro ou aço originários da República Popular da China através de importações de determinados parafusos de ferro ou aço expedidos da Malásia, independentemente de serem ou não declarados originários da Malásia, e que tornou obrigatório o registo destas importações . Porém, tal constatação, cumpre salientar, não impede que a Recorrida seja objeto das medidas antidumping conforme resulta do decidido no acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) datado de 6 de junho de 2013, processo C-667/11, que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.º o TFUE, apresentado pelo Administrativen sad Varna (Bulgária): “O artigo 14. o , n. o 5, do Regulamento (CE) n. o 1225/2009 do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo à defesa contra as importações objeto de dumping dos países não membros da Comunidade Europeia, para o qual remete o artigo 2. o do Regulamento (UE) n. o 966/2010 da Comissão, de 27 de outubro de 2010, que inicia um inquérito sobre a eventual evasão às medidas antidumping instituídas pelo Regulamento (CE) n. o 91/2009 do Conselho sobre as importações de determinados parafusos de ferro ou aço originários da República Popular da China através de importações de determinados parafusos de ferro ou aço expedidos da Malásia, independentemente de serem ou não declarados originários da Malásia, e que torna obrigatório o registo destas importações, deve ser interpretado no sentido de que modalidades de registo como as que estão em causa no processo principal estão em conformidade com essa disposição e, por isso, são suficientes para a cobrança retroativa do direito antidumping em aplicação do artigo 1. o do Regulamento de Execução (UE) n. o 723/2011 do Conselho, de 18 de julho de 2011, que torna extensivo o direito antidumping definitivo instituído pelo Regulamento (CE) n. o 91/2009 sobre as importações de determinados parafusos de ferro ou aço originários da República Popular da China às importações de determinados parafusos de ferro ou aço expedidas da Malásia, independentemente de serem ou não declaradas originárias da Malásia, na sequência de um inquérito em que se concluiu pela existência de evasão aos direitos antidumping definitivos impostos pelo Regulamento (CE) n. o 91/2009 do Conselho, de 26 de janeiro de 2009, que institui um direito antidumping definitivo sobre as importações de determinados parafusos de ferro ou aço originários da República Popular da China.” (destacado nossa autoria). Volvendo aos autos e ao cerne deste recurso temos que o tribunal a quo após discorrer sobre o enquadramento legal, jurisprudencial e doutrinal, da fundamentação dos actos administrativos (em geral e tributários), abstendo-se por completo da realidade inserida no âmbito de um procedimento antidumping de cariz comunitário. Na sentença recorrida foram inscritos argumentos, para fundamentar a ocorrência de falta de fundamentação (substancial) da liquidação impugnada, que, aqui, se passam a reproduzir: «Ora, como vimos, a autoridade aduaneira procedeu à liquidação à posteriori, e ora impugnada, com base numa informação que foi dada por aquele organismo. Contudo, tal informação não foi acompanhada por outras diligências junto da impugnante ou junto da entidade exportadora. Com efeito, não resulta destes autos, que se tenha efetuado qualquer diligência no sentido de apurar e confirmar as irregularidades invocadas. Na verdade, a valia substancial dos fundamentos aduzidos na informação constante destes autos de fls. 46 a 52 não é suficiente para se retirar a conclusão que aí se retirou, pelo que se conclui que a mesma é insuficiente ou inapta, do ponto de vista legal, para suportar a correção efetuada. Contudo, esta matéria, é uma matéria que não contende com a fundamentação formal do ato, mas sim com a fundamentação substancial. Com efeito, não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exatidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados. (...) Ora, como resulta do acima descrito, a autoridade aduaneira, apenas se limitou à informação prestada pela Direção de Serviços Antifraude, que por sua vez se sustentou numa informação prestada pelo OLAF. Contudo, e como se vê dos autos, não se efetuou quaisquer diligências de prova no sentido de confirmar tais informações. E assim sendo, conclui-se que a valia substancial dos fundamentos aduzidos não é suficiente e adequada ao juízo formulado em suporte das liquidações efetuadas, o que determina a procedência da impugnação por falta de fundamentação substancial, reconduzida a vício de violação de lei por falta de verificação dos pressupostos factuais e jurídicos necessários à liquidação ora impugnada.». A jurisprudência é numerosa e recorrente, na afirmação de que a fundamentação do acto administrativo (tributário) é um conceito relativo, devendo concluir-se pela sua existência quando um destinatário normal, suposto na posição dos interessados em concreto, não tenha dúvidas acerca das razões (factuais e (ou) jurídicas) que motivaram a decisão. E porque o dever de fundamentar tem de satisfazer, em paralelo e uníssono, duas funções, uma de natureza exógena, que visa colocar o administrado em condições de conhecer os fundamentos que motivaram a autoridade administrativa a decidir da forma que o fez, por forma a permitir-lhe optar conscientemente entre a aceitação do acto e a sua impugnação, e um outro de natureza endógena, que visa garantir que os agentes da administração ponderem, de forma séria, cuidada e isenta, os factos concretos e as disposições legais aplicáveis em cada caso e que permita o controlo, designadamente pelos tribunais, da observância dos princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade que se impõem à atuação da administração, aferindo o acerto jurídico das respetivas decisões. Fixadas estas balizas, sem mais, temos de concluir pelo desacerto do julgado em 1.ª instância, que culminou na afirmação de falta de fundamentação (substancial) do acto impugnado neste processo, reconduzindo a mesma a vício de violação de lei, pois que manifesto é que a situação não logra resolução no âmbito do conceito de falta de fundamentação mas sim da aferição da verificação dos pressupostos de facto e de direito inerentes à liquidação impugnada, em obediência ao vícios imputados cujo conhecimento foi dado por prejudicado, como veremos. Senão vejamos. Sobre a fundamentação dos actos tributários tem o Supremo Tribunal Administrativo entendido, entre outros no acórdão proferido no recurso n.º 01173/14, de 09.09.2015, que “É sabido que a falta ou insuficiência de fundamentação do acto, vício de natureza formal (e não substancial), se verifica quando o respectivo acto não exterioriza de modo claro, suficiente e congruente, as razões por que apresenta determinado conteúdo decisório. Sendo que a falta ou insuficiência de fundamentação não se confunde com o vício decorrente de erro sobre os pressupostos (este ocorre quando, apesar de o autor do acto ter dado a conhecer as razões em que suporta a decisão, tais razões não são, todavia, apropriadas ou suficientes ou demandavam diversa solução). Este direito à fundamentação, relativamente aos actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, decorria já do art. 1º, nº 1, als. a) e c) do DL nº 256-A/77, de 17/6 e tem hoje consagração constitucional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da parte 1ª da CRP - art. 268º (Vejam-se a abundante jurisprudência do STA atinente a esta matéria bem como Gomes Canotilho e Vital Moreira, «Constituição da República Portuguesa Anotada», 1993, pp. 936 e Vieira de Andrade, «O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos», 1990, pp. 53 e ss.) - tendo o respectivo princípio constitucional sido densificado nos arts. 124º e 125º do CPA, no art. 21.º do CPT (em vigor à data dos factos) e, posteriormente, nos arts. 77º nºs. 1 e 2 da LGT (acto administrativo tributário). E dado que este dever legal de fundamentação tem, «a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta.» (ac. deste STA, de 2/2/2006, rec. nº 1114/05), então, essa fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto. E caso a fundamentação seja feita por forma remissiva (por adesão ou remissão para anterior parecer, informação ou proposta), estes constituirão parte integrante do respectivo acto administrativo: este acto integra, então, nele próprio, o parecer, informação ou proposta para os quais se remete e estes terão, assim, em termos de legalidade, que satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma. Assim, utilizando a linguagem da jurisprudência, o acto só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto administrativo (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto, sendo, portanto, essencial que o discurso contextual lhe dê a conhecer todo o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro. Ela visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (Cfr. Vieira de Andrade – ob. cit. pag. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02.)”. Ora no caso que nos ocupa, consta do projecto de decisão (vide item 11. da matéria de facto aditada) que esta se baseou nas conclusões oferecidas pelo OLAF, uma vez que se detetou que determinadas mercadorias não reuniam as condições para benefício de origem preferencial invocada nos respetivos DAU’s. Portanto, na parte relativa à origem da mercadoria, a AT estriba-se na “investigação operada pela OLAF”, para a qual remete. A questão que se pode colocar é se a remissão para o contéudo da informação e relatório elaborado pela OLAF satisfaz os requisitos de fundamentação exigível. Cumpre desde logo referir que a investigação feita pelo OLAF pode ser acolhida pelos SIT nacionais, conforme o estabelece o artigo 11º nº 2 do Regulamento (EU, Euratom) nº 883/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11.09.2013. E, em Acórdão do TJUE de 23.10.2014, processo nº C-437/13 (Unitrading Ltd), afirmou aquele Tribunal que: “O artigo 47. ° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que a prova da origem de mercadorias importadas, feita pelas autoridades aduaneiras com base no direito processual nacional, se baseie nos resultados de análises realizadas por um terceiro, (….)” Por maioria de razão, diremos nós, não se opõe a legislação Europeia à prova da falsa origem, com base nas investigações e conclusões do OLAF. A este respeito, importa ainda perscrutar a jurisprudência do Tribunal de Justiça que dimana do Acórdão C-97/95, de 17.07.1997, disponível em http://curia.europa.eu/juris, e no qual se considerou o seguinte: «30. Segundo este sistema [de cooperação administrativa], incumbe aos operadores económicos que pretendem beneficiar de um regime aduaneiro preferencial demonstrar perante as autoridades competentes que as suas mercadorias são, pela sua origem, admissíveis para importação na Comunidade Europeia, com isenção de direitos aduaneiros. Como estabelece o artigo 6.°, n.º 1, do anexo II, a prova do carácter originário dos produtos é fornecida pelo certificado EUR. 1. O objectivo essencial do processo de controlo a posteriori é o de verificar a exactidão da origem indicada em tal certificado, anteriormente emitido (acórdão Huygen c o., já referido, n.º 16). (…) 32. Resulta desta jurisprudência que a determinação da origem das mercadorias se baseia numa repartição de competências entre as autoridades do Estado de exportação e as do Estado de importação, no sentido de que a origem é determinada pelas autoridades do Estado de exportação, eventualmente a pedido das autoridades do Estado de importação, sendo a fiscalização do funcionamento do regime assegurada graças à cooperação entre as administrações interessadas. Este sistema justifica-se pelo facto de as autoridades do Estado de exportação serem as que estão em melhor situação para verificar directamente os factos que condicionam a origem, (acórdão Faroe Seafood e o., já referido, n.° 19). 33. Nestes mesmos acórdãos, o Tribunal declarou também que o mecanismo previsto só pode funcionar se a administração aduaneira do Estado de importação reconhecer as apreciações feitas legalmente pelas autoridades do Estado de exportação (acórdão Faroe Seafood e o., já referido, n.º 20). 34 O objectivo dos «resultados do controlo», na acepção do artigo 25. °, n.º 3, do anexo II é permitir às autoridades do Estado de importação determinar se o certificado EUR. 1 contestado é ou não aplicável às mercadorias realmente exportadas e se estas podem, efectivamente, beneficiar da aplicação do regime preferencial. Esta disposição não prevê, para as autoridades do Estado de exportação, qualquer obrigação de justificarem, perante o importador, a conclusão a que chegaram quanto à validade do certificado.» (sublinhado é da nossa autoria). Pese embora esta jurisprudência tenha sido proferida à luz do regime anterior à vigência do Código Aduaneiro Comunitário, afigura-se-nos que ainda logra aplicação ao caso em análise, que respeita a importações ocorridas no ano de 2010. Com efeito, da leitura do artigo 78.º, n.º 3 do Regulamento (CEE) n.º 2913/92 do Conselho (Código Aduaneiro Comunitário) resulta que os controlos a posteriori devem permitir aferir se o regime aduaneiro em causa foi aplicado com base em elementos inexatos ou incompletos, ou se o certificado de origem, «form A», diz respeito aos produtos efetcivamente exportados e se estes podem, de facto, beneficiar das preferências pautais. Aqui chegados estamos aptos a concluir que a fundamentação exigível no âmbito de um control a posteriori se pauta pela demonstração de que o regime aduaneiro no caso concreto foi aplicado com base em elementos que não correspondem a verdade, na exacta medida em que permite aferir que os certificados de origem respeitam a produtos que, efectivamente, podem ou não beneficiar do regime preferencial. Ora, nesta perspectiva, somos de considerar que o acto em crise contém a fundamentação legalmente exigível. É que, no projeto de decisão – cfr. item 11. do probatório aditado – a AT verteu na sua fundamentação a seguinte conclusão: “A Divisão de Informações, da Direção de Serviços Antifraude Aduaneira, da Autoridade Tributária e Aduaneira, através de fax n° 122/2013 de 2013/03/01 (fls. 20 a 23), referenciando os fax n° 459/2012 de 2012/05/28 (fls.26) e n° 699/2012 de 2012/09/07 (fls 24) vem informar que investigação do OLAF (European Anti-Fraud Office) no âmbito da missão AM 16/2010 detetou que a mercadoria declarada no DAU mencionado no ponto 1 é de origem Chinesa não podendo beneficiar do regime preferencial SPG, devendo por isso ser cobrados direitos aduaneiros e antidumping que são devidos nas importações daquela mercadoria originária da China”. Como tal, no seu aspeto formal, a fundamentação do acto é incólume, na medida em que estamos em condições de conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo do autor do acto, isto é, o destinatário do acto por via do mesmo fica a conhecer que a mercadoria declarada no respetivo DAU, porque proveniente da China, não é suscetível de beneficiar do regime preferencial. No fundo, o discurso dá a conhecer o percurso da apreensão e valoração dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido e não em qualquer outro, ou seja, não enferma de vicio de falta de fundamentação formal ou substancial o acto impugnado. Mais diremos que a valia substancial dos fundamentos alocados não se confunde com a falta de fundamentação, sendo que a legitimidade dos mesmos enquanto fundamento das liquidações impugnadas se insere na apreciação e decisão do preterido, como se verá. Cumpre, pois, revogar a sentença recorrida e em substituição conhecer dos vícios assacados à liquidação, a saber: (i) - Vício de violação de lei, por incumprimento do processo de controlo do art.º 94.º das DACAC; (ii) - Erro nos pressupostos de facto (origem da mercadoria) e violação do respectivo ónus da prova (iii) - Vício de violação de lei, nomeadamente da alínea b) do n.º 2 do art.º 220.º do CAC decorrente da não consideração da boa-fé da Recorrida e violação do princípio da segurança jurídica (iv) - Em caso de procedência das pretensões anulatórias cumpre apreciar do direito a juros indemnizatórios. 2.2.1. Do incumprimento do procedimento de controlo [artigo 15º a 40º da petição inicial] Seguindo a ordem inserta na petição, alega a Recorrida que a liquidação foi efetuada pela AT sem invocação de qualquer fundamento de facto ou de direito, concreto e objetivo, que sustente as liquidações adicionais emitidas, tendo apenas por base as conclusões genéricas do Relatório do OLAF no âmbito da missão AM 16/2010, para a qual a [SCom01...] nunca foi notificada para participar enquanto parte interessada. Concretizando, aduz que Alfândega incumpriu do disposto no artigo 94.º do Regulamento CEE 2454/93, de 2 de julho (“DACAC”) na medida em que se absteve de investigar junto das autoridades aduaneiras do país de exportação que emitiram o certificado de origem “Form A”. Em sentido oposto, entende a Fazenda Pública que a questão do controlo a posteriori só se coloca desde que a autoridade aduaneira tenha dúvidas fundadas quanto à autenticidade dos documentos. Uma vez que na data em que as mercadorias foram declaradas à Alfândega essa questão não se colocava, e, portanto, o controlo a posterior é legal à luz do artigo 78.º, n.º 3 do CAC. A este propósito, preceitua o artigo 94.º do Regulamento (CEE) n.º 2454/93, da Comissão, de 2 de julho de 1993, que aprova as Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário, aprovado pelo Regulamento (CEE) n.º 2913/92, do Conselho, de 12 de outubro de 1992/DACAC, o seguinte: 1. O controlo a posteriori dos certificados de origem, fórmula A, e das declarações na factura é efectuado a título de sondagem ou sempre que as autoridades aduaneiras da Comunidade tenham dúvidas fundamentadas quanto à autenticidade do documento ou à exactidão das informações respeitantes à verdadeira origem dos produtos em causa. 2. Para efeitos da aplicação do disposto no n.º 1, as autoridades aduaneiras da Comunidade enviarão uma cópia do certificado de origem, fórmula A, ou da declaração na factura à autoridade central competente do país de exportação beneficiário, indicando, se for caso disso, os motivos de fundo ou de forma que justificam o inquérito. As referidas autoridades juntarão à cópia do certificado de origem, fórmula A, ou da declaração na factura, a factura, caso esta tenha sido apresentada, ou cópia dessa factura, bem como qualquer outro eventual documento comprovativo. As autoridades aduaneiras enviarão igualmente quaisquer informações obtidas que levem a supor que as menções constantes do certificado ou da declaração na factura em causa são inexactas. Caso decidam suspender a concessão das preferências pautais referidas no artigo 67.º na pendência dos resultados do controlo, as autoridades aduaneiras proporão ao importador a saída dos produtos, subordinada às medidas cautelares consideradas necessárias. 3. Quando um pedido de controlo a posteriori tiver sido feito nos termos do disposto no n.º 1, esse controlo será efectuado e os seus resultados comunicados às autoridades aduaneiras da Comunidade no prazo máximo de seis meses. Os resultados devem permitir determinar se o certificado de origem, fórmula A, ou a declaração na factura em causa, se aplica aos produtos efectivamente exportados e se estes podem de facto beneficiar das preferências pautais referidas no artigo 67. º 4. No caso de certificados de origem, fórmula A, emitidos nos termos do artigo 91.º, a resposta deve incluir o envio de uma (das) cópia(s) do(s) certificado(s) de circulação EUR.1 ou, se for caso disso, da(s) declaração(ões) na(s) factura(s) correspondente(s). 5. Se existirem dúvidas fundamentadas e não tiver sido obtida resposta no termo do prazo de seis meses fixado no n.º 3, ou se a resposta não contiver informações suficientes para a determinação da autenticidade do documento em causa ou da verdadeira origem dos produtos, será enviada às autoridades em causa uma segunda comunicação. Se, após esta segunda comunicação, os resultados do controlo não tiverem sido comunicados às autoridades requerentes no prazo de quatro meses, ou se estes resultados não permitirem a determinação da autenticidade do documento em causa ou da origem real dos produtos, as autoridades requerentes recusarão o benefício das medidas pautais preferenciais, salvo em caso de circunstâncias excepcionais. As disposições do primeiro parágrafo aplicam-se entre os países de um mesmo grupo regional para efeitos do controlo a posteriori dos certificados de origem, fórmula A, emitidos ou das declarações na factura efectuadas em conformidade com a presente secção. (…)”. Acerca do regime em apreço, não oferece dúvida que, nos termos do artigo 78.º do CAC, a Administração Aduaneira pode proceder legitimamente à revisão da declaração aduaneira após a concessão da autorização de saída das mercadorias, assim como proceder a controlos a posteriori para se certificar da exactidão dos elementos da declaração e, no caso de constatar que as disposições que regem o regime aduaneiro foram aplicadas com base em elementos inexactos ou incompletos, deve tomar as medidas necessárias para regularizar a situação tendo em conta os novos elementos de que dispõe, liquidando adicionalmente os impostos que não tenham sido devida e legalmente recebidos. Como decorre do disposto no artigo 78.º, n.º 3, do CAC, o ónus da prova de que as mercadorias importadas estão em condições de beneficiarem de uma dada preferência pautal cabe aos operadores económicos interessados. E, se tal ónus da prova pode ser fonte de inconvenientes no que diz respeito, em particular quando aquele tiver importado de boa-fé, a mercadorias do Estado beneficiário de preferências pautais cuja origem foi posteriormente posta em causa num controlo a posteriori, importa recordar que um operador económico avisado e conhecedor do estado da regulamentação deve, na avaliação que faz das vantagens que o comércio de mercadorias susceptíveis de beneficiar de preferências pautais pode proporcionar, ter em conta os riscos inerentes ao mercado que prospecta e aceitá-los como fazendo parte da categoria dos inconvenientes normais do negócio – Veja-se Acórdão do TCAN, de 28.02.2013, P. 00068/01. Em suma, como melhor veremos em sede de apreciação do ónus da prova, não era sobre a Alfândega que recai o dever de diligenciar no sentido de confirmar ou infirmar as conclusões do relatório do OLAF. Esse, ónus da prova, impendia sobre a Recorrida, pois era a sobre esta que impendia o ónus da prova da confirmação ou infirmação daquela conclusão, demonstrando a real origem dos produtos por si adquiridos. Nessa medida, à míngua da não realização de qualquer diligência que tivesse sido solicitada pela Recorrida (nomeadamente em sede de audição prévia), resulta que inexistiu qualquer violação do princípio do inquisitório por parte da Alfândega. Por outro lado, da factualidade provada resulta que a Impugnante importou parafusos sextavados, sendo detentora de um certificado de origem, “Form A”, cuja autenticidade não foi, no momento do desalfandegamento, questionada. Contudo, na sequência da realização de uma missão Comunitária de Cooperação Administrativa, o organismo da União Europeia concluiu que os materiais importados provinham da China e, como tal, não podiam beneficiar do regime preferencial ao abrigo do qual foram importados para Portugal, pelo que, consequentemente, o OLAF notificou os países identificados como destinatários de produtos com tal proveniência para procederem à regularização da situação tributária. Em cumprimento do solicitado, a Autoridade Aduaneira Portuguesa, à luz do disposto no artigo 78.º do Código Aduaneiro Comunitário, procedeu à liquidação a posteriori das quantias não liquidadas na altura do desalfandegamento, em virtude da aplicação do regime preferencial invocado, em conformidade com as instruções recebidas da União Europeia. Mais se diga, como defende a AT, in casu é inaplicável o disposto no artigo 94.º das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (DACAC) porquanto não está em causa a realização de um controlo a posteriori isolado de mercadoria, caso em que se iria averiguar se aquela mercadoria em concreto estava conforme, mas, pelo contrário, no âmbito de um procedimento global (logo não dirigido a um DUA em concreto) onde se apurou pela existência de irregularidades, consubstanciadas, entre outros, no DUA aqui em causa. Aliás, atente-se que a inaplicabilidade do citado preceito é patente do documento emitido pelo OLAF no qual solicita a emissão do correspondente acto tributário, convicto de que o procedimento de instrução está concluído, pois se assim não fosse naquele documento teria solicitado a Alfândega que abrisse o procedimento constante do artigo 94º do DACAC. Pelo exposto, julga-se o invocado vício improcedente. 2.2.2. Erro nos pressupostos de facto (origem da mercadoria) e violação do respetivo ónus da Prova [artigo 41º a 97º da petição inicial] Prosseguindo alega a Recorrida que não resulta claro do teor do documento do OLAF que todas as mercadorias importadas da Malásia e, em concreto, da aqui em causa, eram de origem chinesa; ou, mesmo que o fossem, se tinham sido modificados na fábrica Malaia e se tal era suficiente (ou não) para alterar a sua proveniência. Concluindo, assim, pela insubsistência da imputação da origem da mercadoria na China e pela omissão da violação da presunção da verdade declarativa. No fundo, sustenta que “apesar da OLAF ter conseguido identificar que algumas das mercadorias eram de origem chinesa, mas importadas via Malásia, não resulta claro do teor deste documento ou de qualquer um dos seus anexos, que todas as mercadorias importadas da Malásia, em concreto, a mercadoria aqui em causa, eram de origem chinesa. O que, consequentemente, nos leva a concluir que o OLAF não conseguiu determinar, inequivocamente, que a mercadoria importada pela ora impugnante é ou não de origem malaia” (artigos 47º e 48º da p.i.). Por outro lado, fundamenta a sua pretensão no facto de o OLAF não ter conseguido identificar se as mercadorias, apesar de serem provenientes da China, são processadas na fábrica malaia, tornando, assim, o produto originário da Malásia (artigo 70.º da petição inicial). Em suma, alega que a AT não conseguiu reunir indícios suficientes da existência ou da quantificação do ato tributário e, bem assim, não conseguiu afastar a presunção de veracidade da documentação apresentada pela Recorrida. Em sede de contestação, contrapõe a AT que da missão do OLAF AM16/2010 que consta do procedimento é aí demonstrada a correspondência das entradas dos quatro carregamentos relativos às importações da ora impugnante no porto franco da Malásia, provenientes da China, e as correspondentes saídas com destino a Portugal. Sintetiza a sua posição no facto de o OLAF ter concluído que as mercadorias em causa são originárias da China, pois apenas efetuaram transbordo no porto franco malaio. DUA constava do anexo IV como tendo origem a mercadoria na China. Vejamos. Conforme decorre do vertido no probatório, a mercadoria constante daquele DUA é referenciada como tendo origem na China, contudo, importa atentar no que é afirmado pelo OLAF: “as Autoridades Portuguesas puderam casar os transbordos na Malásia dos produtos em causa, de origem Chinesa com as importações correspondentes em Portugal, respetivamente, - 4 transbordos mencionados no anexo iv da carta do OLAF de 16/12/11” [cf. item 10. do probatório aditado nesta sede] Assim sendo, mediante o confronto dos dados dos transbordos feitos na Malásia de mercadoria com origem na República Popular da China e os das exportações para Portugal, foi detetado que a mercadoria em causa no DUA poderia ser a mesma, tendo apenas sido transbordada ali para beneficiar do respetivo regime aduaneiro. Apelando ao regime do ónus da prova, temos que preceitua o n.º 1 do art.º 74.º da LGT, que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, sem prejuízo de se «presumirem» “verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei”. Efectivamente, assume assinalável relevância quanto à prova a presunção estabelecida no artigo 75.º, n.º 1, da LGT, que determina que se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei. Esta presunção legal apenas funciona quando o facto de que depende está demonstrado. Quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz, dado que tem de provar, unicamente, o facto que lhe serve de base, de acordo com as regras gerais do ónus da prova. Pelo que, verificando-se a presunção legal prevista no n.º 1 do artigo 75.º da LGT, o contribuinte não tem de provar a veracidade e a boa-fé das declarações, nem dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, tendo apenas que provar os factos que estão na sua base. Esta presunção legal poderá, naturalmente, ser ilidida pela AT mediante prova em contrário, tal como decorre do artigo 350.º, n.º 2 do CC. Por outro lado, aquela presunção legal de veracidade e boa-fé das declarações fiscais apresentadas pelos contribuintes e dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita não se verifica nos casos elencados nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 75.º da LGT, pelo que, aqui, não funciona a presunção legal cominada no seu n.º 1, aplicando-se, então, a regra geral do ónus da prova prevista no n.º 1 do artigo 74.º da LGT. Se da prova produzida resultar fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deve o ato impugnado ser anulado, valorando-se a fundada dúvida a favor do contribuinte – artigo 100.º n.º 1 do CPPT. Com efeito, e do que se trata, na realidade, é que no nosso sistema fiscal vigora o princípio da declaração do contribuinte no apuramento da matéria tributável, o que implica um acréscimo dos deveres de colaboração do sujeito passivo para com a AT, entre os quais constam os de manter uma contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal que permita o apuramento e fiscalização dos valores declarados. Foi, portanto, estabelecido o princípio da colaboração entre o sujeito passivo e a AT, caracterizado, além do mais, pelo dever de o contribuinte cumprir as suas obrigações declarativas e acessórias, designadamente as que respeitam ao registo contabilístico das compras e das vendas realizadas e dos fluxos fiscais. Por outro lado, a AT tem o poder/dever de fiscalização dos elementos declarados pelos contribuintes, de modo a determinar a conformidade da sua situação fiscal com o quadro legal aplicável. Do princípio da declaração no apuramento da matéria tributável decorre a presunção de veracidade dos dados e apuramentos que constam das declarações fiscais apresentadas, exceto se se verificarem erros, inexatidões ou outros fundados indícios de que elas não refletem a matéria tributável efetiva do contribuinte. Portanto, só no caso de resultar, do controlo efetuado, que a matéria coletável apurada na declaração apresentada não corresponde à realidade, pode a AT realizar correções à mesma, cabendo a esta o ónus da prova da existência dos pressupostos de facto e de direito do ato de liquidação oficiosa, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, pelo que essa prova é normalmente alcançada pela articulação de factos-índice reunidos pela AT, à luz das regras da experiência comum, que devem ser objetivos e tão concretos quanto possível, que possam conduzir à certeza prática de que a liquidação é devida. Não obstante, tendo como assente que a veracidade do conteúdo da declaração aduaneira não é uma verdadeira presunção legal, mas antes uma forma de repartição do ónus da prova que, de forma dinâmica, impende sobre uma ou outra parte, em função da prova produzida pela contraparte – nesse sentido, Pires de Sousa, Prova por presunção no direito civil, pág. 17. O que significa que a Impugnante beneficia, assim, não apenas de uma «verdade interina», na medida em que a veracidade e a boa-fé das suas declarações deriva da forma como são apresentadas (isto é, depende serem apresentadas “nos termos da lei”), como também de uma dispensa de fazer qualquer prova relativa a essa materialidade – cfr. artigo 349.º e 350.º do Código Civil. O que leva subjacente, igualmente, a ideia de que para contrariar essa “presunção”, a Autoridade Tributária não necessita de fazer prova do contrário – cfr. art.º 350.º n.º 2 do Código Civil –, isto é, que a mercadoria tinha, efetivamente, origem na China, como ocorreria se se tratasse de uma verdadeira presunção legal, porque, de harmonia com o n.º 2 do referido artigo 75º da LGT, a “presunção” não se aplica quando se verificarem «indícios fundados» de que tais operações não se realizaram conforme o declarado, ou seja, que, no caso em apreço, a mercadoria poderá não ter sido produzida na Malásia. Portanto, tudo está em saber se a AT reuniu, de facto, estes indícios suficientes que permitam afastar a presunção de veracidade da Declaração Aduaneira apresentada pela Impugnante. Como decorre do base fáctica assente, a mercadoria constante do DAU apresentado pela Recorrida foi caracterizada ou catalogada, à posteriori, pela Alfândega de Leixões, como originária na China, muito embora o tenha sido com base nas conclusões vertidas no relatório do OLAF, conclusões essas extraídas da sua investigação efetuada no âmbito da missão AM 16/2010. É que, por via do confronto das informações dos transbordos feitos no porto da Malásia de mercadorias com origem na República Popular da China e das exportações para Portugal, foi possível detetar que a mercadoria mencionada na DAU apresentada pela Impugnante poderia ser a mesma, estabelecendo-se entre elas um elo de ligação capaz de sustentar a mesma universalidade de bens e a ideia de que aquelas teriam apenas feito o transbordo no referido porto malaio com o único desiderato de beneficiar do respetivo regime aduaneiro. E, apesar de a ora Recorrida alegar que a OLAF, ao não ter conseguido determinar, inequivocamente, que a mercadoria por si importada era ou não de origem malaia e, consequentemente, “não podendo a AT proceder à liquidação de direitos antidumping sem ter uma decisão sua plenamente fundamentada ou não sustentada em decisões meramente suspeitas transmitidas por aquele organismo”, a verdade é que da ação fiscalizadora constante do referido processo de cobrança à posteriori, o Organismo Económico de Luta Antifraude (OLAF) conseguiu, através da recolha de informação e num exercício de confrontação – o “matching exercise” – aferir que determinadas mercadorias declaradas em várias DAU’s aceites em determinados Estados-Membros eram provenientes da China, ao que também se apurou que foram aceites, em Portugal, sete DAU’s neste contexto, pelo que o referido organismo solicitou a cobrança dos respetivos direitos aduaneiros. Se é certo que, ab initio, a Recorrida beneficiava da «verdade interina» de “veracidade e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal” e estaria dispensada de fazer qualquer prova relativa a essa materialidade [cf. artigo 349.º e 350.º do Código Civil]. Certo é, também, que para contrariar essa “presunção”, a Autoridade Tributária não tem de fazer prova do contrário [cf. artigo 350.º n.º 2 do Código Civil], isto é, que a mercadoria tinha efetivamente origem na China, como ocorreria se se tratasse de uma verdadeira presunção legal. Pois que, de harmonia com o n.º 2 do artigo 75º, da LGT, a “presunção” não se aplica quando se verificarem «indícios fundados» que tais operações não se realizaram conforme declarado, isto é, que, no caso em apreço, a mercadoria poderia não ter sido produzida na Malásia. Por «indícios» se deve ter o que aponta no sentido da existência de um determinado facto, um princípio de prova, ou seja, uma prova que não é suficiente, por si só, para estabelecer um qualquer juízo final sobre a verificação do facto, mas que pode coadjuvar a prova de um facto quando conjugado com outros elementos de prova. Prosseguindo, ao se prever na LGT que os indícios devem ser fundados, eleva-se a exigência probatória, impondo-se que tais indícios constituam mais do que meras suspeitas precariamente sustentadas em factos objetivos, uma “intuição” ou “pré-conceito”. Exige-se, assim, que os indícios sejam suficientes para atingir um segundo nível de grau de prova ou crença, mediante o qual se possa afirmar que tais indícios são suficientes para que se crie in casu a convicção racional que a ausência de materialidade daquelas operações, mais do que hipotética ou meramente possível, é verosímil e provável (no sentido de probabilidade estatística ou “valor esperado”). Afastando-se a presunção legal pela demonstração de «indícios fundados», remove-se, também, a dispensa do ónus da prova da materialidade das operações e, consequentemente passa a ser aplicável a regra geral ínsita no art.º 74.º da LGT em que “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque” [disposição de efeito análogo ao do art.º 342.º do CC]. Resulta, assim, do expendido que, não recai sobre AT a imposição de identificar todas as mercadorias que são de origem chinesa. Uma vez que seria objetivamente impossível a confirmação de que todas as mercadorias foram ou não produzidas na Malásia, deve entender-se que a prova será alcançada pela articulação de factos-índice reunidos pela AT, à luz das regras da experiência comum, que devem ser objetivos e tão concretos quanto possível, que conduzem à certeza prática de que as declarações aduaneiras poderão ser inexatas – cf. artigo 75.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a) da LGT Trata-se, no fundo, da realização de prova indireta, por indícios ou até por presunções, pois apenas assim se pode chegar à conclusão da realização de declarações aduaneiras não fidedignas. Neste sentido, tendo-se concluído que pelo menos 208 importações de mercadorias com transbordo na Malásia são de origem chinesa – questão alegada pela própria impugnante –, não restam dúvidas que tal circunstância é apta ou suscetível de abalar a presunção de veracidade de que gozam aquelas declarações fiscais. Aliás, por ser conhecida e estar comprovada a utilização da Malásia como forma de a China tentar defraudar a lei comunitária relativa a direitos antidumping [Regulamento (CE) n.º 91/2009], pelo Regulamento de Execução (UE) n.º 723/2011 do Conselho, com a última redação que lhe foi dada pelo Regulamento de Execução (UE) n.º 693/2012, as medidas antidumping relativas às mercadorias ali referidas provenientes da República Popular da China vieram a ser tornadas extensivas às importações de determinados parafusos de ferro ou aço expedidos da Malásia, independentemente de serem ou não declarados originários da Malásia. Com efeito, perante aquela informação do organismo europeu encarregado da averiguação e verificação da validade de tais certificados, no âmbito da cooperação institucional entre os vários órgãos dos Estados-Membros da UE, não vemos que outra instrução poderia ser levada a cabo em Portugal no sentido de confirmar ou não tal falsidade, pelo que as diligências e o resultado final da OLAF, da falsidade ou inexatidão das declarações, são suficientes para a Alfândega agir em conformidade ao nível da liquidação dos direitos devidos, desta forma se mostrando cumprido o ónus probatório que sobre si lhe cabia nos termos do disposto nos artigo 342.º do Código Civil e 74.º da LGT. Sintetizando, demonstrando a Autoridade Tributária a existência de indícios sérios, credíveis e fundados que conjugados e apreciados de harmonia com as regras de experiência comum permitam criar a convicção da probabilidade séria da distinta origem da mercadoria, é à Impugnante que cabe o ónus da prova da origem dessa, infirmando a prova recolhida, no sentido de demonstrar a validade ou exatidão de tais certificados ou declarações aduaneiras, nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT. Como decorre da factualidade assente, em causa está a constatação da coincidência entre existência de transbordo de mercadoria com origem na China e contemporânea exportação de mercadoria idêntica para Portugal, com base na qual a Alfândega agiu com base num indício sério de desconformidade da origem da mercadoria, em que é simulada a sua origem e com vista a obter um benefício aduaneiro. Motivo que leva a que seja invertido o ónus da prova, incumbindo à Recorrida a demonstração da verdadeira origem da mercadoria adquirida. Nesse domínio a Recorrida nenhuma prova fez. Assim sendo, não lhe assiste razão nos vícios apontados ao acto de liquidação, motivo pelo qual estes se julgam improcedentes. 2.2.3. Da boa-fé do importador e vício de violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 220º do CAC [artigo 98º a 135º da petição inicial] Mais, alega a ora Recorrida, que agiu de boa-fé, diligenciando junto do vendedor para aferir das condições de produção da mercadoria adquirida, que o eventual erro de que enferme o certificado de origem não era passível de ser por si detetado, pelo que seria aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do art.º 220.º do CAC. Sintetizando, sustenta aquela que, por um lado, não se verifica qualquer erro da própria detetado a posteriori pela Autoridade Aduaneira, pois entende que não teve, nem poderia ter, conhecimento de que as declarações de origem apresentadas não correspondiam à realidade, não aceitando, até prova segura em contrário, que a exportadora se prestasse a emitir falsas declarações e, por outro lado, que os registos de liquidação efetuados são consequência de erros das próprias autoridades aduaneiras, que não podiam razoavelmente ser detetados pela ora Recorrida, tendo esta, por seu lado, agido de boa fé e com rigorosa observância de todas as disposições previstas na regulamentação em vigor, no que se refere à declaração aduaneira. Em sentido inverso, defende a AT que não assiste razão à Recorrida quando invoca o disposto no artigo 220.º, n.º 2. al. b) do CAC, uma vez que não se tratou de erro das autoridades aduaneiras, dado a emissão do certificado se basear numa declaração incorreta do exportador. Na apreciação e decisão desta questão, seguiremos de perto a fundamentação constante do recente acórdão datado do pretérito dia 19.12.2024, proferido no âmbito do processo n.º 558/13.4BEAVR, que recaiu sobre impugnação em que coincidem as partes, os bens importados, pedido e seus fundamentos, apenas divergindo a data de importação e documentação de suporte. «(...) Ora, conforme resulta da conjugação do supra exposto com o teor dos factos provados, constata-se do facto provado B) que a a importação dos bens em causa ocorreu a 09 de junho de 2010 conforme decorre do DAU n.º 2010PT000034020216842. Ou seja, as importações em causa, ocorreram em momento anterior à publicação do Regulamento (UE) n.º 966/2010 da Comissão de 27 de Outubro de 2010 que inicia um inquérito sobre a eventual evasão às medidas anti-dumping instituídas pelo Regulamento (CE) n.º 91/2009 do Conselho sobre as importações de determinados parafusos de ferro ou aço originários da República Popular da China através de importações de determinados parafusos de ferro ou aço expedidos da Malásia, independentemente de serem ou não declarados originários da Malásia, e que tornou obrigatório o registo destas importações . Porém, tal não impede que a Recorrida seja objeto das medidas antidumping conforme resulta do decidido no acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) datado de 6 de junho de 2013, processo C-667/11, que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.º o TFUE, apresentado pelo Administrativen sad Varna (Bulgária): “O artigo 14. o , n. o 5, do Regulamento (CE) n. o 1225/2009 do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo à defesa contra as importações objeto de dumping dos países não membros da Comunidade Europeia, para o qual remete o artigo 2. o do Regulamento (UE) n. o 966/2010 da Comissão, de 27 de outubro de 2010, que inicia um inquérito sobre a eventual evasão às medidas antidumping instituídas pelo Regulamento (CE) n. o 91/2009 do Conselho sobre as importações de determinados parafusos de ferro ou aço originários da República Popular da China através de importações de determinados parafusos de ferro ou aço expedidos da Malásia, independentemente de serem ou não declarados originários da Malásia, e que torna obrigatório o registo destas importações, deve ser interpretado no sentido de que modalidades de registo como as que estão em causa no processo principal estão em conformidade com essa disposição e, por isso, são suficientes para a cobrança retroativa do direito antidumping em aplicação do artigo 1. o do Regulamento de Execução (UE) n. o 723/2011 do Conselho, de 18 de julho de 2011, que torna extensivo o direito antidumping definitivo instituído pelo Regulamento (CE) n. o 91/2009 sobre as importações de determinados parafusos de ferro ou aço originários da República Popular da China às importações de determinados parafusos de ferro ou aço expedidas da Malásia, independentemente de serem ou não declaradas originárias da Malásia, na sequência de um inquérito em que se concluiu pela existência de evasão aos direitos antidumping definitivos impostos pelo Regulamento (CE) n. o 91/2009 do Conselho, de 26 de janeiro de 2009, que institui um direito antidumping definitivo sobre as importações de determinados parafusos de ferro ou aço originários da República Popular da China.” Sublinado nosso. Ora, conforme já referido o Tribunal a quo estribou o fundamento de procedência da impugnação judicial interposta pela recorrida no pressuposto de que esta agiu em boa-fé, nos termos previstos no artigo 220.º, n.º 2, al. b) do Código Aduaneiro Comunitário (doravante CAC) na importação de bens da Malásia, desconhecendo que os mesmos tinham sido produzidos na China. Porém, conforme decidido no Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) proferido a 18 de Outubro de 2007, processo C-173/06, Agrover Srl contra Agenzia Dogane Circoscrizione Doganale di Genova: “(…) 30 Há que recordar que, segundo o artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do código aduaneiro, as autoridades competentes só procedem ao registo de liquidação a posteriori dos direitos de importação se estiverem reunidas três condições cumulativas. É preciso, em primeiro lugar, que os direitos não tenham sido cobrados devido a um erro das próprias autoridades competentes, em seguida, que o erro cometido por estas seja de natureza tal que não possa razoavelmente ser detectado por um devedor de boa fé e, finalmente, que este tenha observado todas as disposições previstas pela regulamentação em vigor no que respeita à sua declaração aduaneira (v., por analogia, acórdãos de 12 de Julho de 1989, Binder, 161/88, Colect., p. 2415, n.°s 15 e 16, e de 14 de Maio de 1996, Faroe Seafood e o., C-153/94 e C-204/94, Colect., p. I- -2465, n.° 83; despachos de 9 de Dezembro de 1999, CPL Imperial 2 e Unifrigo/ /Comissão, C-299/98 P, Colect., p. I-8683, n.° 22, e de 11 de Outubro de 2001, William Hinton & Sons, C-30/00, Colect., p. I-7511, n. ° s 68, 69, 71 e 72). Desde que estas condições estejam satisfeitas, o devedor tem direito a que não se proceda à cobrança a posteriori (acórdão de 27 de Junho de 1991, Mecanarte, C-348/89, Colect., p. I-3277, n.° 12). 31 Relativamente à primeira destas condições, importa recordar que o artigo 220.°, n.° 2, alínea b), do código aduaneiro tem por objectivo proteger a confiança legítima do devedor quanto ao fundamento de todos os elementos que intervêm na decisão de cobrar ou não cobrar os direitos aduaneiros. A confiança legítima do devedor só é digna da protecção prevista neste artigo se tiverem sido «as próprias» autoridades competentes que criaram a base em que assentava essa confiança. Assim, só os erros imputáveis a um comportamento activo das autoridades competentes conferem o direito à não cobrança a posteriori dos direitos aduaneiros (v., por analogia, acórdão Mecanarte, já referido, n.°s 19 e 23).” Ora, na presente situação não se vislumbra que tenha ocorrido qualquer erro das próprias autoridades aduaneiras (o erro a existir foi de um terceiro) e, assim sendo, não é aplicável à presente situação o regime previsto no artigo 220.º do CAC, mormente o seu n.º 2, al. b), tornando-se inútil apreciar se a Recorrida agiu, ou não de boa fé. Idêntica solução é apontada pelo Acórdão deste Tribunal, proferido a 4 de junho de 2020 no processo 00019/12.9BUPRT.» (fim de transcrição acórdão do TCA Norte de 19.12.2024, proferido no âmbito do processo n.º 558/13.4BEAVR). Acompanhado o assim decidido e fundamentado, aqui afirmamos que não estamos perante uma situação em que as autoridades aduaneiras portuguesas deviam ter renunciado à liquidação a posteriori – cfr. artigo 220.º, n.º 2, alínea b) do Código Aduaneiro Comunitário. De acordo com tal normativo, a Autoridade Fiscal não efetuará o registo de uma liquidação a posteriori, desde que se encontrem reunidos, em simultâneo, quatro condições, a saber: (i) que a ausência do registo da liquidação ou a sua efetivação em montante inferior ao legalmente devido derive de um erro ativo das próprias autoridades aduaneiras, assim estando excluídos os erros resultantes da simples aceitação de elementos ou documentos juntos à declaração aduaneira, os quais se revelem posteriormente incorretos; (ii) que o erro ativo em questão não possa ser razoavelmente detetado pelo devedor; (iii) que o devedor tenha cumprido todas as disposições previstas na regulamentação em vigor no que diz respeito à declaração aduaneira em causa, e; (iv) que o devedor tenha agido de boa fé – cfr. Acórdão do TJUE, de 14.11.2002, proc. C-251/00, Ilumitrónica, disponível em www.curia.europa.eu; acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 15.12.2016, proferido no processo n.º 6622/13 e acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 07.02.2019, proc. n.º 3757/2004- Ora, no caso sub judice, entende este Tribunal ad quem que o facto dos registos de liquidação dos direitos aduaneiros e de IVA terem sido efetuados por valor inferior ao devido não ficou a dever-se a um erro ativo das autoridades aduaneiras, dado que as mesmas se limitaram a aceitar as declarações aduaneiras processadas, bem como, os respetivos documentos apresentados, isto porque foram prestadas declarações inexatas pela sociedade ora Recorrida, assim não sendo aplicável, ao caso dos autos, o disposto no examinado artigo 220.º, n.º 2, al. b) do CAC – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 29.06.2017, proferido no processo n.º 07980/14, disponível em www.dgsi.pt. Como discorre do exposto, o devedor tem direito a que não se proceda à cobrança a posteriori quando se verifiquem determinadas condições cumulativas, sendo uma delas, desde logo, a que os direitos não tenham sido cobrados devido a erro das próprias autoridades aduaneiras competentes. Portanto, bastará que este pressuposto não se verifique para que não possa haver a renúncia à liquidação a posteriori. Assim, e seguindo entendimento jurisprudencial assente, o erro das autoridades aduaneiras, “(...) tem de ser um «erro activo», isto é, o erro tem que resultar de comportamento activo das autoridades aduaneiras competentes. A protecção da confiança do devedor que o normativo em causa visa salvaguardar só faz sentido se tiverem sido as próprias autoridades competentes a criar a base em que tal confiança assenta. São excluídos os erros resultantes de declarações inexactas do devedor, visto que o erro não emerge então de qualquer actuação da autoridade aduaneira. São também excluídos os erros resultantes de declarações inexactas do terceiro exportador (vg. quanto à origem da mercadoria), «cuja validade não têm de verificar ou apreciar. Em tal caso, é o devedor que suporta os riscos de um documento comercial que se revele falso aquando de um controlo posterior” – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 04.06.2020, proferido no processo n.º 0019/12.9BUPRT. In casu, temos, desde logo, que o erro em apreço reside na declaração apresentada pela Recorrida na qualidade de importadora, emitida com base em documentos de terceiro – o formulário “Form A”, emitido em Kuala Lumpur e certificado pelo Ministério da Indústria e Comércio Internacional da Malásia, atestando que a mercadoria tinha sido produzida na Malásia e, que as autoridades alfandegárias portuguesas limitaram-se a processar os documentos que lhe foram exibidos, dado não suspeitarem, então, de qualquer ilegalidade. Sendo que, estão excluídos do artigo 220.º, n.º 2, alínea b) do CAC os erros resultantes de declarações inexatas do terceiro exportador quanto à origem da mercadoria. O probatório evidencia que o erro é imputável ao exportador autorizado, que atestou a origem dos parafusos sextavados, e, em tal caso, é o devedor que suporta os riscos de um documento comercial que se revele falso aquando de um controlo a posteriori – cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 04.06.2020, proferido no processo n.º 00019/12.9BUPRT. E, o mesmo se diga da invocada violação do princípio da segurança jurídica, subjacente. Sustenta, em síntese, a Recorrida que o certificado de origem foi devidamente controlado pelas autoridades aduaneiras nacionais aquando da importação, pelo que, tendo a AT dúvidas sobre a sua validade, não o deveria ter aceitado nem, em consequência, ter autorizado a saída dos bens com aplicação do regime de preferência Isso pressupõe que a Alfândega portuguesa já tivesse algum motivo para duvidar da verdade material subjacente à documentação que lhe foi exibida. Porém, não existe qualquer prova de que a Alfândega tenha manifestado alguma dúvida concreta sobre a origem real da mercadoria. Carece de razão a Recorrida, a aceitação da declaração pelas autoridades Alfandegárias não exprime qualquer acto de reconhecimento ou certificação por parte daquelas da conformidade daquela declaração com os pressupostos de acesso à isenção de direitos aduaneiros, ou seja, não confirma as condições materiais de acesso, mas apenas que a declaração está em condições de ser recebida. É que, a aceitação da declaração não exprime qualquer ato de reconhecimento ou certificação por parte das Autoridades Aduaneiras de conformidade daquela declaração com os pressupostos de acesso à isenção de direitos aduaneiros, ou seja, não se confirmam as condições de acesso, mas apenas que a declaração está em condições de ser recebida - nos termos do artigo 63.º do Código Aduaneiro Comunitário, determina-se que as declarações que obedeçam às condições do artigo 62.º são imediatamente aceites. O que significa que um controlo a posteriori que determine a liquidação adicional de direitos aduaneiros não configura a violação do princípio jurídico invocado – cf. neste sentido acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 04.06.2020, proferido no processo n.º 0019/12.9BUPRT. Por outro lado, nos termos do artigo 78.º, n.º 3, do Código Aduaneiro Comunitária, a AT poder proceder, legitimamente, à revisão da declaração aduaneira após a concessão da autorização de saída das mercadorias, assim como proceder a controlos a posteriori para se certificar da exatidão dos elementos da declaração e, no caso de constatar que as disposições que regem o regime aduaneiro foram aplicadas com base em elementos inexatos, dever tomar as medidas necessárias para regularizar a situação, tendo em conta os novos elementos de que dispõe, liquidando adicionalmente os impostos que não tenham sido devida e legalmente recebidos. Improcede, por isso, o vício invocado. Por tudo o exposto, atenta a improcedência da impugnação, fica prejudicado o conhecimento da questão relativa ao pedido de juros indemnizatórios 3. Conclusões I. A fundamentação do acto administrativo (tributário) é um conceito relativo, devendo concluir-se pela sua existência quando um destinatário normal, presumido na posição dos interessados em concreto, não tenha dúvidas acerca das razões (factuais e (ou) jurídicas) que motivaram a decisão. II. Como decorre do disposto no artigo 78.º, n.º 3, do CAC, o ónus da prova de que as mercadorias importadas estão em condições de beneficiarem de uma dada preferência pautal cabe aos operadores económicos interessados. III. Não é sobre a Alfândega que recai o dever de diligenciar no sentido de confirmar ou infirmar as conclusões do relatório do OLAF. Esse, ónus da prova, impende sobre a Recorrida, pois é a esta que compete o ónus da prova da confirmação ou infirmação daquela conclusão, demonstrando a real origem dos produtos por si adquiridos. IV. No âmbito de um control a postrriori o ónus da prova da AT pode bastar-se pela articulação de factos-índice reunidos por aquela, à luz das regras da experiência comum, que devem ser objetivos e tão concretos quanto possível, que conduzem à certeza prática de que as declarações aduaneiras poderão ser inexatas. V. Consagra o artigo 220.º, n.º 2, alínea b), do Código Aduaneiro Comunitário, a impossibilidade de registo de uma liquidação a posteriori do montante da liquidação dos direitos legalmente devidos, desde que se encontrem reunidos, em simultâneo, quatro condições, sendo a primeira delas que o registo da liquidação em montante inferior ao legalmente devido derive de um erro ativo das próprias autoridades aduaneiras, estando assim excluídos os erros resultantes da simples aceitação de elementos ou documentos juntos à declaração aduaneira, que se revelem posteriormente incorretos. 4. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e conhecendo julgar a impugnação improcedente. Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias, sem prejuízo da dispensa de taxa de justiça, dado não ter contra-alegado, nesta instância. Porto, 16 de janeiro de 2025 Irene Isabel das Neves Graça Valga Martins Isabel Ramalho dos Santos |