Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01321/24.2BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/30/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:ROSÁRIO PAIS
Descritores:RAC; PER;
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO;
PENHORA DE SALDOS BANCÁRIOS; REEMBOLSO;
Sumário:
I – Por força do disposto no artigo 17º-E, nº 1, do CIRE, a nomeação de administrador judicial provisório obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade.

II – A transferência dos saldos penhorados, sendo obrigatória, por força do artigo 223º, nº 9, do CPPT, não configuram um ato de execução, passível de ser suspenso.

III – Para analisar a legalidade das penhoras dos valores transferidos após a nomeação do AJP é necessário apurar a data em que ocorreram e foram efetivamente apreendidos os saldos bancários transferidos para a Exequente.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. A [SCom01...], S.A., devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 21.11.2024 no Tribunal Administrativo e Fiscal ..., pela qual foi julgada improcedente a reclamação que apresentou, nos termos do artigo 276º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, do despacho datado de 4 de julho de 2024, que indeferiu o pedido de reembolso dos montantes penhorados e entregues à Exequente após nomeação do Administrador Judicial Provisório no PER, bem como dos montantes cativos e não entregues, em causa no processo de execução fiscal nº ...48 e apensos, contra si instaurado pela Secção de Processo Executivo ... do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P..
1.2. A Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«(A) A RECORRENTE, APÓS TER CONHECIMENTO DA PUBLICAÇÃO DO DESPACHO DE NOMEAÇÃO DO AJP NO PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO POR SI INSTAURADO E QUE AS INSTITUIÇÕES DE CREDITO PROCEDERAM, APÓS ESSA DATA, AO PAGAMENTO À ENTIDADE EXEQUENTE DE VERBAS PENHORADAS, SOLICITOU A DEVOLUÇÃO DE TODAS AS VERBAS PAGAS APÓS ESSA DATA E QUE FOSSEM AS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO INFORMADAS PELA EXEQUENTE PARA LIBERTAREM AS QUANTIAS QUE AINDA ASE MANTINHAM CATIVAS.
(B) A EXEQUENTE NÃO DEFERIU O SOLICITADO E CONTRA ESSA DECISÃO, QUE A RECORRENTE ENTENDEU ILEGAL, FOI DEDUZIDA UMA RECLAMAÇÃO NOS TERMOS DO ARTIGO 276º E SEGUINTES DO CPPT, POR TER CONSIDERADO QUE ESSA DECISÃO ERA ILEGAL E NÃOI PODIA SER MANTIDA NA ORDEM JURÍDICA NACIONAL.
(C) O TRIBUNAL A QUO DECIDIU QUE A DECISÃO DA EXEQUENTE NÃO ERA ILEGAL, PORQUANTO OS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS SÃO INDISPONÍVEIS, NOS TERMOS DO ARTIGO 30º, Nº 2 DA LGT, E ESSA INDISPONIBILIDADE PREVALECE SOBRE QUALQUER LEI ESPECIAL, INCLUINDO O DISPOSTO NO ARTIGO 17º-E DO CIRE.
(D) A RECORRENTE NÃO CONCORDA COM A DECISÃO PROFERIDA, NA PARTE EM QUE FICOU VENCIDA – MANUTENÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA PELA EXEQUENTE E CONTRA A QUAL A RECLAMAÇÃO FOI APRESENTADA - PRETENDENDO, COM O PRESENTE RECURSO, QUE SEJA APRECIADO POR ESTE TRIBUNAL SE O TRIBUNAL A QUO FEZ, COMO ASSIM ENTENDE, ERRADO JULGAMENTO DE FACTO E DE DIREITO NA SENTENÇA QUE PROFERIU.
(E) A TESE DA RECORRENTE É QUE É ILEGAL O PAGAMENTO QUE FOI EFECTADO PELAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO À EXEQUENTE APÓS A DATA DE PUBLICIDADE DO DESPACHO DE NOMEAÇÃO DO AJP NOS AUTOS DO PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO, PORQUANTO A PENHORA DAS CONTAS BANCÁRIAS DEVERIA ESTAR SUSPENSA, PELO QUE AS VERBAS QUE TENHAM SIDO CATIVADAS EM CUMPRIMENTO DA ORDEM DE PENHORA NUNCA PODIAM SER PAGAS APÓS ESSA DATA, COMO DECORRÊNCIA DA APLICAÇÃO DO EFEITO STANDSTILL DO ARTIGO 17º-E DO CIRE. NÃO SE TER VERIFICADO ESSA SUSPENSÃO, ENTÃO OS PAGAMENTOS EFECTUADOS À EXEQUENTE APÓS A DATA DE NOMEAÇÃO DO AJP TERIAM DE SER DEVOLVIDOS À RECORRENTE, O QUE FOI SOLICITADO,
(F) ASSIM COMO DEVERIAM, PELO MESMO FUNDAMENTO JURÍDICO, SER DESCATIVADAS AS QUANTIAS QUE AINDA SE MANTINHAM CATIVADAS, RECUPERANDO A RECORRENTE A POSSE DAS MESMAS,
(G) FEZ ERRADO JULGAMENTO DE FACTO O TRIBUNAL A QUO QUANDO DA PROVA REALIZADA TERIA DE TER EFECTUADO OUTRO JULGAMENTO DE FACTO, COMO DECORRE DAS REGRAS DO ARTIGO 640º DO CPC APLICÁVEL EX-VI O DISPOSTO NO ARTIGO 2º DO CPPT.
(H) TINHA, ASSIM O TRIBUNAL A QUO DE TER DADO POR PROVADO A DATA CONCRETA DO MOVIMENTO DE TRANSFARÊNCIA E DATA VALOR DO MESMO RELATVAMENTE A CADA PAGAMENTO DE VALORES PENHORADOS PAGOS PELAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO APÓS A DATA DE PUBLICAÇÃO DO DESPACHO DE NOMEAÇÃO DO AJP.
(I) ESSA PROVA É IMPORTANTE PORQUE, NA TESE DA RECORRENTE, A DATA DE CONCRETIZAÇÃO DA ORDEM DE PAGAMENTO – CONCRETAMENTE A DATA DO MOVIMENTO E SUA DATA-VALOR - EFECTUADA PELAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO TEM DE ESTAR FIXADA EM COMPARAÇÃO COM A DATA DE PUBLICAÇÃO DO DESPACHO DE NOMEAÇÃO DO AJP NO PROCESSO PER.
(J) O TRIBUNAL A QUO TINHA DE TER DADO COMO PROVADO, NO PONTO 8 DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS, QUE “8. POR CARTA DATADA DE 02.07.2024, A Banco 1... COMUNICOU À RECLAMANTE QUE NA DATA DE 02.07.2024 PROCEDEU À TRANSFERÊNCIA PARA A EXEQUENTE, AO ABRIGO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL NÚMERO ...85, DOS MONTANTES PENHORADOS NA CONTA NÚMERO ...58, NO MONTANTE DE €364,40, €414,10 E €344,15. (CF PONTO DOCUMENTO JUNTO COM O REQUERIMENTO DE 05.08.2024.)”, FACTO DOCUMENTALMENTE PROVADO PELO DOC Nº ???
(K) O TRIBUNAL A QUO TINHA DE TER DADO COMO PROVADO, NO PONTO 9 DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS, QUE “9. POR CARTA DATADA DE 03.07.2024, A Banco 1... COMUNICOU À RECLAMANTE QUE, NA DATA DE 03.07.2024 PROCEDEU À TRANSFERÊNCIA PARA A EXEQUENTE, AO ABRIGO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL Nº ...85, DOS MONTANTES PENHORADOS NA CONTA NÚMERO ...58, NO MONTANTE DE € 646,40 E € 275,52 (CF PONTO DOCUMENTO JUNTO COM O REQUERIMENTO DE 05.08. 2024).” .)”, FACTO DOCUMENTALMENTE PROVADO PELO DOC Nº ???
(L) O TRIBUNAL A QUO TINHA DE TER DADO COMO PROVADO, NO PONTO 10 DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS, QUE “10. POR MISSIVAS DATADAS DE 28.06.2024, O Banco 2... INFORMOU A RECLAMANTE QUE PROCEDEU, INDICANDO COMO DATA DE MOVIMENTO E DATA VALOR DA OPERAÇÃO O DIA 28-06-2024, À TRANSFERÊNCIA PARA O IGFSS, I.P., DOS MONTANTES DE € 624,95 E € 5.729,04 DA CONTA À ORDEM Nº ...45. (CF DOC Nº 6, JUNTO COM O RI; DOC Nº 1, JUNTO COM O REQUERIMENTO DATADO DE 05.08.2024.), FACTO DOCUMENTALMENTE PROVADO PELO DOC Nº ???;
(M) O TRIBUNAL A QUO TINHA DE TER DADO COMO PROVADO, NO PONTO 11 DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS, QUE “11. POR CARTA DATADA DE 01.07.2024, O Banco 2... INFORMOU A RECLAMANTE QUE PROCEDEU, INDICANDO COMO DATA DE MOVIMENTO E DATA VALOR DA OPERAÇÃO O DIA 01-07-2024, À TRANSFERÊNCIA PARA O IGFSS, I.P., DO MONTANTE DE €134,19, DA CONTA À ORDEM Nº ...45. (CF DOC Nº 6 JUNTO COM O RI), FACTO DOCUMENTALMENTE PROVADO PELO DOC Nº ????
(N) O TRIBUNAL A QUO TINHA DE TER DADO COMO PROVADO, NO PONTO 12 DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS, QUE “12. POR CARTA DATADA DE 08.07.2024, O Banco 2... INFORMOU A RECLAMANTE QUE PROCEDEU, INDICANDO COMO DATA DE MOVIMENTO E DATA VALOR DA OPERAÇÃO O DIA 01-07-2024, À TRANSFERÊNCIA PARA O IGFSS, I.P., DO MONTANTE DE €217,24, DA CONTA À ORDEM Nº ...45. (CF DOC Nº 6 JUNTO COM O RI), FACTO DOCUMENTALMENTE PROVADO PELO DOC Nº ?????
(O) O TRIBUNAL A QUO TINHA DE TER DADO COMO PROVADO, NO PONTO 13 DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS, QUE “13. COM A DATA DE MOVIMENTO E DATA VALOR DE 27.06.2024, 28.06.2024 E 29.06.2024, RESPECTIVAMENTE, O Banco 3..., PROCEDEU À TRANSFERÊNCIA DE CONTA BANCÁRIA DA RECLAMANTE PARA A ENTIDADE EXEQUENTE DOS SEGUINTES MONTANTES €9,67, €503,35, €3.526,86, €391,05 E €382,75. (CF DOCS NSº 10 JUNTO COM O RI)”, FACTO DOCUMENTALMENTE PROVADO PELO DOC Nº ????
(P) O TRIBUNAL A QUO TINHA DE TER DADO COMO PROVADO, NO PONTO 14 DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS, QUE “14. O BANCO Banco 4..., COM A DATA DE MOVIMENTO E DATA VALOR DE 03.07.2024, TRANSFERIU PARA O IGFSS, I.P. DA CONTA TITULADA PELA RECLAMANTE, O MONTANTE DE € 156,57. (CF DOCUMENTO JUNTO COM O REQUERIMENTO DE 05.08. 2024)”, FACTO DOCUMENTALMENTE PROVADO PELO DOC. Nº ?????
(Q) O TRIBUNAL A QUO TINHA DE TER DADO COMO PROVADO QUE A RECORRENTE PREVENIU, POR MAIL DATADO DE 26.06.2024, A EXEQUENTE DE QUE TINHA SIDO PUBLICADA A NOMEAÇÃO DO AJP NO PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO (PER) Nº ..08/...1T8GMR, FACTO DOCUMENTALMENTE PROVADO PELO DOC. Nº 8 JUNTO COM A P.I.;
(R) O TRIBUNAL A QUO TINHA DE TER DADO COMO PROVADO QUE “A RECORRENTE PREVENIU, POR MAIL DATADO DE 26.06.2024, A EXEQUENTE DE QUE TINHA SIDO PUBLICADA A NOMEAÇÃO DO AJP NO PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO (PER) Nº ..08/...1T8GMR.”, FACTO DOCUMENTALMENTE PROVADO PELO DOC. Nº 8 JUNTO COM A PI
(S) O TRIBUNAL A QUO DEVERIA TER DADO COMO PROVADO QUE A EXEQUENTE PROCEDEU AO LEVANTAMENTO DAS PENHORAS EM 28.06.2024, FACTO DOCUMENTALMENTE PROVADO PELO DOC. Nº 7 JUNTO COM A P.I..
(T) O TRIBUNAL A QUO DEVERIA TER DADO COMO PROVADO QUE A RECLAMANTE SOLICITOU À EXEQUENTE QUE A MESMA PROCEDESSE À DEVOLUÇÃO DE TODAS AS VERBAS QUE LHE FORAM PAGAS PELAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO APÓS A DATA DE PUBLICAÇÃO DO DESPACHO DE NOMEAÇÃO DO AJP, ASSIM COMO AS VERBAS QUE SE MANTIVERAM CATIVAS APÓS ESSA DATA, FACTO DOCUMENTALMENTE PROVADO PELO DOC. Nº 7, Nº 9 E Nº 12 JUNTOS COM A P.I..
(U) O TRIBUNAL A QUO DEVERIA TER DADO COMO PROVADO QUE A EXEQUENTE NÃO INVOCOU QUE O PAGAMENTO DOS VALORES CATIVOS PELAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO LHE TINHAM DE SER PAGOS, MESMO QUE ESSE PAGAMENTO OCORRESSE APÓS A DATA DE PUBLICIDADE DO DESPACHO DE NOMEAÇÃO DO APJ.
(V) O TRIBUNAL A QUO DEVERIA TER DADO COMO NÃO PROVADO QUE AS QUANTIAS QUE FORAM PAGAS PELAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO APÓS A DATA DE PUBLICAÇÃO DO DESPACHO DE NOMEAÇÃO DO AJP NO PROCESSO FORAM CATIVAS POR PARTE DESSAS ENTIDADES EM DATA ANTERIOR À DATA DE PUBLICAÇÃO DESSE MESMO DESPACHO.
(W) O TRIBUNAL A QUO DEVERIA TER DADO COMO NÃO PROVADO QUE A RECLAMANTE TENHA SOLICITADO O CANCELAMENTO DAS PENHORAS ORDENADAS PELA EXEQUENTE.
(X) NO QUE DIZ RESPEITO AO ERRADO JULGAMENTO DE DIREITO FEITO PELO TRIBUNAL A QUO DE TER SIDO ENTENDIDO POR PARTE DO TRIBUNAL, ENTENDE A RECORRENTE QUE ESSE ERRADO JULGAMENTO DECORRE DE O TRIBUNAL TER ENTENDIDO QUE A RECORRENTE SOLICITOU O CANCELAMENTO DAS PENHORAS QUE TINHAM SIDO ORDENADAS PELA EXEQUENTE, E TAL NÃO PODER SER ACEITE PELA EXEQUENTE, DESDE LOGO, POR FORÇA DO PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS QUE SE APLICA SEMPRE, PESE EMBORA O QUE SOBRE ISSO POSSA DISPOR LEI ESPECIAL.
(Y) A INDISPONIBILIDADE DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS ENCONTRA-SE PREVISTA NO ARTIGO 30º DA LGT, Nº 2 E 3, QUE ESTATUI QUE “2. O CRÉDITO TRIBUTÁRIO É INDISPONÍVEL, SÓ PODENDO FIXAR-SE CONDIÇÕES PARA A SUA REDUÇÃO OU EXTINÇÃO, COM RESPEITO PELO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. 3. O DISPOSTO NO NÚMERO ANTERIOR PREVALECE SOBRE QUALQUER LEGISLAÇÃO ESPECIAL.
(Z) O Nº 3 CITADO FOI ACRESCIDO AO ARTIGO 30º DA LGT PELA LEI Nº 55-A/ 2010, DE 31 DE DEZEMBRO, PARA EXTINGUIR TODAS A CONTROVÉRSIA DOUTRINAL E JURISPRUDENCIAL SOBRE A PROPOSTA DE PERDÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS EM PROCESSO PER, DAÍ RESULTANDO UMA INFLEXÃO DAS DECISÕES ANTERIORMENTE PROFERIDAS PELOS TRIBUNAIS COMUNS.
(AA) O QUE ENTENDE A RECORRENTE É QUE O QUE ESTÁ EM CAUSA NOS AUTOS EM NADA COLIDE OU TEM A VER COM A REDUÇÃO OU EXTINÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS, MAS TÃO-SOMENTE COM A APLICAÇÃO DO EFEITO STANDSTILL PREVISTO NO ARTIGO 17º-F, Nº 1 DO CIRE, COMO, ALIÁS, FOI CUMPRIDO, SE BEM QUE TARDE, PELA EXEQUENTE.
(BB) O ARTIGO 36º, Nº 3 DA LGT DIZ, POR SEU TURNO, O SEGUINTE “A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA NÃO PODE CONCEDER MORATÓRIAS NO PAGAMENTO DAS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS, SALVO NOS CASOS EXPRESSAMENTE PREVISTOS NA LEI.
(CC) A REDAÇÃO DESTA NORMA NÃO SOFREU QUALQUER ALTERAÇÃO NEM COM A LEI Nº 55/2010, DE 31 DE DEZEMBRO, JÁ CITADA, NEM EM QUALQUER MOMENTO POSTERIOR.
(DD) ASSIM, A TESE DA RECORRENTE, QUE NÃO É CONTRARIADA PELO DISPOSTO NO Nº 3 DO ARTIGO 30º DA LGT, É DE QUANDO O DESPACHO DE NOMEAÇÃO DO AJP É PUBLICADO, SE APLICA, NA SUA INTEGRALIDADE, O DISPOSTO NO Nº 1 DO ARTIGO 17º-E DO CIRE, QUE ESTATUI, E TRANSCREVE-SE “1 - A DECISÃO A QUE SE REFERE O N.º 5 DO ARTIGO 17.º-C OBSTA À INSTAURAÇÃO DE QUAISQUER AÇÕES EXECUTIVAS CONTRA A EMPRESA PARA COBRANÇA DE CRÉDITOS DURANTE UM PERÍODO MÁXIMO DE QUATRO MESES, E SUSPENDE QUANTO À EMPRESA, DURANTE O MESMO PERÍODO, AS AÇÕES EM CURSO COM IDÊNTICA FINALIDADE.”
(EE) É O CHAMADO PERÍODO DE STANDSTILL, PERÍODO ESTE QUE FOI FIXADO PELO LEGISLADOR PARA QUE A REVITALIZANDA, QUE SE ENCONTRA JÁ NUMA SITUAÇÃO FINANCEIRA DEBILITADA, POSSA TER CONDIÇÕES PARA NEGOCIAR COM OS SEUS CREDORES, NOS MOLDES EM QUE O PODE FAZER, O PAGAMENTO DA DÍVIDA.
(FF) PORTANTO, COM A ALTERAÇÃO DO ARTIGO 30º, DA LGT DÁ-SE UMA INFLEXÃO NOS TRIBUNAIS COMUNS FACE A POSIÇÕES QUE ANTERIORMENTE OS MESMOS TINHAM ASSUMIDO RELATIVAMENTE À POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA OU A SEGURANÇA SOCIAL PODEREM PERDOAR PARTE DA DÍVIDA E OU DE O PLANO APROVADO SE PODER APLICAR AOS CRÉDITOS DESSAS ENTIDADES, INDEPENDENTEMENTE DAS MESMAS TEREM VOTADO FAVORAVELMENTE, OU NÃO, O PLANO.
(GG) NÃO HÁ, CONTUDO, NENHUMA INFLEXÃO NOS TRIBUNAIS COMUNS NO QUE DIZ RESPEITO À APLICAÇÃO DA REGRA DO REGIME DE STANDSTILL ÀS ACÇÕES EXECUTIVAS E, CONSEQUENTEMENTE, AOS PROCESSOS DE EXECUÇÃO FISCAL EM CURSO À DATA DE PUBLICAÇÃO DO DESPACHO DE NOMEAÇÃO DO AJP, NEM A APLICAÇÃO DESSE REGIME NÃO FOI AFASTADA POR UMA REGRA IGUAL ÀQUELA QUE SE ENCONTRA PREVISTA NO Nº 3 E NO Nº 2 DO ARTIGO 30º DA LGT.
(HH) ATÉ PORQUE, DE OUTRA FORMA, O CONTRÁRIO DETERMINARIA A INVIABILIDADE DA MAIORIA DOS PROCESSOS PER PORTUGUESES, DESDE LOGO, E A DESNECESSIDADE DE SALVAGUARDAR QUE, PESE EMBORA A HOMOLOGAÇÃO DO PLANO PER, O MESMO NÃO ABRANGE OS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS SE O PLANO NÃO RESPEITAR AS REGRAS PREVISTAS NA LGT E NO CPPT, DESDE LOGO, PARA O SEU PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES.
(II) ASSIM, POR FORÇA DE APLICAÇÃO DO ARTIGO 17º-E, Nº 1, DO CIRE, A IMEDIATA SUSPENSÃO DAS AÇÕES EXECUTIVAS, IMPLICA QUE AS IMPORTÂNCIAS PENHORADAS NOS AUTOS, NÃO ENTREGUES, CONTINUAM A SER PROPRIEDADE DA EXECUTADA, INTEGRANDO O SEU PATRIMÓNIO, E, SUSPENSA, NOS REFERIDOS TERMOS E POR EFEITO DO PER, A AÇÃO EXECUTIVA, NENHUM ATO PODE SER PRATICADO NO PROCESSO, ENQUANTO DURAR A SUSPENSÃO, NADA CABENDO LIQUIDAR E ENTREGAR À EXEQUENTE, JÁ QUE TAL NENHUM ATO URGENTE DESTINADO A EVITAR DANO IRREPARÁVEL, REPRESENTA.
107. VIOLOU, ASSIM, A D. SENTENÇA, AO NÃO JULGAR ILEGAL A LIQUIDAÇÃO ORA EM CRISE NOS AUTOS O DISPOSTO NOS ARTIGOS ARTIGO 17º-E, Nº 1 DO CIRE - NOS TERMOS DO QUAL A DECISÃO DE NOMEAÇÃO DO APJ NO PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO OBSTA À INSTAURAÇÃO DE QUAISQUER ACÇÕES EXECUTIVAS CONTRA A DEVEDORA E SUSPENDE, QUANTO À EMPRESA, DURANTE O PERÍODO DE QUATRO MESES, AS ACÇÕES EM CURSO COM A MESMA FINALIDADE -, O ARTIGO 269º, Nº 1, ALÍNEA D) DO CPC, APLICÁVEL EX-VI O DISPOSTO NO ARTIGO 2º, ALÍNEA E) DO CPPT - NOS TERMOS DO QUAL A INSTÂNCIA EXECUTIVA SE SUSPENDE EM TODOS OS CASOS EM QUE A LEI O DETERMINAR ESPECIALMENTE -, O ARTIGO 275º, Nº 1 DO CPC, APLICÁVEL EX-VI O DISPOSTO NO ARTIGO 2º, ALÍNEA E) DO CPPT, QUE ESTABELECE QUE ENQUANTO DURAR A SUSPENSÃO SÓ PODEM PRATICAR-SE VALIDAMENTE OS ATOS URGENTES DESTINADOS A EVITAR DANO IRREPARÁVEL, O ARTIGO 30, Nº 2 E 3 DA LGT, QUE ESTABELECE QUE O CRÉDITO TRIBUTÁRIO É INDISPONÍVEL, REFERINDO O LEGISLADOR QUE SÓ SE PODEM FIXAR CONDIÇÕES PARA A SUA REDUÇÃO OU EXTINÇÃO COM RESPEITO PELOS PRINCÍPIOS AÍ ENUNCIADOS, RESULTANDO O DISPOSTO NO Nº 2 QUE ESTA REGRA DE INDISPONIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO, NO QUE SE REFERE À SUA REDUÇÃO OU EXTINÇÃO, PREVALECE SOBRE QUALQUER LEGISLAÇÃO ESPECIAL, O ARTIGO 36º, Nº 3 DA LGT, QUE ESTABELECE QUE SALVO NOS CASOS EXPRESSAMENTE PREVISTOS NA LEI, A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA NÃO PODE CONCEDER MORATÓRIAS NO PAGAMENTO DAS OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS, E O ARTIGO 223º, Nº 1 DO CPPT, QUE ESTABELECE QUE SE APLICAM AS REGRAS PREVISTAS NO CPC À PENHORA DE DINHEIRO E DE OUTROS VALORES DEPOSITADOS.
108. ASSIM, AO FAZER O JULGAMENTO QUE FEZ RELATIVAMENTE AOS VÍCIOS IMPUTADOS PELA RECORRENTE À DECISÃO PROFERIDA PELA EXEQUENTE, O TRIBUNAL A QUO FEZ ERRADO JULGAMENTO DE DIREITO, NA MEDIDA EM QUE AS NORMAS CITADAS EM VIGOR À DATA IMPUNHAM UM OUTRO JULGAMENTO DE DIREITO, PELO QUE O MESMO NÃO SE PODE MANTER.
TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO POR V.EXAS. DOUTAMENTE SUPRIDOS, CONCEDENDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, CONSEQUENTEMENTE, REVOGANDO A SENTENÇA EM RECURSO, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE JULGUE PROVADA E PROCEDENTE A RECLAMAÇÃO APRESENTADA PELA RECORRENTE CONTRA A DECISÃO ILLEGAL DA ENTIDADE EXEQUENTE DE MANTER NÃO PROCEDER À DEVOLUÇÃO DE TODOS OS PAGAMENTOS QUE LHE FORAM FEITOS PELAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO AP+OIS A DATA DE PUBLICAÇÃO DO DESPACHO DE NOMEAÇÃO DO AJP NO PROCESSO PER E DE NÃO LIBERTAÇÃO DAS QUANTIAS QUE AINDA SE MANTÉM CATIVAS NAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO, COM AS INERENTES CONSEQUÊNCIAS, FAZENDO V.EXAS. FARÃO A HABITUAL JUSTIÇA!.»

1.3. O Recorrido não apresentou contra-alegações.

1.4. O EPGA junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer, concluindo pela improcedência do recurso, assente na seguinte fundamentação jurídica:
«a) Da matéria de facto e de direito
Insurge-se a recorrente contra determinada matéria de facto dada por assente e que determinou uma errada aplicação do direito.
Porém, analisada a douta sentença recorrida verificamos que mesma foi devidamente fundamentada, inexistindo qualquer falta de sintonia entre os factos apurados e a douta decisão.
Com efeito, o Meritíssimo Juiz a quo fez correta interpretação dos factos e adequada aplicação de Direito.
O recurso tem como objeto as circunstâncias acima enunciadas que se podem consubstanciar no entendimento da reclamante/recorrente de que a decisão do IGFSS viola o disposto nos artigos 17.º-E, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), 36.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária (LGT) e 223.º, n.º 1 e 199.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
Ora, o artigo 17.º-E, n.º 1 do CIRE, aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, publicado em Anexo, estatui que:
A decisão a que se refere o n.º 5 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade.”
Donde, nos termos do artigo 17.º-E, n.º 1 do CIRE, depois da nomeação do administrador judicial provisório, previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C do mesmo diploma legal, não podem ser instauradas novas ações executivas durante todo o tempo em que perdurarem as negociações no Processo Especial de Revitalização, suspendendo-se as ações em curso com a mesma finalidade.
Tal como bem refere a ilustre magistrada do MP na 1ª instância, no seu douto parecer, a fls. 892 e ss. do SITAF, o que se transcreve, com a devida vénia:
“… Todavia, tal como se refere no sumário do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 19-09-2017, proferido no processo n.º 94/17.0BELRA, disponível in http://www.dgsi.pt,
“(…) 6. As contribuições para a segurança social podem definir-se, atualmente, como prestações pecuniárias de carácter obrigatório e definitivo, afetas ao financiamento de uma ampla categoria de despesas do sistema previdencial de segurança social e de outras (designadamente das políticas ativas de emprego e de formação profissional), pagas a favor de uma entidade de natureza pública e tendo em vista a realização de um fim público de proteção social. (…)
7. A penhora consubstancia-se numa apreensão judicial de bens/direitos do executado e sua posterior afetação aos fins do processo de execução, revestindo a natureza de garantia real a favor do exequente e restantes credores concorrentes no processo executivo (cfr. artº. 822, n.º 1 1, do C.Civil).
8. A aprovação de um PER (plano especial de revitalização) não pode ter como consequência direta e imediata o cancelamento de penhoras validamente ordenadas e efetuadas em processo de execução fiscal e em momento anterior (cfr. indisponibilidade do crédito tributário; elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes – art. 36.º, n.ºs 2 e 3, da LGT).
9. Somente assim não seria, se acaso se pudesse retirar do conteúdo do PER aprovado a existência de uma novação da obrigação tributária (enquanto causa extintiva da obrigação, por acordo das partes, a qual é substituída por nova obrigação – art. 857.º e seg. do C. Civil) objeto do processo de execução fiscal em causa (tudo sem prejuízo do exame da legalidade da mesma)”
Donde, imperando, nesta área, o princípio da indisponibilidade do crédito tributário, corolário dos princípios da igualdade e legalidade previstos na Lei Fundamental – artigos 266.º, 13.º, 103.º e 104.º -, que se encontra previsto, nomeadamente, nos artigos 85.º, n.º 3 do “Código de Procedimento e de Processo Tributário”, aprovado pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, e nos artigos 36.º, n.º 3 e 37.º, n.º 2 da “Lei Geral Tributária”, aprovada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, estão excluídos dos efeitos do PER, o cancelamento das penhoras validamente ordenadas e efetuadas em momento anterior à aprovação do referido plano, sem bem que as transferências possam ter ocorrido posteriormente a tal data.”
Por outro lado, o Tribunal a quo apreciou bem todas as provas e elementos documentais carreados para os autos, não apenas pelo que isoladamente significam, mas essencialmente pelo valor ou sentido que assumem no complexo articulado de todas elas.
E, não se limitou a indicar, explicitamente, os meios de prova examinados fundamentadores da convicção do julgador, antes procedeu a um exame crítico das provas que serviram para formar essa convicção.
E fê-lo, explicitando todos os critérios lógicos e racionais que conduziram a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova constantes dos autos.
E, desse modo, dando cumprimento à exigência de fundamentação da decisão da matéria de facto.
A sentença recorrida é insuscetível de qualquer reparo ou censura, não padece de qualquer vício ou nulidade.
Em síntese, a sentença recorrida é insuscetível de qualquer reparo ou censura, não padece de qualquer vício ou nulidade pelo que deverá ser confirmada e, em consequência, ser negado provimento ao recurso interposto pela recorrente.
Assim, sopesando os doutos argumentos de facto e de direito aduzidos na sentença recorrida, os quais consideramos como legais, válidos e adequados ao caso sub judice, concretamente:
- Os vertidos na referida douta sentença recorrida proferida, em 21.11.2024, pela Meritíssima Juiz de Direito da 1ª instância (cf. fls. 898 e ss. do SITAF); e
- Anteriormente no douto parecer do Ministério Público na 1ª instância proferido, em 13.11.2024 (cf. fls. 892 e ss. do SITAF), os quais por concordarmos, com a devida vénia fazemos nossos e por isso, damos por integralmente reproduzidos, de modo que,
afigura-se-nos que o recurso jurisdicional interposto, em 16.12.2024, pela reclamante/recorrente [SCom01...], S.A. (cf. fls. 1.045 e ss. do SITAF) não merece provimento e consequentemente deve a sentença recorrida ser confirmada e mantida na Ordem Jurídica.
(…)».
*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 36º, nº 2, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto, por não ter incluído no probatório a factualidade que a Recorrente pugna lhe seja agora aditada, e de direito, ao considerar que a nomeação de Administrador Judicial Provisório no âmbito do PER não determina a suspensão das execuções fiscais contra si pendentes, assim violando o disposto no artigo 17º-E, nº 1, do CIRE.
3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Factos Provados
1. A Reclamante é uma sociedade comercial constituída em 1986 e que tem como objeto social o “fabrico de tecidos e acabamentos e respetiva comercialização”. (cf. doc. nº 1 junto com o requerimento inicial – RI)
2. Corre no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Comércio de Guimarães, Juiz ..., sob o nº ..08/...1T8GMR, Processo Especial de Revitalização da aqui Reclamante. (cf. doc. nº 3 junto com o RI)
3. Em 25.06.2024, no processo referido no ponto anterior, foi proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório da Reclamante, que foi publicitado em 26.06.2024. (cf. doc. nº 3 junto com o RI)
4. A Reclamante tem a correr contra si vários processos de execução fiscal para cobrança coerciva de dividas relativas a contribuições e cotizações à Segurança Social. (cf. doc. nº 4 junto com o RI)
5. No âmbito do processo de execução fiscal nº ...98 e apensos, foi ordenada a penhora de contas bancárias da Reclamante junto de várias instituições bancárias, (cf. docs. nºs 5 e 6 juntos com o RI; facto não impugnado)
6. Tendo sido aquelas notificadas da ordem de penhora por ofícios datados de 17.04.2024. (cf, Remessa Processo de Execução Fiscal (art.º 208.º do CPPT) (542853) Remessa Processo de Execução Fiscal (art.º 208.º do CPPT) (007127113) Pág. 70 de 13/08/2024 10:14:50Petição Inicial (542129) Petição Inicial (007122817) Pág. 2 de 24/07/2024 12:36:2)
7. Por cartas datadas de 20.04.2024, a Banco 1... comunicou à Reclamante as penhoras efetuadas ao abrigo do processo de execução fiscal nº ...98, nos montantes depositados na conta nº ...58, no valor de €1.234,90, €2.181,47, €82,96, €206,76, €365,15, €5.678,00 e €1.761,38. (cf. doc. nº 5 junto com o RI)
8. Por carta datada de 02.07.2024, a Banco 1... comunicou à Reclamante que procedeu à transferência para a Exequente, ao abrigo do processo de execução fiscal nº ...85, dos montantes penhorados na conta nº ...58, no valor de €364,40, €414,10 e €344,15. (cf. documento junto com o requerimento de 05.08.2024)
9. Por carta datada de 03.07.2024, a Banco 1... comunicou à Reclamante que procedeu à transferência para a Exequente, ao abrigo do processo de execução fiscal nº ...85, dos montantes penhorados na conta nº ...58, no valor de €646,40 e €275,52. (cf. documento junto com o requerimento de 05.08.2024)
10. Por missivas datadas de 28.06.2024, o Banco 2... informou a Reclamante que na mesma data procedeu à transferência para o IGFSS, I.P., dos montantes de €624,95 e €5.729,04 da conta à ordem nº ...45. (cf. doc. nº 6 junto com o RI; doc. nº 1 junto com o requerimento datado de 05.08.2024)
11. Por carta datada de 01.07.2024, o Banco 2... informou a Reclamante que na mesma data procedeu à transferência para o IGFSS, I.P., do montante de €134,19, da conta à ordem nº ...45. (cf. doc. nº 6 junto com o RI)
12. Por missiva datada de 08.07.2024, o Banco 2... informou a Reclamante que na mesma data procedeu à transferência para o IGFSS, I.P., do montante de €217,24, da conta à ordem nº ...45. (cf. doc. nº 6 junto com o RI)
13. Em 27.06.2024, 28.06.2024 e 29.06.2024, o Banco 3..., procedeu à transferência da conta bancária da Reclamante para a Entidade Exequente dos seguintes montantes €9,67, €503,35, € 3.526,86, €391,05 e €382,75. (cf. docs. nºs 10 junto com o RI)
14. O Banco Banco 4..., em 03.07.2024, transferiu para o IGFSS, I.P. da conta bancária titulada pela Reclamante, o montante de €156,57. (cf. documento junto com o requerimento de 05.08.2024)
15. Em 28.06.2024, o Administrador Judicial Provisório nomeado no processo especial de revitalização, remeteu ao ISS, I.P. – Centro Distrital ..., a comunicação com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. doc., nº 8 junto com o RI)
16. Em 04.07.2024, a Reclamante, através da sua Mandatária, expôs e requereu à Entidade Exequente o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. docs. nºs 7 e 9 junto com a PI)
17. Na mesma data, a Secção de Processo Executivo ... do IGFSS, I.P., remeteu a seguinte resposta à Reclamante:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. doc. nº 7 junto com a PI)
18. Em 05.07.2024, a Reclamante em resposta à comunicação remetida pelo IGFSS, I.P. – ..., reiterou o pedido formulado no dia anterior de “a. [A] devolução do dinheiro que foi entregue nos cofres da Seg. Social após a publicação do despacho de prolação da nomeação do sr. AJP, em cumprimento do disposto no CIRE e como decidido pelos tribunais; b. A comunicação às IC´s para procederem à devolução de todo o dinheiro cativo e ainda não entregue ao Instituto à data de 26.06.2024.” (cf. doc. nº 11 junto com o RI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos)
19. Em 05.07.2024, a Entidade Exequente notificou a Reclamante através do seu Mandatário, da manutenção da decisão comunicada no dia anterior (04.07.2024) de indeferimento da pretensão, com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cf. doc. nº 12 junto do RI)
20. A presente Reclamação foi remetida ao órgão de execução fiscal em 23.07.2024. (cf. Petição Inicial (542129) Petição Inicial (007122817) Pág. 2 de 24/07/2024 12:36:20)
*
Factos Não Provados
Não resultam provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão a proferir.
*
Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto resultou da análise dos documentos, não impugnados, juntos aos autos pela Reclamante e constantes do processo de execução fiscal, bem como, da posição assumida pelas partes nos seus articulados, tudo conforme foi referido em cada ponto dos factos assentes. Com efeito, analisando o teor dos documentos em causa, bem como os seus elementos externos, não se suscitam dúvidas quanto à genuinidade ou fidedignidade do seu conteúdo, razão pela qual se revestiram de suficiente crédito probatório.».


3.2. DE DIREITO
O Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo, por entenderem, em síntese resumida, que enferma de erro de julgamento de facto e de direito.
Vejamos, antes do mais, a fundamentação jurídica que sustenta a sentença sob escrutínio:
«A Reclamante vem aos presentes autos reagir contra o ato do IGFSS, I.P. – ..., que indeferiu o pedido por si dirigido, de devolução das verbas transferidas pelas instituições bancárias após prolação de despacho de nomeação do Administrador judicial provisório no âmbito do Processo Especial de Revitalização (PER), assim como disponibilização dos montantes retidos ao abrigo das penhoras e que não tenham sido transferidos para o IGFSS, I.P.
É entendimento da Reclamante, que o ato reclamado, viola o disposto nos artigos 17º-D, nº 1 do CIRE (entendendo-se que se quer referir ao disposto no art.º 17º-E do CIRE), 36º, nº 3 da LGT e 223º, nº 1 e 199º do CPPT, dado que, traços gerais, com a publicação da nomeação do Administrador Judicial Provisório no âmbito do PER, todos os processos executivos que estejam em curso se suspendem, assim como todas as medidas que tenham sido determinadas ao abrigo dos mesmos.
Por outro lado, resulta do ato reclamado que, com a publicidade do anúncio da apresentação do PER, em 28.06.2024 a Entidade Exequente procedeu ao levantamento das penhoras com transferência dos valores cativos até 26.06.2024, uma vez que as penhoras vigoram desde 17.04.2024, ou seja, são prévias à publicação do PER.
Cumpre analisar.
Sob a epígrafe “Finalidade e natureza do processo especial de revitalização”, estipula o art.º 17º-A, nº 1 do CIRE: “O processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.
Apontava neste sentido, a exposição de motivos da proposta de lei, da qual constava que, “O principal objetivo prosseguido por esta revisão passa por reorientar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação.
(…).
É criado o processo especial de revitalização (artigos 17°-A a 17º-I), lançando-se a primeira pedra deste processo logo no n°2 do artigo 1°, explicitando-se, em traços muito largos, quais os devedores que ao mesmo podem recorrer. O processo visa propiciar a revitalização do devedor em dificuldade, naturalmente que sem pôr em causa as respetivas obrigações legais, designadamente para regularização de dívidas no âmbito das relações com a administração fiscal e a segurança social.
O processo especial de revitalização pretende assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência atual. (...) Este processo especial permite ainda a rápida homologação de acordos conducentes à recuperação de devedores em situação económica difícil celebrados extrajudicialmente, num momento de pré-insolvência, de tal modo que os referidos acordos passem a vincular também os credores que aos mesmos não se vincularam, desde que respeitada a legislação aplicável à regularização de dívidas à administração fiscal e à segurança social e observadas determinadas condições que asseguram a salvaguarda dos interesses dos credores minoritários”.
Com efeito, o procedimento especial de revitalização permite aos devedores em situação económica difícil ou insolvência eminente, a sua recuperação mediante acordo com os seus credores sem que seja decretada a sua insolvência.
O artigo 17º-C do CIRE disciplina o requerimento e formalidades dos PER, estipulando no seu nº 5 que “Recebido o requerimento referido no nº 3, o juiz nomeia, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto no nº 1 do artigo 32.º e nos artigos 33.º e 34.º, com as devidas adaptações.”
Para o que aqui releva, importa atentar, ainda, no artigo 17º- E, do CIRE, cuja epígrafe é “Suspensão das medidas de execução”, mais concretamente nos nºs 1 e 2, que disciplinam que:
1 - A decisão a que se refere o n.º 5 do artigo 17.º- C obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para a cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade.
2 – A requerimento fundamentado da empresa, de um credor ou do administrador judicial provisório, desde que deduzido no prazo de negociações, o juiz pode, de imediato, prorrogar o prazo de vigência da suspensão prevista no número anterior, por um mês, caso se verifique uma das seguintes situações:
a) tenham ocorrido progressos significativos nas negociações do plano de reestruturação;
b) a prorrogação se revele imprescindível para garantir a recuperação da atividade da empresa; ou
c) a continuação da suspensão das medidas de execução não prejudique injustamente os direitos ou interesses das partes afetadas.”
De convocar, ainda, o artigo 17.º- F do mesmo diploma legal, na parte que aqui releva, o qual sob epígrafe de “Conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa” dispõe que:
1 - Até ao último dia do prazo de negociações, a empresa deposita no tribunal a versão final do plano de recuperação, contendo, pelo menos, as seguintes informações, e sendo de imediato publicada no portal Citius a indicação do depósito:
(…)
2 - No prazo de cinco dias subsequente à publicação, qualquer credor pode alegar nos autos o que tiver por conveniente quanto ao plano depositado pela empresa, designadamente circunstâncias suscetíveis de levar à não homologação do mesmo, dispondo a empresa de cinco dias após o termo do primeiro prazo para, querendo, alterar o plano em conformidade, e, nesse caso, depositar a nova versão nos termos previstos no número anterior.
3 - Findo o prazo previsto no número anterior é publicado no portal Citius anúncio advertindo da junção ou não junção de nova versão do plano, correndo desde a publicação referida o prazo de votação de 10 dias, no decurso do qual qualquer interessado pode solicitar a não homologação do plano, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 215.º e 216.º, com as devidas adaptações.
4 - Concluindo-se a votação com a aprovação unânime de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa, em que intervenham todos os seus credores, este é de imediato remetido ao processo, para homologação ou recusa do mesmo pelo juiz nos termos do n.º 7, acompanhado da documentação que comprova a sua aprovação, atestada pelo administrador judicial provisório nomeado, e do seu parecer fundamentado sobre se o plano apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma, produzindo tal plano de recuperação, em caso de homologação, de imediato, os seus efeitos.
(…).
7 - Nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º, e aferindo:
(…)
8 - O juiz pode determinar a avaliação da empresa, por um perito, se for pedida a não homologação do plano de recuperação por um credor discordante, com algum dos seguintes fundamentos:
a) A situação dos credores ao abrigo do plano é menos favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa; ou
b) Desrespeito das regras de aprovação previstas nas subalíneas iii) e iv) da alínea a) do n.º 5.
9 - Caso o juiz não homologue o acordo, aplica-se o disposto nos n.os 3 a 9 do artigo 17.º-G.
10 - Sendo proferida decisão de não homologação, é aplicável ao recurso que venha a ser interposto dessa decisão o disposto no n.º 3 do artigo 40.º, com as devidas adaptações, caso o parecer do administrador venha a ser de que a empresa se encontra em situação de insolvência.
11 - A decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 5 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.
(…)
É, pois, entendimento da doutrina e jurisprudência, como melhor se verá, que “as normas dos artigos 17º- A a 17º-I do CIRE não se sobrepõem às normas fiscais”. (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 05.06.2019, proc. nº 1549/18.4BELRS; no mesmo sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.04.2015, proc. nº 0320/15, disponível em www.dgsi.pt)
Releva neste particular chamar à análise o disposto no artigo 180º do CPPT, que disciplina o efeito do processo de recuperação da empresa e de insolvência na execução fiscal, prevendo que:
1 - Proferido o despacho judicial de prosseguimento da ação de recuperação da empresa ou declarada insolvência, são sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração.
2 - O tribunal judicial competente avocar os processos de execução fiscal pendentes, os quais serão apensados ao processo de recuperação ou ao processo de insolvência, onde o Ministério Público reclama o pagamento dos respetivos créditos pelos meios aí previstos, se não estiver constituído mandatário especial.
3 - Os processos de execução fiscal, antes de remetidos ao tribunal judicial, serão contados, fazendo-se neles o cálculo dos juros de mora devidos.
4 - Os processos de execução fiscal avocados são devolvidos no prazo de oito dias, quando cesse o processo de recuperação ou logo que finde o de insolvência.
5 - Se a empresa, o insolvente ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição.
6 - O disposto neste artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de insolvência ou despacho de prosseguimento da ação de recuperação da empresa, que seguirão os termos normais até à extinção da execução.”.
Dos preceitos transcritos, resulta, no âmbito da análise em causa nos autos, que os processos de execução instaurados para a cobrança de créditos vencidos antes da declaração de insolvência, ou do prosseguimento do PER, deverão ser imediatamente sustados e avocados pelo tribunal judicial para apensação ao processo de insolvência. Enquanto que, os processos de execução instaurados para a cobrança de créditos vencidos após a declaração de insolvência, ou do prosseguimento do PER, deverão prosseguir, seguindo-se os termos normais até à extinção da execução.
Resulta ainda dos nºs 2 e 3 do art.º 30º da LGT que:
2 – O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.
3 – O disposto no numero anterior prevalece sobre qualquer legislação especial.”
Sendo o crédito tributário indisponível e estando a Administração Tributária impossibilitada de conceder moratórias não previstas legalmente – art.º 36º, nº 3 da LGT -, o órgão de execução fiscal está obrigado a instaurar e fazer prosseguir a execução fiscal contra o devedor, a menos que tenha sido deferido o pagamento da dívida em prestações ao abrigo da legislação fiscal, no âmbito do plano de revitalização judicialmente homologado ou fora dele (mediante prestação de garantia devida ou respetiva dispensa – cf. art.º 52º da LGT e arts. 169º, 170º e 199.º do CPPT).
No caso concreto, a divida exequenda respeita a contribuições e cotizações devidas à Segurança Social, em cujos processos de execução fiscal foram efetuadas penhoras de contas bancárias tituladas pela Reclamante. Por força do disposto no art.º 3º, nº 2 da LGT, as dividas em causa, estão sujeitas à regra da indisponibilidade do crédito tributário conforme exposto.
Veja-se o que a este propósito a análise feita no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 19.09.2017, no proc. nº 94/17.0BELRA (disponível em www.dgsi.pt), que por inteira concordância aqui se segue:
De acordo com o elemento histórico de interpretação, deve levar-se em consideração a exposição de motivos da proposta de lei que esteve na origem da Lei 16/2012, de 20/4, de acordo com a qual os acordos celebrados no âmbito do PER (este processo especial permite a rápida homologação de acordos conducentes à recuperação de devedores em situação económica difícil celebrados extrajudicialmente, num momento de pré-insolvência) de tal modo que os referidos acordos passem a vincular também os credores que aos mesmos não se vincularam, desde que respeitada a legislação aplicável à regularização de dívidas à administração fiscal. Portanto, apesar do mote principal do novo regime jurídico assentar na optimização das soluções de recuperação e revitalização dos insolventes, é dado um sinal expresso de que isso não poderia sobrepor-se à natureza indisponível dos créditos tributários (cfr.proposta de Lei nº.39/XII, a qual procedeu à alteração do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo dec.lei 53/2004, de 18/3, simplificando formalidades e procedimentos e instituindo o processo especial de revitalização; Suzana Tavares da Silva e Marta Costa Santos, Os créditos fiscais nos processos de insolvência: reflexões críticas e revisão da jurisprudência, disponível em http://hdl.handle.net/10316/24784; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/3/2015, rec.278/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/4/2015, rec.302/15; ac.T.R.Porto, 10/10/2013, proc.4183/12.9TBPRD.P1; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/02/2016, proc. 9100/15).
O princípio da indisponibilidade dos créditos tributários não está explicitamente enunciado na Constituição da República Portuguesa, embora seja um corolário dos princípios da igualdade e da legalidade, que vinculam toda a actividade da A. Fiscal, mais significando que a Fazenda Pública não pode, discricionariamente, alterar a relação jurídica tributária e, assim, dispor livre e autonomamente dos seus créditos (cfr.artºs.13 e 266, nº.2, da C.R.P.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, 6ª. edição, 2011, pág.61 e seg.).
É também por esta razão - por estarmos perante uma obrigação que materializa um dever fundamental de contribuição para os encargos públicos, segundo o princípio da igualdade relativa, medida pela capacidade contributiva de cada sujeito passivo de imposto - que a referida indisponibilidade do crédito tributário prevalece sobre qualquer legislação especial, incluindo o regime da insolvência (cfr.artº.30, nº.3, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/02/2016, proc.9100/15; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 2015, Almedina, pág.279).
De resto, o artº.36, nºs.2 e 3, da L.G.T., é peremptório ao estabelecer que os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes e que a A. Fiscal não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei (cfr.artº.85, nº.3, do C.P.P.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/02/2016, proc.9100/15; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.297).
No caso concreto a dívida exequenda objecto do processo de execução fiscal nº.... e apensos consiste em Contribuições para a Segurança Social (cfr.nº.1 do probatório).
As contribuições para a segurança social podem definir-se, actualmente, como prestações pecuniárias de carácter obrigatório e definitivo, afectas ao financiamento de uma ampla categoria de despesas do sistema previdencial de segurança social e de outras (designadamente das políticas activas de emprego e de formação profissional), pagas a favor de uma entidade de natureza pública e tendo em vista a realização de um fim público de protecção social (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5760/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/05/2015, proc.5665/12; Nazaré da Costa Cabral, Contribuições para a Segurança Social, Natureza, Aspectos de Regime e de Técnica e Perspectivas de Evolução num Contexto de Incerteza, Cadernos do IDEFF, nº.12, 2010, pág.81 e seg.).
Por outro lado, em causa está nos presentes autos a penhora de créditos levada a efeitos pelo “I.G.F.S.S., IP.” (cfr.nºs.4, 5, 30 e 31 do probatório).
Antes de mais, dir-se-á que a penhora se consubstancia numa apreensão judicial de bens/direitos do executado e sua posterior afectação aos fins do processo de execução, revestindo a natureza de garantia real a favor do exequente e restantes credores concorrentes no processo executivo (cfr.artº.822, nº.1, do C.Civil; José Alberto dos Reis, Processo de Execução, II, Coimbra Editora, 1985, pág.106; José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5ª. Edição, Coimbra Editora, 2011, pág.205 e seg.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 1986, pág.97; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, 6ª. edição, 2011, pág.581 e seg.).
Aqui chegados, importa verificar se o ato reclamado violou o disposto nos artigos 17º-E, nº 1 do CIRE, 36º, nº 3 da LGT, 199º e 223º, nº 1 do CPPT.
Perante o que vem referido, facilmente se percebe que o despacho reclamado andou bem ao não devolver à Reclamante os montantes cativos ao abrigo de penhoras validamente determinadas em momento anterior à nomeação do administrador judicial provisório.
Tal como analisado, e em linha com a jurisprudência citada (que de resto fundamentou o despacho reclamado e também citada no parecer da Digna Magistrada do Ministério Público) a indisponibilidade do crédito tributário prevalece sobre qualquer legislação especial, não tendo, por isso, o PER “como consequência direta e imediata o cancelamento das penhoras validamente ordenadas e efetuadas em processo de execução e em momento anterior.” (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 19.09.2017, no proc. nº 94/17.0BELRA)
Tal significa que, as quantias retidas ao abrigo de penhoras validamente efetuadas nos processos de execução, num momento anterior à instauração do PER, ou de modo mais rigoroso, antes da nomeação do Administrador Judiciário Provisório, se mantêm, não havendo lugar ao reembolso das quantias arrecadadas. A transferência dos montantes penhorados para o IGFSS, I.P. já após a nomeação do Administrador Judiciário Provisório, resulta de uma obrigação legal, prevista nos nºs 9 e 10 do art.º 223º do CPPT, desde logo como a própria Reclamante reconhece.
No mesmo sentido seguem os nºs 13 e 14 do art.º 199º do CPPT, permitindo inferir que as garantias constituídas antes do PER se mantêm, contrariamente ao referido pela Reclamante. (neste sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 05.06.2019, proc. nº 1549/18.4BERLRS)
Tal como concluiu o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 19.09.2017, no proc. nº 94/17.0BELRA:
A dita aprovação do PER, levando em consideração a vertente do mesmo plano que, no caso concreto, tem a ver com as dívidas à Segurança Social (cfr.nº.16 do probatório), não tem por consequência, só por si, a extinção dos processos de execução fiscal que estavam pendentes, tal como o cancelamento das penhoras validamente ordenadas e efectuadas nos ditos processos e em momento anterior à aprovação do mesmo, tudo conforme se refere supra para onde se remete (cfr.indisponibilidade do crédito tributário; elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes - artº.36, nºs.2 e 3, da L.G.T.).
Somente assim não seria, se acaso se pudesse retirar do conteúdo do PER aprovado a existência de uma novação (enquanto causa extintiva da obrigação, por acordo das partes, a qual é substituída por nova obrigação - artº.857 e seg. do C.Civil) do crédito objecto do processo de execução fiscal nº.... e apensos (cfr.nº.1 do probatório), conclusão que, de todo em todo (e sem prejuízo do exame da legalidade da mesma), se não pode retirar da análise do conteúdo do PER junto a fls.628 a 632 dos presentes autos.”
Atento o exposto, conclui-se que o despacho reclamado não viola o disposto nos artigos 17º-E, nº 1 do CIRE, 36º, nº 3 da LGT, 199º, e 223º do CPPT, estando antes em conformidade com os mesmos. Tendo sido validamente determinada a penhora das contas bancárias em momento anterior à nomeação do administrador judicial provisório, não há lugar ao reembolso dos montantes cativos e ainda não transferidos para a entidade exequente, ou transferidos já em momento posterior a tal nomeação.» - fim de transcrição.
Vejamos, então.
Resulta dos autos que a ora Recorrente apresentou um PER, no âmbito do qual foi proferido despacho de nomeação de Administrador Judicial Provisório, publicitado em 26/06/2024.
Na mesma data, a Recorrente deu conhecimento deste facto ao OEF, solicitando-lhe que «(…) providencie pela notificação aos bancos para o levantamento das penhoras das contas bancárias e libertação do dinheiro que tenha sido por elas, no entretanto, retido e ainda não entregue à Segurança Social».
Por sua vez, em 28/06/2024, o Administrador Judicial Provisório nomeado no processo especial de revitalização da Recorrente, dirigiu comunicação ao OEF, requerendo a suspensão dos processos de execução fiscal instaurados contra aquela, nos termos do artigo 17º-E, nº 1, do CIRE.
Em 4/07/2024, a Ilustre Mandatária da Recorrente requereu ao OEF a devolução da quantia de €13.346,46, no entendimento de que «quaisquer importâncias penhoradas nos autos de processo executivo e ainda não entregues à data da prolação do Despacho de nomeação do AJP continuam a ser propriedade do Devedor (…). Pelo que suspensa, como referido e por efeito do PER, a ação executiva, nenhum ato pode ser praticado no processo, enquanto durar a suspensão. Desde logo, o recebimento, pelo Instituto (…), de qualquer verba por força das penhoras das contas bancárias. // Mais se requer, (…) sejam as entidades bancárias notificadas para que qualquer valor que tenham retido e ainda não tenha sido transferido (…), à data da publicação do despacho de nomeação do AJP (26-06/2024) seja devolvido à [SCom01...]. (…)».
O OEF respondeu, na mesma data, informando que «em 26/06/2024 foi publicado o anuncio da apresentação ao Processo Especial de Revitalização relativamente à empresa B. (…), seguidamente em 28/06/2024 procedeu-se ao levantamento das penhoras com transferência dos valores cativos até à data de 26/06/2024, sendo que as penhoras vigoraram desde 17/04/2024, ou seja prévias à publicação do PER da empresa (…), sendo que desta forma não existe qualquer ilegalidade, conforme dispõe o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, n.º 1549/18.4BELRS de 05/06/2019.», concluindo que as penhoras foram bem efetuadas e os valores corretamente aplicados no Processo Executivo.
A Recorrente reclamou deste ato, alegando, em síntese resumida, que entre 28 de junho e 1 de julho as instituições de crédito continuaram a pagar à Exequente valores que estavam depositados nas contas cujos saldos foram penhorados e que se mostra violado o disposto nos artigos 17º, nº 1 do CIRE e 233º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
O Tribunal a quo não lhe reconheceu razão, em suma, porque as normas dos artigos 17º-A a 17º-I do CIRE não se sobrepõem às normas fiscais, as dividas em causa, estão sujeitas à regra da indisponibilidade do crédito tributário, não tendo, por isso, o PER como consequência direta e imediata o cancelamento das penhoras validamente ordenadas e efetuadas em processo de execução e em momento anterior, o que significa que, as quantias retidas ao abrigo de penhoras validamente efetuadas nos processos de execução, num momento anterior à instauração do PER ou, de modo mais rigoroso, antes da nomeação do Administrador Judiciário Provisório, se mantêm, não havendo lugar ao reembolso das quantias arrecadadas. Concluindo que o despacho reclamado andou bem ao não devolver à Reclamante os montantes cativos ao abrigo de penhoras validamente determinadas em momento anterior à nomeação do administrador judicial provisório.
Não nos merece reparo o enquadramento legal, doutrinal e jurisprudência em que se moveu o Tribunal a quo, nem o entendimento de que são legais as penhoras de saldos bancários ocorridas até à data da nomeação do AJP.
Porém, afigura-se-nos que os autos não reúnem a prova documental necessária para confirmar o alegado pela Exequente, no despacho em crise, de que, se bem o compreendemos, após a nomeação do AJP apenas ocorreu a «transferência dos valores cativos até à data de 26/06/2024» e, nessa medida, que nenhum ato de execução foi, depois disso, praticado.
Assim, há que reconhecer razão à Recorrente quanto ao vertido nas conclusões (H) e (I) das suas alegações de recurso.
É que, como se considerou no acórdão deste Tribunal de 09.05.2024, proferido no processo nº 1555/22.4BEPRT, em que a aqui Relatora interveio como 2ª adjunta, «A penhora de um saldo bancário, como decorre da própria palavra saldo é um “resto”, ou seja, o que se encontra numa determinada conta bancária num momento temporal determinado. Não é a conta bancária que é penhorada, mas sim o direito de crédito do executado sobre uma instituição de crédito decorrente de um saldo positivo num depósito bancário. (…) a penhora de um saldo bancário será sempre, (…), de um saldo “presente” (num determinado momento temporal) e não de um saldo “futuro” (não existente mas possivelmente expectável).».
Assim, o que, em nosso entendimento, releva apurar é, sim, a data em que ocorreram e foram efetivamente apreendidos os saldos bancários transferidos para a Exequente, nas datas mencionadas nos pontos 8 a 14 do probatório.
Isto porque as transferências dos saldos penhorados, sendo obrigatórias para as instituições bancárias, por força do disposto no artigo 223º, nº 9, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (9 - A instituição detentora do depósito penhorado deve, no prazo referido no número anterior, proceder ao depósito das quantias e valores penhorados à ordem do processo de execução fiscal, mediante documento de pagamento obtido para o efeito no Portal das Finanças, ou mediante transferência bancária quando se trata de dívida à segurança social.), não podiam deixar de ser realizadas, não configurando, por isso, um ato de execução passível de ser suspenso. Diferentemente, constituem atos de execução quer a ordem de penhora, quer a aplicação dos valores penhorados.
Portanto, reiterando o já afirmado, releva apurar quando ocorreram e foram efetivamente apreendidos os saldos bancários transferidos para a Exequente nas datas mencionadas nos pontos 8 a 14 do probatório.
O processo enferma, por isso, de défice instrutório que importa a anulação da sentença, nos termos do artigo 662º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e a baixa dos autos à 1ª instância para aquisição de mais prova e prolação de nova decisão, em conformidade, se a tanto nada mais obstar.
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Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I – Por força do disposto no artigo 17º-E, nº 1, do CIRE, a nomeação de administrador judicial provisório obsta à instauração de quaisquer ações executivas contra a empresa para cobrança de créditos durante um período máximo de quatro meses, e suspende quanto à empresa, durante o mesmo período, as ações em curso com idêntica finalidade.

II – A transferência dos saldos penhorados, sendo obrigatória, por força do artigo 223º, nº 9, do CPPT, não configuram um ato de execução, passível de ser suspenso.

III – Para analisar a legalidade das penhoras dos valores transferidos após a nomeação do AJP é necessário apurar a data em que ocorreram e foram efetivamente apreendidos os saldos bancários transferidos para a Exequente.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância, para os fins já enunciados.

Custas a cargo da Recorrida, que aqui sai vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, as quais não incluem a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 30 de janeiro de 2025

Maria do Rosário Pais – Relatora
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 1ª Adjunta
Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos – 2ª Adjunta