Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01025/20.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/28/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:VIRGÍNIA ANDRADE
Descritores:IRS – MAIS-VALIAS;
MOMENTO TRIBUTAÇÃO;
MOMENTO DA ALIENAÇÃO DAS PARTICIPAÇÕES SOCIAIS VERSUS EFECTIVO RECEBIMENTO;
Sumário:
I. Os factos essenciais são aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da exceção e cuja falta determina a inviabilidade da ação ou da excepção, enquanto que os factos instrumentais, probatórios ou acessórios são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos.

II. São factos complementares e factos concretizadores aqueles cuja falta não constitui motivo de inviabilidade da ação ou da exceção, mas que participam de uma causa de pedir ou de uma exceção complexa e que, por isso, são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção

III. Nos termos do disposto no artigo 10.º n.º 3 do Código do IRS, para efeitos de mais-valias, no caso de alienação onerosa de partes sociais com pagamentos diferidos, os ganhos consideram-se obtidos no momento da celebração do contrato.

IV. Ao abrigo da teoria da substanciação prevista n.º 2 do artigo 639.º do CPC, a alegação tem que ser integrada por factos concretos, susceptíveis de fundamentar o direito invocado e não por meras qualificações jurídicas ou outros juízos de valor.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1 – RELATÓRIO

«AA», contribuinte n.º ...08 vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial por este intentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º ...00 e correspetivos juros compensatórios, referente ao ano de 2015, no montante de €133.370,48.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
A - 1) o incremento patrimonial – resultante da alienação de valores mobiliários – no valor de € 417.927,80, que a Fazenda Pública considerou recebido no ano de 2015 e sujeitou a tributação autónoma à taxa de 28%, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 72.º do CIRS, que perfez o montante de € 117.019,79, foi apurado com fundamento na alienação pelo Impugnante das partes sociais que detinha nas sociedades comerciais de [SCom01...], S.A., [SCom02...], S.A., [SCom03...], S.A. e [SCom04...], Lda. à sociedade comercial [SCom05...] – SGPS, S.A., mediante a celebração em 31/12/2015 do Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Quota junto aos autos, conforme docs. 3 e 4;
A - 2) o Impugnante não recebeu qualquer quantia a título de pagamento do preço das participações sociais alienadas à [SCom05...] – SGPS, S.A., através do Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Quota celebrado em 31/12/2015, conforme docs. 3 e 4;
A - 3) o Impugnante obrigou-se a proceder ao pagamento do preço das referidas participações sociais em prestações mensais, conforme docs. 3 e 4;
A - 4) resultava expressamente dos documentos junto aos autos que as acções vendidas encontravam-se sujeitas à condição da reserva de propriedade nos termos do contrato de partilha, conforme docs. 3 e 4;
A - 5) no ano de 2015, a [SCom05...] – SGPS, S.A. não entregou nem colocou à disposição do Impugnante qualquer quantia a título de pagamento do preço das participações sociais alienadas pelo Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Quota celebrado em 31/12/2015;
A - 6) no início do referido ano de 2015, a [SCom05...] – SGPS, S.A. ainda era devedora do Impugnante da quantia de € 483.535,25, relativa ao preço das 121.470 ações da [SCom01...], S.A., que o Impugnante e a ex-cônjuge «BB» venderam à primeira sociedade em 31/11/2011, tendo a dita «BB» adjudicado a sua meação no dito crédito ao Impugnante, conforme n.º 2 da Cláusula 2.ª do contrato de partilha parcial, embora sujeita à condição da reserva de propriedade, conforme resulta dos docs. 3, 4 e 5;
A - 7) no ano de 2015, a [SCom05...] – SGPS, S.A. apenas pagou ao Impugnante a quantia total de € 436.921,99, a título de pagamento do preço das referidas ações adquiridas ao Impugnante e à ex-cônjuge «BB», em 31/12/2011, conforme docs. 3, 4 e 5;
A - 8) terminado o ano de 2015, a [SCom05...] – SGPS, S.A. era, ainda, devedora do Impugnante da quantia de € 47.860,46, a título do preço das 121.470 ações da [SCom01...], S.A., alienadas em 31/12/2011 à primeira sociedade conforme docs. 3 e 4 e 5
B) Dos factos provados resulta que o preço das participações sociais em lide e que está na base dos actos de liquidação cuja legalidade se põe em crise não foi recebido no ano de 2015, mas, ao invés, está foi pago através de um plano prestacional, que não se iniciou no ano de 2015, pelo que é imperioso concluir que, no ano de 2015, não ocorreu qualquer aumento real e efetivo do rendimento do Impugnante, a esse título.
C) Na data sub judice, as participações sociais que se alienaram ainda se encontravam sujeitas à condição da reserva de propriedade porque o preço global do negócio ainda não tinha sido integralmente pago, cfr. docs. 3 e 4.
D) O conceito a ter em conta para efeitos de IRS é o de acréscimo de rendimento efetivo e líquido, conforme é defendido pela doutrina e jurisprudência.
E) Quer a jurisprudência judicial, máxime, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0320/03, in www.dgsi.pt, quer a jurisprudência arbitral, por exemplo, a decisão arbitral do CAAD nº 52/2015-T de 1 de Outubro de 2015, in www.caad.org.pt, sustentam que, em sede de mais valias, deve atender-se ao rendimento efetivamente recebido num determinado ano e não o que resultaria da totalidade do valor convencionado, a liquidar em prestações nos anos seguintes.
F) Pelo que só nos anos seguintes, e na medida do que for recebido em cada ano a título de pagamento do preço das participações sociais, devidamente imputado em obediência do critério FIFO (First in first out), previsto no artigo 43.º, n.º 6, alínea d), do CIRS, é que se verificará o efetivo recebimento e que, portanto, se deve considerar realizado o acréscimo patrimonial e por consequência o facto tributário.
G) Padece de inconstitucionalidade por violação dos princípios da tributação do rendimento real efectivo, da proporcionalidade, do exagero e da capacidade contributiva, no termos do disposto nos artigos 104.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 4.º, n.º 1, 5.º, 7.º e 8.º da LGT, a interpretação do referido art.º 10.°, nºs 1, al. b) e 3 do CIRS como determinando que os rendimentos que constituem mais-valias consideram-se os auferidos no momento da prática do acto, ainda que não efetivamente auferidos nem postos à disposição do titular nesse ano.
H) Por tudo o exposto deve ser anulado o ato de liquidação de IRS n.º ...00, relativa ao ano de 2015, emitido em 11/12/2019, no valor de € 119.766,71, e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º ...35, no valor de 16.350,70, e respetiva demonstração de acerto de contas n.º ...42 de 11/12/2019, no valor de € 133.370,48, com fundamento na sua ilegalidade
Assim, decidindo,
V.(as) Exa.(s) farão inteira justiça.”


Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de não ser concedido provimento ao recurso.
Quanto ao erro da matéria de facto assente, considera que da decisão recorrida decorrem todos os factos necessário à decisão da causa.
Ademais, considera que para efeitos de mais-valias, os ganhos consideram-se obtidos no momento da celebração do contrato ao abrigo do disposto no artigo 10.º n.º 3 do Código do IRS.
Por último, quanto à alegada a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 10.º, n.ºs 1, alínea b) e n.º 3, considera não é de conhecer tal fundamento por omissão de substanciação no corpo de alegação.
Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, cfr. artigo 657.º n.º 4 do Código de Processo Civil, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

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Objecto do recurso

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta do disposto no artigo 608.º n.º 2, artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa tão só apreciar e decidir i) do erro de julgamento de facto, por insuficiência da factualidade provada ii) do erro de julgamento de direito.
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2 - Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
O Tribunal a quo decidiu a matéria de facto da seguinte forma, que aqui se reproduz:
“Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, considero provados os seguintes factos:
1. Em 31/12/2015, foi outorgado documento denominado “CONTRATO DE VENDA DE AÇÕES E CESSÃO DE QUOTA”, entre «AA», contribuinte n.º ...08, aqui Impugnante, como primeiro outorgante e “[SCom05...] - SGPS, S.A.”, NIPC: ...30, como segundo outorgante, do qual se extrai, entre o demais, o seguinte: “(…)
--- Considerando que o primeiro outorgante acima identificado é detentor e legítimo proprietário das acções representativas do capital social das sociedades comerciais anónimas [SCom01...], S.A., pessoa coletiva com número único ...79, com o capital social de € 2.657.000,00, com sede (…), [SCom02...], S.A., pessoa coletiva com número único ...94, com o capital social de € 50.000,00, com sede (…), [SCom03...], S.A., pessoa coletiva com número único ...78, com o capital social de € 50.000,00, com sede (…) e detentor e legítimo proprietário das quotas da empresa [SCom04...], LDA, pessoa coletiva com número único ...12, com o capital social de € 137.000,00, com sede (…) ----
Entre os outorgantes é celebrado o presente contrato de venda de acções e cessão de quota, a cujo exacto e pontual cumprimento se obrigam. ---------------------------------------------------------------
CLÁUSULA PRIMEIRA
1- O primeiro outorgante, por via do presente contrato, vende as ações n.º 1 a 110000, 12200 a 128600, 1249401 a 129940, 12991 a 129994, 129.996, 130001 a 212000, 229001 a 229600, 229801 a 22960, 22991 a 279700, 279701 a 297700, 300701 a 302300, 303131 a 303190, 303231 a 303280, 303361 a 303368, 303231 a 303271, 379376 a 381375, 456376 a 504375, 529376 a 529475, 529776 a 530675, 531266 a 531355, 531391 a 531395 e 51396 representativas do capital social da sociedade [SCom01...], S.A., as acções n.º 9501 a 10000 representativas do capital social da sociedade comercial [SCom02...], S.A., as acções n.º 1 a 9996 representativas do capital social da sociedade comercial [SCom03...], S.A.
2 - As acções identificadas no número anterior são vendidas pelo seu valor nominal.
3 - O primeiro outorgante vende ao segundo outorgante a quota com o valor nominal de cento e dois mil, novecentos euros e setenta cêntimos, representativas do capital social da sociedade comercial [SCom04...], Lda., sendo a venda efectuada pelo valor nominal da quota.
(…)
CLÁUSULA TERCEIRA
---- Os outorgantes acordam que o pagamento do preço será efectuado pela assunção das dívidas que o primeiro outorgante contraiu nos contratos de partilha parcial, conforme anexo 1, e o contrato de compra e venda de acções, conforme anexo 2. (…)” - cfr. contrato junto como Anexo 2 do relatório de inspeção tributária, constante do ficheiro de fls. 282 a 301 do processo eletrónico.
2. Por referência ao ano de 2015, o Impugnante submeteu declaração de rendimentos, Modelo 3, ali declarando no Anexo G, referente a “Mais Valias e Outros Incrementos Patrimoniais”, no quadro 9, relativo a “ALIENAÇÃO ONEROSA DE PARTES SOCIAIS E OUTROS VALORES MOBILIÁRIOS”, o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. capítulo II.3.2 do relatório de inspeção tributária, de fls. 238 a 301 do processo eletrónico.
3. No cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2018...57, os Serviços da lnspeção Tributária da Direção de Finanças ..., desencadearam procedimento inspetivo externo ao aqui Impugnante, de âmbito parcial (IRS) e com incidência sobre o ano de 2015 - cfr. relatório de inspeção tributária, de fls. 238 a 301 do processo eletrónico.
4. Em 27/11/2024, na sequência do procedimento inspetivo referido no ponto que antecede, foi elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária, relatório de inspeção tributária, onde foi efetuada correção meramente aritmética a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) considerado em falta no ano de 2015, no valor de € 117.019,78 - cfr. relatório de inspeção tributária, de fls. 238 a 301 do processo eletrónico.
5. A correção referida no ponto que antecede, resultou da seguinte fundamentação inclusa no relatório de inspeção tributária, que, entre o demais, dali se extrai:
“(…)
III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III.1. EM SEDE DE IRS
(…)
III.1.3. Mais-Valia não declarada com a alienação onerosa de partes sociais Conforme descrito nos capítulos anteriores deste Relatório, «AA» alienou, no dia 31 de dezembro de 2015, 320.425 ações da [SCom01...], transação que declarou para efeitos de IRS na respetiva declaração de rendimentos Modelo 3 (Anexo G), conforme estipulado na alínea b) do n.º 1 do artigo 10º do CIRS.
No referido Anexo G, o sujeito passivo declarou ainda a alienação de 500 ações da sociedade [SCom02...], SA, 9.996 ações da sociedade [SCom03...], SA e quatro quotas da sociedade [SCom04...], Lda, transação que consta do Contrato de Venda de Ações e Cessão de Quota celebrado com a [SCom05...] SGPS em 31 de dezembro de 2015 (em Anexo 1), e que a seguir se sintetiza:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Dispõe o artigo 10º do CIRS, na alínea b) do nº 1, na alínea a) do n.º 4, e no n.º 12, o seguinte:
“1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: b) Alienação de partes sociais e de outros valores mobiliários (…) 4 - O ganho sujeito a IRS é constituído: a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (…) 12 - Os sujeitos passivos devem declarar a alienação onerosa das ações, bem como a data das respetivas aquisições”.
Por outro lado, estipulam as alíneas a) e b) do artigo 48.º do CIRC, que: “No caso da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, o valor de aquisição, quando esta haja sido efetuada a título oneroso, é o seguinte:
a) Tratando-se de partes sociais (…) o custo documentalmente provado (…);
b) Tratando-se de quotas (…) o custo documentalmente provado ou, na sua falta, o respetivo valor nominal;”
Tal como relatado no capítulo II.3.2 deste Relatório, o contribuinte não apurou qualquer mais-valia em resultado desta alienação onerosa de partes sociais - correspondendo à diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição das ações da [SCom01...] que vendeu à [SCom05...] SGPS - uma vez que fez constar no quadro 9 da sua declaração de rendimentos relativa ao ano de 2015, valores de realização exatamente iguais aos respetivos valores de aquisição.
Importa, portanto, aferir da regularidade para efeitos fiscais dos valores assim declarados no que concerne à [SCom01...].
Quanto ao valor de realização - € 1.602.125,00 - o mesmo consta da Cláusula Primeira do Contrato de Venda de Ações e Cessão de Quota celebrado (ver Anexo 1) e corresponde ao valor nominal das partes de capital transacionadas.
Para apuramento do valor de aquisição das 320.425 ações que «AA» vendeu, mostra-se essencial analisar a evolução da sua carteira de ações da [SCom01...], desde a transformação daquela sociedade em anónima, em 2003.
Tendo em consideração que as ações da [SCom01...] são nominativas e que o mapa resumo fornecido por «AA» (em Anexo 2), as identifica inequivocamente, foi possível concluir o seguinte relativamente às 320.425 ações alienadas por «AA» em 31 de dezembro de 2015:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Da análise do quadro anterior podemos constatar que as 320.425 ações da [SCom01...] que o contribuinte vendeu em 31-12-2015, lhe chegaram à posse em sete (7) momentos distintos, a saber:
1. Em 23-12-2003 subscreveu 31.002 ações na sequencia da transformação da sociedade por quotas em sociedade anónima, das quais manteve na sua posse até esta data 2:
Note-se, que nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 43.º do CIRS: “A data de aquisição de ações resultantes da transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima é a data de aquisição das quotas que lhes deram origem”, o que equivale a dizer que a data de aquisição destas 2 ações foi o dia 14-05-1996, ou seja, a data de constituição da [SCom01...] sob a forma de sociedade por quotas, e não a data de transformação da mesma sociedade anónima (23-12-2003);
2. Em 15-09-2009 subscreveu 41.385 novas ações em resultado do aumento de capital social da [SCom01...], realizado em dinheiro, das quais manteve na sua posse até esta data 1.000;
3. No dia 21-12-2009, foram-lhe atribuídas 19.000 novas ações, em resultado do aumento do capital social da [SCom01...], levado a cabo através da conversão de Prestações Suplementares/Suprimentos/em dinheiro, que manteve na totalidade na sua posse até esta data;
4. No dia 28-12-2009, foram-lhe atribuídas 11.793 novas ações, em resultado do aumento de capital social da [SCom01...], efetuado por incorporação de Reservas Estatutárias, das quais manteve na sua posse até esta data 7.793;
5. No dia 20-10-2011, foram-lhe atribuídas mais 77.551 ações, na sequencia do aumento de capital social da [SCom01...], realizado através da incorporação de Resultados Transitados, que manteve na totalidade na sua posse até esta data;
6. No dia 01-06-2015 recebeu, da sua ex-mulher, «BB», na sequência da partilha dos bens comuns do extinto casal, 106.029 ações da [SCom01...];
7. Por fim, no dia 04-06-2015 adquiriu à sua ex-sogra, «CC», 109.050 ações da [SCom01...].
Concluindo-se, portanto, que 85.344 ações da [SCom01...] do total de 320.425 que o contribuinte alienou em 2015, lhe foram atribuídas em consequência de aumentos de capital da [SCom01...], nos quais «AA» não despendeu qualquer quantia monetária ou em espécie, senão vejamos:
Sujeito PassivoAumento capital incorporação de reservasAumento capital incorporação Resultados Transitados
DataN.º Ações alienadas em 2015DataN.º Ações alienadas em 2015N.º Ações totais alienadas
«AA»28/dez/097.79320/out/1177.75185.344
De facto, é consensual que o valor de aquisição de ações atribuídas em consequência de aumentos de capital por incorporação de Reservas ou de Resultados é o valor efetivamente despendido com a sua aquisição, o qual, se nenhuma quantia foi entregue, relacionada com a entrada dessas ações no património pessoal do contribuinte, será zero - veja-se Parecer n.º 6/91, do Centro de Estudos Fiscais, que a seguir se reproduz:
(…)
Para efeitos de determinação do valor de aquisição, há ainda que atender ao previsto no n.º 1 do artigo 50.º do CIRS, ou seja, proceder à respetiva correção monetária:
(…)
Estamos agora em condições de calcular a mais-valia obtida por «AA», tal como estipula o n.º 1 do artigo 43.º do CIRS: “O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano. (…)”
Destarte, no que respeita à [SCom01...], apurou-se que o contribuinte obteve uma mais-valia no valor de €418.765.000 em resultado da alienação das partes de capital da [SCom01...], no ano de 2015, que não declarou para efeitos fiscais, infringindo o disposto nos atrás mencionados preceitos legais, assim calculada:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Quanto às restantes participações sociais alienadas, sabemos que, das 500 ações da [SCom02...], SA e das 9.996 ações da sociedade [SCom03...], SA alienadas, metade das mesmas chegaram à posse de «AA» no dia 01-06-2015, provenientes da sua ex-mulher, «BB», na sequência da partilha dos bens comuns do extinto casal, conforme Contrato de Partilha Parcial celebrado nessa data, cujo excerto se reproduz abaixo:
(…)
Foi possível desta forma concluir, relativamente à totalidade das partes sociais alienadas, que o contribuinte obteve, no ano de 2015, uma mais-valia no valor de €417.927,80 que não declarou para efeitos fiscais, infringindo o disposto nos atrás mencionados preceitos legais, assim determinada:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Tendo o saldo apurado entre as mais e menos-valias realizadas em 2015 ascendido a € 417.927,80, «AA» deveria ter entregue nos cofres do Estado o montante de € 117.019,78, resultante da aplicação da taxa de tributação autónoma de 28% prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS conforme se demonstra: € 417.927,80 x 28% = € 117.019,78. (…)” - cfr. relatório de inspeção tributária, de fls. 238 a 301 do processo eletrónico.
6. Em 09/12/2019, em resultado da correção efetuada pelos Serviços da lnspeção Tributária, por referência ao Impugnante e ao ano de 2015, foi emitida a liquidação adicional de IRS n.º ...00, no montante a pagar de € 119.987,25 acrescida de € 16.350,70 de juros compensatórios, aqui impugnada, a qual por acerto de contas com a liquidação anterior resultou num total a pagar de € 133.370,48 - cfr. demonstrações de liquidação e de acerto de contas juntas como Docs. n.ºs 1 e 2 da p.i., de fls. 18 a 25 do processo eletrónico.
**
Inexistem quaisquer factos relevantes para a decisão a proferir que se tenham considerado não provados.
**
Motivação da decisão de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto relevante para a decisão da causa, resultou da análise dos documentos constantes dos autos e do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, que não foram impugnados, conforme discriminado nos vários pontos do acervo factual.”


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2.3. Aditamento oficioso à fundamentação de facto
Dispondo os autos dos elementos probatórios para o efeito indispensáveis e ao abrigo do disposto no artigo 662.º n.º 1 do CPC, afigura-se-nos ser de alterar a decisão sobre a matéria de facto assente, proferida em 1ª instância.
Assim, podendo relevar-se necessário para a decisão da causa, adita-se o ponto 1.A à matéria de facto assente:
1.A – Em 1.06.2015 foi outorgado “Contrato de partilha parcial” entre «BB» e «AA», de onde decorre, entre o mais, o seguinte:
“(…)
Clausula 2ª
Partilha
1. Pela presente partilha, que tem carater parcial (…) fica adjudicado e entregue ao Segundo Outorgante, pelo seu repetivo valor nominal, a totalidade das participações sociais do extinto casal nas sociedades comerciais [SCom01...], SA, (…), [SCom02...]- SGPS, SA (…) e [SCom03...], SA (…)
Clausula 3
Condições Negociais
(…)
· O pagamento das tornas a favor da Primeira Outorgante vai ser realizado pelo segundo (…), nas seguintes condições:
(…)
· Pagamento do remanescente de €1 500 000 (…) em prestações mensais e sucessivas de valor crescente e pelo período de 5 (cinco) anos;
(…)
4. Até que se ache integralmente pago o dito valor de €1 700 000,00 e os juros vencidas, as partes aqui Outorgantes convencionam, que a cessão de participações sociais e créditos se realize com reserva de propriedade a favor da Primeira Outorgante (…)”
5. A reserva de propriedade sobre as participações sociais e sobre os créditos cedidos manter-se-á até que esteja esgotado na sua globalidade o plano de pagamento agora ajustado e prometido pela presente via do contrato.”

Da mesma forma, reportando-se o ponto 5) da matéria de facto assente ao relatório proferido pelos serviços de Inspecção da Direcção de Finanças ... consideramos ser de alterar tal facto e, passando também a constar do mesmo o seguinte:
“(…)
II.3.3 Diligências efetuadas junto do contribuinte
(…)
Analisada a resposta à notificação anterior, foi «AA» novamente notificado no dia 12 de agosto de 2019 através do nosso ofício nº 824948 para apresentar os elementos e prestar esclarecimentos adicionais seguintes: (…)
Passamos reproduzir o teor do email de resposta, recebido a 30 de agosto de 2019, ao qual o contribuinte juntou um total de 6 documentos, que a seguir se elencam;
(…)
«AA», divorciado, contribuinte fiscal número ...08, tendo sido notificado para apresentar esclarecimentos adicionais, vem declarar o seguinte.
(…)
Por fim, no que se refere aos valores de realização, a sociedade comercial [SCom05...] tem procedido ao pagamento do preço das participações sociais adquiridas em prestações mensais, estando, ainda em curso esse pagamento, na verdade, como o aqui Recorrente é, simultaneamente, alienante e administrador único e acionista maioritário da adquirente, os pagamentos têm ocorrido de forma escalonada no tempo. (…)”

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2.4 – O direito
Constitui objecto do presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial intentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º ...00 e correspetivos juros compensatórios, referente ao ano de 2015, no montante de €133.370,48.
O Recorrente, discordando do assim decidido vem invocar o erro de julgamento de facto, assim como o erro do julgamento de direito.

2.4.1. Do erro de julgamento de facto

O Recorrente vem invocar o erro de julgamento de facto, por considerar insuficiente a matéria de facto assente.
Para tal, vem sustentar que, face aos documentos que constam dos autos deveriam ter sido aditados ao probatório os seguintes factos:
“A - 1) o incremento patrimonial – resultante da alienação de valores mobiliários – no valor de € 417.927,80, que a Fazenda Pública considerou recebido no ano de 2015 e sujeitou a tributação autónoma à taxa de 28%, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 72.º do CIRS, que perfez o montante de € 117.019,79, foi apurado com fundamento na alienação pelo Impugnante das partes sociais que detinha nas sociedades comerciais de [SCom01...], S.A., [SCom02...], S.A., [SCom03...], S.A. e [SCom04...], Lda. à sociedade comercial [SCom05...] – SGPS, S.A., mediante a celebração em 31/12/2015 do Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Quota junto aos autos, conforme docs. 3 e 4;
A - 2) o Impugnante não recebeu qualquer quantia a título de pagamento do preço das participações sociais alienadas à [SCom05...] – SGPS, S.A., através do Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Quota celebrado em 31/12/2015, conforme docs. 3 e 4;
A - 3) o Impugnante obrigou-se a proceder ao pagamento do preço das referidas participações sociais em prestações mensais, conforme docs. 3 e 4;
A - 4) resultava expressamente dos documentos junto aos autos que as acções vendidas encontravam-se sujeitas à condição da reserva de propriedade nos termos do contrato de partilha, conforme docs. 3 e 4;
A - 5) no ano de 2015, a [SCom05...] – SGPS, S.A. não entregou nem colocou à disposição do Impugnante qualquer quantia a título de pagamento do preço das participações sociais alienadas pelo Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Quota celebrado em 31/12/2015;
A - 6) no início do referido ano de 2015, a [SCom05...] – SGPS, S.A. ainda era devedora do Impugnante da quantia de € 483.535,25, relativa ao preço das 121.470 ações da [SCom01...], S.A., que o Impugnante e a ex-cônjuge «BB» venderam à primeira sociedade em 31/11/2011, tendo a dita «BB» adjudicado a sua meação no dito crédito ao Impugnante, conforme n.º 2 da Cláusula 2.ª do contrato de partilha parcial, embora sujeita à condição da reserva de propriedade, conforme resulta dos docs. 3, 4 e 5;
A - 7) no ano de 2015, a [SCom05...] – SGPS, S.A. apenas pagou ao Impugnante a quantia total de € 436.921,99, a título de pagamento do preço das referidas ações adquiridas ao Impugnante e à ex-cônjuge «BB», em 31/12/2011, conforme docs. 3, 4 e 5;
A - 8) terminado o ano de 2015, a [SCom05...] – SGPS, S.A. era, ainda, devedora do Impugnante da quantia de € 47.860,46, a título do preço das 121.470 ações da [SCom01...], S.A., alienadas em 31/12/2011 à primeira sociedade conforme docs. 3 e 4 e 5;”
Vejamos.
Como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Código de Processo Civil “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.”
Acresce que, estatui também o n.º 2 deste preceito legal que “Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.”
Ora, os factos essenciais são aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da exceção e cuja falta determina a inviabilidade da ação ou da excepção. Por outro lado, os factos instrumentais, probatórios ou acessórios são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos. Finalmente, são factos complementares e factos concretizadores aqueles cuja falta não constitui motivo de inviabilidade da ação ou da exceção, mas que participam de uma causa de pedir ou de uma exceção complexa e que, por isso, são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção – cfr. Teixeira de Sousa, (in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 70).
No mesmo sentido vide Abílio Neto, (in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., Janeiro de 2014, págs. 24 e 25), onde se lê “(…) seriam factos principais aqueles que integram o facto ou factos jurídicos que servem de base à ação ou exceção. Por seu turno, estes factos dividir-se-iam em essenciais e complementares, sendo os primeiros os que constituem os elementos típicos do direito que se pretende atuar em juízo e os segundos aqueles que, de harmonia com a lei, lhes conferem a eficácia jurídica necessária para fazer essa atuação. Ou seja, aquele denominador comum abrangeria não só a causa de pedir (os factos essenciais), mas também a procedibilidade da ação (os factos complementares). Tomemos como exemplo a separação de facto por um ano consecutivo como fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges (…); será este o facto essencial. Mas, para a procedência da ação ter-se-á ainda de prova que durante esse ano não existiu comunhão de vida entre os cônjuges e que houve da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer (…); estes serão os factos complementares”
Parafraseando Teixeira de Sousa (in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 70), “a cada um destes factos corresponde uma função distinta: - os factos essenciais realizam uma função constitutiva do direito invocado pelo autor ou da exceção deduzida pelo réu; sem eles não se encontra individualizado esse direito ou exceção, pelo que a falta da sua alegação pelo autor determina a ineptidão da petição inicial por inexistência de causa de pedir; os factos complementares possibilitam, em conjugação com os factos essenciais de que são complemento, a procedência da ação ou da exceção: sem eles a ação ou exceção não pode ser julgada procedente; por fim os factos instrumentais destinam-se a ser utilizados numa função probatória dos factos essenciais ou complementares”.
Retornando ao caso dos autos, cumpre então aferir se o Tribunal quo errou por insuficiência da matéria de facto assente, considerando os factos supra mencionados.
Relativamente ao facto A-1), e com base nos documentos 3 e 4 juntos aos autos pretende o Recorrente que seja considerado como provado que “o incremento patrimonial – resultante da alienação de valores mobiliários – no valor de € 417.927,80, que a Fazenda Pública considerou recebido no ano de 2015 e sujeitou a tributação autónoma à taxa de 28%, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 72.º do CIRS, que perfez o montante de €117.019,79, foi apurado com fundamento na alienação pelo Impugnante das partes sociais que detinha nas sociedades comerciais de [SCom01...], S.A., [SCom02...], S.A., [SCom03...], S.A. e [SCom04...], Lda. à sociedade comercial [SCom05...] – SGPS, S.A., mediante a celebração em 31/12/2015 do Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Quota”
Ora, numa primeira apreciação, ressalta à evidência que de tal facto consta normativo legal que, como é consabido, não integra qualquer factualidade, mas somente o enquadramento legal da tributação autónoma.
Por outro lado, mesmo cingindo-se o invocado ao facto relevante para a decisão da causa, ou seja, a alienação pelo Recorrente das partes sociais que detinha nas sociedades comerciais [SCom01...], S.A., [SCom02...], S.A., [SCom03...], S.A. e [SCom04...], Lda. à sociedade comercial [SCom05...] – SGPS, S.A., mediante a celebração em 31.12.2015 do Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Quota, tal já decorre do ponto 1. da factualidade assente fixada pelo Tribunal a quo, de onde consta a celebração do sobredito contrato de compra e venda, não se mostrando necessário à decisão, por repetição, o aditamento de tal facto.
Pretende também o Recorrente que seja aditado que “A-2 não recebeu qualquer quantia a título de pagamento do preço das participações sociais alienadas à [SCom05...] – SGPS, S.A., através do Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Quota celebrado em 31/12/2015” - ponto A-2 alegado.
A par, pretende que seja considerado comprovado que “A - 5) no ano de 2015, a [SCom05...] – SGPS, S.A. não entregou nem colocou à disposição do Impugnante qualquer quantia a título de pagamento do preço das participações sociais alienadas pelo Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Quota celebrado em 31/12/2015;”
Ora, apesar de terem redacções distintas, os dois factos traduzem a mesma realidade fáctica, na medida em que o Recorrente pretende, essencialmente, que seja considerado comprovado que não recebeu qualquer quantia a título de pagamento do preço das participações sociais alienadas à [SCom05...] – SGPS, S.A., através do Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Quota celebrado em 31.12.2015, o que é o mesmo que dizer que “no ano de 2015, a [SCom05...] – SGPS, S.A. não entregou nem colocou à disposição do Impugnante qualquer quantia a título de pagamento do preço das participações sociais alienadas pelo Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Quota celebrado em 31/12/2015”.
No entanto, consideramos que dos documentos identificados para comprovar tal facto, relatório do procedimento inspectivo (doc. 3) e contrato de partilha parcial outorgado em 1.06.2015, (doc. 4), não resulta o invocado, ou seja, destes documentos não se consegue extrair que no ano de 2015 a [SCom05...] – SGPS, S.A. não entregou nem colocou à disposição do Recorrente qualquer quantia a título de pagamento do preço das participações sociais alienadas pelo Contrato de Compra e Venda de Acções e Cessão de Quota celebrado em 31.12.2015, não sendo assim possível aditar o facto pretendido.
Quanto aos pontos A-3) e A-4), e considerando que foi aditado oficiosamente por este Tribunal ao probatório o contrato de partilha outorgado entre o Recorrente e «BB», para a decisão da causa, estes factos, individualmente, não precisam de ser aditados ao acervo probatório.
Por último, e relativamente aos factos A-6) a A-8), consideramos não serem os mesmos relevantes para a decisão da causa.
Isto porque, em questão nos presentes autos está a alienação efectuada em 3.12.2015 por parte do aqui Recorrente das participações sociais que detinha em sede das sociedades comerciais [SCom01...], SA, [SCom02...], SA, [SCom03...], SA e [SCom04...], Lda. à [SCom05...] – SGPS, S.A., e não da alienação efectuada à [SCom05...] – SGPS, S.A. em 31.12.2011.
Nessa medida, também quanto a estes factos é de negar provimento ao solicitado.

2.4.2. Do erro de julgamento de direito
2.4.2.1 Do erro nos pressupostos de facto

O Tribunal a quo decidiu que se mostra irrelevante que o recebimento dos rendimentos auferidos pela alienação das participações sociais em 31.12.2015, por parte do Recorrente, não tenha ocorrido no ano de 2015, sendo pago em prestações nos anos posteriores, não havendo assim razões para deixar de aplicar a norma contida no artigo 10.º, n.ºs 1, alínea b) e n.º 3 do Código do IRS.
O Recorrente, discordando do assim decidido, vem invocar que em sede de mais- valias, deve atender-se ao rendimento efectivamente recebido num determinado ano e não o que resultaria da totalidade do valor convencionado, a liquidar em prestações nos anos seguintes, de modo que foi violado o artigo 43.º n.º 6 alínea d) do Código do IRS.
Vejamos.
O n.º 1 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares dispunha à data dos factos que “o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias seguintes, mesmo quando provenientes de atos ilícitos, depois de efetuadas as correspondentes deduções e abatimentos”
Acresce que, o artigo 9.º n.º 1 alínea a) do Código de IRS determinava que “1 - Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias: a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte”, estabelecendo o n.º 1 do artigo 10.º do Código de IRS que “Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: (…) b) Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, incluindo: (…)”, sendo que o n.º 3 do mesmo preceito legal prevê que “Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes: (…)”
Por último, decorria, do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do Código de IRS que “São tributados à taxa autónoma de 28%: c) O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 10.º;”
No caso presente, importa analisar para a justa composição do litígio o sentido que o legislador quis atribuir ao normativo aqui em análise (n.º 3 do artigo 10.º do Código do IRS), o mesmo é dizer, qual será a sua ratio legis, atendendo a que “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis” – cfr. n.º 1 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária.
Isto porque, de acordo com o disposto no artigo 9.º n.º 3 do Código Civil “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
A letra da lei é, naturalmente, o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, “desde logo, uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou, pelo menos, qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei”, sendo a letra da lei, o texto da norma, o limite da sua interpretação, conforme Baptista Machado (in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina Coimbra, 1990, pág. 182).
Ora, sendo consabido que o intérprete deve presumir que o legislador soube consagrar na lei o seu pensamento e não pode retirar do elemento literal aquilo que lá não consta, e, constatando-se que, como decorre do sobredito preceito (n.º 3 do artigo 10.º do Código do IRS), a tónica situa-se ao nível do momento da prática dos actos previstos no n.º 1 do mesmo preceito legal, isto é, ao nível do momento da alienação onerosa de partes sociais, impõe-se concluir que o momento da tributação ocorre aquando da celebração do contrato de alienação das participações sociais e não no momento do seu pagamento, seja este em prestações ou de imediato.
Com efeito, e nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, (in Código Civil Anotado, vol. 1º, 4ª edição, págs. 58 e 59) “o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal…”
Acresce que, como decidido no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 23.11.2022, proc. n.º 0788/09.3BELRS-A, (pese embora respeite a mais-valias pela venda de imóvel, não deixa de se reportar à interpretação do n.º 3 do artigo 10.º do Código de IRS, aqui em questão), “(…) para efeitos de mais-valias, no caso de contrato de compra e venda de um imóvel com pagamentos diferidos, os ganhos consideram-se obtidos no momento da celebração do contrato - artigo 10.º, n.º 3, do Código do IRS,” isto porque, “não faria sentido, em termos de técnica legislativa, que se comece por estabelecer um regime-regra, se enuncie depois expressamente três exceções e, depois se consagre que tal regra possa também ser afastada, mediante ilisão de uma presunção.” – fim de citação.
Retornando ao caso dos autos e como vertido na decisão recorrida, não se mostra “controvertida a alienação das participações sociais em causa na data da celebração do contrato em 31/12/2015 (cfr. ponto 1) do probatório) nem os valores de aquisição e realização apurados pela AT, que o Impugnante não coloca em causa, temos que a questão em dissídio se centra se o ganho tributário em sede de mais valias se verifica no momento da alienação das participações sociais ou no momento do encaixe financeiro, com o recebimento do valor de realização (preço).”
Ora, como decorre da factualidade assente, ponto 1., em 31.12.2015, o aqui Recorrente alienou partes sociais que detinha nas sociedades comerciais [SCom01...], S.A., [SCom02...], S.A., [SCom03...], S.A. e [SCom04...], Lda. à sociedade [SCom05...] – SGPS, S.A., mediante a outorga de contrato de compra e venda de acções e cessão de quota.
Nesta senda, e face ao que vem dito, impõe-se negar provimento ao presente recurso pois, tal como o Tribunal a quo decidiu, impõe-se concluir, “que se mostra irrelevante que o recebimento dos rendimentos auferidos pela alienação das participações sociais em 31/12/2015, por parte do Impugnante, não tenha ocorrido no ano de 2015, sendo pago em prestações nos anos posteriores, não havendo assim razões para deixar de aplicar a norma contida no artigo 10.º, n.ºs 1, alínea b) e n.º 3 do CIRS, quanto ao momento da realização das mais-valias, considerando-se então que o ganho por mais-valia é obtido no ano em que a operação de alienação da participação social seja realizada, in casu, em 31/12/2015, a isso não obstando as condições contratuais que as partes acordem quanto ao pagamento do valor de realização (preço)”.

2.4.3. Da inconstitucionalidade da interpretação do artigo 10.º, n.ºs 1, alínea b) e n.º 3

O Recorrente vem invocar que “padece de inconstitucionalidade por violação dos princípios da tributação do rendimento real efectivo, da proporcionalidade, do exagero e da capacidade contributiva, no termos do disposto nos artigos 104.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 4.º, n.º 1, 5.º, 7.º e 8.º da LGT, a interpretação do referido art.º 10.°, nºs 1, al. b) e 3 do CIRS como determinando que os rendimentos que constituem mais-valias consideram-se os auferidos no momento da prática do acto, ainda que não efetivamente auferidos nem postos à disposição do titular nesse ano”
Vejamos.
Apesar da alegação da violação dos princípios constitucionais da tributação do rendimento real efectivo, da proporcionalidade, do exagero e da capacidade contributiva, o Recorrente não logrou explanar as razões de facto e de direito que consubstanciam a sua alegação, o que se impunha.
Isto porque, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 639.º do CPC “Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) as normas jurídicas violadas; b) o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; (…)”
Tal, consagra a teoria da substanciação a respeito da causa de pedir, uma vez que é exigido que esta seja preenchida, integrada por factos concretos, susceptíveis de fundamentar o direito invocado, e não por meras qualificações jurídicas ou outros juízos de valor.
Como decidiu este Tribunal no Acórdão de 1.03.2019, proc. 02570/14.7BEBRG “Não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer violação de princípio ínsito em lei ordinária ou inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu. Com efeito, não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado”.
No mesmo sentido vide o decidido no Acórdão do STA de 20.09.2017, proc. n.º 0945/17.
Com efeito, e no caso dos presentes autos, o Recorrente não logrou apresentar as razões pelas quais considera verificar-se a violação dos princípios constitucionais alegados.
Nesta senda, improcede o alegado no que respeita à violação dos princípios da tributação do rendimento real efectivo, da proporcionalidade, do exagero e da capacidade contributiva, por omissão de substanciação no corpo de alegação.
Acresce que, mesmo que assim não se entendesse, sempre seria de negar provimento ao alegado, uma vez que, como bem referenciou o Tribunal a quo “o Tribunal Constitucional já decidiu “Não julgar inconstitucional a norma dos artigos 10.º, n.º 1 e 3 e alínea a) do n.º 4 e 44.º do CIRS (na redação do diploma em vigor à data do facto gerador de imposto), quando interpretadas no sentido de permitirem a tributação, no âmbito da categoria G do IRS, de rendimentos não percebidos ou postos à disposição do contribuinte;” - cfr. Acórdão n.º 100/2022, de 03/02/2022”


***

Nos termos do disposto no artigo 663.º nº 7 do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte SUMÁRIO:

I. Os factos essenciais são aqueles que integram a causa de pedir ou o fundamento da exceção e cuja falta determina a inviabilidade da ação ou da excepção, enquanto que os factos instrumentais, probatórios ou acessórios são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos.
II. São factos complementares e factos concretizadores aqueles cuja falta não constitui motivo de inviabilidade da ação ou da exceção, mas que participam de uma causa de pedir ou de uma exceção complexa e que, por isso, são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção
III. Nos termos do disposto no artigo 10.º n.º 3 do Código do IRS, para efeitos de mais-valias, no caso de alienação onerosa de partes sociais com pagamentos diferidos, os ganhos consideram-se obtidos no momento da celebração do contrato.
IV. Ao abrigo da teoria da substanciação prevista n.º 2 do artigo 639.º do CPC, a alegação tem que ser integrada por factos concretos, susceptíveis de fundamentar o direito invocado e não por meras qualificações jurídicas ou outros juízos de valor.

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3 – Decisão

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter a sentença recorrida.


Custas pelo Recorrente.
Porto, 28 de Novembro de 2024


Virgínia Andrade
Cristina da Nova
Serafim José da Silva Fernandes Carneiro