| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
Nos presentes autos em que é Autor SNBS - SINDICATO NACIONAL DOS BOMBEIROS SAPADORES e Réu o MUNICÍPIO ..., ambos neles melhor identificados, foi proferido pelo TAF de Braga o seguinte Despacho:
Por despacho proferido em 11.05.2022, foi o Autor convidado para, no prazo de 10 dias, “apresentar, uma nova P.I. clara e percetível, nomeadamente no que concerne aos factos que alicerçam a causa de pedir; aos concretos pedidos que pretende com identificação objetiva do ato que põe em crise, tudo com observação integral do disposto no artigo 78.º, n.º 2 e 3 do CPTA” (cfr. pág. eletrónica 123).
Em 13.06.2022, o Autor apresentou a nova petição inicial (cfr. pág. eletrónica 128 a 130).
E, por despacho proferido em 28.11.2022, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, foi ordenado o desentranhamento desta nova petição inicial com a devolução da mesma ao Autor, por se considerar extinto o direito à prática de ato processual, por extemporaneidade na sua junção (Cfr. Fls. 149 da paginação eletrónica).
Em decorrência do supra exposto, foi proferido despacho em 25.02.2023, no qual ficou plasmada a impossibilidade de prosseguir com a presente lide, conduzindo à absolvição da Entidade Demandada da instância, por se verificar a existência de uma exceção dilatória inominada, nos termos do disposto nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, sendo determinado a notificação das partes para se pronunciarem, querendo, sobre a exceção invocada. (Cfr. artigos 7.º-A, n.º 1, do CPTA, 3.º, n.º 3 e 547.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º do CPTA).
Devidamente notificadas as partes, só a Entidade Demandada veio aos autos dizer que concordava com o entendimento do Tribunal constante do despacho suprarreferido.
Neste sentido, face a tudo quanto antecede e com os fundamentos já expostos nos despachos datados de 11.05.2022 e 25.02.2023, aqui dados por integralmente reproduzidos, nomeadamente, por se constatar que os factos alegados na (primeira) petição inicial não são claros, em específico, quanto à envolvência com o concreto ato que o Autor pretende impugnar, e que outros extravasam e conflituam com o requerido,
Julgo procedente a exceção dilatória inominada de impossibilidade originária da lide e, em consequência, determino a absolvição da Entidade Demandada da instância nos termos do disposto nos artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.
Deste vem interposto recurso.
Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
A. O Tribunal a quo decidiu sumariamente pela absolvição da Ré por se verificar uma exceção dilatória inominada por esta deduzida.
B. Porém, andou mal o Tribunal ao decidir sumariamente desta forma, pois fê-lo em divergência com os preceitos legais e jurisdicionais
C. Na verdade, a Ré defendeu-se ao requerimento inicial por exceção e por impugnação, tendo ficado claro que compreendeu o pedido do Autor.
D. O Autor respondeu aquela exceção tempestivamente, pugnando pela percetividade e clareza do pedido, e como tal pela improcedência da exceção.
E. Pediu ainda o Autor a condenação da Ré em litigante de má-fé, uma vez que o alegado se tratava de copy paste a todos os pedidos formulados pelo Autor contra si, e que nem sequer tinha correspondência com o processo.
F. O Tribunal a quo não respondeu à defesa do Autor, nem ao pedido de litigância de má-fé, tendo determinado a apresentação duma petição aperfeiçoada.
40. A apresentação duma petição aperfeiçoada significa que os factos essenciais estavam ali presentes, caso contrário seria considerada inepta. Conforme decidiu o Tribunal da Relação do Porto, dizendo que “I - Os factos essenciais, numa aceção estrita, cumprem a função individualizadora da causa de pedir, são eles que individualizam a pretensão do autor. Estando esses factos essenciais alegados, a causa de pedir mostra-se identificada, não podendo considerar-se inepta a petição inicial por falta de causa de pedir, embora possa estar incompleta se faltarem alguns dos outros factos principais. II - Faltando factos essenciais (na acepção estrita), a petição inicial considera-se inepta, não há lugar a despacho de aperfeiçoamento para permitir que essa falta seja suprida, tendo como consequência processual a absolvição do réu da instância. III - Omitidos outros factos principais, a petição inicial não considerar inepta, mas a causa de pedir acha-se incompleta ou está insuficientemente concretizada. Nesta hipótese deve ser proferido despacho de aperfeiçoamento, que actualmente tem natureza vinculativa, convidando o juiz a parte a suprir as irregularidades do articulado, ou a suprir as deficiências de alegação ou exposição dos factos, designadamente completando a causa de pedir através de alegação de factos que complementem ou concretizem os factos antes alegados.” Processo 2670/18.4T8PRD.P1
G. Ora, se foi determinado despacho de aperfeiçoamento, aquela petição não era inepta, e se era inepta, então não seria de determinar um despacho de aperfeiçoamento.
H. Tendo a Ré contestado por impugnação, demonstrando compreender o alcance do pedido e da causa de pedir, deveria ter-se o Tribunal pronunciado sobre o mérito da causa.
I. Sem prejuízo, o Autor apresentou um articulado de aperfeiçoamento da petição inicial - que já tinha sido contestada - tendo o Tribunal determinado o desentranhamento do mesmo, por “extemporaneidade” - o que também não se compreende.
J. Trata-se dum convite para aperfeiçoar uma petição que já tinha sido contestada, e sanada aquela deficiência que o Tribunal determinou, então foi a mesma desentranhada, decidindo-se “não decidir”.
K. Salvo o devido respeito, andou mal o Tribunal a quo ao deixar de decidir sobre uma ação cuja petição não era inepta (tendo em conta o despacho de aperfeiçoamento), caso contrário teria existido um despacho liminar de ineptidão.
L. Ainda com o devido respeito, andou mal o Tribunal ao determinar o desentranhamento duma peça processual que visava a sanação dum vício (que não aceitamos, tendo em conta que a própria Ré contestou por impugnação, demonstrando compreender de forma clara o pedido)
M. Devia o Tribunal ter-se pronunciado sobre o mérito da causa, e não ter decidido como decidiu, absolvendo a Ré por verificação duma exceção dilatória inominada, que a própria Ré demonstrou não se verificar ao contestar a ação, e o próprio Tribunal demonstrou não se tratar quando emitiu despacho de aperfeiçoamento.
Termos em que, revogando a Decisão Sumária de absolvição da Ré por alegada verificação de existência de exceção dilatória inominada, e ordenando o julgamento para que exista verdadeira pronúncia sobre o mérito da causa, farão inteira JUSTIÇA!
O Réu juntou contra-alegações e concluiu:
I. Dispõe o artigo 78.º, n.º 2 do CPTA, quanto aos requisitos da petição inicial, que nela o autor deve: (...) "g) Formular o pedido".
II. Na petição inicial deve o autor formular o pedido, determinado material e processualmente, isto é, solicitar ao tribunal a providência processual que julgue adequada para tutela duma situação jurídica ou de um interesse que afirma materialmente protegido.
III. A petição inicial será inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido, ou seja, quando nela não seja indicada, ou por meio dela não seja possível descortinar, qual a espécie de providência que o autor se propõe obter do juiz, ou qual o efeito jurídico que se propõe obter por via da ação.
IV. Determina a alínea c) do n.º 1 do artigo 80.º do CPTA que quando a petição omita qualquer dos elementos a que se referem as alíneas b), c), d) e h) do n.º 2 do artigo 78.º, deve a mesma ser rejeitada.
V. Subsumindo ao caso concreto, verifica-se ineptidão da petição inicial por falta de pedido quando o autor, invocando que são devidas determinadas verbas, não integrou na conclusão da sua petição inicial qualquer pedido de condenação do Réu no pagamento de qualquer quantia, não se podendo confundir com o pedido, a exposição de cariz factual e jurídico efetuada na narração do articulado.
VI. Notificado em 10/05/2022 para, no prazo de 10 (dez) dias, “(...) apresentar, uma nova PI clara e percetível, nomeadamente no que concerne aos factos que alicerçam a causa de pedir; aos concretos pedidos que pretende com a identificação objetiva do ato que põe em crise, tudo com a observação integral do disposto no artigo 78.º, n.º 2 e n.º 3 do CPTA” apenas em 13/06/2022 veio apresentar Nova Petição Inicial.
VII. Esta Nova Petição Inicial foi apresentada extemporaneamente, conforme decorre do despacho proferido em 28/11/2022, tendo sido ordenado o respetivo desentranhamento desta com a devolução da mesma ao Autor.
VIII. O prazo concedido para apresentar nova PI é perentório, uma vez que no douto despacho de 10/05/2022 é claramente estipulado um prazo para o efeito. Mas, se dúvidas, existissem, o artigo 29.°, n.° 1 do CPTA é claro quando refere “O prazo geral supletivo para os atos processuais das partes é de 10 dias.”
IX. Não tendo o Autor formulado o pedido, mesmo depois de ter sido convidado a apresentar petição inicial aperfeiçoada, não se pode concluir senão pela ineptidão da petição inicial.
X. Em face do exposto, bem andou o Tribunal a quo em absolver o Réu da instância. E tendo em conta que esta questão formal inquina todo o processo, nada mais teria o douto Tribunal a quo que conhecer quanto ao alegado no processo.
TERMOS EM QUE,
como certamente suprirão, deve ser negado provimento ao Recurso, e manter-se a douta decisão recorrida e, deste modo, farão a tão acostumadaJUSTIÇA! A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Assim,
Questão prévia - Da inexistência de prova gravada
Em primeiro lugar refira-se que, pese embora a notificação para contra-alegar faça referência a prova gravada - “Assunto: Interposição de recurso - prova gravada (art.º 144.º do CPTA)” -, os presentes autos não tiveram qualquer diligência de prova.
Do recurso -
Cremos que não tem razão o Recorrente.
Com efeito, não poderia ter sido outra a decisão do Tribunal a quo, nomeadamente, por ter julgado nulo todo o processo, por ineptidão da petição inicial, absolvendo o Réu da instância.
Vejamos,
Fundamenta o Recorrente a sua pretensão na errónea interpretação assente no entendimento de que formulou, efetivamente, um pedido, e que apresentou a sua PI aperfeiçoada tempestivamente, uma vez que considera que o prazo concedido para o efeito não se subsume na determinação dum prazo dilatório ou perentório.
Refere, ainda, que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre determinadas questões, nomeadamente, o pedido de litigância de má-fé.
Ora, dispõe o nº. 2 do art.º 78.º da Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro - Código de Processo nos Tribunais Administrativos, (CPTA) quanto aos requisitos da petição inicial, que nela o autor deve:
(...)"g) Formular o pedido".
Como ensina Manuel de Andrade, o "pedido" é a enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e o "objeto da Acão" - e com ele o objeto da decisão e a extensão objetiva do caso julgado - é precisamente identificado através do pedido e da causa de pedir, consubstanciada esta em factos concretos.
Na petição inicial deve o autor formular o pedido determinado material e processualmente, isto é, solicitar ao tribunal a providência processual que julgue adequada para tutela duma situação jurídica ou de um interesse que afirma materialmente protegido.
Assim, a petição inicial será inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido, ou seja, quando nela não seja indicada, ou por meio dela não seja possível descortinar, qual a espécie de providência que o autor se propõe obter do juiz, ou qual o efeito jurídico que se propõe obter por via da ação.
Define o Prof. Alberto dos Reis o pedido como sendo a "providência que o autor solicita ao tribunal". Ao invocar determinado direito, ao autor compete especificar a respetiva causa de pedir, ou seja, a fonte desse direito, o facto donde, no seu entendimento, procede tal direito, neles alicerçando, numa relação lógico-jurídica, o pedido deduzido. Este consiste, em última análise, no efeito jurídico que o autor se propõe obter com a ação e concretiza-se na espécie de providência que o autor quer receber do juiz.
E, continua o mesmo autor: "A espécie de ineptidão figurada na alínea a) pode apresentar-se de duas maneiras:
i. Falta de formulação do pedido;
ii. Formulação obscura.
Também da lição deste Professor, de Manuel de Andrade e de Miguel Teixeira de Sousa se extrai que a petição inicial apresentada num processo judicial contém três partes essenciais:
(1º) o preâmbulo, onde se identificam as partes e se aponta a forma do processo;
(2º) a narração, onde se explanam os fundamentos de facto e de direito da Acão;
(3º) a conclusão, onde se formula o pedido, ou seja, onde se precisa qual é a providência que o autor solicita ao tribunal, o "efeito jurídico pretendido pelo autor" (na expressão de Manuel de Andrade).
A este propósito o Prof. Antunes Varela, M. Bezerra e Sampaio Nora precisam que "o pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor (o reconhecimento judicial da sua propriedade sobre determinada coisa; a entrega ou restituição dessa coisa; a condenação do réu numa prestação de certo montante; etc.)" e, ainda, que "o pedido deve ser formulado na conclusão da petição, não bastando que apareça acidentalmente referido na parte narrativa dela. O autor deve, no final do arrazoado, dizer com precisão o que pretende do Tribunal - que efeito jurídico quer obter com a acção".
Determina a alínea c) do n.º 1 do art.º 8º do CPTA que quando a petição omita qualquer dos elementos a que se referem as alíneas b), c), d) e h) do n.º 2 do artigo 78.º, deve a mesma ser rejeitada.
Voltando ao caso concreto, verifica-se ineptidão da petição inicial por falta de pedido quando o autor, invocando que são devidas determinadas verbas, não integrou na conclusão da sua petição inicial qualquer pedido de condenação do Réu no pagamento de qualquer quantia, não se podendo confundir com o pedido, a exposição de cariz factual e jurídico efetuada na narração do articulado.
Ora, é inepta a petição inicial quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, quando ocorra contradição entre o pedido e a causa de pedir ou quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis (art.º 186º nºs 1 e 2 do CPC).
A ineptidão da petição inicial constitui fundamento legal de declaração de nulidade de todo o processo e, por via disso, conduz à absolvição do réu da instância - artigos 196º/1 e 2), 278º/1b), 576º/2 e 577º/b) do CPC, ex vi artº 1º do CPTA.
Como resulta do disposto nos artºs 552º/1c) e 5º/1 do CPC, na petição inicial, como antecedente lógico da pretensão formulada, o Autor deverá expor os factos que servem (ou são) de fundamento à acção, não bastando a pura e simples invocação de um determinado direito subjectivo e a formulação da vontade de obter do tribunal determinada forma de tutela jurisdicional.
O pedido consiste no efeito jurídico que o autor se propõe obter com a acção. O pedido equivale, assim, ao objecto da acção. E como o efeito jurídico há de obter-se através de um acto do juiz - o acto jurisdicional característico que é a decisão - segue-se que o pedido se concretiza na espécie de providência que o autor quer receber do juiz.
Por sua vez, a causa de pedir, como também ensinava Alberto dos Reis, é o acto ou o facto jurídico de que procede a pretensão do autor. Mais rigorosamente: o acto ou o facto jurídico em que o autor se baseia para formular o seu pedido. Na mesma linha de entendimento, afirmava Antunes Varela: «nos termos do art. 498º do C.P.Civil, a causa de pedir é o facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge, por força do Direito, a pretensão deduzida pelo Autor.
No plano funcional ou operacional, a causa de pedir é o elemento que, com o pedido, identifica a pretensão da parte e que, por isso, ajuda a decidir da procedência desta».
No que concerne ao vício da ininteligibilidade da causa de pedir ou do pedido verifica-se quando a petição se apresente em termos obscuros de modo que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir ou o pedido (pretensão).
A ininteligibilidade geradora de ineptidão da petição inicial pressupõe não se saber a proveniência do direito invocado e, como se refere no Ac. da RL de 23/11/1993, proc. nº 0076911, «para bem entender o pedido pode ser necessário interpretá-lo à luz do texto da petição. Se a indicação do pedido for ininteligível a petição inicial é inepta».
Recorrendo uma vez mais aos ensinamentos de Alberto dos Reis: «Tal nulidade pode cometer-se: 1) por omissão; 2) Por obscuridade. Com efeito, podem dar-se dois casos distintos: a) a petição ser inteiramente omissa quanto ao acto ou facto de que o pedido procede; b) expor o acto ou facto, fonte do pedido, em termos de tal modo confusos, ambíguos e ininteligíveis que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir. Num e noutro caso a petição é inepta, porque não pode saber-se qual a causa de pedir».
Este vício, que conduz à ineptidão da petição inicial, ocorre quando o tribunal não consiga determinar em face do articulado do autor qual é a causa de pedir ou qual o pedido, seja por falta absoluta da respectiva indicação (omissão), seja por ela estar feita em termos inaproveitáveis por insanavelmente obscuros ou contraditórios, de tudo resultando uma impossibilidade de se saber qual é a ideia do Autor quanto às razões essenciais da acção ou qual o concreto efeito jurídico que se pretende obter.
No que concerne especialmente à inteligibilidade/ininteligibilidade do pedido, importa ter em consideração que consistindo o pedido na forma de tutela jurisdicional que é requerida para determinada situação subjectiva, e podendo o mesmo ter um de dois significados (como pretensão material, representa a afirmação de um direito subjectivo ou de um interesse juridicamente relevante - por exemplo, a arguição da nulidade de um negócio -, e como pretensão processual, e com ligação ao art. 3º do CPC de 2013, traduz-se na identificação do meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor - por ex. declaração de nulidade do negócio), o mesmo tem que obedecer a determinadas características: exige-se que o pedido seja deduzido de forma clara e inteligível e seja preciso e determinado. Só um pedido cujo alcance possa ser compreendido pelo juiz e pelo réu é passível de sustentar um processo em que se pretende uma decisão judicial definidora de um conflito de interesses, não se admitindo a formulação de pedidos ininteligíveis, ambíguos, vagos ou obscuros. Não pode pretender-se colocar o réu ou o juiz na posição de ter de adivinhar a real vontade do autor.
O réu só pode exercer efectivamente o contraditório quando confrontado com uma pretensão cujos contornos e alcance resultem claros da petição inicial, sem necessidade de conjecturar acerca da verdadeira intenção do autor quando resolveu solicitar a intervenção judicial; no que ao juiz concerne, a clareza e inteligibilidade da tutela solicitada visam evitar, incertezas quanto ao objecto da acção no que respeita à forma de tutela pretendida.
Assim, como ensinam a doutrina e a jurisprudência, pedido ininteligível é aquele que se apresenta em termos obscuros ou ambíguos, não permitindo que seja apreendido com segurança qual o efeito jurídico pretendido.
Em suma,
Como é sabido, o objeto do processo é constituído por dois elementos: o pedido e a causa de pedir.
Teixeira de Sousa sublinha que «o objecto [do processo] é constituído por dois elementos, sobre os quais as partes possuem completa disponibilidade: o pedido e a causa de pedir.», «a constituição bilateral do objecto processual por um elemento de conteúdo - a pretensão processual individualizada - e por um elemento de função - a tutela jurisdicional pretendida - reflecte a dualidade do objecto do processo, o que permite definir o pedido adjectivo como a função processual requerida para uma individualizada pretensão processual e o objecto adjectivo como a afirmação de uma individualizada situação jurídica para a qual é requerida uma forma de tutela jurisdicional. Por isso, o objecto do processo é necessariamente dual, pois sem causa de pedir não há individualização da pretensão processual e sem pedido não existe requisição de tutela jurisdicional para a pretensão processual individualizada. O que significa, em resumo, que no objecto processual existe um aspecto de individualização, a causa de pedir e a pretensão processual individualizada, e um aspecto de função, a forma de tutela judiciária requerida.».
Assim, o objeto do processo deve ser considerado bilateralmente, nele participando a causa de pedir, não só para delimitar a matéria de facto a considerar pelo juiz, mas também para possibilitar a correspondência da individualização do objeto do processo com a fundamentação do objeto da sentença.
O pedido “deve apresentar-se como a consequência ou o corolário lógico do que se alega como causa de pedir.” - cf. Pimenta, Paulo, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2015, pp. 110 e 111.
Retomando o caso dos autos o petitório é inexistente, o que conduz à ineptidão da PI.
Notificado em 10/05/2022 para, no prazo de 10 (dez) dias, “(...) apresentar, uma nova PI clara e percetível, nomeadamente no que concerne aos factos que alicerçam a causa de pedir; aos concretos pedidos que pretende com a identificação objetiva do ato que põe em crise, tudo com a observação integral do disposto no artigo 78.º, n.º 2 e n.º 3 do CPTA” apenas em 13/06/2022 apresentou Nova Petição Inicial.
Esta Nova Petição Inicial foi apresentada extemporaneamente, conforme decorre do despacho proferido em 28/11/2022, tendo sido ordenado o respetivo desentranhamento desta com a devolução da mesma ao Autor.
Nem sequer pode colher o argumento de que o prazo não se subsume a prazo dilatório ou perentório, uma vez que no despacho de 10/05/2022 foi claramente estipulado um prazo para o efeito.
Mas, se dúvidas existissem, o artigo 29.º, n.º 1 do CPTA dissipá-las-ia, pois é claro ao referir: “O prazo geral supletivo para os atos processuais das partes é de 10 dias.”.
Tal equivale a dizer que o processo ficou apenas munido com a petição inicial inepta, uma vez que esta não é clara quanto aos factos alegados, nomeadamente quanto à envolvência com o concreto ato que pretende impugnar, e outros extravasam e conflituam com o requerido.
Nesta conformidade, encontra-se o processo perante uma exceção dilatória inominada, nos termos do artigo 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, do CPTA.
Em face do exposto, bem andou o Tribunal a quo ao absolver o Réu da instância. E tendo em conta que esta questão formal inquina todo o processo, não poderia o Tribunal enfrentar o mérito/fundo da causa.
Improcedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo da isenção subjetiva de que beneficia.
Notifique e DN.
Porto, 20/6/2025
Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Rogério Martins |