Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 037460/24.6BELSB-S1 |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 04/04/2025 |
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Tribunal: | TAF de Coimbra |
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Relator: | RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA |
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Descritores: | LEVANTAMENTO DO EFEITO SUSPENSIVO AUTOMÁTICO; ARTIGO 103º, Nº. 4 DO CPTA; |
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Sumário: | I – Conforme ditado pelo artigo 103º - A do C.P.T.A., o que está em causa não é ponderar valores ou interesses em si, mas danos ou prejuízos, que numa prognose relativa às circunstâncias do caso concreto, resultariam do levantamento ou não do efeito suspensivo dos efeitos do ato impugnado. II- Perante a evidência que a atividade de limpeza das instalações municipais, dos estabelecimentos de ensino e estabelecimentos de saúde constitui um serviço público de caráter estrutural essencial ao (i) bem-estar da população municipal - estudantes, docentes, funcionários municipais, utentes de saúde, etc.,- e à (ii) saúde pública, atribuído por lei aos Municípios, deve entender-se que a paralisação de um contrato relativo à atividade de limpeza nos termos e com o alcance supra explicitados implicará, por si, só riscos de saúde pública, para além de impactar com o bem-estar ambiental populacional. III- Neste enquadramento, e perante a inexistência de prejuízos para a Requerente - que não os demonstrou -, nenhuma ponderação criteriosa pode conduzir à conclusão que o interesse privado prevalece sobre o demais, de forma a justificar a manutenção do efeito suspensivo automático do presente procedimento concursal.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos: * * I – RELATÓRIO 1. A sociedade comercial [SCom01...], Lda., Autora nos autos de CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Entidade Demandada o MUNICÍPIO ..., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da “(…) sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que indeferiu o pedido solicitado pela Recorrente para que a Entidade Demandada esclarecesse o Tribunal sobre eventuais atos adotados com vista à aquisição de novos serviços similares aos serviços objeto do Contrato impugnado, designadamente, identificando o procedimento pré-contratual adotado (ou em adoção) dirigido à aquisição dos serviços de fornecimento em causa, juntando aos autos os respetivos documentos e bem assim, da sentença que determinou o levantamento do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação impugnado (…)”. 2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) 1. Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que indeferiu o pedido solicitado pela recorrente para que a Entidade Demandada esclarecesse o Tribunal sobre eventuais atos adotados com vista à aquisição de novos serviços similares aos serviços objeto do Contrato impugnado, designadamente, identificando o procedimento pré-contratual adotado (ou em adoção) dirigido à aquisição dos serviços de fornecimento em causa, juntando aos autos os respetivos documentos e bem assim, da sentença que determinou o levantamento do efeito suspensivo automático do ato de adjudicação impugnado. • Do indeferimento do pedido formulado à Entidade Demandada à luz do artigo 8º do CPTA. 2. A recorrente requereu a notificação da Entidade Demandada para vir esclarecer o Tribunal sobre eventuais atos adotados com vista à aquisição de novos serviços similares aos serviços objeto do Contrato impugnado, designadamente, identificando o procedimento pré-contratual adotado (ou em adoção) dirigido à aquisição dos serviços de fornecimento em causa, juntando aos autos os respetivos documentos. 3. Fê-lo em cumprimento da obrigação plasmada nos números 3 e 4, do artigo 8.° do CPTA, por entender que, a Entidade Demandada está obrigada a remeter ao Tribunal, em tempo oportuno, todos os documentos respeitantes à matéria do litígio, bem como a informar o Tribunal, ao longo do processo, de superveniências resultantes da sua atuação, designadamente quando sejam emitidos novos atos administrativos «cuja manutenção na ordem jurídica possa colidir com os efeitos a que se dirige o processo em curso». 4. Foi entendimento do douto Tribunal recorrido, que atenta a posição assumida pelas partes no presente incidente, não se afigura ao Tribunal que os esclarecimentos/elementos requeridos pela Autora sejam absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade e à tomada conscienciosa da decisão a proferir. 5. Só que, salvo o devido respeito, é entendimento da recorrente que no despacho em crise, o douto Tribunal recorrido ocorreu em erro de julgamento por ter considerado as diligências de prova por si requeridas serem desnecessárias para demonstrar inexistir os prejuízos alegados pela Entidade Demandada. 6. É verdade que, o objeto da instrução no âmbito do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático tem o seu campo mais limitado do que o que emerge do número 1 do artigo 90.° do CPTA, pois apenas abrange, entre os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, os que se mostrem absolutamente indispensáveis. 7. Esta absoluta indispensabilidade não deixa de corresponder ao preenchimento de um conceito indeterminado cujo juízo decisório se situa na esfera do Tribunal, mas que encontra o seu conteúdo nos factos, relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova, que são fundamentais e imprescindíveis para a decisão. 8. Refira-se, ainda, que à luz do número 4 do artigo 103.°-A, impende sobre o requerente do incidente de levantamento do efeito suspensivo automático, que será a Entidade Demandada, o ónus de alegar e de provar factos de onde se retire que em face dos interesses públicos e privados em presença, e da ponderação que sobre eles devesse ser feita, a manutenção do efeito suspensivo automático resulta em prejuízos superiores aos que derivam do seu levantamento. 9. Todavia, não é displicente ter em conta que está em causa uma tutela de natureza cautelar destinada a manter o status quo na pendência da ação, garantindo que o impugnante venha a ter a possibilidade de executar o contrato no caso de obter provimento na ação, a aferição e ponderação dos prejuízos (a que se reporta o n.° 4 do artigo 103.°-A) corresponde a um juízo de prognose - de previsão ou conjetura - sobre os mesmos e por referência ao período provável de delonga da ação de contencioso pré-contratual até ao trânsito em julgado. 10. Como resulta do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14.02.2020, proc. n° 02326/19.0BEPRT-S1: III - Se a satisfação do interesse público visada pelo contrato a celebrar (objeto da adjudicação judicialmente impugnada) se encontra assegurada, e esse mesmo interesse público foi o invocado pelo réu para o levantamento do efeito suspensivo automático, não se justifica o seu levantamento. 11. Efetivamente, para que o Tribunal possa concluir pela impossibilidade de suprir por administração direta os serviços de limpeza sub judice, não pode privar a recorrente de demonstrar a atual situação ao nível de meios humanos e equipamentos disponíveis para assegurar as atividades concursadas. 12. Ao contrário do decidido pela 1ª Instância, a este respeito a recorrente, invoca factualidade concretizada relativamente à qual não é de afastar o pedido prova nos termos solicitados. 13. Esta prova revela-se, nos termos que emergem do artigo 103.°-A, número 3, do CPTA absolutamente indispensável à decisão do incidente. 14. Na ausência dessa prova o que se verifica é que, efetivamente, o Tribunal de 1.ª Instância concluiu que o interesse público deveria ser protegido pelo levantamento do efeito suspensivo do contrato, o que, na verdade, como já se demonstrou pela decisão proferida pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14.02.2020, proc. n° 02326/19.0BEPRT-S1, poderia não ser assim se a Entidade Demandada esclarecesse o Tribunal se havia celebrado contrato com objeto idêntico até à decisão final a proferir. 15. Considerando o exposto, entende-se que a prova requerida era, no que respeita à factualidade enunciada, absolutamente indispensável à decisão do incidente, enfermando o despacho, datado de 27,12.2024, que dispensou a produção de prova, um erro de julgamento, que importa a sua anulação e, consequentemente, a baixa dos autos à 1ª Instância para que ali sejam realizadas as diligências de prova solicitadas pela recorrente no seu requerimento de resposta ao levantamento do efeito suspensivo, seguindo-se a prolação de nova decisão nos termos do artigo 103.°-A, número 3, do CPTA (artigo 662.°, número 2, alínea c) do CPC). • Do levantamento do efeito suspensivo. 16. Vem a Entidade Demandada por via do presente incidente requerer, o levantamento do efeito suspensivo automático do ato impugnado resultante da propositura da presente ação de contencioso pré-contratual, com fundamento de que «a manutenção do efeito suspensivo automático nos presentes autos impede a limpeza das referidas instalações com todas as consequências daí decorrentes, em termos de prejuízo para o normal funcionamento dos serviços afetados e, também, para a saúde pública. Argumenta que ainda que fosse possível equacionar a hipótese de um departamento municipal funcionar sem limpeza durante algumas semanas, tal será impensável relativamente aos estabelecimentos de ensino, estabelecimentos de saúde e equipamentos municipais como as piscinas e outras estruturas destinadas à prática desportiva. Acrescenta que, no caso dos estabelecimentos de saúde, está previsto no Caderno de Encargos uma limpeza programada profunda a efetuar em todos os dias úteis. Considera que, está em causa um interesse público qualificado ligado à proteção da saúde pública e do bem-estar geral, que não se compadece com as delongas decorrentes de um processo judicial. Argumenta, que o facto de os procedimentos concursais urgentes terem ficado desertos se deve à fixação de um preço base anormalmente baixo, causador de distorção das regras do mercado. Conclui que não existe perigo na interrupção do fornecimento dos serviços de limpeza objeto do concurso em crise, daí decorrendo que não existe qualquer ameaça ao interesse público prosseguido pela entidade demandada. Por outro lado, alega que a execução do ato de adjudicação com a consequente celebração do contrato provocará, na esfera jurídica da autora, prejuízos graves e irreparáveis, tornando irreversível a infração ao direito da contratação pública pelo menos no plano da reparação natural. Refere que o levantamento do efeitos suspensivo automático fará com que "quando ocorrer a prolação de uma sentença favorável na ação principal, o presente Concurso já terá terminado e, provavelmente, o contrato que consubstancia o seu objeto terá sido executado, com as necessárias e evidentes consequências que tal facto gerará na atividade da Autora com séria afetação dos compromissos comerciais por esta assumidos e do próprio posicionamento da autora no mercado em que atua". Alega ainda que o interesse público ficaria irremediavelmente prejudicado em face do deferimento do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático da adjudicação. Pede o levantamento do efeito suspensivo automático por considerar estarem reunidos os pressupostos de facto e de direito para tal.» 17. Foi entendimento do douto tribunal recorrido que verbis: «Face ao exposto é com manifesta facilidade que, no caso, o tribunal pondera os interesses em presença, concluindo que é manifestamente desproporcional, para os interesses públicos em presença, manter o efeito suspensivo automático nos presentes autos. Com efeito, independentemente da facilidade, ou não, de a entidade demandada poder vir a assegurar a limpeza através de meios alternativos de contratação urgente, afigura-se que a mera disrupção da execução do contrato de limpeza atualmente em curso, ainda que só por algumas semanas, é absolutamente incompatível com as necessidades de limpeza diária de estabelecimentos de saúde, de ensino, de piscinas municipais e outros equipamentos desportivos. Nesse caso não restam dúvidas ao Tribunal que os interesses da saúde pública e do bem-estar da população estudantil, docente, agentes da polícia de segurança pública, funcionários, utentes de estabelecimentos de saúde, das piscinas e de instalações desportivas municipais, deverão prevalecer sobre o interesse económico da autora em ser ressarcida, na eventualidade de lhe vir a ser reconhecida razão na ação que intentou. Procede, assim o presente incidente.» 18. Só que, sempre que o processo de contencioso pré-contratual seja intentado com vista à impugnação de atos de adjudicação, a sua instauração suspende automaticamente os efeitos do ato de adjudicação ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado. 19. Trata-se do designado efeito suspensivo automático da impugnação dos atos de adjudicação, solução acolhida pelo legislador nacional, em transposição das Diretivas Recursos, como aliás, é mencionado no preâmbulo do diploma. 20. Recorde-se que a Diretiva n.° 2007/66/EC, do Parlamento Europeu e do Conselho, publicada no JOL n.° 335, de 20-12-2007, prevê precisamente no seu artigo j 2.°, número 3, para no caso de «(...) recurso de uma decisão de adjudicação de um contrato para um órgão que decida em primeira instância, independente da entidade adjudicante, os Estados-Membros devem assegurar que a entidade adjudicante não possa celebrar o contrato antes de a instância de recurso ter tomado uma decisão, quer sobre o pedido de medidas provisórias, quer sobre o pedido de recurso». 21. O direito ao levantamento do efeito suspensivo automático é de natureza substantiva, mas sendo a aferição dos respetivos pressupostos (requisitos substantivos) da competência do juiz, depende naturalmente de apresentação de requerimento nesse sentido, por não ser de iniciativa oficiosa. 22. O pedido de levantamento do efeito suspensivo automático previsto no artigo 103.°-A do CPTA consubstancia um incidente do processo de contencioso pré-contratual, atentos os termos como o mesmo se mostra ali configurado, conduzindo a que lhe sejam supletivamente aplicáveis, nos termos do artigo 1.° do CPTA, as normas para os incidentes da instância contidas nos artigos 292.° e seguintes do CPC, tal também implica que às partes interessadas cabe oferecer no requerimento em que se suscita o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático - e nos articulados de resposta que sejam apresentados - os respetivos meios de prova. 23. A correta interpretação dos números 2 e 4, do artigo 103.°-A, do CPTA, é a de que o efeito suspensivo automático - previsto no número 1, do mesmo artigo - deve ser levantado quando se demonstre, por alegação e prova, que o deferimento da execução do ato seria gravemente prejudicial para o interesse público ou, por outro lado, gerador de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos (n.° 2), quando na ponderação com os danos que podem resultar do seu levantamento aqueles se mostrem superiores (n.° 4). 24. Se a norma nacional permite o levantamento desse efeito suspensivo quando, sob alegação da Entidade Adjudicante, se constate que o diferimento da execução do ato seja não tão somente prejudicial para o interesse público (que sempre será), mas gravemente prejudicial, que naturalmente exige uma qualificação (agravada) desse prejuízo, no sentido de sério, intenso ou elevado. 25. O mesmo com as consequências lesivas para os outros interesses envolvidos, que a lei exige deverem ser claramente desproporcionadas. 26. Pelo que, só nesse caso deve a imposição ope legis do efeito suspensivo ceder, determinando o Tribunal o seu levantamento. 27. Ostenta ser consensual, que a decisão sobre a permanência ou o levantamento do efeito suspensivo automático se faz desde logo por referência ao contrato correspondente, à sua natureza e objeto - o contrato objeto da adjudicação, cuja suspensão decorrerá automaticamente, ope legis, da impugnação judicial do ato de adjudicação - e por conseguinte, também, aos motivos que justificaram a decisão de contratar e o interesse público que, através dele, se visa satisfazer e assegurar, 28. No caso dos presentes autos, a Entidade Demandada, poderia celebrar com a entidade adjudicada um Ajuste Direto até decisão da ação, ou até ao momento do levantamento do efeito suspensivo. 29. Conclui-se, assim, que não se verifica o facto fundamentador do pedido de levantamento do efeito suspensivo automático formulado pela Entidade Demandada, impondo-se que o douto Tribunal recorrido não tivesse dado procedência ao pedido. 30. Outro entendimento conduziria cair na ideia comum, de que, a não execução do contrato, supostamente, põe em causa o prosseguimento do interesse público prosseguido pela Entidade Demandada, sem qualquer esclarecimento ou concretização adicional relativamente a que exatos prejuízos (graves) resultam da não execução imediata do Contrato. 31. Com efeito, toda e qualquer atividade de contratação pública tem, em maior ou menor medida, subjacente a prossecução de um interesse público do Estado. 32. Mas essa natureza de interesse público não é, por si só, bastante ou suficiente para justificar o levantamento do efeito suspensivo pretendido, sob pena de tal efeito suspensivo se tornar inútil, obsoleto e totalmente impossível de ter aplicação prática. 33. Por conseguinte, resulta a sujeição do requerente às regras impositivas dos ónus de alegação e prova constantes dos artigos 342.°, número 1, do Código Civil, 3.°, números 1, 5.°, número 1, 293.°, número 1, 410.°, 414.° todos do CPC e, em consequência, na falta de alegação de factos concretos (não se bastando a invocação de meros juízos conclusivos) e de prova da sua verificação (não bastando a mera alegação), não pode ser julgado procedente o incidente legalmente previsto. 34. De facto, atento ao requerimento apresentado pela Entidade Demandada, ao abrigo do disposto no artigo 103.°-A do CPTA, verifica-se, sem qualquer dificuldade, que o mesmo se esgota na mera alegação de juízos conclusivos. 35. Com efeito, nos termos e para os efeitos do disposto no número 4, do artigo 103.°-A, do CPTA, não bastaria à Entidade Demandada invocar que a manutenção do efeito suspensivo do ato impugnado iria impossibilitar o fornecimento de serviços de limpeza, constituindo uma grave limitação da prossecução da missão pública da Entidade Demandada. 36. Impunha-se que a Entidade Demandada, em cumprimento do ónus de alegação e prova que sobre si impende, esclarecesse o Tribunal da impossibilidade de obter os serviços somente por via da execução deste contrato, e bem assim, que na hipótese de poder obter a satisfação desses serviços por recursos a novas contratações, essas, não cumpriram o desígnio dos serviços descritos no caderno de encargos - que não fez. 37. Por outro lado, importará aclarar que o cenário desenhado pela Entidade Demandada só seria equacionável, ainda que com um grau de realismo reduzido ou quase inexistente, se estivéssemos perante uma impossibilidade absoluta de o fornecimento de serviços de limpeza ser prestado por uma qualquer outra via alternativa - o que, como sabemos, e aliás, já se demonstrou, não sucede no presente caso. 38. Neste contexto, cremos, no entanto, ser conveniente alertar para o equívoco em que incorreu o douto Tribunal que as adoções de tais meios de contratação urgentes não seriam capazes de conferir à Entidade Demandada o necessário grau de proteção do interesse público. 39. Na verdade, desconhece-se sem ter obrigação de conhecer, por que razão a adoção de tais procedimentos poderiam constituir uma ameaça ao interesse público e, por outro lado, que limitações de valores se aplicam na situação em causa, já que tais procedimentos adotariam as regras do procedimento do concurso sub judice. 40. Sem o ter feito, a tese aduzida pelo douto Tribunal recorrido, está irremediavelmente votada à improcedência. 41. Logo, estando a possibilidade de assegurar o fornecimento ininterrupto do serviço de fornecimento de refeições escolares ao alcance da Entidade Demandada, porque legalmente é possível, resulta manifesta a conclusão de que não existe qualquer perigo real de ser interrompido o fornecimento do objeto do presente procedimento do concurso. 42. Por conseguinte, não há sequer qualquer ameaça ao interesse público prosseguido pela Entidade Demandada, e muito menos se poderá perspetivar a ocorrência de qualquer prejuízo (quanto mais grave!) para a Entidade Demandada. 43. Em termos que nos permitem, sem mais, e por este novo argumento, concluir pela total improcedência do pedido de levantamento do efeito suspensivo decorrente da acção, e procedência do presente recurso. 44. Termos em que, recaindo sobre a Entidade Demandada o ónus de provar a existência de um grave prejuízo para o interesse público, a falta de prova desse requisito resolve-se contra o mesmo, nos termos do artigo 342.°, número 1, do Código Civil, o que implica o indeferimento do incidente deduzido ao abrigo do artigo 103,°-A, do CPTA, na medida em que a falta de prova desse requisito inviabiliza a possibilidade de realização da ponderação de interesses, prevista nos números 2 e 4, desse artigo 103.°- A, ou seja, sendo os requisitos de verificação cumulativa, a falta de preenchimento de qualquer deles resolve-se contra a Entidade Demandada. • Dos prejuízos para a Autora decorrentes da execução. 45. A execução do ato de adjudicação, com a consequente celebração do contrato, provocará - como enfatizado supra - na esfera jurídica da Autora, ora recorrente, prejuízos graves e irreparáveis, na medida em que tornará material ou juridicamente irreversível a infração perpetrada ao direito da contratação pública - pelo menos no plano da reparação natural, por via da reconstituição da situação jurídico procedimental existente antes de tais infrações. 46. A recorrente impugnou a adjudicação do Concurso, porque a mesma está eivada de diversas e gravíssimas ilegalidades, sendo seu propósito principal obterá revogação daquele ato e, em sua substituição, a prática do ato legalmente devido no caso, que implica a anulação do ato de adjudicação. 47. Ora, se for levantado o efeito suspensivo, tal desiderato torna-se, objetivamente, impossível de concretização, na medida em que quando ocorrer a prolação de sentença favorável na ação principal, o presente Concurso já terá terminado e, provavelmente, o contrato que consubstancia o seu objeto terá sido integralmente executado, com as necessárias e evidentes consequências que tal facto gerará na atividade da recorrente, com séria afetação dos compromissos comerciais por esta assumidos e do próprio posicionamento da Autora no mercado em que atua. 48. A recorrente visa obter vencimento na ação principal, sendo nulo o ato impugnado e, em consequência, o contrato administrativo celebrado, o que implicará, cumpre notar, uma pesada responsabilidade contratual do Estado, a qual não terá por contrapartida uma mais rápida resolução do assunto e, consequentemente, uma mais rápida prossecução do interesse público visado. 49. Logo, a manutenção do efeito suspensivo automático decorrente da impugnação do ato de adjudicação é a única solução que pode, verdadeiramente, beneficiar o interesse público prosseguido pela Entidade Adjudicante, concretamente em caso de procedência da ação principal a intentar, pelo que, dúvida não existirá que o interesse público sempre ficaria irremediavelmente prejudicado em face do deferimento do presente pedido de levantamento do efeito suspensivo automático da adjudicação. 50. Em sede de conclusão dir-se-á que, no caso em apreço, não se verificam os pressupostos normativos do levantamento do efeito suspensivo da impugnação do ato de adjudicação contidos no citado artigo 103.°-A do CPTA, devendo, em consequência, ser mantido o efeito suspensivo do ato impugnado e do contrato se, entretanto, este tiver sido celebrado, o que se requer para os devidos efeitos legais. (…)”. * I - Impende sobre o requerente do incidente do efeito suspensivo automático - que será a entidade demandada ou os contra-interessados - o ónus de alegar e provar factos de que se possa extrair que, em face dos interesses públicos e privados em presença, e da respectiva ponderação, a manutenção do efeito suspensivo automático resulta em prejuízos superiores aos que derivam do seu levantamento; II - Como sustenta o Tribunal a quo, a quo, à Recorrente apenas caberia, nos termos do disposto no artigo 346.° do CC, opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; III - Bem andou o Tribunal a quo ao indeferir o requerimento, com as razões aduzidas no despacho recorrido, indeferimento esse que, aliás, até pela celeridade que se impõe na decisão deste tipo de incidente, não se compadece com o tipo de prova requerida, à margem dos factos alegados pelo Recorrido para sustentar o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático; IV - A Recorrente não logra pôr em causa a matéria de facto considerada provada e não provada pelo Tribunal a quo, tanto mais que não cumpre, sequer, o ónus que sobre si impendia para tanto, nos termos do disposto no artigo 640º do CPC; V - Resulta devidamente provado que o concurso aqui em crise tem em vista não só a limpeza das instalações do MUNICÍPIO ..., mas, igualmente, das escolas do concelho e dos centros de saúde; VI - Resulta, igualmente, provado que a limpeza dos estabelecimentos de saúde em causa exige limpeza profunda todos os dias úteis VII - Provou-se, igualmente, que o Recorrido, no passado recente, em 2023, não logrou adjudicar os serviços de limpeza em questão relativos a estabelecimentos municipais e de ensino; VIII - Não provou a Recorrente, por outro lado, que lhe advenha qualquer prejuízo concreto que possa ter com o levantamento do efeito suspensivo automático; IX - Os interesses da saúde pública e do bem-estar da população estudantil, docente, agentes da polícia de segurança pública, funcionários, utentes de estabelecimentos de saúde, das piscinas e de instalações desportivas municipais têm de prevalecer sobre o interesse económico da Recorrente em ser ressarcida, na eventualidade de lhe vir a ser reconhecida razão na acção que intentou; X - No caso, não só é evidente a prevalência dos interesses defendidos pelo Recorrido sobre aqueles defendidos pela Recorrente, como é, também, o circunstancialismo que justifica se está perante situação excepcional que, face aos valores em causa - saúde pública e bem-estar geral da população - justifica o levantamento do efeito suspensivo automático; XI - Nenhuma censura merece a decisão recorrida (…)”. * 4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida. * 5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não exerceu a competência prevista no n.º1 do artigo 146.º do CPTA. * 6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta. * * II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR 7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA. 8. A Recorrente vem interpor recurso jurisdicional, nas palavras da mesma, da “sentença” editada em 27.12.2024 nas componentes decisórias, por um lado, que indeferiu o requerimento probatório contido na resposta ao requerimento de levantamento de efeito suspensivo, e, por outro, que julgou procedente o presente incidente e, em consequência, determinou o levantamento do efeito suspensivo automático. 9. Importará notar, todavia, que não foi a sentença que indeferiu o requerimento probatório supra referenciado, mas sim o despacho interlocutório prolatado pelo Tribunal a quo, em 27.12.2024, o qual, cronológica e processualmente, antecedeu a decisão judicial ora impugnada. 10. Não obstante o despacho interlocutório supramencionado não tenha sido expressamente incluído no objeto formal do presente recurso jurisdicional, é de manifesta evidência que o presente recurso deve abarcar igualmente a apreciação da legalidade do mesmo, visto que a Recorrente, efetivamente, impugnou a componente decisória nele contida, tendo apenas laborado em erro quanto à sua correta integração e classificação processual - considerando, erroneamente, que tais decisões integravam a sentença recorrida quando, na verdade, faziam parte do despacho interlocutório antecedente. 11. Esta imprecisão de natureza meramente formal não deve prejudicar a substância da impugnação, por ser sanável e de diminuta relevância face ao conteúdo da apelação, considerando-se que o “objeto confesso” do presente recurso jurisdicional visa a impugnação, para além da decisão judicial que julgou procedente o incidente de levantamento de efeito suspensivo, do despacho interlocutório de 27.12.2024, que o precedeu. 12. No contexto assinalado, as questões essenciais a dirimir consistem em saber: (i) Determinar se o despacho interlocutório de 27.12.2024, que indeferiu o requerimento probatório contido na resposta ao requerimento de levantamento de efeito suspensivo, enferma de erro de julgamento de direito; (ii) Verificar se a decisão judicial objeto de recurso enferma de erro de julgamento de direito, por errónea aplicação da normação contida no artigo 103.º-A, n.º 4, do CPTA. 13. É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar. * * III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 14. O quadro fáctico [positivo e negativo] apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…) 1. Mediante publicação do Anúncio de Procedimento n.º ...24, no Diário da República, II Série, Parte I, n.º 149, de 2 agosto, e do Anúncio n.º 2024/S 150 - ...18 , no Jornal Oficial da União Europeia, de 2 de agosto, o MUNICÍPIO ... desencadeou um procedimento de concurso público internacional tendente à aquisição de serviços de limpeza de instalações municipais, estabelecimentos de ensino e estabelecimentos de saúde – cf. documento com a referência eletrónica 005371918. 2. Do Cadernos de Encargos consta, com referência aos locais de execução do contrato, o seguinte: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cf. documento com a referência eletrónica 005371920. 3. Do Caderno de Encargos consta, com referência às especificações da limpeza, o seguinte: “(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…)” - cf. documento com a referência eletrónica 005371920. 4. O contrato com a adjudicatária iniciou a sua execução em 01.11.2024 - cf. documento com a referência eletrónica 005379285. 5. No Concurso Público Urgente n.º 10/2023, lançado pela entidade demandada, para aquisição de serviços de limpeza de instalações municipais e de estabelecimentos de ensino dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas sediados no concelho ..., foram excluídas todas as propostas – cf. documento com a referência eletrónica 005378827. 6. No Concurso Público Urgente n.º 11/2023, lançado pela entidade demandada para aquisição de serviços de limpeza de instalações municipais e de estabelecimentos de ensino dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas sediados no concelho ..., foram excluídas todas as propostas – cf. documento com a referência eletrónica 005378828. 7. O valor do custo da limpeza mensal das escolas, centros de saúde e restantes edifícios municipais é de 165.732,61 €, sendo a dotação orçamental disponível do município, à data de 19.12.2024, de 40.321,23 € – cf. documento com a referência eletrónica 005378829. * Factos não provados 1. O levantamento do efeito suspensivo automático provocará, na esfera jurídica da autora, prejuízos graves e irreparáveis e gerará na atividade da autora séria afetação dos compromissos comerciais por esta assumidos e do próprio posicionamento da autora no mercado em que atua (…)”. *
* * IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO * * 15. Nos presentes autos vem interposto, como sabemos, recurso do (i) despacho interlocutório de 27.12.2024, que indeferiu o requerimento probatório contido na resposta ao requerimento de levantamento de efeito suspensivo, e, bem assim, da (ii) decisão judicial que julgou procedente o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático do ato impugnado. 16. Realmente, e com reporte ao primeiro vetor recursivo, a Recorrente sublinha que o pedido de notificação da Entidade Demandada para vir aos autos esclarecer “(…) o Tribunal sobre eventuais atos adotados com vista à aquisição de novos serviços similares aos serviços objeto do Contrato impugnado, designadamente, identificando o procedimento pré-contratual adotado (ou em adoção) dirigido à aquisição dos serviços de fornecimento em causa, juntando aos autos os respetivos documentos (…)” foi formulado em cumprimento da obrigação estabelecida nos n.ºs 3 e 4 do artigo 8.º do CPTA, que impõe à Entidade Demandada o dever de remeter ao Tribunal todos os documentos respeitantes à matéria do litígio e informar sobre superveniências resultantes da sua atuação. 17. Clama a Recorrente que constitui entendimento do Tribunal que, atenta a posição assumida pelas partes no presente incidente, não se afigurava que os esclarecimentos/elementos requeridos pela Autora fosse absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade e à tomada conscienciosa da decisão a proferir. 18. Dissente do assim decidido a Recorrente por manter a firme convicção de que, ao não se permitir a produção de tal prova, o Tribunal a quo privou o processo de elementos essenciais para aquilatar da eventual desnecessidade de levantar o efeito suspensivo, caso se viesse a confirmar a existência de outras soluções contratuais ou meios alternativos que suplantassem o alegado perigo de lesão do interesse público. 19. Com efeito, a Recorrente realça que, se existirem procedimentos em curso ou já concluídos tendentes à aquisição dos mesmos serviços de limpeza, a Entidade Demandada não careceria, afinal, de proceder à execução imediata do contrato agora impugnado para salvaguardar o interesse público na higiene e manutenção de instalações escolares, de saúde e desportivas, caindo, assim, por terra a premissa essencial na qual o Tribunal recorrido alicerçou a decisão de deferir o levantamento do efeito suspensivo. 20. No contexto assinalado, a Recorrente sustenta que o indeferimento das diligências de prova solicitadas se afigura lesivo do princípio da descoberta da verdade material, configurando, dessa sorte, um erro de julgamento na apreciação da pertinência da prova. 21. Já quanto à decisão judicial que julgou procedente o pedido de levantamento do efeito suspensivo, a Recorrente advoga, brevitatis causae, que o Tribunal recorrido procedeu a uma deficiente ponderação dos interesses conflituantes. 22. Estriba tal convicção, brevitatis causae, no entendimento, por um lado, que a Entidade Demandada limitou-se a invocar, em termos genéricos e conclusivos, que a manutenção do efeito suspensivo inviabilizaria a prestação dos serviços de limpeza em instalações municipais, sem, contudo, demonstrar a inviabilidade de recurso a mecanismos alternativos de contratação, designadamente através de procedimentos de contratação urgente, e, por outro, na convicção de que o Tribunal recorrido desconsiderou, na sua ponderação, os prejuízos de difícil reparação que adviriam para a Recorrente da execução imediata do ato impugnado, prejuízos esses que se consubstanciariam na irreversibilidade da situação jurídica, com a consequente limitação da tutela jurisdicional à mera indemnização pecuniária, manifestamente insuficiente para compensar a perda da oportunidade de executar o contrato e os danos reputacionais daí decorrentes. 23. Em tais termos, apregoa que a decisão recorrida viola o disposto no artigo 103.º-A do CPTA, bem como o espírito do legislador europeu, plasmado na Diretiva 2007/66/CE, que visa assegurar a efetividade dos meios processuais de impugnação dos atos pré-contratuais, prevenindo situações de facto consumado que esvaziem a tutela jurisdicional efetiva dos operadores económicos.
24. Espraiadas as considerações expendidas na constelação argumentativa da Recorrente, e após cuidada análise do alcance e substância das mesmas, impõe-se, em sede preliminar, antecipar, por um lado, que não se antolha a existência de qualquer fio condutor lógico-jurídico que justifique a reversão do despacho recorrido, e, por outro, que acervo argumentativo mobilizado se revela manifestamente inidóneo para infirmar a justeza da ponderação efetuada pelo Tribunal a quo, não logrando demonstrar qualquer vício ou erro de julgamento que pudesse inquinar a decisão proferida no que concerne ao levantamento do efeito suspensivo do ato impugnado. 25. Com efeito, e no tocante ao primeiro vetor recursivo, é de meridiana evidência que a recorrente alega que o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao considerar que "atenta a posição assumida pelas partes no presente incidente, não se afigura ao Tribunal que os esclarecimentos/elementos requeridos pela Autora sejam absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade e à tomada conscienciosa da decisão a proferir.". 26. Contudo, o despacho, efetivamente, proferido pelo Tribunal a quo fundamenta-se em razão distinta, designadamente na consideração de que "o ónus da prova dos factos alegados no requerimento de levantamento do efeito automático suspensivo cabe, no caso, à entidade demandada não assistindo à autora o direito a qualquer contraprova relativamente a prova que não foi oferecida, em primeiro lugar, pela entidade demandada (cf. artigo 342.º e 346.º, ambos do C.C.)." 27. Existe, assim, uma manifesta discrepância entre a motivação do recurso e o efetivo teor do despacho recorrido. 28. A Recorrente dirige a sua crítica a uma fundamentação que não corresponde àquela que foi efetivamente adotada pelo Tribunal recorrido, o que compromete a própria viabilidade do recurso. 29. O recurso jurisdicional, enquanto meio de impugnação de decisões judiciais, pressupõe que a Recorrente identifique com precisão os vícios de que a decisão recorrida padece, direcionando as suas críticas à concreta fundamentação adotada pelo Tribunal recorrido. 30. No caso em apreço, a recorrente impugna uma fundamentação que não corresponde àquela que foi efetivamente adotada pelo Tribunal a quo, o que compromete irremediavelmente a viabilidade do recurso. 31. Em todo o caso, e para que não subsistam quaisquer dúvidas, é nosso entendimento que a prova da prática “(…) eventuais atos adotados com vista à aquisição de novos serviços similares aos serviços objeto do Contrato impugnado, designadamente, identificando o procedimento pré-contratual adotado (ou em adoção) dirigido à aquisição dos serviços de fornecimento em causa (…)” seria manifestamente insuficiente no sentido da sua conformação com a existência de eventual erro de julgamento de direito, não constituindo suporte para logicamente se concluir sequer pelo o indeferimento do requerido levantamento do efeito suspensivo. 32. De facto, e entroncando já na análise do segundo recurso, cabe notar que se mostra processualmente adquirido que o procedimento concursal visado nos autos foi lançado com vista à aquisição de serviços de limpeza de instalações municipais, estabelecimentos de ensino e estabelecimentos de saúde a cargo do MUNICÍPIO ..., tendo o respetivo contrato celebrado com a adjudicatária iniciado a sua execução em 01.11.2024. 33. No contexto assinalado, e sopesando que a presente ação deu entrada em juízo no dia 31.10.2024, afigura-se de meridiana clareza que, ainda que a Entidade Demandada tivesse diligenciado supervenientemente no sentido de proceder a uma contratação supletiva, sempre se revelaria manifestamente impossível assegurar a verificação, à data de 01.11.2024, de todos os pressupostos jurídico-administrativos concernentes à realização da despesa e à contratação com caráter de imperiosa urgência, considerando a dimensão económico-financeira manifestamente elevada do objeto contratual em apreço, a natureza particularmente complexa dos serviços a prestar, bem como os imperativos legais inderrogáveis em matéria de contratação pública e execução orçamental, cuja verificação cumulativa se afigura condição sine qua non para a regular formação do vínculo contratual e subsequente produção dos seus efeitos jurídicos. 34. Do quanto exposto, resulta axiomático e insuscetível de contestação que a prova de tal materialidade seria absolutamente imprestável no sentido de demonstrar a existência de uma solução concursal alternativa ao procedimento concursal visado nos autos que pudesse ao obstar ao levantamento do efeito suspensivo decretado nos autos. 35. Já quanto à ponderação efetuada pelo Tribunal recorrido, é nosso entendimento que a mesma é isenta de reparo, mostrando-se certeiramente justificada. 36. Na verdade, nos termos da normação vertida no n.º 4 do artigo 103.º- A do C.P.T.A.,“ (…) o efeito suspensivo é levantado quando, devidamente ponderados todos os interesses públicos e privados em presença, os prejuízos que resultariam da sua manutenção se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento (…)”. 37. Na interpretação desta normação, deve-se, necessariamente, proceder à clarificação dos conceitos indeterminados contidos na sua estatuição. 38. Assim, impera ressaltar que o interesse público é definido como o “(…) interesse coletivo, o interesse geral de uma determinada comunidade, é o bem comum (…)” [aresto do S.T.A., de 01.02.2001, tirado no processo nº. 039384], incumbindo a prossecução e/ou a defesa deste ao Estado [lato sensu]. 39. Já o “interesse privado” define-se como o interesse relacionado com objetivos individuais ou de empresas, maxime, o lucro, cuja defesa, como o próprio nome indica, compete aos próprios privados. 40. É da ponderação judicial da justaposição destes dois tipos de interesses que a lei faz depender o levantamento [ou não] do efeito suspensivo automático dos atos impugnados, bastando que os danos que decorrem para o interesse público [Entidade Pública] sejam superiores àqueles que podem advir para o interesse privado [Autora]. 41. O interesse público específico, qualificado e concreto que aqui importa salvaguardar está consubstanciado na necessidade de assegurar, de imediato, a execução do serviço de limpeza das instalações municipais, dos estabelecimentos de ensino e estabelecimentos de saúde no MUNICÍPIO .... 42. Já o interesse particular, como se colhe do probatório coligido nos autos, ficou por demonstrar. 43. Na verdade, a Requerente fracassou na prova de que “(…) o levantamento do efeito suspensivo provocará, na esfera jurídica da Autora, prejuízos graves e irreparáveis e gerará na atividade da autora séria afetação dos compromissos comerciais por esta assumidos e do próprio posicionamento da autora no mercado em que atua (…)”. 44. Neste enquadramento, é nosso entendimento que se apresenta distintivo e preponderante a salvaguarda do interesse público em causa. 45. Na verdade, a atividade de limpeza das instalações municipais, dos estabelecimentos de ensino e estabelecimentos de saúde constitui um serviço público de caráter estrutural essencial ao (i) bem-estar da população municipal - estudantes, docentes, funcionários municipais, utentes de saúde, etc.,- e à (ii) saúde pública, atribuído por lei aos Municípios. 46. A paralisação de um contrato relativo à atividade de limpeza nos termos e com o alcance supra explicitados implicará, por si, só riscos de saúde pública, para além de impactar com o bem-estar ambiental populacional. 47. Está, assim, em causa um serviço a prestar pelo Município, que impõe imediata continuidade e não se compadece com qualquer espera pelo trânsito da decisão a proferir na ação de contencioso pré-contratual a correr no T.A.F. de Coimbra. 48. Neste enquadramento, e perante a inexistência de prejuízos para a Requerente/Autora - que não os demonstrou -, nenhuma ponderação criteriosa pode conduzir à conclusão que o interesse privado prevalece sobre o demais, de forma a justificar a manutenção do efeito suspensivo automático do presente procedimento concursal. 49. Deste modo, à luz do que ora se vem de expor, é mandatório concluir pela improcedência do erro de julgamento de direito imputado à decisão recorrida. 50. Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser negado provimento a ambos os recursos jurisdicionais e mantidas as decisões judiciais recorridas. 51. Ao que se proverá no dispositivo. * * V – DISPOSITIVO Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO a ambos os recursos jurisdicionais e confirmar as decisões judiciais recorridas. Custas pela Recorrente. Registe e Notifique-se. * * Porto, 4 de abril de 2024, Ricardo de Oliveira e Sousa Tiago Afonso Lopes de Miranda Clara Ambrósio |