Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00512/19.2BEMDL |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 10/08/2020 |
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Tribunal: | TAF de Mirandela |
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Relator: | Tiago Miranda |
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Descritores: | IRS, INCREMENTOS PATRIMONIAIS, ARTIGO 89º-A DA LGT, ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO, PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO |
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Sumário: | I – Não ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando a mesma se pronuncia fundamentadamente pela legalidade da não realização, no procedimento tributário, de determinadas diligências instrutórias, de maneira a resultarem tácita, mas fundamentadamente, excluídos os múltiplos vícios de violação de lei que a parte demandante imputava ao acto tributário com fundamento na não realização dessas diligências. II - Constitui erro de apreciação da prova, no procedimento tributário, e erro julgamento em matéria de facto, no processo tributário, dar por provados acréscimos de património susceptíveis de serem qualificados para os efeitos dos artigos 87º nº 1 alª f) e 89º-A nº 3 da LGT, apenas com fundamento em conclusões do relatório de uma perícia contabilística e financeira levada a cabo às contas bancárias do sujeito passivo, com derrogação do sigilo bancário, no âmbito de um inquérito em processo penal, sem que a AT tenha instruído o procedimento com as informações e os documentos bancários aí tratados e valorados. III – Os artigos 58º da LGT (“Princípio do Inquisitório) e 50º do CPPT impõem à AT produzir obter e carregar para o procedimento tributário as provas documentais necessárias ao apuramento dos factos nos quais aquela baseie a sua decisão de proceder à avaliação da matéria colectável para IRS por método indirecto com fundamento no artigo 87º nº 1 alª f) e nos termos do artigo 89º-A do CPPT. Não tendo verificado e juntado ao procedimento os documentos e informações bancários, suportes do concluído no relatório elaborado no inquérito penal, a AT violou aquele dever inquisitório e as sobreditas normas |
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Recorrente: | M. |
Recorrido 1: | Fazenda Pública |
Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Parecer no sentido de ser ordenada a baixa do processo à 1ª instância |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório M., NIF (…), com domicílio na Rua (…), interpôs o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou improcedente a impugnação da avaliação da sua matéria colectável para IRS pelo método indirecto, determinada nos termos do artigo 89º-A da Lei Geral Tributaria pelo Director de Finanças de Bragança, relativamente aos anos de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2014, nos valores de, respectivamente: a) 2007: 276.554,54€, b) 2008: 304.607,21€ c) 2009: 237.006,69€ d) 2010: 217.480,37€ e) 2011: 235.537,03€ f) 2012: 176.322,48€ g) 2014: 298.803,70€ acto tributário notificado por ofício de 26/11/2019. A mais disso, impugna, no mesmo recurso, invocando o artigo 644º nº 3 do CPC, o despacho de 17/2/2020, pelo qual foi indeferida a produção de prova testemunhal. Remata a sua alegação com as seguintes conclusões: “01. O acto objecto dos presentes autos está assente unicamente no relatório da Policia Judiciária, Sector de Perícia Financeira e Contabilística do Norte, datado de 28 de Setembro de 2015 e produzido no inquérito crime com NUIPC 959/11.2IDBGC, do DCIAP - Secção Única, constatando-se que a AT nem sequer porfiou pela obtenção, junto de qualquer instituição de crédito, dos documentos bancários que estarão na base dessa informação a fim de formar a sua convicção e de confrontar a Recorrente com tais indícios e / ou provas. 02. Tal omissão e displicência da AT faz enfermar o acto de diversas ilegalidades que deveriam ter determinado a invalidade do acto sob recurso - o que a Sentença recorrida não sancionou e que, por isso, são questões que se colocam à superior sindicância de V. Exas. 3. A tese deste recurso é também a de que não obstante as sucessivas falhas da AT, a Recorrente, com os elementos que dispunha (e que por seu esforço obteve, pois que a AT, em violação do ónus da prova e do inquisitório, não lhos facultou) propôs-se a demonstrar na sua petição as entradas e saídas bancárias que demonstram ser errada a conclusão de que os créditos bancários invocados no procedimento constituem acréscimos patrimoniais - o que lhe foi vedado pelo Tribunal a quo que, em manifesta violação do poder/dever do inquisitório, entendeu não ser sequer de escrutinar ou investigar indeferindo também a produção da prova testemunhal que a Recorrente entendeu ser necessária para tanto, por via do despacho de 17/02/2020 e que ora está também sob censura ao abrigo do n° 3 do art.° 644.° do Código de Processo Civil. 4. As questões que se submetem à superior sindicância do Tribunal de recurso podem, de forma sintética, assinalar-se do seguinte modo: i) Nulidade da Sentença, por omissão de pronúncia, relativamente à violação do n.° 11 do artigo 89.º-A da LGT por parte da AT e, bem assim, pela inexistência de suporte documental no processo crime com o NUIPC 959/11.2IDBGC que sustentem os ficheiros de cálculo Excel (6º volume do processo de inquérito, fls. 2355) em que se baseou a Perícia Financeira e Contabilística da Policia Judiciária; ii) Erro de julgamento da matéria de facto, por falta de suporte probatório nos auto que determinasse que fosse dado como provado o que se acha alinhado nos pontos n° 2, 4, 5, 11 e 18 do probatório; iii) erro de julgamento por não julgar verificada a violação dos princípios do inquisitório e do ónus da prova por parte da AT no procedimento - em síntese por não ter o Tribunal recorrido censurado a AT por não ter obtido nem ter procurado obter, muito menos compilar e interpretar os elementos de prova legalmente exigíeis (documentos bancários e respectivo descritivo de movimentos) que sustentassem os sérios indícios que legitimassem a sua actuação [que a Sentença recorrida cataloga como “preterição de formalidade essencial’ nas págs 10 e 11]; iv) Errada aplicação do n.° 3 do artigo 89.°-A da LGT, por não sancionar a violação por parte AT dos princípios da participação e audição no procedimento - em síntese porque a AT não possibilitou que a Recorrente cumprisse com o ónus de demonstração de não sujeição à tributação dos supostos “incrementos patrimoniais” [tema tratado pelo Tribunal a quo como “violação do princípio da participação e audição’’ na págs. 12 e 13]; v) Erro de julgamento por não ter sancionado a violação do dever de fundamentação da AT - mormente por esta não ter, no procedimento, dado a conhecer à Recorrente quais os concretos movimentos bancários que careceriam de “justificação” [a que a Sentença se debruça nas pag. 13 e 14 como “vício da falta de fundamentação]', vi) Violação do princípio do inquisitório por parte do Tribunal a quo que se demitiu de procurar a descoberta da verdade material relativamente à comprovada circulação de montantes “sob suspeita” pela conta bancária da Recorrente que (pelo menos) indiciam que os montantes que nela foram creditados não constituem acréscimo patrimonial da Recorrente; aqui se incluindo, por questão de sistematização lógica, o indeferimento da produção de prova testemunhal determinada pelo despacho de 17/02/2020 aqui também sob censura [censurando-se o julgamento vazado nas p. 16 a 22 da Sentença recorrida]; 6. A segunda causa de nulidade da Sentença por omissão de pronúncia sobre o alegado nos artigos 172º a 175º da p.i.: a base de trabalho da Polícia Judiciária para a elaboração do relatório pericial cujo resultado a AT importou acriticamente não teve como objecto elementos probatórios, mormente documentos bancários, antes constando desses autos de inquérito criminal meras folhas de cálculo Excel sem qualquer valor ou suporte probatório. 7. O Tribunal a quo limitando-se a dar como provados os supostos acréscimos patrimoniais nos termos do RIT (e inerentemente por simples decalque do relatório pericial importado do inquérito crime) não cuidou de apreciar tal alegação, limitando-se a afirmar, relativamente à circunstância de a AT não ter trabalhado com base em elementos bancários mas apenas com a informação provinda do processo criminal que “não são em si os suportes de papel juridicamente relevantes (...) mas antes a informação que os mesmos contêm” (p. 11 da Sentença ). 8. O erro de julgamento da matéria de facto atém-se com os pontos que, sob os n.°s 2, 4, 5, 11 e 18 do probatório foram dados como provados. 9. No que contende com o julgamento os pontos de factos 2, 11 e 18 a crítica atém-se na referência expressa, à existência de “informação bancária” como fonte das correcções perpetradas pela AT, quando dos autos não consta qualquer informação bancária. 11. Por outras palavras, a suposta informação bancária não é mais do que um documento produzido pela Polícia Judiciária onde se fazem menção a dados bancários que esse órgão de polícia criminal analisou, sendo ademais evidente desse documento que a “investigação policiar apenas visou os movimentos registados a crédito não tendo procedido a uma análise holística dos mesmos, mormente de movimentos a débito que anulassem ou de alguma forma explicassem os supostos “incrementos” patrimoniais. 12. Tarefa que - à luz dos princípios da boa fé, da descoberta material e para cumprimento do seu respectivo probatório - caberia à AT no âmbito de uma investigação que visasse imputar verdadeiros “incrementos” patrimoniais à Recorrente, e não meros registos bancários a crédito. 13. Daí que seja se imponha que os pontos 2, 11 e 18 do probatório sejam dados como não provados, ou, pelo menos, que a respectiva redacção seja alterada de forma a que não se cristalize na ordem jurídica o facto (errado) de que a actuação da AT teve por base “informações bancárias". 14. O ponto n° 4 da matéria de facto vai impugnado pois os autos não contém elementos probatórios que permitam concluir, como de lá se retira, que todas as transferências entre contas bancárias efectuadas pela Recorrente tivesse (sic) sido considerados para efeitos de evitar a respectiva duplicação no cômputo dos supostos acréscimos, pelo que deve igualmente dar-se como não provado - no limite e sem conceder, a redacção do ponto 4 deveria circunscrever-se aos movimentos e montantes descritos no ponto 3 do probatório (ainda que tal constituísse mera repetição). 15. Já o ponto nº 5 da matéria de facto vai impugnado pois inexiste qualquer prova que sustente este facto – sendo ademais curioso que a Sentença a quo fundamente tal resposta positiva aplicando um efeito cominatório à circunstância de a Recorrente não ter impugnado um facto alegado na… contestação. 16. Imputa-se erro de julgamento ao Tribunal a quo por não ter julgado verificada a violação dos princípios do inquisitório e do ónus da prova por parte da AT no procedimento como decorrência da circunstância de AT, para proferir o acto objecto dos autos, não ter obtido, nem procurado obter, muito menos compilar e interpretar os elementos de prova legalmente exigíeis (documentos bancários e respectivo descritivo de movimentos) que sustentassem os sérios indícios que legitimassem a sua actuação. 17. De acordo como o próprio RIT as informações provenientes do identificado inquérito crime seriam “susceptíveis” de se enquadrar no regime do 89º-A da LGT- razão pela qual se impunha que, para lá do que consta nesse relatório da Polícia Judiciária, a AT tivesse investigado os concretos movimentos bancários cuja soma constituirá os valores a crédito assinalados pelo processo criminal, tratando-os analisado e tratado (em colaboração com o contribuinte) do ponto de vista fiscal de forma a apurar se tal “susceptibilidade” se verificava, se não se verificava, ou se verificava só parcialmente e em que medida. 18. Todavia, a AT não o fez, e, perante tais informações colhidas do inquérito crime - rectius. apenas com tais informações - a AT veio a considerar os movimentos bancários referidos nesse processo correspondiam a rendimento da ora recorrente nos referidos exercícios fiscais e que esta subtraiu à tributação, na lógica dos incrementos patrimoniais injustificados. 19. Isto é, apenas tendo por base a investigação criminal de onde emerge a notícia da existência de um valor global correspondente a movimentos a crédito em contas bancárias tituladas pela Recorrente nos anos em apreço a AT considerou que tal soma consubstanciavam (sic) “incrementos patrimoniais” dos respectivos exercícios e, bem assim, que os mesmos haviam de ser tidos como “injustificados” – decidindo-se pelo acto de fixação em causa nos autos. 20. Ao contrário do que parece decorrer da Sentença a quo não está em causa saber se a AT lançou mãos do artigo 63.º-B da LGT – nem alguma vez a Recorrente afirmou que tivesse existido qualquer violação do sigilo bancário – mas sim a circunstância de se a AT ter servido da derrogação do sigilo bancário para fim e com objectivo diverso do legalmente previsto nesse inciso legal e do estatuído no n.º 11 do artigo 89.ºA da mesma Lei, porquanto se demitiu de obter e investigar os movimentos bancários em concreto. 21. Com efeito, a AT viu no regime do art.º 63-B um mero expediente para contornar a proibição de utilização de dados obtidos, tendo-se limitado a importar, de forma acrítica, os dados comunicados do processo de inquérito através da sua mera reprodução, eximindo-se de solicitar às instituições bancárias os elementos que lhe permitiriam confirmar - ou infirmar - as suspeitas que a informação do inquérito crime suscitaram. 22. Tal actuação está, inclusivamente em contradição (com) a própria motivação que determinou o pedido de quebra do sigilo bancário (doc. 80 junto com a p.i.) de onde resultava que a tal visava - e bem - o “acesso directo a todas as informações e documentos bancários (...) na prossecução do princípio norteador inspectivo da descoberta da verdade material plasmado no artigo". 23. Ou seja, e ao contrário do que afirma a Sentença a quo a Recorrente não afirma em jeito de formalidade essencial que a AT tivesse de ter na sua posse “os suportes de papel, antes afirmou e reitera que a AT estava vinculativamente obrigada a investigar os mesmos (ou a investigar “a informação que mesmos contém", seguindo o preciosismo terminológico do Tribunal a quo). 24. Ponto é que o mero decalque da súmula da informação importada do processo crime não pode servir para cumprir a obrigação investigatória imposta à AT, nem o cumprimento do ónus de prova bastante para confirmar ou infirmar o juízo de “susceptibilidade" da existência de rendimentos subtraídos à tributação. 25. Desta sorte temos que nem a AT, nem a Recorrente, nem os autos conhecem quais os documentos que foram perscrutados em sede de inquérito crime, desconhecendo-se, por inerência, se os valores globais aqui em causa têm efectiva correspondência com os documentos bancários, se são verdadeiros ou se estão bem calculados. 26. Na verdade, a AT- e a recorrente e o processo também - desconhecem quantos movimentos a crédito existiram nas contas bancárias visadas pela investigação criminal, bem como os respectivos valores, datas e descritivos. 27. Daqui resulta que AT - por falta da devida investigação que se impunha - imputa à Recorrente acréscimos patrimoniais não justificados por referência a valores globais (isto é, resultantes da soma de diversos movimentos bancários a crédito ocorridos há 13, 12, 11, 10, 9, 8 e 6 anos), sem qualquer especificação sobre datas, montantes, proveniência, tipologia, etc., tão pouco curando de sustentar os mesmos em documentos bancários. 28. No limite nem a Recorrente nem a AT nem o Julgador a quo, por não terem acesso à globalidade dos documentos bancários não sabem, nem podem controlar ou verificar o que se encontra plasmado no relatório policial, sendo imperioso saber-se, entre outros factores: i) se e em que medida se tratam (sic) de transferências entre contas tituladas pela Recorrente - o que a ter sucedido implica a contabilização multiplicada do mesmo “acréscimo”; ii) se se tratam (sic) de movimentos a crédito seguidos de estornos a débito (como sucede com cheques sem provisão), caso em que não há qualquer “acréscimo”; iii) se dos documentos bancários resulta a existência de movimentos com origem em operações de crédito concedido à recorrente, caso em que não é possível falar de acréscimos; iv) se se tratam (sic) de movimentos a crédito seguidos de outros a débito que demonstrem a utilização instrumental da conta, numa lógica de conta veículo; v) se se tratam (sic) de movimentos a crédito que correspondam à devolução de outros movimentos a crédito, p.e., de empréstimos concedidos, etc. 29. Tais factos só poderiam ser apurados e verificados se a AT tivesse verdadeiramente acedido aos documentos bancários em causa, analisado os mesmos e dado a conhecer o resultado dessa investigação ao contribuinte com vista ao contraditório - do que pura e simplesmente se demitiu de fazer - assim como apenas com essa informação, dados e provas estaria a Recorrente habilitada a fazer a sua sindicância e prova. 30. Ademais, o Relatório da Polícia Judiciária não constitui um documento bancário (cuja definição, aliás, é taxativamente formulada no n° 10 do artigo 63-B da LGT) e não se encontra acompanhado de quaisquer documentos de suporte probatório, mormente documentos bancários - os quais foram expressamente pedidos pela Recorrente (cf. docs. n.° 81 e 83 da p.i. / factos 20 e 22) e recusados pela DF de Bragança (docs. n.° 82 e 84 da p.i. / e factos 21 e 23). 31. A AT não deu cumprimento nem ao n.º 11 do artigo 89.°-A, nem ao artigo 63.º-B, nem ao Despacho de 8/10/2019, não desenvolvendo as diligências investigatórias a que está legalmente obrigada e usando o pedido de derrogação do sigilo bancário para justificar a mera adesão às informações recebidas do inquérito criminal e que reproduziu no RIT - com o que saem violados os princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material bem como o cumprimento do ónus da prova que, no procedimento, incumbe à AT. 32. Assim, o que do RIT resulta é um mero elencar de pretensa informação recebida (de) terceiros e cuja validade, qualidade e fiabilidade i) a AT não testou, à luz dos critérios jurídico-tributários; ii) não foi, em sede de inquérito crime ou procedimento tributário, analisada e contraditada pelo interessado, a ora recorrente; iii) não foi, no processo crime, sancionada judicialmente; iv) não é igualmente passível de ser sancionada no presente recurso por falta de qualquer suporte probatório. 33. Daí que as conclusões retiradas pela AT no RIT sejam imprestáveis, por insustentadas, e assim se imponha a anulação da fixação da matéria colectável em crise nos presentes autos - o que se impunha que o Tribunal recorrido tivesse declarado. 34. Acresce que do total laxismo investigatório e falta de interesse na descoberta da verdade material decorre também que a AT não produziu qualquer prova que lhe permitisse estribar as conclusões tiradas no Relatório de Inspecção Tributária. 35. Com efeito, e sendo certo que o regime das manifestações da fortuna comporta uma inversão do ónus da prova nos termos do qual compete ao recorrente demonstrar que não omitiu rendimentos à tributação através da prova da fonte dos “acréscimos", não é menos evidente que a incumbência probatória exigida ao contribuinte tem, necessariamente, como precedente, o cumprimento, por parte da AT, dos pressupostos que lhe permitem colocar em crise a veracidade dos rendimentos declarados. 36. Como se afirma nos acórdãos do TCAS 419/04 de 18.01.2005, TCAN 636/06 de 25.01.2007, TCAS 2085/07 de 11.12.2007, TCAS 2259/08 de 04.03.2008 ou AC. TCAN 832/10 de 13.01.2011, todos disponíveis em dgsi.pt (processos em que, como nos presentes autos, está em causa a possibilidade de avaliação indirecta da matéria colectável em sede de IRS por recurso à disciplina do artigo 89°-A): “o ónus da prova que impende sobre o contribuinte relativo à prova tendente a afastar a manifestação de fortuna evidenciada, no mesmo n.°3 do citado art.° 89.°-A, deve ser concatenado com aquele outro princípio acima enunciado do inquisitório, com o carrear para os autos pela AT de todas as provas tendentes a demonstrar a realidade dos factos, de molde a operar apenas quando perante um caso em que afinal ficamos numa situação de non liquet, a decisão ser desfavorável ao contribuinte que não à mesma AT." 37. Vale por dizer que a AT tem a obrigação, no procedimento, de investigar, com imparcialidade, todos os elementos em que assenta o seu discurso fundamentador, consabido que “(…) a lei continua a atribuir à Administração Tributária o ónus da prova dos factos indiciários que constituem pressuposto da avaliação indirecta, podendo o sujeito passivo efectuar a prova de que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que os acréscimos patrimoniais provêem de fonte que não está sujeita a declaração para efeitos de IRS (cfr. artigo 89.º-A, n.º 3, da LGT)” - (Ac. do Tribunal Constitucional de 15.10.2014, proc. n.º 1265/13, in www.tribunalconstitucional.pt). 38. A AT tem a obrigação de demonstrar e provar os pressupostos legais para aplicar o regime das manifestações de fortuna tanto mais quando tal implica a obliteração da presunção de veracidade das declarações dos contribuintes prevista no art.º 75.º da LGT – o que no caso dos autos manifestamente não fez por não ter promovido qualquer esforço probatório ou investigatório no sentido de sustentar os pressupostos inscritos na alínea f) do artigo 87° da LGT, mormente porque, como era sua obrigação legal, não procedeu (à) “investigação das contas bancárias” (n.º 11 do at.º 89.º-A da LGT) no sentido de confirmar ou infirmar a informação que recebeu do já identificado processo de inquérito. 39. Com efeito, a mera importação da informação de que “decurso do ano de 2007, 2008, 2009, 2010, 2010, 2011, 2012 e 2014, foram detectadas entradas de valores nas contas bancárias do sujeito passivo, no montante de 276.554,54 €, 304.607,21 €, 237.006,69 €, 217.480,37 €, 235.537,03 €, 186.149,57 € e 301.569,70 €, respectivamente” provinda do referido inquérito crime, desprovida de qualquer investigação em sede tributária relativamente a contas bancárias (que o RIT nem sequer identifica) não se afigura legalmente suficiente para que se possam ter por cumpridos os pressupostos que autorizariam a AT a enveredar pela avaliação indirecta da matéria colectável. 40. Por força do artigo 58.° do LGT a AT deve realizar todas as diligências que sejam objectivamente relevantes para a concreta averiguação da realidade factual em que a decisão do procedimento deve assentar, trazendo a essa instância todas as provas relativas à situação fáctico-material decidenda. 41. Não tendo a AT “produzido tal prova, não estava legitimada a proceder à avaliação indirecta nos termos do artº.89-A, nº.5, al. a), da L.G.T., donde se impõe concluir que a decisão identificada no nº. 10 da factualidade provada padece de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, determinante da sua anulação, mais não estando o recorrido obrigado a comprovar que correspondem à realidade os rendimentos declarados” (tirado no processo 09600/16, disponível em dgsi.pt). 42. Termos em que se afirma que o Tribunal recorrido andou mal ao não ter reconhecido razão à Recorrente quanto à violação do princípio do inquisitório e do ónus da prova por parte da AT, o que inquina o acto que está na mira dos presentes autos, que deverá ser anulado. PARALELAMENTE 43. O Tribunal recorrido fez um julgamento incorrecto andou mal ao não julgar o acto de fixação de matéria colectável em causa nos autos ilegal por violação dos princípios da participação e audição no procedimento, limitando a fundamentação do seu juízo sobre a invocação deste vício ao afirmar que existiram ‘‘ocasiões em que foi dado à Reclamante [sic] os procedimentos em curso". 44. Todavia, o que de forma clara, evidente e sublinhada se salientou a petição inicial foi a constatação de que a AT não permitiu o verdadeiro contraditório ou participação da Recorrente na estrita medida em que a AT nunca notificou a ora Recorrente dos factos e provas resultantes da investigação que deveria ter protagonizado, mormente após a derrogação do sigilo bancário. 45. Está antes em causa, no específico contexto dos autos, a preterição do direito que a Lei, no caso o n° 3 do art° 89-A da LGT atribui ao contribuinte de ter acesso aos factos e provas colhidas no procedimento para que neste possa contrapor o que lhe aprouver ou regularizar o que entender que há de regularizar (em conformidade com o n.° 11 do mesmo inciso legal). 46. A interpretação do nº 3 e do n.º 11 do artigo 89ºA da LGT conforme com os princípio constitucional da participação do administrado implica – como de resto é costume e regra em procedimentos análogos – que a AT notifique o contribuinte após a investigação das contas bancárias dando-lhe a conhecer o resultado da mesma e concedendo-lhe a oportunidade para, antes da produção do projecto do RIT, exercer sobre o mesmo contraditório e / ou regularizar a situação tributária, o que, in casu, não sucedeu. 47. E ainda que se afirme que esse momento de contraditório e / ou regularização possa ser feito em sede de direito de audição após notificação do projecto de RIT, temos por certo que a audição / participação / contraditório que verse o “projecto de decisão" só será operante se: i) as fontes dessa decisão - mormente os documentos bancários nos termos definidos no n° 10 do artigo 63-B da LGT - forem facultados ao contribuinte, ii) for explicado ao visado quais as concretas operações / movimentos bancários que a AT considere passíveis de consubstanciar incrementos patrimoniais não justificados. 48. No caso dos autos a actividade investigatória não abrangeu a análise e tratamento desses documentos (pelo que os mesmos não foram facultados ao contribuinte), nem, tão pouco, são especificados quais os movimentos a crédito cuja soma atinge os valores determinados para cada um dos anos em causa - o que, ademais, condiciona, de forma flagrante, a já de si consabidamente difícil prova do facto negativo que é exigido pelo art.° 89°-A da LGT. 49. Não foi, pois, dada oportunidade ao contribuinte para participar no procedimento nos termos legalmente previstos, mormente nos n° 3 e 11 do artigo 89°-A da Lei Geral Tributária. 50. A aparente incompatibilidade entre o rendimento declarado e o facto catalogado como manifestação de fortuna não determina automaticamente o "direito a tributar", mas, apenas, e pelo menos num primeiro momento, o "direito a questionar" o contribuinte, impondo-se-lhe a demonstração de que os valores declarados são reais e que a titularidade dos bens ou direitos considerados manifestações de fortuna ou incrementos patrimoniais resultam de fontes de rendimento que não rendimentos gerados nos exercícios em investigação - o que a AT não fez. 51. Tal falta de indagação viola a letra e o espírito do nº 3 e 11 do artigo 89º-A da LGT, bem como comporta um manifesto desrespeito pelo princípio da participação (artigo 268.° da Constituição da República) do princípio colaboração (art.° 59° da LGT), do direito à informação (artigo 268.° da Constituição da República e art.° 67.° da LGT), do contraditório (art.° 45.° do CPPT) e do inquisitório (art.° 58.° da LGT) - pelo que andou mal o Tribunal recorrido ao não ter decretado esse efeito. ACRESCE QUE 52. O comportamento da AT tem também reflexos ao nível da fundamentação do acto. porquanto o RIT não dá a conhecer à Recorrente que razão considerou que a divergência entre os rendimentos declarados e os supostos incrementos patrimoniais detectados em sede criminal se haviam de considerar como “não justificados". 53. A AT limita-se a replicar a notícia provinda do inquérito criminal e a sua aparente disparidade face aos rendimentos declarados em sede de IRS, sem que em tempo ou modo algum explique por que razão considera que tais movimentos financeiros correspondem a acréscimos patrimoniais - o que faz, reitera-se, porque não analisou / investigou os movimentos bancários, o que se lhe impunha de forma a poder aferir se os mesmos são efectivos acréscimos patrimoniais e não apenas movimentos a crédito. 54. Tão-pouco fundamenta por que razão considera que os mesmos não foram justificados pela Recorrente – o que faz, repete-se, porque jamais confrontou a contribuinte com os movimentos a crédito na conta bancária a fim de que esta tivesse oportunidade de sobre eles se pronunciar / justificar. 55. Daqui resulta que o respectivo acto não está fundamentado, o que constitui fonte autónoma de anulação à luz da alínea c) do artigo 99.° do CPPT, invalidante, também ele, dos termos subsequentes do procedimento - merecendo, pois, diferente veredicto daquele de que se recorre. ACRESCE QUE 56. O Tribunal recorrido violou o princípio do inquisitório ao dispensar a produção de prova e ao não porfiar pela descoberta da verdade material, desvalorizando por completo o complexo fáctico alegado na petição inicial através do qual se procurou demonstrar que os movimentos a crédito registados nas suas contas bancárias não constituem “acréscimos patrimoniais”. 57. Com efeito, e ainda que fortemente coarctada no seu direito de defesa e impossibilitada de aceder a toda a documentação relevante a Recorrente fez aquilo que a AT não quis, manifestamente, fazer, i.e., analisar os movimentos bancários que lhe foi possível obter, explicando a origem e destino dos movimentos a crédito em causa. 58. Acompanhou essa alegação de todos os elementos probatórios de índole documental que lhe foi possível reunir e que comprovavam as suas alegações mais arrolando prova testemunhal para que pudesse contextualizar e demonstrar o que deixou alegado e que os documentos, pelo menos, indiciam. 59. Todavia o Tribunal recorrido veio a proferir despacho em 17/02/2020 onde se lê “Indefiro a produção de prova testemunhal porque tendo sido alegado factos cuja prova documental é essencial, e estando basicamente em causa a aplicação do direito aos factos, eles já estão, ou têm de estar, documentalmente fixados - art.° 13.°, n° 1 do CPPT’. 60. Após, e lida a Sentença, constata-se que o Tribunal a quo se demitiu, por completo, de analisar a matéria de facto alegada na petição inicial com uma justificação assente numa suposta falta de alegação de factos que enquadrassem as motivações da Recorrente para a realização de pagamentos e recebimentos de terceiros. 61. Ora, o que está em causa nos autos não é apurar “motivações”, muito menos a alegação dos factos que constituem a causa de pedir carece de saber “porque é que os seus familiares ou as empresas detidas pela sua família, não realizavam directamente, eles próprios, os actos de comércio, ou outros, que as suas actividades e as suas vidas exigiam" (p. 20 da Sentença) 62. O que releva é saber se os montantes creditados na conta bancária da recorrente são rendimentos auferidos e não relevados para efeitos de tributação em sede de IRS em cada um dos anos em causa nos autos e, demonstrando-se, como se propunha a Recorrente a fazer, que os movimentos bancários reflectiam créditos e débitos de terceiros, ficaria arredada a questão do “acréscimo patrimonial”. 63. Como explicou o TCA Norte, quanto aos princípios da oficiosidade e do inquisitório, vide o acórdão de 01/04/2003, tirado no proc.° 32/03, em que se deixou consignado: «O dever de diligenciar (ainda que oficiosamente) pela obtenção de elementos, deriva, aliás, do princípio do inquisitório que vigora, como princípio estruturante, no processo judicial tributário e que significa que o Juiz não só pode, como deve, realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade, designadamente o de ordenar a junção de todos os documentos necessários para a apreciação das questões postas no processo, princípio esse que hoje tem consagração expressa no art.°99° da LGT e no art.°13° do CPPT». 64. O Mmo juiz, com o pretexto da suposta falta de alegação de factos que permitissem saber das “motivações da Recorrente não só justificou ex post o despacho de 17/02/2020 que indeferiu a produção de prova como ainda se demitiu de descobrir a verdade material através da utilização do poder dever da investigação e do inquisitório, 65. como ainda levou a que não fosse minimamente valorada a prova documental produzida nos autos até em casos em que é de palmar evidência que determinados montantes registados a crédito na conta bancária não se tratam (sic) de acréscimos patrimoniais como é exemplo um crédito bancário de 79.989,60€ ocorrido em 2014 que documentalmente se demonstra ser o pagamento de uma factura emitida pela Recorrente em 27/12/2013 (veja-se n° de ordem 24.1, arts. 337° e ss da p.i.) 66. Perante a alegação aturada e circunstanciada de diversíssimas operações bancárias levada a cabo pela recorrente com o expresso sentido de demonstrar que os movimentos a crédito registados nas contas bancárias tituladas pela Recorrente correspondem à utilização utilitária desse veículo bancário para os fins descritos na petição inicial e que, inerentemente, os movimentos a crédito não são incrementos patrimoniais omitidos à tributação nos anos em apreço, o Tribunal a quo, (ao) invés de investigar e determinar a produção de prova ou quaisquer outras diligências úteis, demitiu-se, por completo, de descobrir a verdade material, imputando um (suposto) défice de alegação à Recorrente quando na verdade o que se observa é a existência de um patente (e efectivo) défice instrutório. 67. Se o Tribunal a quo tivesse analisado a prova documental junta e, se necessário, permitido a produção de prova testemunhal ou determinado qualquer outra diligência adicional com vista à comprovação do alegado pela recorrente na p.i., poderia ter concluído, como se crê que concluiria, que em cada um dos anos em causa nos autos a diferença entre o rendimento declarado e os supostos acréscimos era inferior a € 100.000,00, e, dessa sorte, excluído da norma de incidência que impende sobre a Recorrente. 68. O Tribunal recorrido andou, pois, mal ao não cuidar de descobrir a verdade material, impossibilitando a Recorrente de justificar, pelo menos parcialmente, a razão de ser das entradas bancárias descritas na p.i, e assim impedindo a prova de que os valores alvitrados no RIT não constituem rendimentos omitidos à tributação. 69. A Sentença recorrida violou, eventualmente entre outras normas e princípios jurídicos, o artigo 268.° da Constituição da República Portuguesa, os artigos 55.°, 58.° 59°, bem como o n.° 10 do artigo 63°-B.°, os artigo 74° e 75°, a al. f) do n° 1 do art.° 87.° e os n°s 3 e 11 do artigo 89.°-A Lei Geral Tributária, os artigos 13.°, 45.° , 95.° e 125.° do Código de Processo e Procedimento Tributário e ainda princípios da legalidade, da participação da colaboração, do direito à informação, dos interessados, do ónus da prova, do contraditório, do inquisitório e da descoberta da verdade material. Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas. suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, proferida decisão que, revogando a Sentença recorrida, anule o acto de fixação adicional de IRS por métodos indirectos em causa nos presentes autos. Sem prescindir, e caso, no que não se concede, venha a ser confirmada a Sentença recorrida no que à apreciação dos vícios do procedimento contende, deverá determinar-se a revogação do despacho de 17/02/2020 e a produção de todas as demais diligências probatórias necessárias à descoberta da verdade material”. Notificada, a Fazenda Pública respondeu à alegação do Recorrente em termos redutíveis aos seguintes excertos: “(…) Para além da suscitada violação do princípio do inquisitório, todos os demais vícios imputados à sentença se reconduzem à informação bancária na qual se fundamentou a decisão de avaliação do rendimento colectável, da qual a recorrente se socorre para, umas vezes invocar omissão de pronúncia e, noutras, erro de julgamento. (…) Da alegada nulidade por omissão de pronúncia 3. A recorrente vem invocar a omissão de pronúncia por, alegadamente, o Tribunal a quo não se ter pronunciado não só sobre a falta de investigação da documentação bancária, por parte da AT, como sobre a ausência dessa documentação, conforme alegado pela recorrente nos art°s 64° a 66° e 181° a 184° da petição de recurso. (…) Sucede que as suscitadas questões, fundamento do pedido de nulidade da sentença, foram apreciadas pelo tribunal a quo, não merecendo, aliás, qualquer reparo. (…) Lê-se, assim, na sentença em crise, no que para aqui releva: “Questões: (i) Preterição de formalidade essencial, ou seja, não ter a AT procedido ela à recolha dos elementos que alega fundamentarem o incremento imputado à Reclamante, antes apenas ter procedido à recepção e análise dos elementos que lhe foram remetidos pelo MP, no âmbito do processo crime sem que tivesse ao abrigo do princípio da investigação indagado pelos movimentos a crédito; (...) “O mencionado processo de inquérito 959/11.2IDBGC, cuja recepção e análise dos elementos foram remetidos pelo MP à AT, foi instaurado na sequência de uma comunicação da AT, após procedimento inspectivo ao principal SP visado, e integrou uma equipa de investigação mista que envolveu a PJ e funcionários da AT. Contudo, como se constatou, a AT não fez uso da informação obtida em sede penal, sem antes ter deitado mão ao procedimento previsto no art. 63°-B da LGT. Ou seja, no dizer do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 16.09.2015, Proc. 099/15, (também citado pela AT “caso a AT pretenda valer-se dos elementos cobertos pelo segredo bancário que foram recolhidos em sede de inquérito criminal, sempre deverá observar o procedimento prescrito no art. 63°B da LGT, ou seja, deverá dar início a um procedimento inspectivo, proferir decisão (da competência exclusiva do Director-Geral da ATA) fundamentada com expressa menção dos motivos concretos que a justificam, notificar essa decisão ao visado, a fim de permitir-lhe dela interpor recurso que, em caso de procedência, determina a impossibilidade de utilização dos elementos de prova obtidos para qualquer efeito em desfavor do contribuinte, tudo nos termos já referidos (…)". (…) Temos, assim, que, ao contrário do invocado pela recorrente, o tribunal a quo tomou conhecimento da alegada falta de suporte documental em que se sustentou a decisão de fixação do rendimento colectável, por métodos indirectos e, bem assim, da alegada falta de investigação aos documentos bancários por parte da AT. (…) A sentença recorrida não padece, portanto, de nulidade por omissão de sentença, (sic) porquanto resolveu tais questões, (…). Do alegado erro de julgamento 4. A recorrente invoca o erro de julgamento, suportada nos seguintes segmentos impugnatórios: (i) erro de julgamento no que concerne aos factos provados n°s 2, 4, 5, 11 e 18 do probatório; (ii) erro de julgamento, por não ter sido sancionada a violação, por parte da AT, dos princípios do inquisitório e do ónus da prova; (iii) erro de julgamento por não ter sido sancionado a violação dos princípios da participação e audição, bem como a violação do dever de fundamentação; (iv) violação por parte do Tribunal do princípio do inquisitório. Erro de julgamento quanto aos factos provados n°s 2, 4,5,11 e 18 do probatório 5. A recorrente fundamenta este segmento da impugnação no facto do tribunal a quo ter dado como provada a existência de informação bancária (na qual a AT se suportou para proferir a decisão objecto de recurso ao abrigo do art. 146°-B do CPPT), conquanto, alegadamente, a AT não esteve na posse dessa informação bancária. (…) Ora, como bem se diz no Parecer do Magistrado do Ministério Público, junto aos autos, “Tal como o documento não é o papel em si, mas o conteúdo declarativo juridicamente relevante em que nele se mostra corporizado, assim objecto dos elementos contidos nos extractos bancários. Seria espúrio neste sentido voltar a replicar pedido de extractos, conduzindo a situações absurdas, em nosso modesto entendimento, que era o de a AT poder “olhar para o duplicado do extracto pedido, e poder questionar-se se podia olhar exactamente para o mesmo extracto igual, proveniente do inquérito. Nesta medida parece-nos inequivocamente legítima toda a actuação da AT, mesmo em termos de princípio de investigação, pois para conhecer de tais elementos teve de os compilar e conferir a relevância que pretendeu, agora na perspectiva tributária, ao nível de IRS. (…) Acrescendo ainda que a investigação, no âmbito do Proc° de Inquérito n° 959/11,2 IDBGC dada a sua natureza, integrou uma equipa mista AT/PJ - facto provado, alegado pela AT e não impugnado - sob a tutela, naturalmente, do MP, que é o titular da acção penal. E ainda o facto da recorrente, em momento algum, ter negado a existência desses movimentos. Do processo administrativo, em que se suportou a decisão da AT, consta a informação bancária investigada e apurada em sede criminal, no âmbito do Procº de inquérito NUIPC 959/1.2IDBGC, (…) A recorrente sabe, porque consta do extracto do relatório do Sector de Perícia Financeira e Contabilística da Policia Judiciária, que lhe foi remetido pela AT, quais as contas bancárias que foram investigadas, conhece a caracterização feita a cada conta, a data dos movimentos a crédito e até a forma como esses movimentos deram entrada, seja por transferência bancária, seja por depósito em numerário, ou através de cheques. Aliás, a recorrente teve até acesso à informação bancária pertinente, em que se suportou a decisão recorrida, por acesso directo ao processo de inquérito n° 959/11.2IDBGC onde foi arguida. E tanto assim é que a recorrente, sem nunca antes ter fornecido qualquer prova ou dado qualquer justificação para a manifesta divergência entre os valores declarados e os movimentos a crédito evidenciados nas contas bancárias por si tituladas, nos anos inspeccionados - juntou a sua petição uma panóplia de documentos com o alegado intuito de justificar os movimentos a crédito evidenciados nas suas contas bancárias e nos quais se suportou a decisão de avaliação de rendimento colectável, impugnada pela recorrente.” Nada há, portanto, a apontar aos mencionados factos provados, porquanto os mesmos estão de forma inequívoca demonstrados na prova documental junta pela AT. Não assiste também razão à recorrente quanto ao alegado erro de julgamento relativo ao facto n° 5 do probatório. Na verdade, a recorrente não impugnou o alegado no art. 6° da contestação, sendo que o podia fazer em sede de alegações, para as quais foi notificado, não tendo, contudo, exercido esse direito. Por último, também não está a sentença em crise ferida do vício de erro do julgamento por ter dado como provado o facto n° 4 do probatório, porquanto tal facto decorre do relatório inspectivo, dado como integralmente reproduzido no antecedente ponto 3. Erro de julgamento por não ter sido sancionada a violação dos princípios do inquisitório, do ónus da prova e bem assim, dos princípios da participação e audição, bem como a violação do dever de fundamentação. 6. (…). Reitera-se. A AT teve acesso à informação bancária apurada no processo de inquérito criminal e acedeu a essa informação, de forma legal e legitima. Extraindo de forma suportada que, nas contas bancárias da recorrente, nos anos de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2014, tinham sido creditados respectivamente os montantes de 273.072,62€, 312.753,61€, 237.066,69€, 217.480,37€, 235.537,03€, 186.149,57 (…). (…) E, levantado o sigilo bancário, elaborou relatório inspectivo, no qual, de forma fundamentada, concluiu pela fixação do rendimento colectável, nos termos impugnados na 1ª instância. Factos que constam do probatório e que estão alicerçados no processo administrativo junto aos autos. E essa questão (…) foi apreciada, de forma fundamentada, na sentença em crise, concluindo esta, e bem, conforme excerto atrás transcrito, pela sua improcedência. Com efeito, constituem pressupostos da fixação da matéria tributável pelo método indirecto, a que alude o disposto no artigo 87.°, n° 1 alínea f) da LGT: a) existência de acréscimo de património ou de consumo (de valor superior a €100.000,00), evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação da declaração de rendimentos em causa; b) a divergência entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou de consumo do sujeito passivo no mesmo período de tributação; c) e que tal divergência não tenha justificação. Por seu turno, cabe ao sujeito passivo a prova (de) que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte do acréscimo de património ou da despesa efectuada nos termos do artigo 89.°-A, n.° 3 da LGT. Sucede, porém, que, não obstante a AT ter actuado, tanto em sede de derrogação do sigilo bancário, como no procedimento inspectivo, porque estavam verificados esses pressupostos, a recorrente não cumpriu o ónus probatório que lhe incumbia, nem tão pouco reagiu à decisão de derrogação do sigilo bancário. Ao invés do alegado pela recorrente, a AT estribou a sua decisão em informação bancária, obtida de forma legitima. Tendo a recorrente manifestado uma total falta de interesse em vir demonstrar que os valores declarados, na declaração modelo 3/1 RS, correspondiam à realidade e que os incrementos pecuniários evidenciados nas contas bancárias não estavam sujeitos a tributação. Nenhum vício pode, pois, ser imputado à decisão recorrida que considerou que a AT não tinha violado o princípio do inquisitório. Erro de julgamento por violação do direito de participação e audição: 7. (…) Sucede que, numa correcta aplicação do direito aos factos, nunca o Tribunal a quo poderia ter dado como violado tal princípio. O principio da participação tem protecção constitucional, no art. 267° da CRP; e está previsto no art. 60° da LGT, tendo como dimensão a garantia do direito do cidadão/contribuinte participar na formação das decisões que lhe digam respeito. Ora, ressalta à evidência do processo administrativo, que a AT instou por inúmeras vezes a recorrente para vir aos autos inspectivos justificar o acréscimo patrimonial apurado, face à informação bancária obtida no processo de inquérito NUIPC 959/11.2IDBGC e à consequente divergência com os valores declarados nos exercícios em causa, nas declarações de IRS. Lê-se na sentença em crise: “(…) Foram muitas as ocasiões em que foi dado conhecimento à Recorrente os procedimentos em curso, desde logo quando em 20/05/2019 a foi notificada para comparecer no Serviço de Finanças de Torre de Moncorvo, no dia 29/05/2019, a fim de iniciar e tratar de assuntos relacionados com os procedimentos inspectivos; quando foi notificada para assinar as ordens de serviço referentes aos procedimentos inspectivos e para as devolver e para assinar e devolver uma declaração a autorizar a administração tributária a consultar ou solicitar, junto de qualquer instituição de crédito ou sociedade financeira, todos os documentos bancários, incluindo os referentes a operações realizadas mediante utilização de cartões de crédito, relativas às contas por ele tituladas, com movimentos nos exercícios de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2014, de acordo com o previsto no artigo 63.°-B da LGT ( tendo a Recorrente apenas devolvido as ordens de serviço assinadas); quando a Recorrente foi notificada da decisão de 08/10/2019 de derrogação de sigilo bancário e da respectiva fundamentação, à qual não reagiu; quando a Recorrente foi notificada do projecto de relatório, o qual aponta para a avaliação indirecta do rendimento colectável, em sede de IRS, referente aos anos de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2014, a fim de a mesma exercer, querendo, no prazo de 15 dias, o correspondente direito de audição; quando, em resposta a carta de 25/10/2019 a Recorrente solicitou à DF de Bragança a consulta dos elementos bancários fornecidos pelas respectivas instituições, em decorrência da decisão do levantamento do sigilo bancário proferida pela Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, por e-mail de 30/10/2019 foi remetido ao Mandatário do recorrente o Relatório (Proc. n° elaborado pelo sector de Perícia Financeira e Contabilística Directoria do Norte, da Policia Judiciária; ou quando, em resposta a solicitação de cópia dos concretos elementos bancários fornecido pelas respectivas instituições, em decorrência da decisão do levantamento do sigilo bancário proferido pela Directora-Geral da Autoridade tributária em 08/10/2019, a AT a informou que os elementos pretendidos se encontram apensos ao processo n° 955/11.2IDBGC, que se encontra nas instalações do DCIAP em Lisboa. Portanto, verificando-se que a Recorrente participou, ou lhe foi dada a oportunidade de participar, na formação das decisões e deliberações que lhe diziam respeito, improcede o pedido fundamentado nesta causa de pedir.” (…) a recorrente, vem agora, nos presentes autos jurisdicionais, alegar que a falta de participação (…) advém da AT não ter notificado a recorrente após a investigação das contas bancárias dando-lhe a conhecer o resultado das mesmas e dando-lhe oportunidade para, antes da produção do projecto de relatório inspectivo final, exercer o contraditório ou regularizar a situação tributária. Argumento e fundamento totalmente desfocado, o qual, de forma concisa e sem erro, foi apreciado na sentença em crise. Erro de julgamento na apreciação do dever de fundamentação por parte da AT: 8. Neste segmento do seu recurso, a recorrente vem alegar que a decisão da AT está ferida do vício da falta de fundamentação “na medida em que não dá a conhecer ao interessado por que razão considerou que a divergência entre os rendimentos declarados e os supostos incrementos patrimoniais detectados em sede criminal se haviam de considerar como “não justificados”.’’, o que, segundo a recorrente, constitui um erro quanto aos pressupostos por falta de cumprimento do ónus da prova por parte da AT. (…). A divergência entre os rendimentos declarados e os incrementos patrimoniais evidenciados pelas entradas nas contas bancárias da recorrente não foram justificados, porque, desde logo, a recorrente não os justificou. E não os justificou, apesar de, por diversas vezes, ter sido instada para esse efeito. (…) Como resulta evidente do processo administrativo, a AT fundamentou de forma clara e congruente, a motivação, de facto e de direito, permitindo conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto. E a demonstrar o cumprimento do dever de fundamentação da decisão da AT, está a extensa impugnação apresentada pela recorrente, ao abrigo do art. 146°-B do CPPT e, bem assim, a petição de recurso jurisdicional, ora apresentada. (…) Pelo que, também por esta via, tem de decair o presente recurso. Erro de julgamento por violação do princípio do inquisitório por parte do Tribunal: 9. Sob o alegado vício, a recorrente vem pôr em crise o despacho do tribunal a quo que prescindiu da prova testemunhal, alegando que a produção desta prova contribuiria para a descoberta da verdade material. (…) Na verdade, durante o procedimento inspectivo, a recorrente não apresentou qualquer justificação para as divergências verificadas entre os valores declarados e os incrementos patrimoniais evidenciados na informação bancária em que se suportou a decisão de avaliação do rendimento colectável. Já em sede jurisdicional, veio então, juntar um conjunto de documentos bancários de suporte a transferências bancárias, cópias de cheques, talões de depósito, etc. desacompanhados de qualquer justificação, ainda que imperfeita, sobre a motivação de tais movimentos a crédito. (…) Ora, atenta a matéria de facto controvertida, a prova testemunhal não tem, por si só, a virtualidade de suprir a total ausência de justificação por parte da recorrente. (…) Pelo que, bem andou o Tribunal recorrido quando indeferiu a prova testemunhal arrolada pela recorrente. O Digno Magistrado do Ministério Público apresentou douto parecer no sentido de ser ordenada a baixa do processo à 1ª instância a fim de se proceder à inquirição das duas testemunhas indicadas pela Impugnante e ora recorrente, atenta a revogação, por este TCAN da decisão de não admissão do recurso no tocante ao despacho de 17/2/2020, que indeferira a produção de prova testemunhal. II- Questões a decidir Atento o parecer do MP, importa, antes de mais, apreciar se estão reunidas as condições para desde já apreciar o objecto de todo o recurso ou, pelo contrário, há que retomar o processo na 1ª instância, com a inquirição das testemunhas indicadas pela Impugnante, atenta a procedência da reclamação contra o a decisão de não admissão do recurso quanto ao despacho de 17/2/2019, pelo qual foi decidido não produzir prova testemunhal. Ultrapassada esta questão prévia, importará apreciar as questões que é possível joeirar da tudo menos sintética formulação das “conclusões” da alegação de recurso (cf. artigos 637º nº 2 e 639º nº 1 do CPC), para o que nos socorreremos da síntese formulada pelo Recorrente a dado passo do corpo da alegação de recurso, no capítulo designado “Introdução sinóptica”, e repetida no parágrafo 4 das “conclusões”. Assim, as questões colocadas a este Tribunal consistem em apreciar: 1 ª – Se a Sentença recorrida padece de nulidade por omitir pronúncia devida relativamente à (alegação) de violação do n.º 11 do artigo 89.ºA da LGT por parte da AT e, bem assim, por inexistir suporte documental no processo crime com o NUIPC 959/11.2IDBGC que sustente os ficheiros de cálculo Excel (6º Volume do processo de inquérito, fls. 2355) em que se baseou a Perícia Financeira e Contabilística da Policia Judiciária; 2ª – Se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto, por falta de suporte probatório nos autos para que que fosse dado como provado o que se acha dado como tal nos pontos nº 2, 4, 5, 11 e 18 da sua fundamentação de facto; 3ª – Se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito por não julgar verificada a violação dos princípios do inquisitório e do ónus da prova a cargo da AT no procedimento, ao não ter, o Juiz a quo obtido, nem procurado obter, os documentos bancários e respectivo descritivo de movimentos, que sustentassem os alegados sérios indícios legitimantes da sua actuação. 4ª – Se a sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito ao não considerar violados, pelo acto impugnado, os nº 3 e 11 do artigo 89º-A da LGT, bem como o direito à participação no procedimento e à audiência prévia, consagrados no artigo 60º da LGT, porque a AT não possibilitou que a Recorrente cumprisse com o ónus de demonstração de não sujeição, à tributação, dos supostos “incrementos patrimoniais”; 5ª – Se a sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de Direito ao não considerar violado, no acto impugnado, o dever de fundamentação, consagrado no artigo 77º da LGT, devido ao facto de a AT não ter, no procedimento, dado a conhecer à Recorrente quais os concretos movimentos bancários que careceriam de “justificação”; 6ª – Se quer a sentença recorrida quer o despacho, aqui também impugnado, de 17 de Fevereiro de 2019 violaram o princípio do inquisitório, consagrado no artigo 99º nº 1 da LGT e no artigo 13º nº 1 do CPPT, aquela, ao laborar com base na omissão das diligências possíveis e adequadas à descoberta da real ou indiciária origem e fim da circulação dos montantes “suspeitos” pelas contas bancárias do Recorrente, este, ao determinar a não produção de prova testemunhal requerida pelo impugnante, com esse objecto. Da questão prévia suscitada pelo MP. Salvo o devido respeito, o MP laborou num equívoco acerca do objecto da reclamação e do despacho que a decidiu. Na verdade, tudo o que resulta desse despacho é ser admitida a impugnação, nos presentes autos de apelação, do despacho interlocutório de 17/2/2019, já não – ou ainda não – a procedência de tal impugnação. Assim, nada há a retomar, ao menos por ora, em 1ª instância, antes e apenas há que apreciar, hic et nunc – se nada mais a tanto obstar – também o mérito do referido despacho. Adiante, portanto. III Apreciação do objecto do Recurso 1ª questão: – Nulidade da sentença por omitir pronúncia devida relativamente à (alegação) de violação do n.º 11 do artigo 89.ºA da LGT por parte da AT e, bem assim, por inexistir suporte documental no processo-crime com o NUIPC 959/11.2IDBGC que sustente os ficheiros de cálculo Excel (6º Volume do processo de inquérito, fls. 2355) em que se baseou a Perícia Financeira e Contabilística da Policia Judiciária; A bem dizer, são alegadas duas causas de nulidade da sentença. Quanto à primeira delas - omissão de pronúncia – a ocorrer, está efectivamente prevista, desde logo no artigo 125º nº 1 do CPPT. Já a segunda, não vemos em que possa sê-lo: do que se trata – a ocorrer – é de erro de julgamento em matéria de facto. Disso trataremos a seguir. Assim, neste momento importa apenas aferir, em concreto, se houve omissão de pronúncia, isto é, no que aqui importa, se a sentença deixou de “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” (artigo 608º nº 2 do CPC ex vi 281º do CPPT), ou outras que lhe cumprisse oficiosamente conhecer, designadamente se tal omissão ocorreu relativamente a alegação, pela Impugnante e ora Recorrente, da causa de invalidade do acto impugnado que seria a violação, pelo procedimento e, logo, pela acto, do nº 11 do artigo 89º-A da LGT. Note-se que não se trata, aqui, de mais um argumento no sentido da procedência de uma mesma causa de invalidade, mas da causa de invalidade em si mesma, pelo que uma omissão de pronúncia, a ocorrer, teria efectivamente efeito invalidante da sentença. Para aquele fim, importa trilhar “da capo al fine” o extenso articulado da PI – apenas este, pois a Impugnante prescindiu das alegações finais – a fim de vermos se e em que termos esta questão foi alegada e, depois, voltar à discussão da matéria de direito na sentença recorrida, a fim de se ver se e como é que a questão foi objecto de pronúncia. Percorrida a PI, deparamos com o segmento dos artigos 79º a 97º de que citamos o seguinte: “AQUI CHEGADOS 92° Resulta “confessado” que a AT não deu cumprimento nem ao n.º 11 do artigo 89. °-A, nem ao artigo 63.°B, nem ao Despacho de 8/10/2019, 93° mais “convidando” a Recorrente a ser ele o responsável pela obtenção de elementos bancários que competia à investigação tributária reunir e analisar a fim de dar confirmar os "indícios” que provieram do processo crime, 94° Mais fica claro que a AT não desenvolveu as diligências investigatórias a que está legalmente obrigada, 95° usando o pedido de derrogação do sigilo bancário para justificar a mera adesão às informações recebidas do inquérito criminal e que reproduziu no RIT, 96° com o que saem violados os princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material que a própria AT, e bem, diz ser o “princípio norteador inspectivo”. 97° O conhecimento dos concretos documentos bancários que estarão na base da informação provinda do inquérito crime eram absolutamente essenciais para permitir que a AT, o ora recorrente, e também o Tribunal, pudesse decidir sobre a bondade, qualidade, validade e fiabilidade do que se acha narrado no RIT.” O nº 11 do artigo 89.º-A da LGT dispõe que “a avaliação indirecta no caso da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º deve ser feita no âmbito de um procedimento que inclua a investigação das contas bancárias, podendo no seu decurso o contribuinte regularizar a situação tributária, identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respectivos períodos.” Do confronto do articulado acabado de transcrever com o teor desta norma resulta claro que a Impugnante pretendeu significar e alegar a violação, pelo acto tributário, daquela norma, por, alegadamente, a AT se ter dispensado de ela própria apurar, na consulta de elementos bancários e verdadeiras informações bancárias, os factos alegadamente legitimantes da sua actuação, “usando o pedido de derrogação do sigilo bancário para justificar a mera adesão às informações recebidas do inquérito criminal”. Percorrida, por sua vez, a discussão em matéria de direito plasmada na Sentença recorrida, deparamos com os seguintes segmentos: “Questões: (I) preterição de formalidade essencial, ou seja, não ter a AT procedido ela à recolha dos elementos que alega fundamentarem o incremento imputado à Recorrente, antes ter procedido apenas à recepção e análise dos elementos que lhe foram remetidos pelo MP, no âmbito do processo crime, sem que tivesse ao abrigo do princípio da investigação, indagado pelos movimentos bancários a crédito; (…) (…) Da preterição de formalidade essencial porque a AT não procedeu, ela própria, à recolha dos elementos que alega fundamentarem o incremento imputado à Reclamante, uma vez que apenas recepcionou e analisou os elementos que lhe foram remetidos pelo MP, no âmbito do processo crime, sem que tivesse ao abrigo do princípio da investigação, indagado pelos movimentos bancários a crédito. O mencionado processo de inquérito NUIPC 959/11.2IDBGC, cuja recepção e análise dos elementos foram remetidos pelo MP à AT, foi instaurado na sequência de uma comunicação da AT, após procedimento inspectivo ao principal SP visado, e integrou uma equipa de investigação mista que envolveu a PJ e funcionários da AT. Contudo, como se constatou, a AT não fez uso da informação obtida em sede penal sem antes ter deitado mão ao procedimento previsto no art. 63º-B da LGT. Ou seja, no dizer do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 16.09.2015, Proc. 099/15, ( também citado pela AT) “caso a AT pretenda valer-se dos elementos cobertos pelo segredo bancário que foram recolhidos em sede de inquérito criminal, sempre deverá observar o procedimento prescrito no art. 63.º-B da LGT, ou seja, deverá dar início a um procedimento inspectivo, proferir decisão (da competência exclusiva do Director-Geral da ATA) fundamentada com expressa menção dos motivos concretos que a justificam, notificar essa decisão ao visado, a fim de permitir-lhe dela interpor recurso, que, em caso de procedência, determina a impossibilidade de utilização dos elementos de prova obtidos para qualquer efeito em desfavor do contribuinte, tudo nos termos já referidos”. Neste sentido, cfr. também Acórdão do TCAN, Proc. 00777/17.4BEAVR, de 22/2/2018 Assim, a informação bancária em sede de inquérito criminal em que a AT se suportou para decisão de avaliação indirecta do rendimento colectável, com referência aos anos em causa, foi obtida na sequência da quebra de sigilo bancário, e foi depois utilizada pela AT, mas só após ter sido despoletado o procedimento previsto no art. 63º-B da LGT. Parece que a Recorrente defende que a AT teria de pedir novamente o mesmo suporte de papel para poder estar legitimada a ler a mesma informação que constava nos suportes que lhe foram encaminhados. Ora, salvo o devido respeito, e como bem diz o Dig. Mag. do MP no parecer final, não são em si os suportes de papel juridicamente relevantes, e objecto de sigilo bancário, mas antes a informação que os mesmos contém, e para cujo aproveitamento em termos de os coligir e dar expressão tributária relevante, importa legitimar-se a AT com a derrogação do sigilo, o que ocorreu. Improcede o pedido fundado nesta causa de pedir.” Quer dizer, embora a sentença recorrida não se refira discriminadamente a mais esta qualificação jurídica, entre as muitas com que a Recorrente “metralhou” a falta de recolha de documentos ou informações bancários por parte da AT, o certo é que ela trata demoradamente a omissão, citando, inclusivamente, jurisprudência do STA que, no entender do juiz a quo, dispensava a AT de ir beber à fonte das informações e documentos bancários, satisfazendo-se com as conclusões alcançadas e transmitidas pelo órgão de policia criminal no âmbito do inquérito penal. Ao sustentar, fundamentadamente, a legalidade de tal procedimento da AT, a Sentença pronunciou-se pela improcedência, ainda que tacitamente, da alegação de violação do nº 11 do artigo 89.º-A da LGT. Improcede, portanto, esta alegação de recurso. 2ª Questão: Trata-se de apreciar se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto, por não haver sido produzida qualquer prova dos factos dados como provados e descritos nos pontos nº 2, 4, 5, 11 e 18 da fundamentação de facto. Recordemos, o julgamento da sentença recorrida em matéria de facto, destacando a “negrito” os factos ora controvertidos: “Factos provados: 1. A Recorrente foi alvo de 7 procedimentos inspectivos ao abrigo das ordens de Serviço nºs 01201900195, 01201900196, 01201900197, 01201900198 e 01201900199, todas de 2019.04.24, emitidas nos termos do nº 3 do artigo 46º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA), que abrangeram os anos fiscais de 2007 a 2012 e 2014 Cfr. fls. do PA, não numeradas, mas que se reportam ao Relatório de Inspecção; 2. Os mencionados procedimentos inspectivos tiveram a sua génese no processo de inquérito NUIPC 959/11.2IDBGC, do DCIAP – Secção Única, no qual foi levantado o sigilo bancário a determinados intervenientes relacionados com o principal sujeito passivo visado naquele processo, entre eles a ora recorrente, extraindo-se da informação bancária que que lhe respeita, que, nos anos de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 1201, existiram entradas pecuniárias nas suas contas bancárias nos montantes de, respectivamente, 276.554, 54€, 304.607,21€, 237.006,69€, 217.480,37€, 235.537,03€, 186.149,57€ e 301.569,70€ (Cfr. extracto do relatório da Policia Judiciária – Sector de Perícia Financeira e Contabilística) – Fls. 36 e ss do PA. 3. Dá-se aqui por reproduzido o referido relatório da PJ, com o seguinte destaque das fls. 65 e 66 (desse relatório): “4. Conta n.º 45342516432 do BCP// (…). Assim, relativamente ao extracto da conta n.º 45342516432, em Euros, verificamos que o mesmo se reporta ao período compreendido entre 21.09.2007 e 28.11.2014, tendo-se identificado movimentos credores associados a Transferências (262.194,18€), Depósitos bancários (204.298,72€), compra de Moeda estrangeira (19.604,88€) e Vencimentos (9.749,76€), no valor global de 495.847,54€. Relativamente às transferências 175.128,25€ tiveram origem em contas tituladas por M., pelo que o montante dos movimentos credores, relevados nesta conta, com interesse para a presente análise é de 320.719,29€. // (…) // 5. conta nº 0867.015892.830 da CGD//“O extracto da conta supra identificada reporta-se ao período compreendido entre 25.02.2014 e 10.01.2015, tendo, nesse período sido realizados, nesta conta, movimentos credores associados a Transferências (73.308,00€), POS Vendas (40.302,74€) e depósitos bancários (1.800,00€), no valor global de 115.410,74€. Verificamos, ainda, que 4.050,00 corresponderam a transferências com origem na conta da CCAM nº 401742451810, titulada pela própria M., pelo que consideramos relevantes para a análise em curso, movimentos credores no valor global de 111.360,74€ (…)”//6. Conta nº 0160.699141.600 da CGD//“(…)verificamos que o respectivo extracto se reporta ao período compreendido entre 01.01.2007 e 08.09.2014, tendo-se identificado movimentos credores (…) no valor global de 124.788,63€. Contudo, verificamos que 3.711,00€ tiveram origem em contas bancárias tituladas pela própria M., pelo que pelo que o valor creditado nesta conta bancária relevante para a presente análise é de 121.017,63€ (…)”; 4. Os montantes apurados nas contas bancárias nºs 923297490008 do BEST, 40172451810 da CCAM, e 40202378467 da CCAM, tiveram em consideração as entradas originárias de outra conta da recorrente – cfr. fls. 65, 67 e 69, do referido relatório da PJ, a fls. 37 e ss do PA; 5. O mencionado processo de inquérito NUIPC 959/11.2IDBGC foi instaurado na sequência de uma comunicação da AT, após procedimento inspectivo ao principal SP visado, e integrou uma equipa de investigação mista que envolveu a PJ e funcionários da AT – art.º 6.º da contestação, não impugnado. 6. Nos anos visados no procedimento inspectivo, a recorrente declarou, no Anexo A à declaração Modelo 3/IRS os seguintes rendimentos – Categoria A (Trabalho Dependente) - Fls. 3 e ss do PA (uma das fl. 3 que o PA contém) em fls. não sequencialmente numeradas, e fl. 11 do Relatório: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 7. Nos anos em causa a Recorrente declarou, no Anexo C à declaração Modelo 3/IRS os seguintes rendimentos – Categoria B (Trabalho Independente) – Fl. 2 do Relatório e docs 1 a 8 da PI: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 8. Sendo o rendimento líquido das categorias acima descritas o seguinte: [imagem que aqui se dá por reproduzida] 9. No ano de 2009, a recorrente declarou no Anexo E, Rendimento de Capitais (Categoria E), de 4.860,45€ e retenções na fonte de 729,07€ - doc 3 da PI. 10. Em 2008, a recorrente declarou (Anexo G) a alienação onerosa de partes sociais e outros valores imobiliários (Art.º 10.º, n.º 1, alínea b) do CIRS), cujo o valor de realização foi de 1.780,71€ e o de aquisição de igual valor – doc 2 da PI. 11. A divergência entre os valores declarados e o acréscimo patrimonial evidenciado na informação bancária referente à recorrente é a seguinte (fl. 14 do Relatório): [imagem que aqui se dá por reproduzida] 12. Em 20/05/2019 (RF4411 4026 9 PT), a Recorrente foi notificada por carta registada com aviso de recepção para comparecer no Serviço de Finanças de Torre de Moncorvo, no dia 29/05/2019, a fim de iniciar e tratar de assuntos relacionados com os procedimentos inspectivos – Fls. 67 e 68 do PA, não sequencialmente numeradas; 13. Porém, a Recorrente não compareceu nem apresentou justificação para a sua ausência – cfr, a contrário, PA; 14. Foi então a recorrente notificada, por carta registada com aviso de recepção (of. nº 20195000132245, de 4/6/2019) para: (i) Assinar as ordens de serviço referentes aos procedimentos inspectivos e devolvê-las devidamente assinadas; e (ii)Assinar e devolver uma declaração a autorizar a administração tributária a consultar ou solicitar, junto de qualquer instituição de crédito ou sociedade financeira, todos os documentos bancários, incluindo os referentes a operações realizadas mediante utilização de cartões de crédito, relativas às contas por ele tituladas, com movimentos nos exercícios de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2014, de acordo com o previsto no artigo 63.º-B da LGT – Fls. 69 e 70 do PA, não sequencialmente numeradas. 15. Na sequência da precedente notificação a Recorrente apenas devolveu as ordens de serviço assinadas – fls. 29, 30 e 23 e ss do PA, não sequencialmente numeradas; 16. Através do ofício n.º 20195000229389, de 11/10/2019, a recorrente, foi notificada da decisão de 08/10/2019 de derrogação de sigilo bancário e da respectiva fundamentação, à qual não reagiu – Fls.72 e 73 do PA, não sequencialmente numeradas. 17. Lê-se na fundamentação da decisão – Fls.: “2. PRESSUPOSTOS “No âmbito do processo de inquérito NUIPC 959/11.2IDBGC, do Departamento Central de Investigação e Acção Penal – Secção Única, foi levantado o sigilo bancário relativamente a intervenientes relacionados com o principal sujeito passivo visado naquele processo, em virtude de terem saído identificadas entradas de valores nas contas bancárias daqueles. Em sede desse processo, por Despacho de 2011.11.03 da Exma Procuradora-Adjunta do ministério Público junto do tribunal judicial da Comarca de Vila Flor foi determinada a quebra de sigilo fiscal relativamente a todos os intervenientes, quanto ao período compreendido entre Janeiro de 2007 e o terminus da referida investigação, sendo que posteriormente por Despacho de 2015.05.28 da Exma. Procuradora da República Departamento Central de Investigação e Acção Penal – Secção Única, foi clarificada a extensão quanto à abrangência da totalidade dos intervenientes, pois numa primeira fase de investigação os intervenientes restringiam-se apenas à sociedade e seus gerentes. Nestes termos, e também em sede daquele processo, foram confrontados os rendimentos declarados fiscalmente por cada interveniente com as referidas entradas de valores nas suas contas bancárias, apuradas pela Policia Judiciária –Directoria do Norte, tendo daí resultado o apuramento de factos que consubstancia eventuais incrementos patrimoniais enquadradas na alínea d) do nº 1 do artigo 9º do CIRS e alínea f) do artigo 87º e nº 5 do artigo 89º-A da LGT, no decurso dos exercícios de 2007 a 2014. 3. FACTOS Analisados os factos apurados em sede do referido processo de inquérito, verificou-se que nas contas bancárias pertencentes ao sujeito passivo M. – NIF 232990824, entraram valores susceptíveis de constituir rendimentos enquadráveis na alínea d) do nº 1 do artigo 9º do CIRS e alínea f) do artigo 87º e nº 5 do artigo 89º da LGT, nomeadamente nos exercícios de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2014, para os quais se encontram abertas nesta Direcção de Finanças (DF) as ordens de serviço externas nºs OI201900195, OI201900196, OI201900197, OI201900198 e OI201900199 e do despacho de 2019.04.24 do Director de Finanças de Bragança, lavrado na informação nº 80/2019, quanto às ordens de serviço atinentes aos exercícios de 2007 e 2008. No sentido de dar inicio ao procedimento inspectivo, o sujeito passivo foi convocado a comparecer nas instalações do Serviço de Finanças de Moncorvo, pelas 10:30 do dia 2019.05.29, o qual não compareceu nem justificou a sua ausência apesar de devidamente notificado (Vide: Anexo1). Assim sendo, no âmbito desses procedimentos inspectivos, o sujeito passivo foi notificado através de carta registada com aviso de recepção, no sentido de assinar as Ordens de Serviço e deste entregar ao seu representado a declaração de consentimento ou não para a Administração Fiscal, de acordo com o previsto no artigo 63º -B da LGT, consultar ou solicitar junto de qualquer instituição de crédito ou sociedade financeira, todos os documentos bancários, incluindo os referentes a operações realizadas mediante a utilização de cartões de crédito, relativas às contas por si tituladas, com movimento nos exercícios de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2014.. Porém, decorrido o prazo concedido para o efeito, o sujeito passivo apenas assinou a ordem de serviço sem que tenha remetido a declaração de consentimento ou não, pelo que, infere-se que tal consentimento seja negativo (Vide Anexo 1). (…) 4. PROPOSTA/CONCLUSÃO Perante o exposto, propõe-se que sejam desencadeados os procedimentos necessários à derrogação e sigilo bancário previsto no artigo 63º-B da LGT, a fim de obter os dados bancários de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2014 atinentes ao presente sujeito passivo, em virtude de estarmos perante a condição elencada na alínea c) do nº 1 daquele preceito legal.” – Fls. 77 do PA, e a anterior a esta, não numerada. 18. Na posse de informação bancária que revela a existência de entradas pecuniárias nas contas bancárias da recorrente nos anos de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2014 - informação essa obtida em sede daquele inquérito - a AT apurou, no âmbito do procedimento inspectivo, o seguinte rendimento colectável (Fl. 15 do Relatório): [imagem que aqui se dá por reproduzida] 19. A Recorrente, através do ofício 2019S000235981 de 18/10/2019, foi notificada do projecto de relatório, o qual aponta para a avaliação indirecta do rendimento colectável, em sede de IRS, referente aos anos de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2014, a fim de o mesmo exercer, querendo, no prazo de 15 (Quinze) dias, o correspondente direito de audição – Fls. 1 e ss e 10 do PA, não sequencialmente numeradas; 20. Por carta datada de 25/10/2019 a recorrente, através do seu mandatário, solicitou à DF de Bragança a consulta dos elementos bancários fornecidos pelas respectivas instituições, em decorrência da decisão do levantamento do sigilo bancário proferida pela Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira em 08/10/2019 – Fls. 11 e 12 do PA, não sequencialmente numeradas; 21. Por e-mail de 30/10/2019 foi remetido ao mandatário da recorrente o Relatório (Proc. nº 959/11.2IDBGC) – elaborado pelo sector de Perícia Financeira e Contabilística – Directoria do Norte, da Polícia Judiciária, na parte relativa ao à Recorrente – Fls. 15 e ss do PA, não sequencialmente numeradas; 22. Por e-mail do mesmo dia 30/10/2019, o mandatário da recorrente enviou novo e-mail para a DF de Bragança solicitando “cópia dos concretos elementos bancários fornecido pelas respectivas instituições, em decorrência da decisão do levantamento do sigilo bancário proferido pela Directora-Geral da Autoridade tributária em 08/10/2019” – doc. 83 da PI. 23. Através de e-mail de 31/10/2019 a DF de Bragança endereçou o seguinte e-mail ao mandatário do recorrente – doc 84 da PI: “Exmo Senhor Mandatário Relativamente ao requerido, informamos que os elementos pretendidos se encontram apensos ao processo nº 955/11.2IDBGC, que se encontra nas instalações do DCIAP em Lisboa. Assim sendo, querendo, deverá solicitar os mesmos junto daquele departamento sito … (…)”; 24. A Recorrente não apresentou pronúncia – cf., a contrario, PA; 25. A Recorrente foi notificada da decisão de avaliação indirecta do rendimento colectável, por ofício de 26/11/2019 (of. 20195000270356), recepcionado no dia 27/11/2019 – cfr, Fl. não numerada do PA, e que, depois de contado, verifica-se ser a 50ª e verso. Não foi enunciado qualquer facto como relevante e não provado. Este, o julgamento do Juiz a quo em matéria de facto. Um erro de julgamento, arguido pela Recorrente, que aflora imediatamente nos artigos, nº 2, 4, 5, 11 e 18, mais concretamente nos segmentos que distinguimos a negrito, consiste em ter sido atribuída força probatória de documento, e documento autêntico, relativamente a factos não documentados no procedimento, ao relatório de uma perícia contabilística e financeira realizada por um órgão de polícia criminal, com derrogação de sigilo bancário, no âmbito da fase de inquérito de um processo penal, relatório, este, por isso mesmo reiteradamente referido e valorado como “informação bancária”, como se documentação bancária e informação bancária fossem. Aqui há, efectivamente, um erro na valoração de um meio de prova da prova, erro que, aliás, não deixaria de estar patente se o Juiz a quo tivesse designado o sobredito relatório da perícia financeira em inquérito criminal, como não mais do que isso – e não como “informação bancária”. Na verdade, de um relatório de uma perícia contabilística e financeira efectuada extra procedimento tributário por um terceiro, cujo resultado em matéria de facto nem mesmo se sabe se chegou a ser dado como provado por um tribunal em processo no qual a Impugnante tivesse sido arguida, não pode a AT, e não pode o Tribunal Tributário, sem conhecimento directo das informações bancárias e dos documentos em que aquele se baseou, dar por provado simplesmente o que tal relatório conclui, designadamente os valores globais ou os saldos anuais de depósitos em determinadas contas bancária da Impugnante, ao longo de determinados anos. Tal raciocínio em matéria de prova redunda, afinal, em remeter o julgamento desta crucial matéria de facto para um terceiro: uma demissão do Tribunal de julgar por si mesmo a matéria de facto pressuposta no acto impugnado. Assim, o Tribunal recorrido não dispunha de prova documental, nem de outra: - De que a AT extraíra “da informação bancária que lhe (à Recorrente) respeita, que, nos anos de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2014, existiram entradas pecuniárias nas suas contas bancárias nos montantes de, respectivamente, 276.554, 54€, 304.607,21€, 237.006,69€, 217.480,37€, 235.537,03€, 186.149,57€ e 301.569,70€”; pois tal conclusão fora antes e tão só extraída do tal “extracto do relatório da Policia Judiciária – Sector de Perícia Financeira e Contabilística” (constante de) Fls. 36 e ss do PA”. Cf. artigo 2º dos factos provados. - De que “os montantes apurados nas contas bancárias nºs 923297490008 do BEST, 40172451810 da CCAM, e 40202378467 da CCAM, tiveram em consideração as entradas originárias de outra conta da recorrente – cfr. fls. 65, 67 e 69, do referido relatório da PJ, a fls. 37 e ss do PA”, pois a AT não apurara coisa nenhuma em tais contas, antes recebera acriticamente o que, sobre elas, do referido relatório conclusivamente constava; Cf. artigo 4º da enunciação dos factos julgados provados. - De que “a divergência entre os valores declarados e o acréscimo patrimonial evidenciado na informação bancária referente à recorrente” era a constante do mapa integrante do artigo 11º da enunciação dos factos provados conforme “fl. 14 do Relatório”, pois a AT não dispunha de informação bancária alguma relativamente à impugnante, mas tão só de informação, inverificada, e conclusiva, do relatório pericial vindo a referir. Cf. artigo 11º da enunciação dos factos julgados provados. - De que “na posse de informação bancária que revela a existência de entradas pecuniárias nas contas bancárias da recorrente nos anos de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012 e 2014 - informação essa obtida em sede daquele inquérito - a AT apurou, no âmbito do procedimento inspectivo (…) o rendimento colectável” discriminadamente mencionado no mapa integrante do artigo 18º da enunciação dos factos julgados provados, conforme “Fl. 15 do Relatório”, não só porque, também aqui, a AT não dispunha, no procedimento, de qualquer informação bancaria nem de documentos bancários que suportassem o relatório da PJ, como também porque a AT não “apurou”, por si mesma, no procedimento, os valores com base nos quais “apurou” o rendimento colectável. Não se diga que a AT teve acesso às informações e aos documentos bancários por ter colaborado com a PJ na inspecção levada a cabo por esta no inquérito criminal. Antes de mais, “quod non est in autis non est in mundo”: se acaso tal ocorrera, cumpria-lhe instruir o procedimento com as cópias de tais documentos, desde logo porque era seu o onus probandi dos pressupostos dos anormais (hoc sensu) procedimentos e acto tributário aqui em crise. Por sua vez, ao Tribunal recorrido cumpria conhecer da inverificabilidade dos depósitos e valores considerados como provados pela AT e, em consequência, dar como não provados os consequentes factos. Depois, também é forçoso reconhecer que tão pouco julgou bem, o Tribunal recorrido, ao dar como provado que a inspecção da PJ foi levada a cabo em colaboração da AT, tão só porque esse facto fora alegado na contestação da AT e não impugnado pelo Autor, sem que do procedimento constasse qualquer prova, designadamente documental, de tal colaboração. Na verdade, não só no processo tributário não vigora o efeito cominatório pleno da falta de contestação de qualquer facto alegado na petição, como, tratando-se de um facto alegado na contestação, nem mesmo a livre apreciação do juiz podia aqui valer. Cf. artigos 110º nºs 6 e 7 do CPPT. Nem se diga que a Impugnante podia ter impugnado tal facto nas alegações finais e não o fez, pelo que era lícito ao tribunal concluir pela prova do facto. É que as alegações finais não servem para responder à contestação, se não para discutir a matéria de facto que já então de deve dar por provada e não provada, bem como o direito aplicável - artigo 120º do CPPT. Como assim, procede a alegação de erro no julgamento em matéria de facto relativamente aos artigos sobreditos, que, na medida do acima especificadamente exposto, devem ser dados como não provados. Para que deste erro de julgamento da sentença recorrida resulte a precedência do pedido de anulação do acto impugnado é, ainda, necessário, que tal erro resulte, logico-juridicamente, numa aplicação indevida do Direito. Ora é evidente que, não se provando, assim, a matéria de incrementos patrimoniais superiores a 100 000 €, não subsistem os pressupostos de facto e de direito da determinação da avaliação da matéria colectável por método indirecto nos termos da conjugação do artigo 87º 1 f) e 89º-A da LGT, pelo que tanto basta para o recurso proceder. Passemos, porém, à 3ª questão submetida a este Tribunal de Recurso, dado que, à partida, não se mostra prejudicada. 3º Questão: – Se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito ao não julgar verificada a violação dos princípios do inquisitório e do ónus da prova a cargo da AT no procedimento, por esta não ter obtido, nem procurado obter, os documentos bancários e respectivo descritivo de movimentos, que sustentassem os alegados sérios indícios legitimantes da sua actuação. Dispõe, o artigo 74º (Ónus da Prova) nº 3 da LGT, que “Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação”. O ónus da prova não constitui uma obrigação legal de facere, antes é um critério normativo para uma decisão em matéria de facto. A sentença recorrida, posto que valorando mal o elemento de prova invocado pela AT (o relatório da PJ), labora no pressuposto de que o mesmo é suficiente para a satisfação, pela AT, do ónus de prova a seu cargo. Portanto, não se pode dizer que, ao dar como provados, apenas com base no relatório da PJ, os factos que acima damos como não provados, violou a norma que fazia impender o onus probandi sobre a AT, designadamente o citado artigo 74º nº 3 da LGT. O mesmo não se dirá quanto ao princípio do inquisitório que vinculava a AT: Conforme o artigo 58.º da LGT (Princípio do inquisitório) “a Administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material (…)”. Por sua vez, no artigo 50º do CPPT (“Meios de Prova”) dispõe-se que “no procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos (…)”. Assim, impunha-se à AT produzir obter e carregar para o procedimento tributário as provas documentais necessárias ao apuramento dos factos nos quais baseou a legitimação da sua iniciativa de proceder à avaliação da matéria colectável para IRS por método indirecto com fundamento no artigo 87º nº 1 alª f) da LGT e ao modo e com as consequências previstas no artigo 89º-A do mesmo diploma. Não tendo verificado e juntado ao procedimento os documentos e informações verdadeiramente bancários, que suportariam o relatório gizado pela PJ, a AT violou aquele dever inquisitório e as sobreditas normas. Por sua vez, ao julgar desnecessária, no procedimento, a “formalidade” da sua instrução com as informações e documentos bancários subjacentes à informação recebido do inquérito penal, a sentença recorrida errou de direito e violou, também ela os sobreditos artigos 58º e 50º. Cumpre, aqui, considerar a invocação, na sentença recorrida, do acórdão do Pleno do STA, no qual o Mº Juiz a quo viu fundamento para a improcedência da alegação de violação, pela AT, dos sobreditos normativos e para a admissibilidade da omissão, pela AT, de qualquer actividade investigatória própria no caso de já dispor de um relatório elaborado em inquérito criminal com derrogação de sigilo bancário. Trata-se do Ac. do Pleno STA de 16.09.2015. Do seu sumário relevam, para aqui, os seguintes parágrafos: IV - A diversidade dos bens jurídicos que autorizam o afastamento da regra da reserva da informação em sede de processo criminal e em sede tributária – que determina a diversidade dos procedimentos e da competência para a derrogação do sigilo – não permite que a AT, sem mais, utilize a informação bancária obtida legitimamente no âmbito do inquérito criminal, quer lhe seja comunicada pela autoridade judiciária, quer dela tenha tido conhecimento pelo exercício de funções no âmbito das competências que lhe são delegadas no âmbito do inquérito. V - A AT pode utilizar essa informação bancária, mas não poderá fazê-lo em prejuízo dos direitos do interessado, o que significa, para além do mais, que não fica dispensada de respeitar o procedimento previsto no art. 63.º-B da LGT, máxime dando início a um procedimento inspectivo, comunicando ao interessado a decisão fundamentada de quebra do sigilo e permitindo-lhe assim sindicar judicialmente essa decisão administrativa. Tanto basta para se perceber que o que ali se contempla é a possibilidade de utilização, no necessário procedimento de inspecção e procedendo decisão de derrogação do sigilo bancário, de documentos e informações bancários já tratados em uma investigação de natureza processual penal e, por isso, já aí acessíveis: não a pura e simples desnecessidade de a AT verificar por si própria esses informações e documentos bancários, bastando-se com as conclusões do relatório dessa outra investigação, inclusivamente sem sequer concretizar e comprovar as concretas e individuais operações bancárias de que resultaram os valores apurados e tidos como relevantes. Também o Acórdão deste TCAN, no Processo 00777/17.4BEAVR, de 22/2/2018 contempla a utilização de elementos e informações bancárias obtidas em inquérito criminal, no âmbito de um sempre devido procedimento de inspecção: não, de todo, a substituição acrítica dessa investigação de factos concretos pelo relatório conclusivo que houver sido elaborado num inquérito criminal (nem sequer sancionado por caso julgado). Procede, portanto, a alegação de violação do dever inquisitório por parte da AT, no procedimento. A apreciação das demais questões suscitadas, incluindo a que fundamentava a impugnação do despacho interlocutório, fica prejudicada pela procedência da alegação das que antecedem. O recurso é, assim, precedente in totum, por procederem as alegações de erro de julgamento em matéria de facto e de erro de julgamento em matéria de direito acima apreciadas e tidas como procedentes. Custas: Entendemos que se justifica a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso à luz do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, uma vez que as questões a decidir no recurso não se afiguraram particularmente complexas, a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo e o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida se afiguraria (não havendo dispensa do pagamento do remanescente) algo desproporcionado. Dispositivo Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar procedente o recurso e revogar a sentença recorrida, anulando-se o ato recorrido. * Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias, dispensando-se as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça.* Porto, 8/10/2020Tiago Afonso Lopes de Miranda Cristina Maria Santos da Nova Ana Paula Santos |