Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00064/22.6BECBR-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/03/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR; AGENTE DA PSP;
REGULAMENTO DISCIPLINAR DA PSP;
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR;
Sumário:
1 - Em consonância com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, a interpretação a tirar do n.º 1 do artigo 55.º do RDPSP [tal como assim dispõe o artigo 4.º, n.º 1 do ED aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro], cuja mesma epígrafe é atinente à prescrição do procedimento disciplinar, deve ser prosseguida em sentido lato, ou seja, não se deve reportar apenas ao direito de instaurar o procedimento disciplinar por parte da entidade administrativa, antes abrangendo todo o período temporal decorrido a partir da data da prática do facto passível de integrar o cometimento de infracção disciplinar, até à prolação da decisão final, daí devendo ser descontados os períodos de interrupção e suspensão do procedimento disciplinar.

2 – Não existe nenhuma falta ou omissão no RDPSP aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, que ao abrigo do seu artigo 66.º deva ser objecto de suprimento por via de recurso ao direito subsidiário que emerge quer do estatuto disciplinar dos funcionários da Administração Central, quer do Código Penal, dada a suficiência do artigo 55.º do RDPSP em ordem a regular e disciplinar, in totum, a prescrição do procedimento disciplinar.

3 - Em conformidade com o disposto no artigo 198.º, n.ºs 1 e 4 do CPA, tendo o arguido sido notificado da acusação contra si deduzida no dia 01 de outubro de 2018, é com a decisão do Ministro da Administração Interna [que é a entidade competente para decidir o recurso hierárquico, datada de 12 de outubro de 2021, que foi proferida dentro do prazo de 30 dias após a remessa do processo para decisão], que o procedimento disciplinar vem a alcançar o seu termo final, a qual foi prolatada 11 dias após a completude do prazo prescricional de 3 anos, a que se reporta o artigo
55.º do RDPSP.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


«AA» [devidamente identificado nos autos] Autor na acção que intentou contra o Ministério da Administração Interna [também devidamente identificado nos autos], inconformado com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, pela qual julgou inverificadas as excepções [que identificou como peremptórias] atinentes à prescrição do procedimento disciplinar e à caducidade do direito a aplicar a sanção disciplinar, veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
CONCLUSÕES:
1.ª O presente recurso jurisdicional foi interposto contra o despacho de 26 de Janeiro p.p., que indeferiu as excepções de prescrição do procedimento disciplinar e de caducidade do direito de aplicar a sanção suscitadas pelo Autor.
2.ª Entendeu o Tribunal a quo entendeu que o prazo prescricional constante do n.º 5 do art.º 178º da LTFP não era aplicável à situação sub judice, antes se estando perante uma lacuna que deveria ser preenchida por analogia e com recurso ao disposto no art.º 121º do Código Penal, razão pela qual não estaria ainda prescrito o procedimento disciplinar por decurso do seu prazo máximo de duração, como resultava do disposto no citado artigo da LTFP.
3ª Salvo o devido respeito, o erro de julgamento em que incorreu o aresto em recurso decorre desde logo do facto de não haver lacuna que deva ser preenchida com recurso à analogia, uma vez que o art.º 66º do RD/PSP é bem claro ao impor a aplicação subsidiária da LTFP em matéria de procedimento disciplinar instaurado aos policias de segurança pública.
4ª O desacerto do aresto em recurso resulta ainda do facto de o art.º 66º do RD/PSP não limitar a aplicação subsidiária da LTFP às normas de direito adjectivo, até por o legislador do RD/PSP não ignorar que as normas do estatuto disciplinar dos trabalhadores públicos compreendiam não só normas de direito substantivo como de direito adjectivo, pelo que se não limitou a aplicação subsidiária às normas de direito adjectivo não pode o intérprete agora vir dizer que a remissão para a LTFP é restrita a normas procedimentais.
5ª Acresce que, é de todo contraditório que o Tribunal a quo deixe de aplicar a norma para que o RD/PSP remete – o art.º 178º/5 da LTFP, ex vi do art.º 66º do RD/PSP – e decida aplicar uma norma – o art.º 121º do Código Penal - que aquele regulamento não manda aplicar e cuja aplicação até excluiu expressamente, uma vez que do art.º 41º do RD/PSP resulta claramente que o Código Penal só é aplicável “… quanto à suspensão ou demissão por efeito de pena imposta por decisão judicial”.
6ª Por fim, o desacerto do aresto em recurso sempre seria notório mesmo que houvesse alguma norma a mandar aplicar o art.º 121º do Código Penal, uma vez que tal norma nunca seria aplicável à situação em apreço nos presentes autos, justamente por versar sobre a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar e nos presentes autos estar em causa a prescrição do próprio procedimento disciplinar pelo decurso do seu prazo máximo de duração. 7ª Aliás, neste mesmo sentido já se pronunciou o douto TCASUL em recente acórdão, ao firmar jurisprudência no sentido de que:
“(…) não merece acolhimento a argumentação expendida pelo recorrente no sentido de que a interpretação do nº 2 do artigo 55º do RDPSP (Lei nº 7/90), conjugada com lugares paralelos (…) designadamente (…) com o artigo 121º nº 3 do Código Penal, resulta que o prazo máximo de prescrição do procedimento disciplinar era (…) o prazo normal de prescrição do ilícito (…), acrescido de metade. É que se trata de coisas distintas. Uma a prescrição do direito de instaurar o processo disciplinar por decurso do prazo para a sua instauração (gerando a prescrição do procedimento disciplinar, ou de outro modo, a prescrição do direito de proceder disciplinarmente), outra a prescrição do procedimento disciplinar por esgotamento do prazo da sua duração máxima prevista na lei (v. Ac.º TCA Sul, de 16 de Março de 2017, Proc. n.º 999/16.5BESNT).
8ª Por isso mesmo, deixou claro o TCASUL em tal acórdão que o prazo de prescrição do procedimento disciplinar por decurso do seu prazo máximo de duração era aplicável ex vi do art.º 66º do RD/PSP, ao sustentar que:
“Se o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (…) introduziu uma nova causa de prescrição – a prescrição do procedimento disciplinar – estabelecendo inovatoriamente um prazo máximo para a sua duração (…), prazo com finalidades garantísticas, e se o regime disciplinar próprio do pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (PSP) constante da Lei nº 7/90, não afasta (nem afastou, após a aprovação e entrada em vigor da Lei nº 58/2008) tal causa de prescrição, nem prevê prazo específico distinto daquele, tem que proceder-se à aplicação supletiva daquele normativo, em consonância com o disposto no artigo 66º do RDPSP (Lei nº 7/90)” (v. Ac.º TCA Sul, de 16 de Março de 2017, Proc. n.º 999/16.5BESNT).
9ª Consequentemente, o aresto em recurso incorreu em manifesto erro de julgamento ao considerar improcedente a excepção de prescrição do procedimento disciplinar constante do n.º 5 do art.º 178º da LTFP, aplicável ex vi do disposto no art.º 66º do RD/PSP, podendo-se dizer que o Tribunal a quo deixou de aplicar a norma que a lei mandava aplicar e aplicou a norma que a lei nem sequer permitia que fosse aplicada e que, em qualquer dos casos, nunca seria aplicável à prescrição em causa nos presentes autos.
Por outro lado,
10ª O despacho saneador incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente a excepção de caducidade do direito de aplicar a pena com o argumento de que os prazos procedimentais eram meramente ordenadores e referenciais, uma vez que o prazo de caducidade é um prazo substantivo (v., entre outros, o. Acº do STJ de 1/2/95, Proc. nº SJ199502010041284 e os Acºs da Relação de Lisboa, Proc. nº 22/12.9TTFUN.L1-4 e de 10/9/2020 Proc. nº 104/20.3YRLSB-2), e não procedimental e, como tal, tem uma natureza imperativa e não permite que se pratique o acto uma vez decorrido esse mesmo prazo, sob pena de se assim não for se ter encontrado a milagrosa forma para acabar com a prescrição e a caducidade.
11.ª Assim sendo, e uma vez que é inquestionável que o relatório final foi remetido para decisão do Director Nacional da PSP em 08 de Julho de 2019 e este só proferiu decisão em 08 de Abril de 2020 - sendo que para evitar a caducidade do direito de aplicar a pena teria de o ter feito nos 30 dias imediatamente seguintes -, é por demais manifesto que nesta data já caducara o direito de aplicar a pena, razão pela qual os actos impugnados são manifestamente ilegais por exercitarem um poder já caduco, ex vi do disposto nos n.os 4 e 6 do art.º 220º da LTFP.
Nestes termos,
Deve ser concedido provimento ao presente
recurso jurisdicional, e, em consequência, revogado o despacho saneador em recurso e julgadas procedentes as excepções aduzidas, com as legais consequências.
Assim será cumprido o Direito e feita JUSTIÇA! […]”

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Não foram apresentadas Contra Alegações.

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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.


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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, a questão suscitada pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões apresentadas consistem, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO
No âmbito da factualidade considerada pelo Tribunal recorrido em sede do despacho saneador-sentença proferido, dele consta o que por facilidade, para aqui se extrai como segue:

“[…]
Factos provados
O Tribunal julga provados os seguintes factos com pertinência para a apreciação das questões, a partir dos documentos e processo administrativo constantes nos autos, cuja genuinidade e autenticidade não foram colocadas em causa:
1. À data dos factos o autor era Agente Principal da Polícia de Segurança Pública, com o número de matrícula NM/..., domiciliado profissionalmente junto da Força Destacada da Unidade Especial de Polícia do Comando Metropolitano do Porto da PSP
(FD/UEP/COMETPOR) (facto incontestado, e que resulta do processo administrativo – PA, para o qual se deverão considerar feitas todas as remissões na ausência de indicação em contrário – a título de exemplo, aponta-se o “despacho” a fls. 2, a “defesa escrita” a fls. 233 e ss., o “relatório final”, a fls. 392 e ss.);
2. No dia 02/08/2017, a Força Destacada da Unidade Especial de Polícia do Comando Metropolitano do Porto da PSP prestou reforço táctico junto do Comando Distrital de ..., Divisão de ..., Esquadra de ..., para o evento desportivo Equipa A vs. Equipa B,
com início às 18:00h e fim às 23:00h (cf. “relatório” assinado pelo “Comandante da Força Subcomissário «BB»
«BB»”, a fls. 4 e ss.);
3. O Comandante da Força, Subcomissário «BB», redigiu o seguinte relatório da operação:
“I. Situação
Hoje, pelas 20h00, realizou-se no Estádio ... - cidade ..., o jogo de apresentação do Equipa A com o Equipa B, a contar para o Troféu Crédito Agrícola, época 2017/18.
Face à previsão de elevada aderência de adeptos de ambos os clubes, particularmente adeptos do Equipa B e aos seus GOA's - ... e ... 95, eleva-se por parte das forças de segurança a necessidade de monitorizar vigiar todos os adeptos visando anular prontamente qualquer foco de violência que possa surgir e garantir a segurança a todos os intervenientes ao jogo. Face à realidade descrita, foi solicitada a presença de um Subgrupo da FD/UEP/PRT, visando colaborar com o Comandante de Policiamento e todo o efectivo policial destacado para o jogo.
II. Missão
Garantir uma reserva ativa ao jogo, posicionando no terreno a força de forma a anular qualquer alteração da ordem. (…)
2.Desenvolvimento do serviço e conduta das acções Antes do jogo:
1ª Equipa - posicionamento e vigilância à chegada dos adeptos do Equipa B junto à rotunda de acesso a porta 13 do Estádio.
2ª Equipa - posicionamento parque de estacionamento à chegada dos três autocarros dos Equipa B, vigiando a movimentação [incompreensível] o Estádio.
3ª Equipa – posicionamento nas proximidades da porta 13 prontos a qualquer intervenção motivada por alteração da ordem causada por adeptos do Equipa B.
Durante o jogo:
Reserva no exterior do estádio. (…)
IV. Observações/diversos/propostas e sugestões (…) c) Outros
Quando terminou a primeira fase ¯antes do jogo” e se deu início à fase ¯durante o jogo”, o comandante de policiamento - Subcomissário «CC» – solicitou a presença de uma Equipa no interior do estádio, para assegurar ume reserva direcionada ã zona onde encontravam os GOA‘s do Equipa B. Face à solicitação do CMDT do policiamento, dei a ordem ao Chefe «DD» e toda a Equipa, os quais alegaram que por decisão de todo o efetivo apenas entrariam no estádio em cenário de alteração da ordem.
Face à recusa, foi a ordem dada às restantes equipas que assumiram a mesma posição de recusa de entrada no estádio a título de reserva.
Foi dado conhecimento ao CMDT de policiamento da decisão de todo o efetivo, tendo este mantido a reserva no exterior do estádio em ligação com o Comandante de policiamento. Todas as Equipas ficaram colocadas nas viaturas estrategicamente em frente à porta 13 - local de acesso aos GOA‘s do Equipa B -, garantindo o máximo de prontidão em caso de necessidade de entrada. Durante o policiamento não houve qualquer necessidade de intervenção por parte
do Subgrupo. (…)” (cf. “relatório” assinado pelo “Comandante da Força Subcomissário «BB»”, a fls. 4 e ss.);
4. Da “relação dos elementos” do Subgrupo da FD/UEP/PRT presentes consta o nome
“«AA»”, subgrupo 2, ordem 764, matrícula ... (cf. “relatório” assinado pelo
“Comandante da Força Subcomissário «BB»”, a fls. 4 e ss.);
5. A 04/08/2017, o Comandante da FD/UEP/COMETPOR deu entrada no Comando Metropolitano do Porto da Informação/Proposta 388/FDUEP/2017, com o assunto “Reforço ao evento desportivo Equipa A – Equipa B – Incumprimento de ordem superior”, redigida a 03/08/2017, e endereçada ao Comandante Metropolitano do Porto da PSP, com o seguinte conteúdo:
“Informo V.Exa. que no dia 2 de agosto do presente ano a SO/CI desta FD/UEP/Porto reforçou o Comando Distrital de ... no evento desportivo Equipa A – Equipa B, conforme solicitado e superiormente determinado.
Nos termos descritos no Relatório de Serviço elaborado pelo Comandante da força do Corpo de Intervenção, Subcomissário «EE», o efectivo do seu Subgrupo Operacional recusou-se a entrar no interior do Estádio ..., conforme determinado por e solicitado pelo Comandante de policiamento, informando que apenas entrariam em caso de alteração e/ou reposição da ordem pública.
Pelo facto da presente situação ter contornos disciplinares, levo à V.Exa. o conhecimento de tais
factos” (cf. “Informação/Proposta 388/FDUEP/2017” a fls. 3 e ss, assinado e datado, e timbre aposto, com a data da entrada);
6. A 04/08/2017, o Comandante Metropolitano do Porto da PSP proferiu despacho determinando a instauração do procedimento disciplinar ao autor e nomeia instrutor o
Subcomissário «FF» (cf. “Despacho Processo Disciplinar”, assinado e datado, a fls. 2);
7. A 08/08/2017, foi elaborado o documento com a epígrafe “Termo de Abertura – Processo
Disciplinar”, “NUP: ...” (cf. documento indicado, a fl. 8, assinado);
8. A 12/03/2018, o autor requereu ao instrutor do procedimento disciplinar o seguinte: “(…) se digne facultar para exame e sob condição de não divulgar o que dele conste, o presente processo disciplinar em que é arguido, ao abrigo do artigo 200.º da (…) Lei Geral do Trabalho
em Funções Públicas, ex vi artigo 66.º do RD/PSP” (cf. requerimento anexo a mensagem de correio electrónico a fl.
134 e ss);
9. A 16/03/2018, o instrutor do procedimento disciplinar respondeu ao requerimento acima indicado: “Reportando-me ao assunto em epígrafe, em resposta aos requerimentos apresentados, no âmbito dos processos disciplinares em referência, dos quais sou instrutor, comunico a V. Exa., com o devido respeito, que indefiro o requerido, em cada um dos processos, para exame dos mesmos, ao abrigo do n.º 1, do art.° 62.º, do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (…) conjugado com o art.º 12.°, do mesmo diploma legal” (cf. impressão de
mensagem de correio electrónico a fl. 136);
10. A 26/09/2018, o instrutor do procedimento disciplinar deduziu contra o autor acusação, fundamentando:
“(…) Artigo 1º
Em 02-08-2017, das 18H00 às 23H00, o 2.º Subgrupo, da FD/UEP/CI/COMETPOR, por determinação superior, reforçou o comando Distrital ..., no policiamento desportivo ao jogo de futebol entre as equipas do Equipa B e do Equipa A, disputado no Estádio ..., na cidade ....
Artigo 2º
Esse reforço, prendeu-se com a previsão de uma elevada adesão de adeptos de ambos os clubes envolvidos, particularmente adeptos afetos ao Equipa B e aos respetivos GOA (Grupos Organizados de Adeptos), designadamente os "..." e o "... 95", acentuando-se, desta forma, a necessidade de acompanhamento e vigilância dos mesmos, visando, juntamente com o restante efetivo escalado, anular prontamente qualquer foco de desordem pública que pudesse surgir, bem como garantir a segurança a todos os intervenientes neste espetáculo desportivo e bens materiais ao mesmo associados.
Artigo 3º
Nesse propósito, em cumprimento da Ordem de Operações n.º 1/2017-2018, do Comando Distrital ..., a qual previa já a constituição de uma reserva no interior do Estádio ... por parte do CI (fls. 37v dos autos), foi escalado (fls. 17 dos autos) o 2.º Subgrupo, composto por três Equipas/Secções, do CI da FD/UEP/COMETPOR, devidamente comandado pelo Subcomissário NM/... - «EE».
Artigo 4º
Pelas 17H00, desse dia 02-08-2017, o comandante do 2.º Subgrupo, Subcomissário - «EE», na sede, instalações da ... - ..., procedeu à formatura que antecedeu a partida para ..., a fim de conferir o efetivo e respetivo equipamento, bem como transmitir as instruções necessárias ao serviço a desempenhar.
Artigo 5º
Nesta ocasião, o Chefe NM/... - «DD», que se encontrava a chefiar a 3.ª Equipa, do mesmo Subgrupo, isoladamente, abordou o Sr. Subcomissário - «EE» e deu-lhe a conhecer que era intenção generalizada da FD/UEP/COMETPOR, reforçar os policiamentos a espetáculos desportivos, apenas no exterior dos respetivos recintos, dependendo obrigatoriamente a intervenção no interior desses recintos, de qualquer ocorrência que a justificasse.
Artigo 6º
Seguidamente, o Sr. Subcomissário - «EE» dirigiu-se ao efetivo do 2.º Subgrupo, onde se incluía o aqui arguido, e sensibilizou os respetivos elementos policiais para o dever de acatarem e cumprirem prontamente as ordens legais dos seus superiores hierárquicos.
Artigo 7º
Durante a deslocação para ..., o Sr. Subcomissário NM/... - «EE», transmitiu superiormente, via telemóvel, ao Sr. Comissário - «GG», Comandante do respetivo Grupo, a questão sensível que lhe foi exposta pelo Chefe NM/... - «DD».
Artigo 8º
Antes do início do jogo em causa, na fase denominada "Antes do Jogo", depois de informado e alertado, por telefone, pelo Sr. Comissário «GG», compareceu junto ao Estádio ..., o Sr. Subintendente «HH», Comandante da Subunidade Operacional (CI), daquela ..., o qual, conhecedor da informação aludida, reuniu e dirigiu-se aos elementos policiais do efetivo do 2.º Subgrupo, apelou ao seu profissionalismo e reforçou o dever que sobre os mesmos recaía quanto ao cumprimento das ordens Legais que lhes fossem dadas, designadamente "que a reserva seria feita onde fosse determinado superiormente".
Artigo 9º
Pelas 20H00, do mesmo dia, quando terminou a 1.ª Fase do policiamento, "Antes do jogo" e se iniciou a 2.ª Fase, denominada "Durante o jogo", como estava previamente planeado, depois de solicitado pelo Sr. Subcomissário - «II», comandante do policiamento, o Sr. Subcomissário - «EE», ordenou ao Chefe NM/... — «DD», chefe da 3.ª Equipa, ordem estendida a todos os elementos que constituíam a mesma equipa, entre os quais o aqui arguido, Agente Principal NM/... «AA», que se posicionassem, no interior do Estádio ..., constituindo uma reserva direcionada à zona onde se encontravam os "GOA" do Equipa B.
Artigo 10º
Ao invés de cumprir prontamente a ordem recebida, o arguido, recusou-se a entrar no referido Estádio, conjuntamente com os outros polícias da equipa que integrava, argumentando que só entrariam em cenário de alteração da ordem, acabando por constituir a reserva fora do estádio.
Artigo 11º
Esta decisão, também tomada pelos polícias das outras duas equipas, do 2.º Subgrupo, foi transmitida pelo Subcomissário - «EE» ao Sr. Subintendente - «HH», o qual deu dela conhecimento ao Exmo. Sr. Comandante Distrital ..., Superintendente - «JJ», que também se encontrava naquele complexo desportivo.
Artigo 12º
Então, no intervalo do jogo que ali se disputava, o Exmo. Sr. Comandante Distrital ..., reuniu com todos os Oficiais envolvidos, incluindo o Sr. Subintendente - «HH» e determinou ao Subcomissário - «EE» que fizesse cumprir a ordem recebida, após o que, o mesmo, prontamente, se deslocou para junto do efetivo que comandava e ordenou, novamente, da mesma forma, que formassem a reserva prevista no interior do Estádio ..., ordem que continuou a não ser acatada, pelos mesmos elementos policiais, nomeadamente o aqui arguido.
Artigo 13º
O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, não devendo desconhecer a ilicitude da sua conduta, da qual resultou um manifesto e grave prejuízo para a disciplina.
Artigo 14º
Os factos praticados pelo arguido, ofendem de forma grave a dignidade e o prestígio da função que exerce, colocando em crise o princípio da hierarquia, um dos mais importantes princípios dessa função e revelam um acentuado desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres profissionais, merecendo também por isso uma censurabilidade acrescida.
Artigo 15º
Com a conduta acima descrita, o arguido praticou infração disciplinar face ao disposto no artigo 4.º do RD/PSP, por violação do princípio fundamental, previsto no artigo 6º do RD/PSP- [...o acatamento das leis…] mas também o dever de zelo, previsto no artigo 9.º, n.º 2, alínea e) [Cumprir, com diligência, as ordens dos superiores hierárquicos relativas ao serviço;] o dever de obediência, previsto no artigo 10.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) [Acatar prontamente as ordens...], o dever de lealdade previsto no artigo 11.º, n.º 1 [... subordinando a atuação aos objetivos institucionais do serviço...], o dever de aprumo previsto no artigo 16.º, n.º 1 [consiste em assumir, no serviço e fora dele, princípios, normas, atitudes e comportamentos que exprimam, reflitam e reforcem a dignidade da função policial e o prestígio da corporação.] e n.º 2, alínea f) [Não praticar, no serviço ou fora dele, ações contrárias à ética, à deontologia funcional, ao brio ou ao decoro da corporação.] todos do RD/PSP.
Artigo 16.º
O arguido não beneficia das circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar, previstas no artigo 51.º, do aludido RD/PSP.
Beneficia, nomeadamente, das circunstâncias atenuantes da responsabilidade disciplinar, previstas na alínea b) [O bom comportamento anterior], g) [O facto de ter louvor...] e h) [A boa informação de serviço do superior de que depende] do n.º 1, do artigo 52.º, do RD/PSP.
Militam contra si as circunstâncias agravantes da responsabilidade disciplinar, previstas nas alíneas d) [O facto de a infração ser cometida em acto de serviço..., na presença de outros, especialmente subordinados do infrator... ], e) [Ser a infração cometida em conluio com outros;], f) [Ser a infração comprometedora da honra, do brio, do decoro profissional...], e g) [A persistência na prática da infração, nomeadamente depois de reprovada por superior hierárquico... ], do n.º 1, do artigo 53.º, do focado RD/PSP.
Artigo 17º
À infração disciplinar praticada pelo arguido, corresponde, nos termos do artigo 43.º, a aplicação da pena disciplinar de SUSPENSÃO, prevista no artigo 25.º, n.º 1, alínea e), com referência ao artigo 46.º, conjugada com a sanção acessória prevista no artigo 28.º, todos do referido RD/PSP, aprovado pela Lei nº 7/90, de 20 de Fevereiro.
Notifique-se” (cf. articulado epigrafado “acusação”, a fls. 203 e ss)
11. A 01/10/2018, o autor tomou conhecimento da acusação indicada no ponto 10.; (cf.
“Notificação”, com assunto “Acusação decorrente de processo disciplinar”, cujo espaço destinado à declaração de conhecimento se encontra autografado e datado, e de que consta, nomeadamente, o seguinte: ¯Motivo da Notificação Da ACUSAÇÃO que contra si foi deduzida, nos termos do artigo 80.º do Regulamento Disciplinar da PSP (…), no âmbito do Processo Disciplinar supramencionado da qual recebe cópia. Notifica-se ainda que, lhe são concedidos 20 (vinte) dias úteis, para apresentar a sua defesa escrita”, fls. 211);
12. A 24/10/2018, o autor requereu ao instrutor o seguinte:

No âmbito dos processos disciplinares acima identificados, encontra-se a correr prazo para 17 arguidos apresentarem as suas defesas escritas, e que termina já no próximo dia 30 de Outubro de 2018.

Sucede que, a aqui mandatária dos arguido necessita de mais prazo para elaborar a defesa dos seus constituintes, dada a especial complexidade que os processos apresentam e tendo em conta a extensão dos factos, dos elementos de prova e da gravidade das acusações imputadas aos arguidos.

Pese embora o RD/PSP não prever a possibilidade de prorrogação de prazo adicional concedido aos arguidos para a apresentação da defesa, ao contrário do estabelecido no anterior Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas e actualmente conforme o que se encontra no n.º 4, do artigo 214.º, da Lei n. 2 35/2014, de 20 de Junho que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas que prevê a possibilidade do Instrutor do processo conceder um prazo superior até ao limite total de sessenta (60) dias
Requer-se a V. Exa., por força do Princípio da Igualdade consignado no artigo 13.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e ao abrigo da norma acima invocada [n.º 4, do artigo 214.º, da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho], ex vi artigo 66.º do RD/PSP, a prorrogação de prazo
adicional nunca inferior a 5 (5) dias úteis.” (cf. requerimento constante de mensagem de correio electrónico a fls. 226
e ss, corrigido a fls. 227 e ss);
13. A 26/10/2018, o instrutor do procedimento disciplinar dirigiu ao autor mensagem de correio electrónico de que consta:
“Reportando-me ao assunto em epígrafe, analisado e apreciado o requerimento de V. Exª., para prorrogação do prazo para apresentar a defesa escrita nos referidos processos disciplinares, comunico, com o devido respeito, que se indefere tal pretensão, ao abrigo do n.° 1, do artigo 80.°, do RD/PSP, aprovado pela Lei n.° 7/90, de 20 de Fevereiro, lei específica aplicável. Atenta a norma referida, entendo que o legislador, estabeleceu um prazo que pode variar de 10 a 20 dias, de acordo com a complexidade do processo, tendo sido desde logo concedido o prazo
máximo em todos eles.” (cf. comunicação a fls. 229);
14. A 30/10/2018, o autor apresentou a sua defesa escrita nos serviços do réu, anexo a mensagem de correio electrónico, constando, nomeadamente:
“(…) Da prova:
A) Testemunhal A inquirir:
1. Senhor Director Nacional Adjunto Superintendente-Chefe «KK», (…)
2. Senhor «LL» (…);
3. «MM», ...46 (…)
A reinquirir:
4. Senhor Comandante Distrital de ..., «JJ» (…)
5. Senhor Subcomissário «II» (…)
6. Senhor Subintendente «HH» (…)
7. Senhor Subintendente «NN» (…)
8. Senhor Comissário «EE» (…)” (cf. articulado a fls. 232 e ss)
15. Nas datas indicadas e no âmbito do procedimento disciplinar, foram inquiridas as seguintes testemunhas:
Testemunha Data da
inquirição
Página do PD
«KK» 04-12-2019 327 e ss.
«LL» 29-01-2019 342 e ss.
«MM» 01-02-2019 343 e ss.
«JJ» 30-01-2019 361 e ss.
«II»
«II»
19-02-2019 363 e ss.
«HH» 19-02-2019 362 e ss.
«NN» 12-02-2019 344 e ss.
«EE» 25-01-2019 341 e ss.
(cf. consta dos respectivos autos de inquirição, conforme páginas indicadas)

16. A 30/05/2019, o instrutor redigiu o “relatório final” do procedimento disciplinar relativo ao autor propondo:
“Que ao arguido, nos termos do artigo 43º, pela infração disciplinar praticada, seja aplicada a pena disciplinar de SUSPENSÃO, prevista no art.º 25º, nº 1, alínea e), com referência ao art. 46º, conjugada com a sanção acessória prevista no artigo 28º, todos do referido RD/PSP (…)
De acordo com o Quadro B, Anexo ao Regulamento Disciplinar, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 255/95, de 30 de Setembro, a competência para aplicação da
pena proposta é de S. Exa. o Diretor Nacional da PSP” (cf. “relatório final” a fls. 392 e ss, autografado); 17. A 18/09/2019, o autor assinou ofício de notificação com o assunto “aferição do regime mais favorável a aplicar ao arguido”, de que consta:
“Motivo da Notificação
O presente processo disciplinar, com o competente Relatório Final, foi remetido a S. Exa. o Diretor Nacional da PSP (1.ª instância), para decisão, mantendo-se a acusação que lhe foi deduzida e a proposta de pena constante da mesma.
Todavia, até à data de entrada em vigor do novo Estatuto Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei 37/2019, de 30 de maio, não foi proferida decisão.
Assim, ao abrigo do n.º 6, do art.º 6.º (Aplicação no tempo), da Lei 37/2019, de 30 de maio, foi o processo remetido ao Instrutor, a fim de ser aferido o regime mais favorável ao arguido.
Nesse sentido, dispõe o arguido do prazo de 10 dias, para se pronunciar por escrito, sobre o regime disciplinar que entenda revelar-se-lhe, em concreto, mais favorável” (cf.
“notificação” autografada e datada, a fls. 421);
18. A 08/10/2019, o autor enviou ao réu, em anexo a mensagem de correio electrónico, resposta da qual consta, nomeadamente, o seguinte texto:
“Pronúncia dos arguidos: (…)
Pelas razões supra expostas, os arguidas entendem que o regime do RD/PSP será o
regime mais concretamente favorável.” (cf. “notificação” autografada e datada, a fls. 424 e ss.)
19. A 14/02/2020, o instrutor concluiu o “relatório final complementar” do procedimento disciplinar relativo ao autor, com o “NUP ...”, em que está escrito, nomeadamente:
“Porém, considerando a aferição concreta do regime disciplinar mais favorável e levando em conta, nesse sentido, a posição do arguido, que secundariza essa perda económica, defendo também, que lhe deve ser aplicável o regime disciplinar anterior, ou seja o RD/PSP (…), designadamente quanto aos efeitos suspensivos do recurso para S. Exa. o Sr. Ministro da Administração Interna, indo de encontro à minha proposta inicial,
constante do Relatório Final, a qual mantenho, nestes termos.” (cf. “relatório final complementar”
autografado, a fls. 443 e ss);
20. A 08/04/2020, o réu proferiu “despacho” relativamente ao procedimento disciplinar era arguido o autor, e de que consta o seguinte:
“1- Concordo com o relatório do Sr. Instrutor (cf. fls. 392 a 412v) e relatório complementar (cf. fls. 443 e 444v) bem como com o despacho do Sr. Comandante do ..., de então (cf. fls. 445) que acolho, com exceção da proposta de sanção acessória, conforme à frente se explanará. (…)
10- Tudo ponderado, e contabilizadas as atenuantes e as agravantes da responsabilidade disciplinar, a pena justa a aplicar será a de 150 (cento e cinquenta) dias de suspensão.
11- No que diz respeito à proposta de aplicação de sanção acessória de transferência do arguido, prevista no artigo 28º do RD/PSP, entendo não ser de aplicar aquela sanção acessória, uma vez que: (…).
12- Pelo exposto, aplico ao Agente Principal ...34, «AA», da FD/UEP/..., arguido no processo disciplinar NUP 2017PRT00202D15; a pena disciplinar de 150 (cento e cinquenta) dias de suspensão, prevista nos artigos
25.º, n.º 1, alínea e) e 46.º, ambos do RD/PSP. (…)” (cf. “despacho” autografado pelo Director Nacional
Adjunto da PSP a fls. 452 e ss.);
21. A 29/04/2020, o autor foi notificado da decisão indicada no ponto 20.; (cf. “notificação” a fls. 457, autografada e data no local destinado ao autor, e de que consta “Processo NUP 2017PRT0020DIS”, epigrafado “Notificação”, com assunto “Decisão decorrente de processo disciplinar”, com o seguinte texto: “Motivo da Notificação Do despacho punitivo/decisão que foi proferida pelo Exmo. Sr. Diretor Nacional Adjunto para a UOOS (Unidade Orgânica de Operações e Segurança), nos termos do artigo 88.º, do Regulamento Disciplinar da PSP (RD/PSP) (…) Notifica-se ainda que (…) lhe são concedidos 10 (dez) dias (…) para apresentar, querendo, Recurso Hierárquico para S. Exa. o Sr. Ministro da Administração Interna. Não havendo Recurso no prazo legal, a punição será publicada em Ordem de Serviço (…) O Recurso a existir, é dirigido a S. Exa. o Sr. Ministro da Administração Interna.”);
22. A 18/05/2020, anexo a mensagem de correio electrónico, o autor deu entrada junto dos serviços do réu, de articulado denominado “Recurso Hierárquico”, endereçado ao Ministro da
Administração Interna (cf. mensagem de correio electrónico, em que se faz referência a 9 recursos hierárquicos e o referido articulado, a fls. 461 e ss);
23. A 15/07/2020, os serviços do réu redigiram o parecer nº 516-...21 dirigido ao Ministro da Administração Interna, constando, nomeadamente, o seguinte:
“Em face do exposto, poderá Vossa Excelência, caso concorde, negar provimento ao recurso hierárquico apresentado por «AA», mantendo assim a decisão recorrida. Poderá ainda Vossa Excelência determinar que o Senhor Diretor Nacional ordene a notificação da decisão do recurso hierárquico ao ora Recorrente e sua Ilustre
Mandatária” (cf. parecer nº 516-...21, a fls. 486 e ss.);
24. Datado de 29/09/2021, os serviços do réu elaboraram a informação nº ...1, de que consta, a final:
“Visto o processo, considerando a pronúncia da PSP e o referido Parecer da DSAJCPL, seus termos e fundamentos, poderá Sua Excelência o Ministro da Administração Interna, concordando, negar provimento ao presente recurso hierárquico, mantendo a decisão recorrida, e determinar que seja comunicado o despacho que vier a proferir à Direção Nacional da PSP que notificará o Recorrente e a sua Ilustre Mandatária, conforme vem proposto.” (cf. informação a fls. 484 e
ss);
25. A 12/10/2021, o réu proferiu a seguinte decisão:
“Atenta a pronúncia da entidade recorrida, nos termos e com os fundamentos do parecer nº 516FA/21, de 18 de agosto, da Direção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna, nego provimento ao recurso hierárquico interposto por «AA».
Proceda-se conforme vem proposto.” (cf. “decisão” do Ministro da Administração Interna aposta na informação nº
331BML/21, datada e autografada, a fls. 484);
26. A 09/11/2021, o autor foi notificado da decisão indicada no ponto 25. (cf. “notificação” a fls. 497, autografada e data no local destinado ao autor, com assunto “Decisão decorrente de processo disciplinar”, de que consta, nomeadamente, o seguinte: “Motivo da Notificação Da DECISÃO que foi proferida por S. Exa. o Ministro da Administração Interna, em 12/10/2021, exarada na informação nº ...1, de 29/09/2021, do Gabinete do Ministro da Administração interna (…) Fica ainda notificado de que passa a cumprir a pena, no dia seguinte à presente notificação (…) A punição será publicada em Ordem de Serviço (…)”.);
Factos não provados
O Tribunal não julga como não provados quaisquer factos com relevo para a decisão das excepções.
Motivação
O Tribunal estribou a sua convicção na análise dos documentos constantes dos autos como do processo administrativo, apreciando livremente a sua força probatória (art. 366º CPC), conforme o indicado em cada um dos factos. A livre apreciação da prova não é sinónimo de uma apreciação arbitrária, mas liberta o Tribunal das limitações impostas por sistemas de prova tarifada. A formação da íntima convicção na apreciação da prova resulta da mobilização de máximas da experiência de vida, regras consequenciais lógicas, conhecimentos científicos ou de empirismo evidente, em que o Tribunal procura alcançar uma objectivização livre de
elementos subjectivos interferentes (art. 607º/5 CPC).
[…]”

**

IIIii - DE DIREITO

Está em causa a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que em sede de despacho Saneador-sentença, julgou não verificadas [como assim vinha sustentado pelo Autor ora Recorrente], a prescrição do procedimento disciplinar e à caducidade do direito a aplicar a sanção disciplinar por parte do Réu ora Recorrido Ministério da Administração Interna.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Neste patamar, cumpre para aqui extrair a essencialidade da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Prescrição do procedimento disciplinar
O autor alega que o procedimento disciplinar prescreveu, argumentando que o Regulamento Disciplinar da PSP [...] é omisso quanto à prescrição, devendo aplicar-se o art. 178º/5 da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas [...], por força do art. 66º RD-PSP. Assim, a prescrição do procedimento disciplinar ocorreria passados 18 meses contados da data da instauração se o arguido não tiver sido notificado da decisão final. Tendo o procedimento sido instaurado a 08/08/2017, a 29/04/2020, aquando da aplicação da sanção, estaria já prescrito, sendo a sanção nula.
O réu aduz que o pessoal com funções policiais da PSP está excluído do âmbito de aplicabilidade da LTFP. Apoiando-se no Parecer nº 160/2003 da Procuradoria Geral da República, o prazo de prescrição do procedimento disciplinar é o previsto na lei penal: o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Neste caso, quatro anos e meio. Conclui que a decisão sancionatória foi proferida em tempo.
[...]
Discute-se o prazo de prescrição do procedimento disciplinar em si mesmo, pelo que se transcreve o art. 55º RD-PSP:
Artigo 55°
Prescrição do procedimento disciplinar
1. O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados três anos sobre a data em que a infracção tiver sido cometida.
2. Exceptuam-se as infracções disciplinares que constituam ilícito penal, as quais só prescrevem, nos termos e prazos estabelecidos na lei penal, se os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a três anos.
3. A responsabilidade prescreve também se, conhecida a falta pela entidade com competência disciplinar, não for instaurado procedimento no prazo de três meses. (…)
Extrai-se do texto que a norma apenas prevê prazos de prescrição para o início do procedimento disciplinar, que esquematicamente se poderá expor assim:
i. 3 anos a partir da prática dos factos: mero ilícito disciplinar; ii. Arts. 118º e ss do Código Penal [...] ilícito disciplinar que seja também ilícito penal;
iii. 3 meses do conhecimento dos factos por quem tenha competência disciplinar
Assim, resulta da leitura do normativo a lacuna quanto ao prazo da prescrição do procedimento em si mesmo. Perante este vazio, as partes apontam dois caminhos para solucionar a omissão.
O autor segue a remissão do art. 66º do RD-PSP até ao prazo de prescrição constante na LTFP, 3 anos. O réu segue pelo art. 121º/3 do Código Penal, conjugando com o art. 55º/1 RD-PSP, e defende um prazo de prescrição de quatro anos e meio.
Vejamos os méritos da argumentação das partes.
O art. 66º do RD-PSP prevê aplicação subsidiária das “regras do estatuto disciplinar vigente para os funcionários e agentes da administração central e da legislação de processo penal”, o que abriria a porta ao art. 178º/5 LTFP e à prescrição do procedimento disciplinar “decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final.” Porém, o argumento do autor esbarra na previsão expressa da LTFP que afasta a sua aplicabilidade “ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (…) cujos regimes constam de lei especial”. A PSP tem um regime disciplinar que consta de lei própria. Além do mais, sublinhe-se, que a LTFP é posterior ao RD-PSP, e o legislador não ignorava que estava a impedir a possibilidade de aplicação deste regime jurídico a outros já existentes (art. 9º/3 CC). Pelo que, a tese do autor não se ajusta ao regime legal vigente.
A posição do réu encontra sustentação no Parecer da Procuradoria Geral da República nº 160/2003, de 02/04/2004 e na jurisprudência, como se colhe de diversos acórdãos STA [...]. Resumindo a argumentação do parecer e dos acórdão: depois de afastada a aplicabilidade do regime dos trabalhadores públicos na integração da lacuna do RD-PSP, é incontornável que o direito disciplinar é um direito sancionatório público (art. 32º/10 CRP), comungando com o direito contraordenacional e o direito penal do mesmo substrato axiológico.
Deste modo, analisando diferentes “lugares paralelos [...] ” - regimes disciplinares diferentes (Estatuto dos Magistrados Judiciais, Estatuto do Ministério Público, Regulamento Disciplinar da Polícia Judiciária, Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana, Regulamento de Disciplina Militar), e o Regime Geral das Contra-Ordenações –, constata-se que todos eles se socorrem do regime da prescrição do art. 121º/3 Código Penal. A “prescrição do procedimento disciplinar terá sempre lugar quando, desde o seu início, e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade”. Em suma, esta é a norma que melhor se adequa à sistemática do ordenamento jurídico (arts. 10º/1 e /3 CC), convocando-se para integrar a lacuna do RD-PSP.
O Tribunal adere a esta segunda posição, aplicando o regime penal da prescrição ao procedimento disciplinar, isto é, sendo o prazo de prescrição normal de 3 anos (art. 55º/1 RD-PSP), o prazo de prescrição do procedimento disciplinar será aquele prazo mais metade, ou seja, 4 anos e meio.
Como ficou acima dito, o início do procedimento ocorreu a 04/08/2017 (facto 3.), termo inicial do prazo de prescrição de 4 anos e meio, pelo que a prescrição apenas ocorreria a 04/02/2022, depois da notificação decisão final do procedimento, ocorrida a 29/04/2020.
Não se verifica, assim, a prescrição do procedimento disciplinar.

Caducidade do direito de aplicar sanção
O autor alega que em 08/04/2020, quando foi proferida a decisão sancionatória, o direito de a aplicar estaria caducado, dado que, por força do art. 220º/6 LTFP, o proferimento deveria ter ocorrido nos 30 dias subsequentes ao envio do relatório final procedimento disciplinar, a 08/07/2019.
O réu argumenta que estamos perante prazos de natureza meramente indicativa e a sua ultrapassagem não tem efeito preclusivo.
Apreciando.
Está estabilizado na jurisprudência e na doutrina que os prazos de tramitação dos procedimentos disciplinares são meramente ordenadores.
[...]
O Tribunal partilha e não vê motivo para se afastar da unanimidade decisória: os prazos previstos nos procedimentos disciplinares para a prática de actos pelas entidades instrutoras não têm natureza peremptória, não implicando, a sua violação, qualquer invalidade do acto final decisório.
Soçobra, assim, a alegação do autor.
[...]
1.3.4. Decisão
Nestes termos, improcedem, por não verificadas, as excepções peremptórias de prescrição do procedimento disciplinar e de caducidade do direito a aplicar a sanção disciplinar invocadas pelo autor.
[...]“
Fim da transcrição

Decorre da decisão recorrida, que o Tribunal a quo decidiu pela inaplicabilidade da LTFP, por se tratar o Autor ora Recorrente de um membro da PSP, e que perspectivando-se a existência de uma lacuna em torno do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, que deveria ser de aplicar, nesse domínio o Código Penal, mais concretamente o seu artigo 121.º, e que não está assim prescrito o procedimento disciplinar, nem caducado o direito de aplicar sanção disciplinar.

Como assim deflui das conclusões das Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, o imputado erro de julgamento à decisão datada de 26 de Janeiro de 2023 proferida pelo Tribunal a quo, por via da qual foram indeferidas as excepções de prescrição do procedimento disciplinar e de caducidade do direito de aplicar a sanção suscitadas pelo Autor, assenta essencialmente, na consideração de que o Tribunal a quo deixou de aplicar uma norma para que o Regulamento Disciplinar da PSP remete [o artigo 178.º, n.º 5 da LTFP, ex vi do artigo 66.º do RD/PSP], e que aplicou uma outra norma [o artigo 121.º do Código Penal], que aquele Regulamento não manda aplicar e cuja aplicação até excluiu expressamente, pois que resulta do disposto no artigo 41.º do RD/PSP que o Código Penal só é aplicável quanto à suspensão ou demissão por efeito de pena imposta por decisão judicial.

Enfatizou o Recorrente que tendo o relatório final sido remetido para decisão do Director Nacional da PSP em 08 de Julho de 2019, e tendo este proferido decisão em 08 de Abril de 2020, que nesta data já caducara o direito de aplicar a pena, razão pela qual os actos impugnados são manifestamente ilegais por exercitarem um poder já caduco, ex vi do disposto nos n.ºs 4 e 6 do artigo 220.º da LGTFP, peticionado a final que seja revogado o despacho saneador recorrido e julgadas procedentes as excepções deduzidas, com as legais consequências.

Como assim julgamos, subjacente à pretensão recursiva do Recorrente está desde logo o seu entendimento de que o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação da LTFP, mais concretamente do disposto nos seus artigos 178.º, n.º 5 e 220.º, n.ºs 4 e 6.

Vejamos pois.

Na decorrência do que assim apreciou o Tribunal a quo, atenta a sucessão de regimes jurídicos em torno do Estatuto Disciplinar da PSP [ao Regulamento disciplinar aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro – que revogou o Regulamento Disciplinar aprovado pelo Decreto n.º 40118, de 06 de abril de 1955 -, sucedeu o Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei n.º 37/2019, de 30 de maio], e tendo por pressuposto o julgamento prosseguido [em face do que assim sustentaram as partes nos seus articulados] de que o RDPSP contém um regime de prescrição do procedimento disciplinar mais favorável [de 18 meses] do que o previsto no EDPSP [de 4 anos e meio], foi julgado que a apreciação da invocada prescrição tem de ser feita dentro do quadro normativo disposto pelo RDPSP.

Ora, à data em que foi praticado o ilícito disciplinar, em 02 de agosto de 2017, estava em vigor o RDPSP, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro.

Conforme assim vem disposto pelos artigos 5.º, 6.º e 7.º da Lei n.º 37/2019, de 30 de maio [que aprova o Estatuto Disciplinar da PSP], e que entrou em vigor no dia 01 de julho de 2019, foi revogado aquele Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, sendo que em sede da sua aplicação no tempo, dispôs o legislador, entre o mais, que o Estatuto Disciplinar apenas é imediatamente aplicável aos factos praticados, aos processos instaurados e às penas em execução na data da sua entrada em vigor quando o seu regime se revele, em concreto, mais favorável ao arguido, abrangendo as disposições do Estatuto Disciplinar relativas aos deveres funcionais, à sua violação e sancionamento, bem como ao respetivo procedimento, designadamente no que respeita à não previsão do anteriormente vigente instituto da infração diretamente constatada.

A questão está pois, para já, em decidir sobre se, sendo aplicável, em tese geral, o RDPSP, por na visão do Autor ora Recorrente ter ocorrido a prescrição do procedimento disciplinar por ter decorrido o prazo de 180 dias sem que tenha sido proferida a decisão final, se é assim aplicável, desde logo, a LTFP, e assim o disposto no seu artigo 178.º, n.º 5.

A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas foi aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, tendo sob o seu artigo 42.º, n.º 1, alínea d), entre o mais, disposto pela revogação da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro [alterada pelo Decreto-Lei n.º 47/2013, de 5 de abril], pela qual foi aprovado o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, sendo que pelo disposto no seu artigo 43.º, n.ºs 1 e 2, em sede de Disposição transitória, veio disposto que a legislação referente ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, a que se refere o n.º 2 do artigo 2.º da LTFP, deve ser aprovada até 31 de dezembro de 2014, e que até à data de entrada em vigor da lei especial prevista no número anterior, o pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública continua a reger-se pela lei aplicável antes da entrada em vigor da LTFP.

Aquela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, foi alterada pelo artigo 1.º da Lei n.º 70/2017, de 14 de agosto, que entrou em vigor em 19 de agosto de 2017, que veio a dar nova redação ao seu artigo 2.º, n.º 2 [do Anexo aprovado pela Lei], mas sem que tenha alterado a essência do que já dispunha na sua versão inicial quanto ao pessoal com funções policiais da PSP, isto é, no sentido de que a presente lei não é aplicável ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, cujo regime consta de lei especial.

Importa ainda salientar, que apesar de o artigo 11.º da LTFP dispor, entre o mais, que o regime disciplinar nela previsto é imediatamente aplicável aos factos praticados e aos processos instaurados na data da entrada em vigor da presente lei, quando se revele, em concreto, mais favorável ao trabalhador e melhor garanta a sua audiência e defesa, e que ao prazo de prescrição da infração disciplinar previsto no artigo 178.º na LTFP se aplica o disposto no artigo 337.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, como já vimos supra, porém, essa Lei não é aplicável ao pessoal da PSP com funções policiais.

Por outro lado, pese embora a referida legislação especial não tenha sido aprovada até ao dia 31 de dezembro de 2014 [isto é, o EDPSP, que deveria vir substituir o RDPSP], sempre tendo o legislador disposto pela inaplicabilidade da LTFP, até à entrada em vigor do EDPSP, o pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública continuaria então a reger-se pela lei aplicável antes da entrada em vigor da LTFP, ou seja, pela Lei 58/2008, de 09 de setembro, que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas.

Ou seja, o legislador consagrou, expressamente, a inaplicabilidade da LTFP, entre o mais, aos procedimentos disciplinares intentados contra pessoal da PSP com funções policiais, o que é o caso do Autor ora Recorrente, por o respectivo regime constar de lei especial, o RDPSP.

Com efeito, tendo o legislador arredado de forma expressa a convocação da LTFP, não podia o Tribunal a quo ter aplicado [como assim não aplicou] o disposto no seu artigo 178.º, n.º 5.

Não sendo aplicável a LTFP, caberia avaliar da aplicabilidade da Lei n.º 58/2008, de 09 de setembro, que sob o seu artigo 6.º, n.º 6 dispunha [tempus regit actum], que o procedimento disciplinar prescreve decorridos que sejam 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final.

Mas como assim julgamos, também a Lei n.º 58/2008, de 09 de setembro, não é passível de ser convocada, desde logo porque em face do disposto no seu artigo 1.º [do Anexo], sob a epígrafe “Âmbito de aplicação subjectivo”, vindo disposto que o Estatuto Disciplinar é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funções, o que poderia ser a situação do Autor, ora Recorrente, por ser Agente Principal da PSP, e assim, ser detentor de uma relação jurídica de emprego público, o que é certo, porém, é que o n.º 3 deste artigo 1.º vem a dispor pela inaplicabilidade desse Estatuto Disciplinar aos trabalhadores que possuam estatuto disciplinar especial, o que é precisamente a situação do Autor ora Recorrente, por ser quadro da PSP com funções policiais e estar ao abrigo do RDPSP.

Com efeito, o Autor, enquanto Agente da PSP, goza de um estatuto disciplinar próprio, sendo que a especialidade desse estatuto advém da especialidade do exercício de funções policiais.

Neste patamar, temos assim que os regimes jurídicos a que se reportam, quer a Lei
n.º 35/2014, de 20 de junho, quer a Lei n.º 58/2008, de 09 de setembro, não poderiam ser convocados a título de direito subsidiário, na decorrência do disposto no artigo 66.º do RDPSP, porque foi o próprio legislador, que em lei posterior, assim o veio a dispor.

Coloca-se agora a questão de saber qual é então o enquadramento do disposto no artigo 66.º do RDPSP.

O RDPSP, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, surge na sequência da publicação do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro [que foi revogado pela Lei n.º 58/2008, de 09 de setembro], por via do que a Assembleia da República, pela sua Lei n.º 10/83, de 13 de agosto, autorizou o governo a proceder à alteração do Estatuto Disciplinar dos Funcionários da Administração Pública Central, Regional e Local.

Percorrido o clausulado do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, dele não se extrai nenhuma norma de onde se retire que esse diploma, ou parte dele, não fosse aplicável ao pessoal da PSP com funções policiais.

Tratando o ED aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, de um estatuto disciplinar transversal a todos os funcionários e agentes da Administração Central, Regional e Local, mas com exclusão daqueles que possuíssem estatuto especial [Cfr. o seu âmbito de aplicação, a que se reporta o seu artigo 1.º], mostra-se adequado e consentâneo com o espírito do legislador subjacente ao RDPSP, e até em termos de legística, a previsão de normas de direito subsidiário ao disposto no RDPSP, tendo assim vindo a ser vertido sob o artigo 66.º que, na falta ou omissão de normas no RDPSP, que devem ser aplicadas as regras do estatuto disciplinar vigente para os funcionários e agentes da Administração Central, Regional e Local, assim como da legislação de processo penal.

Ou seja, de que deve recorrer-se aquele direito, em termos subsidiários, sempre no pressuposto de se mostrar necessário, quando se constate existir uma falta ou omissão de normas no Regulamento Disciplinar da PSP.

A questão está assim, portanto, em saber se existe no RDPSP alguma falta ou omissão legislativa em torno da prescrição do procedimento disciplinar.

E como assim julgamos, a resposta tem de ser negativa.

Desde logo, é de realçar que a redação disposta no artigo 55.º do RDPSP é em tudo similar aquela que [com idêntica epígrafe], vem disposta sob o artigo 4.º do Estatuto disciplinar dos funcionários e agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro.

Como assim julgamos, o legislador do RDPSP, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, visava pelo disposto no seu artigo 66.º, que o Estatuto Disciplinar vigente [à data, o que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro], fosse subsidiariamente aplicável nas faltas e omissões que fossem detectadas nesse RDPSP, não se colocando então, flagrantemente, a questão de que o procedimento disciplinar houvesse de se ter por prescrito antes de ter decorrido, pelo menos, o período de 3 anos sobre a data em que a infracção disciplinar tiver sido praticada, como assim se reportam os n.ºs 1 do artigo 55.º e 4.º daqueles diplomas, respectivamente.

Como assim decorre do disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, estavam colocados dois prazos de prescrição, a saber, (i) um prazo de 3 anos a contar do cometimento da infracção [que podia ser superior caso a infracção disciplinar fosse também tipificada e punida como ilícito criminal], e (ii) um prazo de 3 meses a contar do conhecimento da infracção disciplinar por parte do dirigente máximo do serviço.

Ou seja, tendo o legislador previsto a coexistência, em simultâneo, de um prazo normal de prescrição, de 3 anos, e de um prazo curto, de 3 meses, a prescrição do procedimento disciplinar tem-se por verificada [descontados os períodos de interrupção e/ou de suspensão] quando o primeiro desses prazos ocorrer no tempo, actuando assim com independência e autonomia relativamente à mesma infracção disciplinar,

Como refere M. Leal-Henriques, in Procedimento Disciplinar, 5.ª edição, páginas 62 e 63, o prazo prescricional, uma vez iniciado e em conformidade com o disposto no artigo 4.º, n.ºs 4 e 5, do ED aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84 de 16 de janeiro interrompe-se “[…] quando, antes de haver decorrido na totalidade, e estiver procedimento de natureza disciplinar a correr termos, se praticar nesse processo acto instrutório que tenha incidência na sua marcha, contando-se então o prazo prescricional a partir da prática do último desses actos instrutórios e desprezando-se o prazo anteriormente decorrido. […] e suspende-se “[…] quando, antes de decorrido o prazo prescricional, e sem que o respectivo procedimento tenha sido desencadeado, vier a Administração instaurar, v.g., processo de sindicância, de meras averiguações, inquérito ou processo disciplinar.” sendo que, “O prazo prescricional só não se suspende se a Administração, desnecessariamente, mandar instaurar qualquer dos procedimentos pré-disciplinares referidos no n.º 5, quando já há falta jurídicodisciplinarmente definida, quer quanto à sua materialidade, quer quanto ao seu autor, caso em que se impõe, imediatamente, a instauração de processo disciplinar. Nessa hipótese a Administração é «castigada» por ter optado por expedientes de sentido dilatório quando dispunha já de todos os dados indispensáveis para poder instaurar desde logo procedimento disciplinar, não beneficiando assim da suspensão do prazo prescricional.”

Ora este mesmo julgamento tem de ser tirado em face do disposto no artigo 55.º do RDPSP, dada a similitude da norma quando comparada com o disposto no referido artigo 4.º do ED aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 6 de janeiro.

Ou seja, o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09 de setembro não é aplicável à situação do Autor na decorrência do disposto no artigo 66.º do RDPSP, porquanto é aquele mesmo diploma que exclui do seu âmbito subjectivo de aplicação, o pessoal da PSP com funções policiais [o que é o caso do Autor ora Recorrente], e não faria sentido algum prover pela aplicação daquele diploma legal face a uma Lei aprovada cerca de 18 anos antes, que no tempo em que foi aprovada, se reportava, manifestamente, ao Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, enquanto diploma de cariz geral aplicável, regra geral, a toda a Administração Pública [Central, Regional e Local], e que em torno da prescrição do procedimento disciplinar dispunha em termos similares ao previsto no RDPSP.

Daí que sendo aplicável à situação a que se reportam os autos o RDPSP, no pressuposto em que assim vem alegado pelas partes e acolhido pelo Tribunal a quo, de que comporta um tratamento mais favorável ao arguido, e nesse pressuposto, em face do disposto no seu artigo 66.º, de que nas faltas e omissões constatadas existir nesse RDPSP que é subsidiariamente aplicável o estatuto disciplinar que rege a actuação dos funcionários da Administração Central, que em face do que já apreciamos supra, é o que foi aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09 de setembro [em vigor desde 01 de janeiro de 2009], mas que este próprio regime jurídico exclui a sua aplicação ao pessoal da PSP com funções policiais, como assim julgamos, ainda que a título subsidiário, temos assim que o legislador deixou de querer que se provesse por essa aplicação subsidiária do ED aprovado para os funcionários da Administração Central, revogando de forma implícita o disposto nesse domínio pelo artigo 66.º do RDPSP.

Neste patamar, a mostrar-se passível de convocação o ED aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro [o que não se mostra curial, dado que foi expressamente revogado pelo artigo 5.º da Lei n.º 58/98, de 09 de setembro], na medida em que do artigo 4.º deste diploma constam previsões normativas similares às patenteadas no referido artigo 55.º do RDPSP, julgamos manifesto que o único prazo normal de prescrição que se encontrava em curso, era o mais longo, de 3 anos, iniciado em 02 de agosto de 2017 com a prática da infracção [cfr. artigo 55.º, n.º 1, parte final, do RDPSP], mas interrompido em 01 de outubro de 2018 pela notificação ao arguido [Autor ora Recorrente] da acusação contra si deduzida pelo instrutor do processo disciplinar.

Como assim julgamos, e em consonância com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, a interpretação a tirar do n.º 1 do artigo 55.º do RDPSP [tal como assim dispunha o artigo 4.º, n.º 1 do ED aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro], cuja mesma epígrafe é atinente à prescrição do procedimento disciplinar, deve ser prosseguida em sentido lato, ou seja, não se deve reportar apenas ao direito de instaurar o procedimento disciplinar por parte da entidade administrativa, antes abrangendo todo o período temporal decorrido a partir da data da prática do facto passível de integrar o cometimento de infracção disciplinar, até à prolação da decisão final, daí devendo ser descontados os períodos de interrupção e suspensão do procedimento disciplinar.

Volvendo aos termos dos autos, tendo a infracção disciplinar cometida pelo arguido ocorrido em 02 de agosto de 2017 [Cfr. pontos 2 e 3 do probatório], iniciou-se nesta data o prazo prescricional de 3 anos a que se reporta o artigo 55.º, n.º 1 do RDPSP, o qual se interrompeu com a notificação da acusação ao arguido em 01 de outubro de 2018 [Cfr. ponto 11 do probatório], sendo que, tendo o Ministro da Administração Interna proferido a decisão final que negou provimento ao recurso hierárquico deduzido pelo arguido [necessário - Cfr. artigos 90.º a 96.º do RDPSP] em 12 de outubro de 2021 [Cfr. ponto 25 do probatório], nesta estava já cumprido o prazo prescricional de 3 anos, ou seja, esgotado o direito de ser aplicada sanção disciplinar ao arguido, por prescrição do procedimento disciplinar, atento o disposto no artigo 55.º, n.ºs 1 e 4 do RDPSP, norma esta que tendo sido violada pela decisão impugnada, faz inquinar a decisão impugnada de violação de lei, que é determinante da sua invalidade

Com efeito, e em conformidade com o disposto no artigo 198.º, n.ºs 1 e 4 do CPA, tendo o arguido sido notificado da acusação contra si deduzida no dia 01 de outubro de 2018, é com a decisão do Ministro da Administração Interna [que é a entidade competente para decidir o recurso hierárquico, datada de 12 de outubro de 2021, e apesar de proferida dentro do prazo de 30 dias após a remessa do processo para decisão], que o procedimento disciplinar vem a alcançar o seu termo final, a qual foi prolatada 11 dias após a completude do prazo prescricional de 3 anos, a que se reporta o artigo 55.º do RDPSP.

Como assim julgamos, inexiste nenhuma falta ou omissão no RDPSP que ao abrigo do seu artigo 66.º deva ser objecto de suprimento por via de recuso ao direito subsidiário que emerge quer do estatuto disciplinar dos funcionários da Administração Central, quer do Código Penal, dada a suficiência do artigo 55.º do RDPSP em ordem a regular e disciplinar, in totum, a prescrição do procedimento disciplinar.

Efectivamente, salientamos a inaplicabilidade do disposto no Código Penal, e concretamente do vertido no seu artigo 121.º, n.º 3, porque de resto, a tanto assim obsta o artigo 41.º do RDPSP, porque na situação em apreço nos autos não está em questão atinente à suspensão ou demissão por efeito de pena imposta por decisão judicial, nem infracção disciplinar que constitua também ilícito penal, e primacialmente, porque não há necessidade de convocar qualquer direito subsidiário para efeitos da apreciação da prescritibilidade do procedimento disciplinar, por ser bastante para o efeito o disposto no artigo 55.º do RDPSP.

Termos em que, face ao que deixamos expendido supra, a pretensão recursiva do Recorrente tem assim de proceder.

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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Processo disciplinar; Agente da PSP; Regulamento Disciplinar da PSP; Prescrição do procedimento disciplinar.

1 - Em consonância com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, a interpretação a tirar do n.º 1 do artigo 55.º do RDPSP [tal como assim dispõe o artigo 4.º, n.º 1 do ED aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro], cuja mesma epígrafe é atinente à prescrição do procedimento disciplinar, deve ser prosseguida em sentido lato, ou seja, não se deve reportar apenas ao direito de instaurar o procedimento disciplinar por parte da entidade administrativa, antes abrangendo todo o período temporal decorrido a partir da data da prática do facto passível de integrar o cometimento de infracção disciplinar, até à prolação da decisão final, daí devendo ser descontados os períodos de interrupção e suspensão do procedimento disciplinar.

2 – Não existe nenhuma falta ou omissão no RDPSP aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, que ao abrigo do seu artigo 66.º deva ser objecto de suprimento por via de recurso ao direito subsidiário que emerge quer do estatuto disciplinar dos funcionários da Administração Central, quer do Código Penal, dada a suficiência do artigo 55.º do RDPSP em ordem a regular e disciplinar, in totum, a prescrição do procedimento disciplinar.

3 - Em conformidade com o disposto no artigo 198.º, n.ºs 1 e 4 do CPA, tendo o arguido sido notificado da acusação contra si deduzida no dia 01 de outubro de 2018, é com a decisão do Ministro da Administração Interna [que é a entidade competente para decidir o recurso hierárquico, datada de 12 de outubro de 2021, que foi proferida dentro do prazo de 30 dias após a remessa do processo para decisão], que o procedimento disciplinar vem a alcançar o seu termo final, a qual foi prolatada 11 dias após a completude do prazo prescricional de 3 anos, a que se reporta o artigo
55.º do RDPSP.

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência:
A) em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente «AA»;
B) em revogar a decisão constante do Saneador-sentença recorrido;
C) em julgar a acção procedente na parte ora em recurso, anulando o acto impugnado por violação do disposto no artigo 55.º, n.º 1 do Regulamento Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro.

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Custas a cargo do Recorrido, salvo nesta instância por não ter apresentado Contra alegações – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.

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Porto, 03 de maio de 2024.


Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Isabel Costa, em substituição
Rogério Martins, com a declaração de voto que segue: "Voto a decisão mantendo no entanto nos seus precisos termos a fundamentação abstracta do acórdão por mim relatado de 20.10.2024, no processo 63/22.8BECBR-S1 deste Tribunal".