Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00447/20.6BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/05/2025
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:PAULA MOURA TEIXEIRA
Descritores:IVA, CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO DO IVA;
PRETERIÇÃO DE FORMALIDADES LEGAIS NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO;
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO;
Sumário:
I. Determinando o n.º 5 do art.º 45.º da LGT que se estiver a correr processo de impugnação judicial, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respetivas sentenças.

II. Quando o contribuinte inspecionado foi notificado da ordem de serviço/despacho que marca o início do procedimento, do projeto de conclusões do relatório de inspeção, a eventual falta de notificação da carta aviso degrada-se numa mera irregularidade, sem efeitos invalidantes.

III. Da interpretação conjugada dos art.ºs 268º, nº 3 da CRP e 77º da LGT, a fundamentação do ato tributário há-de ser expressa, clara, suficiente, congruente e contextual que permita ao destinatário do ato perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão.

IV. Nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT é à Administração que cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua atuação, e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos.

V. Da interpretação conjunta dos art.º 74.º da LGT e do art.º 240.º e 241.º do Código Civil, administração tributária não precisa de demonstrar acordo simulatório ou falsidade das faturas bastando-lhe evidenciar, indícios sérios, objetivos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada, de que as faturas não titularem operações reais.

VI. Ao abrigo da teoria da substanciação prevista n.º 2 do artigo 639.º do CPC, a alegação tem que ser integrada por factos concretos, suscetíveis de fundamentar o direito invocado e não por meras qualificações jurídicas ou outros juízos de valor.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, [SCom01...] LDA, NIPC n.º ...23, vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida da liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), e respetivos juros compensatórios, no valor global de € 1 209 261,94, referente ao quatro trimestre do exercício económico do ano 2015.

A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

1) O Juiz do Tribunal a quo deve conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada, sob pena de, não o fazendo, a Sentença ficar ferida de nulidade (artigo 120º, 125º do C.P.P.T. e 645º, nº 1, alínea d) do C.P.C.).
2) O Meritíssimo Juiz “a quo” incorreu em erro de julgamento e não apreciou todas as questões postas em crise pela impugnante, ora recorrente, e aquelas que apreciou, fê-lo, salvo o devido respeito, de forma errada e não fundamentada, sem conseguir dar respostas através dos factos e fundamentos de direito, o que só por si conduz ao vicio da nulidade da sentença recorrida.
3) São fundamentos do presente recurso:
a) Caducidade do Direito à liquidação do IVA;
b) Preterição de formalidades legais no procedimento administrativo tributário;
c) Falta de fundamentação legalmente exigível.
4) As liquidações adicionais de IVA referentes ao ano de 2015 foram emitidas apenas em 21 de Fevereiro de 2020, ou seja, consumando-se, assim, o prazo de caducidade do Direito à Liquidação daquele imposto referente a 2015 em 01 de Janeiro de 2020, conforme é referido na Douta Sentença a páginas 152.
5) Contudo, depois o Juiz do Tribunal a quo, salvo o devido respeito que é muito, faz uma má e errónea aplicação do Direito, e isto porque,
6) A Impugnante, aqui recorrente, [SCom01...], declarou a cessação de atividade e a sua extinção como pessoa coletiva foi registada em 30-05-2016. (Ponto C. e D. dos factos dados como provados).
7) Pelo que, à data de 3 de Outubro de 2016, quando a Impugnante foi alegadamente constituída arguida no Inquérito Criminal Nº ..3/1...IDAVR, já esta não existia desde 30-05-2016, pelo que tal procedimento criminal contra a Impugnante, aqui recorrente, foi imediatamente arquivado quanto à mesma em 2016.
8) Acresce que, à data do alegado início da ação inspetiva, 13-12-2016, (Ponto [L dos factos dados como provados), resulta de forma inequívoca que a Impugnante, aqui recorrente, já estava extinta nos termos do n.º2 do artigo 160º do Código das Sociedades Comerciais: “A sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162º a 164º, pelo registo do encerramento da liquidação.”
9) Pelo que, o prazo de caducidade para a liquidação dos tributos não ficou suspenso nos termos do disposto no nº 5 do artigo 45º da LGT, pela simples razão de não existir nenhum procedimento criminal contra a Sociedade “[SCom01...] — Unipessoal Lda.”, pelo simples facto de a mesma já ter sido extinta em 30-05- 2016.
10) Pelo que, a Autoridade Tributária e Aduaneira ao emitir as Liquidações adicionais de IVA — Ano 2015, em 21 de Fevereiro de 2020, manifestamente tais Liquidações foram emitidas fora de prazo, pois à data de 21 de Fevereiro de 2020 já não existia nenhum procedimento criminal contra a Impugnante, aqui recorrente, que tivesse a virtualidade de suspender o prazo de caducidade do Direito à liquidação.
11) Pelo que, uma vez arquivado o procedimento criminal contra a Impugnante, aqui recorrente, no Processo nº ..3/1...IDAVR é evidente que tal inquérito à data de 21 de Fevereiro de 2020, já não se encontrava pendente contra a Impugnante, aqui recorrente.
12) Pelo que, incorre em erro de Julgamento o Juiz do Tribunal à quo ao referir na página 153 da Douta Sentença, que o Inquérito Criminal contra a Impugnante, aqui recorrente, ainda se encontra pendente.
13) Pois, o mesmo já tinha sido arquivado, não existindo nenhum procedimento criminal pendente à data de hoje contra a aqui recorrente, [SCom01...], não devendo o Juiz do Tribunal a quo dar como provado o Ponto U, constante na página 141 da Douta Sentença, pois o procedimento criminal contra a impugnante, aqui recorrente foi arquivado.
14) E, de harmonia com o nº 5 do artigo 45º da LGT, aquele prazo de 4 anos “é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”.
15) Pelo que, não tem razão o Juiz do Tribunal a quo na página 153 da Douta Sentença ao julgar improcedente o vicio de caducidade das liquidações, pois à data da emissão das Liquidações adicionais de IVA em nome da Impugnante, aqui recorrente, em 21 de Fevereiro de 2020, já o procedimento criminal contra aquela tinha sido arquivado, por a mesma ter sido dissolvida e liquidada e registada a sua extinção em 30 de Maio de 2016.
16) Pelo que o Juiz do Tribunal a quo na página 153 da Douta Sentença devia ter Julgado totalmente procedente o vicio de caducidade das liquidações de IVA, ano de 2015.
17) Mais, no procedimento administrativo de Inspeção externa existe Preterição de Formalidades legais essenciais, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira estava obrigada a enviar uma "carta aviso”, na qual deveria mencionar o âmbito e extensão da inspeção e indicar os direitos, os deveres e garantias dos sujeitos passivos de harmonia com os artigos 49º e 50º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira.
18) E, aquando do início da ação de Inspeção, deveria ter sido entregue ao inspecionado, Sociedade [SCom01...], cópia da Ordem de Serviço que a determinou, devendo a Ordem de Serviço conter os seguintes elementos: a) O número de Ordem, data de emissão e identificação do serviço responsável pelo procedimento da inspeção; b) A identificação do funcionário ou funcionários e da entidade a inspecionar; c) O âmbito e a extensão da ação de inspeção (artigo 46º, nº 3 do RCPITA).
19) Ordem de serviço que devia ser assinada pelo sujeito passivo ou pelo seu representante legal, com a indicação da data, a qual, para todos os efeitos, determina o início do procedimento externo de Inspeção, como dispõe o artigo 51º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira.
20) Ora, a Impugnante, aqui recorrente, nunca recebeu uma carta-aviso, nem cópia da Ordem de Serviço que tenha determinado o início da ação inspetiva em 13- 12-2016 e ainda a Impugnante, não recebeu o Ofício com o Nº ...80, de 19/12/2016, de que a liquidação dos tributos foram suspensos nos termos do disposto no nº 5 do artigo 45º da Lei Geral Tributária. 21) E isto porque, como é notório e consta dos factos assentes na própria Douta Sentença que a empresa [SCom01...] declarou a cessação de atividade e a sua extinção foi registada em 30-05-2016.
22) Pelo que, não tem razão o Juiz do Tribunal a quo na página 153 e 154 da Douta Sentença ao referir que: “Mesmo não se encontrando demonstradas as entregas da carta aviso e da notificação respeitante à suspensão do prazo de caducidade, não pode deixar de se referir que a suspensão opera ope legis e não depende da efetiva receção por parte da destinatária. Por outro lado, a não receção da carta-aviso configura uma mera irregularidade sem efeitos invalidantes. ”
23) Ora, tal não é uma “mera irregularidade”.
24) No procedimento administrativo a Autoridade Tributária e Aduaneira está obrigada a enviar uma "carta aviso”, na qual deve mencionar o âmbito e extensão da inspeção e indicar os direitos, os deveres e garantias dos sujeitos passivos de harmonia com os artigos 49º e 50º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira.
25) Ordem de serviço que devia ser assinada pelo sujeito passivo ou pelo seu representante legal, com a indicação da data, a qual, para todos os efeitos, determina o início do procedimento externo de Inspeção, como dispõe o artigo 51º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira. Aliás, a Autoridade Tributária e Aduaneira nem notificou a impugnante, aqui recorrente, para exibir a sua contabilidade.
26) Pelo que, ao contrário do entendimento do Juiz do Tribunal a quo, não estamos perante “meras irregularidades” mas sim vícios patentes do procedimento administrativo tributário. 27) Mais, no caso sub judice, no Relatório Final da Inspeção Tributária apenas e só é alegado que foi instaurado Processo de Inquérito Criminal Nº ..3/1...IDAVR, mas sem referir ou indicar concretamente quais as faturas que constam do alegado “Inquérito Criminal o que não consubstancia uma correta fundamentação.
28) Assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira ao não solicitar, ao tempo, nos termos das alíneas d) e e) do nº 1 do artigo 63º da Lei Geral Tributária, documentos comprovativos de que as faturas em causa respeitam a “factos” relativamente ao quais foi instaurado Inquérito Criminal, não fez a prova dos “factos tributários”, como se exige no nº 5 do artigo 45º da Lei Geral Tributária.
29) Pelo que, no caso sub judice, sendo de 4 anos o prazo de caducidade do Direito do Estado à liquidação adicional do IVA em causa, bem como dos juros compensatórios, verifica-se que à data da emissão das liquidações adicionais de IVA da Impugnante, em 21 de Fevereiro de 2020, decorrera já o prazo de caducidade, uma vez que a operação tributária respeita a 2015 e o procedimento criminal contra a Impugnante foi arquivado, pelo que não teve a virtualidade de suspender absolutamente nada.
30) Portanto, no caso sub judice, o prazo do direito à liquidação do IVA do ano de 2015 extinguiu-se por caducidade.
31) Acresce que, verifica-se que ao tempo do alegado inicio da ação inspetiva, já a empresa “[SCom01...]- Unipessoal Lda.” estava extinta e liquidada na Conservatória do Registo Comercial desde 30 de Maio de 2016.
32) Pelo que, é manifesto que não pode ter os efeitos suspensivos previstos no artigo 46º, nº 1, da LGT, o mesmo sucedendo quanto ao presente litigio, nos termos do artigo 46º, nº 2, alínea a) da Lei Geral Tributária.
33) Pelo que, no caso sub judice, sendo de 4 anos o prazo de caducidade do Direito do Estado às liquidações adicionais de IVA em causa, verifica-se que à data da emissão das liquidações em 21 de Fevereiro de 2020, decorrera já o prazo de caducidade, uma vez que a operação tributária respeita a 2015.
34) Sendo certo que ocorreu a caducidade do direito à liquidação, IVA do ano 2015, porque no caso dos autos não se aplica o disposto no artigo 45º, nº 5, da LGT (segundo o qual, sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo normal, de 4 anos, a que se refere o nº 1, é alargado até ao arquivamento ou ao trânsito em julgado da sentença), na medida em que aqui Impugnante não é arguida no Procedimento Criminal Nº ..3/1...IDAVR, pois o mesmo foi arquivado contra ela, aliás o mesmo só terá sido instaurado em 2016, desconhecendo completamente o seu objeto; além disso, ainda que existisse tal inquérito, a Autoridade Tributária ao tempo não fez a prova como lhe competia, de que tal processo diz respeito aos mesmos factos em discussão nos presentes autos, relativos ao ano de 2015.
35) Assim sendo, é manifesto que a Autoridade Tributária e Aduaneira, ao tempo, não logrou provar que existe identidade entre os factos subjacentes aos presentes autos (faturas de 2015) e os factos que fundam a investigação no alegado Processo de Inquérito Criminal Nº ..3/1...IDAVR, pelo que não há qualquer suspensão do prazo de caducidade.
36) E, em consequência, conclui-se que não é de aplicar ao caso dos autos a extensão do prazo de caducidade prevista no artigo 45º, nº5, da LGT,, até porque a Sociedade “[SCom01...] Lda.” extinguiu-se em 30 de Maio de 2016, tendo sido arquivado o procedimento criminal contra ela.
37) Reitera-se, nos termos do artigo 45º, nº 1 e 4 da LGT, o prazo de caducidade é de 4 anos, e no caso de Liquidações de IVA referentes ao ano de 2015, na falta de facto que obstasse à sua verificação, o respetivo prazo extinguiu-se.
38) Mais, o nº 5 do artigo 45º da Lei Geral Tributária, exige que o direito à liquidação respeite a “factos” relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o que não se verifica no presente caso sub judice, porque não foi feita a prova através de Certidão Judicial de que respeita aos mesmos “factos”, sendo certo que relativamente à aqui Impugnante o procedimento criminal foi arquivado.
39) E se o direito à liquidação do IVA ano de 2015 já está caducado, deixa de ter utilidade a discussão acerca da legalidade do apuramento da matéria coletável que lhe serve de base.
40) Contudo, sem conceder, mas apenas por mera cautela processual, sempre se dirá que, caso sub judice é manifestamente insuficiente a fundamentação não só de facto, mas também de direito, ou meramente conclusiva, ou vagamente qualitativa dos factos não expressamente indicados que determinaram as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios relativas ao ano de 2015.
41) Assim, a carência de fundamentação dos actos de liquidação de IVA, ano 2015, é manifestamente insuficiente para determinar e tornar eficaz os actos de liquidação, pelo que estes violam o disposto nos artigos 77º, nº 1 da Lei Geral Tributária e artigo 268º, nº 3 da Constituição da Republica Portuguesa, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira não explica e não demonstra como é possível a impugnante vender 4.508.930,52 € se as suas compras não são verdadeiras!
42) A esta questão existe nitidamente falta de pronúncia do Juiz do Tribunal a quo.
43) A Autoridade Tributária e Aduaneira não procedeu a diligências junto da Impugnante, no sentido de confirmar a veracidade de tais operações económicas, “Deveria, designadamente, ter apurado se as mercadorias constantes das faturas em causa tinham dado entrada nas instalações da Impugnante, como se processavam as encomendas das mercadorias e o respectivo circuito, se os fornecimentos a que aludem as faturas têm ou não correspondência com o volume de negócios da Impugnante, a relação entre estes custos e os proveitos obtidos, das relações comerciais existentes entre sociedades emitente e utilizadora, sobre os meios de pagamento utilizados, etc.” (in, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em Porto, 7 de Novembro de 2019, no Recurso interposto no Processo de Impugnação Nº 807/08.0BEVIS, página 20 do Acórdão).
44) E, nesta conformidade, os alegados indícios recolhidos pela administração tributária, além de inexistentes nestes autos, não permitem suportar, objectivamente e à luz das regras da experiência comum, a conclusão a que a Inspeção Tributária chegou e na qual fez repousar a decisão de corrigir a matéria tributável da Impugnante. O que significa que a administração tributária não se desonerou do ónus que sobre si impendia de fundamentar a legalidade da sua actuação conducente às liquidações impugnadas.
45) Foram violados os artigos 8º, nº 2, alínea a), artigo 55º, 58º, 74º, nº 1, 77º, nº l e 2 e 98º da Lei Geral Tributária, artigos 103º, nº 3, 266º, nº 2 e 268º, nº 3 da Constituição da Republica Portuguesa, artigo 45º, nº1 e 115º, nº 1, 2 e 3 do C.P.P.T. e artigo 87º do Código do IVA e artigos 49º, 50º e 51º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira.

Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V.Exas., deverá o presente Recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, se revogue a DOUTA SENTENÇA recorrida, anulando-se por ilegal as liquidações de IVA, ano 2015, objecto dos autos, a bem da JUSTIÇA! (…)”

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no entendimento que sentença recorrida, não enfermava de qualquer patologia, que do ponto de vista da legalidade, determine ou justifiquem a sua revogação.

Atendendo a que o processo se encontra disponível em suporte informático, no SITAF, dispensa-se os vistos do Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, com o seu consentimento, submetendo-se à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos do artigo 608.º n.º 2, artigo 635.º, n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC, sendo as de saber se a sentença recorrida incorreu em: nulidade sentença, por omissão de pronúncia, e erro de julgamento de direito, consubstanciado (i) na caducidade do direito à liquidação, (ii) na preterição de formalidades legais, (iii) na falta de fundamentação do relatório do procedimento inspetivo, e, (iv) na inexistência de pressupostos, por violação do disposto nos artigos 55.º, 58.º, 77.º, n.ºs 1 e 2, 98.º, 99.º, todos da LGT, artigos 13.º, 45.º n.º 1, 98.º nº1 alínea b), todos do CPPT e artigo 13.º, 20.º, 266.º nº 2 e 268.º nº 3, todos da CRP.

3. JULGAMENTO DE FACTO
3.1. Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: “(…)
A. Em 28 de fevereiro de 2012 e mediante a apresentação n.º 198 foi registada sociedade “[SCom01...] Lda.”, com o objeto social de “fabricação de rolhas de cortiça e comércio por grosso de cortiça e seus derivados” e o capital de EUR 5.000,00.
[cfr. certidão do registo comercial integrante da peça n.º 004980231 do SITAF]
B. Em 15 de janeiro de 2016 foi determinado o envio de informação com vista à instauração de inquérito criminal por indícios de utilização e emissão de faturação falsa por parte de várias empresas, onde se inclui a “[SCom01...] Lda.” ao Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Santa Maria da Feira.
[cfr. proposta e despacho que constituem a peça n.º 005116238 do SITAF]
C. Em 30 de maio de 2016 foi registada a extinção imediata da sociedade “[SCom01...] Lda.”
[cfr. certidão do registo comercial integrante da peça n.º 004980231 do SITAF]
D. Na mesma data de 30 de maio de 2016 foi registado o cancelamento da matrícula da sociedade “[SCom01...] Lda.”
[cfr. certidão do registo comercial integrante da peça n.º 004980231 do SITAF]
E. Foi instaurado contra a Impugnante o processo de inquérito n.º ..3/1...IDAVR por “factos que integram a prática de crime de fraude fiscal agravada por utilização de faturas falsas (utilização e emissão) nos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016”
[cfr. informação prestada pelo ofício ...022 integrante da peça n.º 005115815 do SITAF]
F. No processo referido no facto precedente foi aquela constituída arguida em 3 de outubro de 2006
[cfr. informação prestada pelo ofício ...022 integrante da peça n.º 005115815 do SITAF]
G. A Impugnante foi alvo de procedimento inspetivo efetuado a coberto das ...822, ...47, ...48 e ...822 com referência aos exercícios de 2012, 2013, 2014 e 2015.
[cfr. emerge do relatório inspetivo constante da peça do SITAF n.º 004895483].
H. Em 6 de dezembro de 2016 foi elaborada a carta aviso n.º ...24, dirigida a “[SCom01...] Unipessoal Lda.” visando a sua notificação de que iria ser dado início à ação inspetiva credenciada pelas ordens de serviço ...46, ...47 e ...48.
[cfr. do ofício constante da peça do SITAF n.º 004895499 - (fls. 9)].
I. Em 13 de dezembro de 2016 iniciou-se a ação inspetiva referida no facto precedente com a assinatura desta por «AA», seu representante na cessação.
[cfr. emerge do relatório inspetivo constante da peça do SITAF n.º 004895483 - ponto II.1 e assinatura das ordens de serviço constantes da peça do SITAF n.º 004895495 (fls. 41 a 44)].
J. Em 19 de dezembro de 2016 foi elaborado o ofício ...80 dirigido a «AA» com o seguinte teor:
“Fica V. Ex., por este meio, notificado de que se encontra suspenso o prazo de conclusão do procedimento de inspecção a decorrer no âmbito das Ordens de Serviço n.º ...22, ...46, ...47 e ...48, tendo igualmente sido alargado o prazo de caducidade para a liquidação dos tributos, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 5 da Lei Geral Tributária e artigo 36.º, n.º 5 do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária, em virtude ter sido instaurado Inquérito Criminal com o número de processo n° ..3/1...IDAVR, no qual se encontra indiciado da autoria e materialidade dos factos sob investigação.”
[cfr. ofício constante da peça do SITAF n.º 004895499 (fls. 2)].
K. O ofício referido no facto precedente foi expedido por via postal registada [cfr. registo postal constante da peça do SITAF n.º 004895499 (fls. 4)].
L. No âmbito do procedimento inspetivo anteriormente referido foram propostas correções técnicas de IVA para o ano de 2015 no valor de EUR 1.035.204,37
[cfr. emerge do relatório inspetivo constante da peça do SITAF n.º 004895483 e ss.].
M. O relatório inspetivo final foi elaborado em 22 de janeiro de 2020. [cfr. emerge do relatório inspetivo constante da peça do SITAF n.º 004895495].
N. Em 3 de fevereiro de 2020 foi elaborado o ofício n.º ...80 dirigido a «AA» visando a sua notificação do relatório final de inspeção tributária e nota de diligência
[cfr. ofício constante da peça do SITAF n.º 004895495 - fls. 27 daquela].
O. O ofício referido no facto precedente foi expedido por via postal registada com aviso de receção, sendo a missiva rececionada em 13 de fevereiro de 2020.
[cfr. registo e aviso de receção constantes da peça do SITAF n.º 004895495 - fls. 28 e 39 daquela].
P. As correções anteriormente referidas foram sustentadas nos seguintes termos:
“(...)
Ao abrigo do disposto no artigo 663.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 679.º do mesmo Código, dá-se aqui por reproduzido o facto dado como provado em primeira instância.
[cfr. emerge do relatório inspetivo constante das peças do SITAF n.º 004895483, 004895487, 004895489, 004895491, 004895493 e 004895495].
Q. Em 21 de fevereiro de 2020 e na sequência do sancionamento hierárquico da proposta constante do facto precedente, foram emitidas em nome da «[SCom01...] Lda» as seguintes liquidações de IVA respeitantes ao ano de 2015 e cujo lançamento na conta corrente originou a emissão de notas de cobrança com os seguintes prazos de pagamento:
PeríodoNaturezaValor (EUR)Data-limite pagamento
201503TIVA175.136,722020-04-13
201506TIVA183.212,012020-04-13
201509TIVA249.174,082020-04-13
201512TIVA427.334,052020-04-13
201503TJ. Compensatórios32.877,722020-04-13
201506TJ. Compensatórios32.506,322020-04-13
201509TJ. Compensatórios41.724,712020-04-13
201512TJ. Compensatórios67.296,332020-04-13
Total1.209.261,94
[cfr. liquidações e notas de cobrança constantes da peça do SITAF n.º 004851755]
R. Em 13 de julho de 2020 foi apresentada a presente impugnação das liquidações referentes no facto precedente junto do Serviço de Finanças ...
[cfr. ofício do SF constante da peça do SITAF n.º 004940760]
S. A Impugnante não foi notificada do teor integral dos relatórios inspetivos finais elaborados na sequência das ações inspetivas que visavam “[SCom02...]”, “[SCom03...]”, “[SCom04...]” e “[SCom05...]”
[facto incontrovertido]
T. A Impugnante contabilizou as faturas emitidas por “[SCom02...]”, “[SCom03...]”, “[SCom04...]” e “[SCom05...]”, deduzindo o respetivo IVA nas declarações periódicas daquele imposto respeitantes a 2015.
[facto incontrovertido]
U. O inquérito criminal ..3/1...IDAVR encontra-se nesta data ainda pendente
[cfr. resulta do teor dos ofícios n.º ...022 constante da peça do SITAF n.º 005115815 e n.º 126313989 de 07/03/2023 constante da peça do SITAF 005134352]

Atenta a conformação da instância pelas partes, nomeadamente no que respeita aos pedidos e causas de pedir, não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão a proferir.
Nomeadamente não se provou que:
V. A missiva referida no facto «H» tenha sido expedida por via postal registada
[embora o referido ofício tenha aposta a menção “registada” e dele conste a menção manual a “...61...”, do procedimento administrativo não consta o talão de apresentação emitido pelos serviços postais]
W. A missiva referida no facto «J» tenha sido rececionada pela Impugnante
[embora o referido ofício tenha sido expedido por via postal registada não consta do procedimento administrativo qualquer documento comprovativo da sua efetiva receção como o recibo de entrega ou print extraído dos CTT atestando o destino da correspondência]

Motivação da matéria de facto:
No que respeita à fundamentação, a convicção do Tribunal baseou-se essencialmente numa apreciação crítica [artigos 396.° do Código Civil e 607.°, n.º 5 do CPC, ex vi do art.º 2.° do CPPT], e à luz das regras da experiência comum, do exame da globalidade dos documentos juntos aos autos, incluindo os constantes do procedimento administrativo inserto no SITAF (com mais de 2.000 de páginas) não impugnados.
A convicção do Tribunal resultou da sua análise em conjunto, independentemente de poderem não ter suportado diretamente qualquer facto levado ao probatório, de harmonia com as menções constantes no fim de cada um dos factos assentes.
Neste domínio importa também salientar que as partes prescindiram da inquirição das testemunhas arroladas.
No que concerne ao ónus da prova e sua repartição, tal matéria será objeto de desenvolvimento adiante. (…)”

3.2. Nos termos do art.º 662.º do CPC, e por nos autos constar elementos que o habilitam, procede-se à reformulação do facto U. o qual passa a ter a seguinte redação:

U. Por ofício com a referência ...22, datado de 13.01.2023, dirigido ao processo n.º ..7/2...BEAVR, emitido por ordem da Ministério Público- Procuradoria da República da Comarca de Aveiro- Departamento de Investigação de Ação Penal ... Secção de Santa Maria, e a instância do TAF de Aveiro, foi informado que “ Vimos pelo presente informar V. Exª que a [SCom01...] é arguida nestes autos por factos que integram a prática de crime de fraude fiscal agravada por utilização de faturas falsas (utilização emissão) nos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016.
A constituição de arguido ocorreu em 3 de outubro de 2016, assim como o seu gerente «AA». A referida empresa tem a matrícula cancelada na conservatória.
Ainda não foi proferido despacho final nos presentes autos.(…)”
[ cfr. ofícios n.º ...022 constante da peça do SITAF n.º 005115815 e n.º 126313989 de 07/03/2023 constante da peça do SITAF 005134352].

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. A Recorrente alega nas suas alegações que o Juiz do Tribunal a quo deve conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada, sob pena de, não o fazendo, a sentença ficar ferida de nulidade (artigo 120º, 125º do CPPT. e 645º, nº 1, alínea d) do CPC). E que incorreu em erro de julgamento e não apreciou todas as questões postas em crise pela Recorrente, e aquelas que apreciou, fê-lo, de forma errada e não fundamentada, sem conseguir dar respostas através dos factos e fundamentos de direito, o que só por si conduz ao vicio da nulidade da sentença recorrida.
Com efeito, nos termos da alínea d), do artigo art.º 615.º do CPC aplicável ao contencioso tributário por força da alínea e) do art.º 2 do CPPT, prevê a nulidade da sentença quando o juiz conheça ou não de questões de que não podia tomar conhecimento.
Quer a omissão quer o excesso de pronúncia estão relacionados com o dever que é imposto ao juiz, pelo n.º 2 do artigo 608. º do CPC, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, ressalvando aquelas que forem prejudicadas pela solução dada a outra não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A nulidade da sentença, por omissão de pronúncia verifica-se quando existe uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
É entendimento pacífico e reiterado da jurisprudência que a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
Portanto, a nulidade só ocorre nos casos em que o tribunal não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. (Cfr. acórdãos do STA n.ºs 574/11 de 13.07.2011 e 01200/12 de 12.02.2015 e do TCAN nos acórdãos n.ºs 01903/12.5 BEBRG de 26.09.2013, 1481/08.0BEBRG de 10.10.2013 e 02206/10.5BEBRG de 16.10.2014).
Como se consignou no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 20.15.2015, no processo 0116/14, “(…) importa recordar Alberto dos Reis, sobre o que deve entender-se pelo vocábulo «questões» inserto no art. 660º/agora 608º do CPC, “O juiz, para se orientar sobre os limites da sua actividade de conhecimento, deve tomar em consideração, antes de mais nada, as conclusões expressas nos articulados”, pois a função específica dos articulados consiste exactamente em fornecer ao juiz a delimitação nítida da controvérsia e é pelos articulados que o juiz há-de aperceber-se dos termos precisos do litígio e da «questão ou questões, substanciais ou processuais, que as partes apresentam ao juiz para que ele as resolva», sendo que para «caracterizar e delimitar, com todo o rigor, as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados; é necessário atender também aos fundamentos em que elas assentam. Por outras palavras: além dos pedidos, propriamente ditos, há que ter em conta a causa de pedir», não bastando «que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado: é necessário, além disso … que haja identidade entre a causa de pedir (causa petendi,) e a causa de julgar (causa judicandi)» devendo «anular-se, por vício de ultra petita, a sentença em que o juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que as partes, por via de acção ou de excepção, puseram na base das suas conclusões».
E, continua o ilustre mestre a «palavra “questões”, que se lê no art. 660º e no nº 4º do art. 668º ... designa não só o pedido, propriamente dito, mas também a causa de pedir. Desta maneira, quando o juiz julga procedente a acção com fundamento em causa de pedir diversa da alegada pelo autor, conhece de questão que o autor não submeteu à sua apreciação, isto é, de questão de que não devia tomar conhecimento, atento o disposto no art. 660º; a sentença, incorre, portanto, na nulidade prevista na 2ª parte do nº 4º do art. 668º. (...) Desde que a questão se caracteriza pelo pedido e pela causa de pedir, é claro que uma questão fundada em causa de pedir diversa da invocada pela parte … é questão diferente da que a parte submeteu ao conhecimento do tribunal...».(() Cfr. A. Reis, CPC Anotado, Vol. V, anotações ao art. 661º, pp. 53 e ss.) (…)“(destacado nosso).
No despacho de fundamentação preferido em 29.06.2023 o Tribunal a quo pronunciou-se defendendo que “… a omissão invocada não constitui “questão” que devesse ser apreciada, mas constitui um mero argumento de persuasão atinente à formação por parte do Tribunal da convicção quanto à materialidade daquelas operações e de conformidade das faturas com a realidade.
Mesmo que assim se entendesse, o cerne da questão não é tanto saber se foi adquirida aquela mercadoria, mas se aquela foi adquirida nos termos e a quem emitiu as faturas ou, pelo contrário, se estas são “faturas falsas” como, aliás, é referido no ofício de 13/01/2023 do DIAP (peça nº ...15 do SITAF) e onde se refere no que respeita ao inquérito ..3/1...IDAVR.
(…)
Resulta assim que tratando-se de “argumentação” e não de “questão”, com o respeito por eventual entendimento superior distinto inexiste qualquer omissão de pronúncia que torna sentença nula.”
Se bem entendemos a pretensão da Recorrente, refere que o Tribunal não se pronunciou sobre a fundamentação dos atos de liquidação de IVA, ano 2015, é manifestamente insuficiente para determinar e tornar eficaz os atos de liquidação pois a Autoridade Tributária e Aduaneira não explica e não demonstra como é possível a impugnante vender 4.508.930,52 € se as suas compras não são verdadeiras.
Com efeito, não se vislumbra nulidade da sentença por omissão de pronúncia, pois com bem refere o Tribunal a quo, o alegado mais não é do que um argumento e não uma questão a decidir que imponha uma pronúncia do juiz do Tribunal a quo.
Mesmo que assim não se considerasse, sempre seria de negar provimento pois na medida em que, como decorre da decisão recorrida, o Tribunal a quo pronunciou-se relativamente à questão.
Destarte, improcede a alegada nulidade de sentença.

4.2. A Recorrente nas conclusões 4) a 16) imputa erro de julgamento à sentença recorrida, uma vez que, as liquidações adicionais de IVA referentes ao ano de 2015 foram emitidas apenas em 21 de fevereiro de 2020, ou seja, consumando-se, assim, o prazo de caducidade em 01 de janeiro de 2020.
Vejamos.
As questões suscitadas nestes autos foram já objeto de recente acórdão deste TCAN, proferido no processo n.º 444/20.5BEAVR, em 30/04/2025, relatado pela 1.ª Adjunta neste acórdão, onde as partes e as questões a apreciar são idênticas assim como a sentença e respetivas alegações.
Por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolheremos a argumentação jurídica aduzida nesse acórdão desta Secção, que acompanharemos de perto.
“(…) Como se depreende do estatuído pelo artigo 298.º nº 2 do Código Civil, ex vi artigo 2.º alínea d) da Lei Geral Tributária, a caducidade é o instituto por via da qual os direitos, que, por força da lei ou por vontade das partes têm de exercer-se em determinado prazo, se extinguem pelo seu não exercício nesse prazo.
Como decorria à data do n.º 1 do artigo 94.º do Código do IVA Só pode ser liquidado imposto nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária.
Nesta senda, estatuía à data dos factos o n.º 1 do artigo 45.º da LGT queO direito de liquidar tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.
Por sua vez, o n.º 4º do mesmo normativo legal estatuía à data dos factos aqui em questão que “O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.”
Dos citados normativos resulta que, regra geral, o prazo de caducidade do direito à liquidação é de quatro anos (cfr. artigo 45.º n.º 1 da LGT) e conta-se, no caso do IVA, a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário (cfr. artigo 45.º, n.º 4, da LGT).(…)”.
No caso dos autos está em questão IVA relativo ao ano de 2015 (período de 1503, 1506, 1509 e 1512 ) (cfr. ponto L da matéria de facto provada) não tendo ocorrido qualquer causa de suspensão, o prazo de caducidade conta-se a partir de 01.01.2016 e terminava em 01.01.2020.
Prossegue o mesmo acórdão referindo que “(…) Acresce que, a contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação suspende-se com a notificação ao sujeito passivo da ordem de serviço ou do despacho determinante do início do procedimento de inspecção tributária, retomando-se a respectiva contagem no dia seguinte ao do termo do procedimento, excepto quando a duração do procedimento de inspecção tributária se prolongar para além dos seis meses, caso em que não se verifica o efeito suspensivo (cfr. artigo 46.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária).
Ademais e com o aditamento (entrado em vigor em 1.01.2006), ocorrido com a Lei n.º 60-A/2005 de 31.12 do n.º 5 do artigo 46.º da LGT, “Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”.
A ratio legis de tal normativo legal, funda-se no entendimento de que, encontrando-se a liquidação dependente de sentença a proferir no âmbito desse processo, tal liquidação não pode ficar prejudicada pela demora da decisão judicial. Para o efeito, alarga-se o prazo de caducidade até ao arquivamento do inquérito ou até ao trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano. (…) fim de citação.
A sentença recorrida refere “(…) Antes de se entrar no conhecimento do vício alegado importa fazer uma nota prévia:
A questão da personalidade tributária e judiciária da Impugnante encontra-se já decidida pelo venerando TCAN e por decisão transitada em julgado.
Ali foi considerado que a Impugnante, apesar de extinta tinha personalidade tributária pelo que, a argumentação que se estriba na sua inexistência não colhe.
Prosseguindo,
Afirmou doutamente o colendo STA, “a data relevante para os efeitos da aplicação do n.º 5 do art. 45.º da LGT é a da instauração do inquérito criminal e não aquela em que o contribuinte tomou conhecimento dessa instauração” [cfr. aresto proferido no processo 01477/13 de 21-10-2015, disponível em dgsi.pt].
Por outro lado, e conforme refere o colendo Tribunal, “não resulta, nem da letra, nem da teleologia da norma, que, para efeitos do alargamento do prazo de caducidade do direito à liquidação previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, seja exigível, a par de uma “identidade objectiva”, entre facto tributário e facto objecto de inquérito criminal, uma identidade subjectiva, entre o arguido ou agente e o sujeito passivo de imposto” [cfr. aresto proferido no processo 073/16 de 06-12-2017].
Assim, emerge a evidência de que a mera instauração de inquérito crime às sociedades emitentes / utilizadoras das faturas reputadas de falsas é suscetível de suspender o prazo de caducidade do imposto, independentemente do momento em que o sujeito passivo de imposto tenha sido constituído arguido.(…)” fim de citação.
E concluiu a sentença recorrida que o inquérito criminal n° ..3/1...IDAVR, foi instaurado no ano 2016, sendo a Impugnante/Recorrente ali constituída arguida em 03.10.2016, e que se encontrando ainda pendente, e que sendo as liquidações notificadas em 2020 foram efetuadas dentro do prazo de caducidade.
Resulta da matéria facto provada nos pontos G., H., e I, que a Impugnante/Recorrente foi alvo de procedimento inspetivo com referência aos exercícios de 2012, 2013, 2014 e 2015. E em 6 de dezembro de 2016 foi elaborada a carta aviso n.º ...24, dirigida a “[SCom01...] Unipessoal Lda.” visando a sua notificação de que iria ser dado início à ação inspetiva credenciada pelas ordens de serviço ...46, ...47 e ...48, e em 13.12.2016 iniciou-se a ação inspetiva.
Consta ainda da matéria provada nos pontos E, F, J. e K. que foi instaurado contra a Impugnante/Recorrente o processo de inquérito n.º ..3/1...IDAVR por “factos que integram a prática de crime de fraude fiscal agravada por utilização de faturas falsas (utilização e emissão) nos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016” tendo sido constituída arguida em 3 de outubro de 2006.
E que em 19.12.2016 foi notificado «AA» (Gerente da Recorrente) “que se encontra suspenso o prazo de conclusão do procedimento de inspecção a decorrer no âmbito das Ordens de Serviço n.º ...22, ...46, ...47 e ...48, tendo igualmente sido alargado o prazo de caducidade para a liquidação dos tributos, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 5 da Lei Geral Tributária e artigo 36.º, n.º 5 do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária, em virtude ter sido instaurado Inquérito Criminal com o número de processo n° ..3/1...IDAVR, no qual se encontra indiciado da autoria e materialidade dos factos sob investigação.”
Resulta ainda provado no ponto U., e neste acórdão reformulado, que em 13.01.2023, o inquérito criminal ..3/1...IDAVR encontra-se ainda pendente, e que anda não foi proferido despacho final nos presentes autos. Conforme resulta da informação prestada pelo Ministério Público- Procuradoria da República da Comarca de Aveiro- Departamento de Investigação de Ação Penal ... Secção de Santa Maria da Feira no processo de inquérito, a instâncias do Tribunal a quo e no âmbito do presente processo.
Ainda não tendo sido proferido despacho final no inquérito criminal ..3/1...IDAVR, por força do n. º5 do art.º 46.º da LGT o prazo de caducidade é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.
Tendo em 21.02.2020 sido emitidas as liquidações, objeto dos autos e em 13.07.2020 apresentada a impugnação judicial não ocorreu a caducidade, improcedendo nesta parte o recurso interposto.

4.3. Invoca a Recorrente nas conclusões 17) a 26) que nunca recebeu uma carta-aviso e ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, o não recebimento da carta aviso nãoestamos perante “meras irregularidades”, mas sim vícios patentes no procedimento administrativo tributário”.
Vejamos.
Retomando a fundamentação do acórdão que vimos seguindo nele consta o seguinte: “(…) O procedimento tributário compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários, designadamente: a) (…) fiscalização tributária” – cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 54.º da Lei Geral tributária.
Ora, é o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira que “regula o procedimento de inspeção tributária e aduaneira, (…), definindo, sem prejuízo de legislação especial, os princípios e as regras aplicáveis aos atos de inspeção” – cfr. artigo 1.º.
À luz do estatuído no artigo 37.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira, sob a epígrafe “Notificações e Informações” a “administração tributária notifica os sujeitos passivos e demais obrigados tributários nos termos e para os efeitos previstos na lei e ainda em virtude da sua colaboração no procedimento de inspecção.
2 - As notificações devem indicar a identificação do funcionário, os elementos pretendidos no âmbito do procedimento de inspecção, a fixação do prazo, local e hora de realização dos actos de inspecção, nos termos do n.º 3 do artigo 42.º, e informação sobre as consequências da violação do dever de cooperação do notificado.”
Nessa senda, o n.º 1 do artigo 49.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira estabelece que “O procedimento externo de inspecção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início”
Com efeito, tal regra decorre do disposto na alínea l) do n.º 3 do artigo 59.º da Lei Geral Tributária que estabelece que “A colaboração da administração tributária com os contribuintes compreende, designadamente: (…) L) a comunicação antecipada do início da inspecção da escrita, com a indicação do seu âmbito e extensão e dos direitos e deveres que assistem ao sujeito passivo” e ainda do n.º 2 do artigo 69.º do mesmo Diploma quando dispõe que “O início do procedimento dirigido ao apuramento de qualquer situação tributária é comunicado aos interessados, salvo quando a comunicação possa pôr em causa os efeitos úteis que visa prosseguir ou o procedimento incida sobre situações tributárias em que os interessados não estão ainda devidamente identificados”.
Por sua vez, a Ordem de Serviço tem de conter os elementos que constam no n.º 3 do artigo 46.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira.
No que respeita às notificações prosseguidas no âmbito do procedimento externo de inspecção, dispõe o n.º 1 do artigo 38.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira que “As notificações podem efectuar-se pessoalmente, no local em que o notificando for encontrado, ou por via postal através de carta registada”
Sendo que, “presumem-se notificados os sujeitos passivos e demais obrigados tributários contactados por carta registada e em que tenha havido devolução de carta remetida para o seu domicílio fiscal com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou de que o destinatário está ausente em parte incerta” – cfr. n.º 1 do artigo 43.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira
Quanto à notificação de pessoas colectivas prevê o artigo 40.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira que “a notificação de pessoa colectiva, ou entidade fiscalmente equiparada, na pessoa de empregado ou colaborador, far-se-á mediante a entrega do duplicado e a indicação que este deverá ser entregue a representante da pessoa colectiva”
Por último, determina o artigo 51.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira que “1 - Da ordem de serviço ou do despacho que determinou o procedimento de inspecção será, no início deste, entregue uma cópia ao sujeito passivo ou obrigado tributário, excepto nas situações previstas no n.º 6 do artigo 46.º
2 - O sujeito passivo ou obrigado tributário ou o seu representante deve assinar a ordem de serviço indicando a data da notificação, a qual, para todos os efeitos, determina o início do procedimento externo de inspecção.
3 - A ordem de serviço deve ser assinada pelo técnico oficial de contas ou qualquer empregado ou colaborador presente caso o sujeito passivo ou obrigado tributário ou o seu representante não se encontrem no local.” Fim de citação.
Nos presentes autos, na sentença recorrida entendeu-se o seguinte: “(…) Acresce que, ao contrário do que pretende, foi o seu representante na cessação notificado do início da ação inspetiva, assinando a respetiva ordem de serviço, como resulta da matéria de facto assente.
Por outro lado,
Mesmo não se encontrando demonstradas as entregas da carta-aviso e da notificação respeitante à suspensão do prazo de caducidade não pode deixar de se referir que a suspensão opera ope legis e não depende da efetiva receção por parte da destinatária.
Por outro lado, a não receção da carta-aviso configura uma mera irregularidade sem efeitos invalidantes.
Assim se conclui pela inverificação dos vícios apontados.
Termos em que, com os fundamentos de facto e de direito anteriormente referidos se julgam os vícios imputados de improcedentes.” Fim de citação.
Acompanhando novamente a fundamentação do acórdão deste TCAN, que vimos seguindo dele consta: “(…) Ora, como decorre da factualidade assente, ponto 49. [in casu H. I. e J.] os serviços da inspecção Tributária da Direcção de Finanças ... expediram carta-aviso dirigida ao representante legal da Recorrente comunicando o início do procedimento inspectivo.
Assim, não obstante, o envio da carta-envio, e tal como é dado conta na decisão recorrida, não resultou provado o envio de tal carta por meio de correio registado, verificando-se assim preterição da formalidade legal.
Ora, o princípio do aproveitamento do acto administrativo, consagrado no artigo 163.º n.º 5 do Código do Procedimento Administrativo, tem inserta a demonstração, inequívoca, nas especificas circunstâncias do caso, que o vício de que padece não implicaria uma alteração do seu conteúdo essencial, ou seja, quando seja seguro afirmar que o novo acto a emitir, livre desse vício, não poderia deixar de ter o mesmo conteúdo decisório que tinha o acto impugnado.
Parafraseando David Duarte, (in Procedimentalização, Participação e Fundamentação: para uma concretização do princípio da imparcialidade administrativa como parâmetro decisório, Almedina, Coimbra, 1996, páginas 222 e 223), “(…) são não essenciais as formalidades que, apesar de não praticadas, viram os seus objectivos atingidos por outro meio, onde há, portanto uma degradação da formalidade essencial em não essencial. A partir daqui resulta, como consequência, que a decisão poderá ser aproveitada, não sendo anulada se os interesses que a formalidade protegia foram salvaguardados por qualquer outro meio, voluntário ou não.”
Jurisprudencialmente tem-se entendido que não se justifica a anulação de um acto, “(…), quando a existência desse vício não se veio a traduzir numa lesão em concreto para o interessado cuja proteção a norma visa, designadamente, no caso de um vício procedimental, quando a sua ocorrência não teve qualquer reflexo no procedimento administrativo” – cfr. Acórdão do STA de 2007.05.22, proc. nº 0161/07.
In casu, como decorre dos pontos 3., 4., 50. a 53, [in casu . H. I. e J.] do acervo probatório, a Ordem de serviço foi assinada na pessoa do seu representante da cessação tal como o projeto de relatório de inspeção tributária, tendo inclusive a Recorrente exercido o seu direito de audição.
Nestes termos, não obstante, a não recepcção da carta-aviso, a Recorrente interveio no procedimento inspectivo, não se vislumbrando em que medida a preterição de tal formalidade penalizou a Recorrente face ao procedimento inspectivo, pois os seus direitos não foram cerceados.
Consequentemente, e no sentido da decisão recorrida, impõe-se concluir que se verifica uma degradação da formalidade essencial em não essencial, sem efeitos invalidantes do procedimento inspetivo face ao princípio do aproveitamento do acto administrativo, negando-se provimento ao alegado.
Relativamente à Ordem de Serviço, e como já aqui ficou dito, a mesma foi assinada pelo representante da cessação da Recorrente, como decorre do ponto 50, [in casu I.] da factualidade assente, não sendo de proceder de igual forma tal fundamento, por não verificado o erro de julgamento imputado à decisão recorrida. Fim de citação.
Transpondo a jurisprudência do citado acórdão, nesta conformidade não se verifica o erro de julgamento imputado.

4.4. Nas conclusões 40) e 41) alega que a carência de fundamentação dos atos de liquidação de IVA, ano 2015, é manifestamente insuficiente para determinar e tornar eficaz os atos de liquidação, pelo que estes violam o disposto nos artigos 77º, nº 1 da Lei Geral Tributária e artigo 268º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira não explica e não demonstra como é possível a impugnante vender 4.508.930,52 € se as suas compras não são verdadeiras.
Vejamos:
Dispõe o nº 3 do art.º 268º, da CRP, que: [o]s actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
Por sua vez, o art.º 77.º da LGT dispõe que “1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”.
Sendo essencial que dê a conhecer ao seu destinatário todo o percurso cognitivo e de valorativo dos pressupostos de facto e de direito que suportam a decisão ou os motivos por que se decidiu num determinado sentido.
As exigências de fundamentação variam de acordo com o tipo de ato e as circunstâncias concretas em que este foi proferido bastando-se, com a expressão clara das razões que levaram a determinada decisão, não tendo de reportar, a todos os factos considerados, vicissitudes ocorridas e a todas as ponderações feitas durante o procedimento que conduziu à decisão.
A fundamentação pressupõe, portanto, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, suficiente para sustentar formalmente a decisão administrativa.
Trata-se de permitir ao destinatário normal a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão.
Sendo jurisprudência reiterada e consolidada dos tribunais superiores, nomeadamente do acórdão do STA n.º 060/10 de 06.10.2010, TCAN 00035/04 de 11.11.2004 vasta jurisprudência aí citada e 0190/06.3 BEVIS de 16.10.2014 entre outros.
Da interpretação conjugada dos art.ºs 268º, nº 3 da CRP e 77º da LGT, a fundamentação do ato tributário há-de ser expressa, clara, suficiente, congruente e contextual que permita ao destinatário do ato perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão.
A fundamentação do ato ter-se-á de procurar no relatório de inspeção tributária (RIT) que se encontra transcrito no ponto P. da matéria de facto provada.
Da sua leitura resulta uma extensa fundamentação da qual resulta sem margem para dúvidas que o ato se encontra formal e devidamente fundamentado.
No entanto, a par do dever de fundamentação formal, pode ainda falar-se em dever de fundamentação substancial, tendo este a ver com a questão da verificação dos pressupostos de facto e/ou de direito.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20.02.2019 (Processo: 0775/02.2BTVIS): “(…) Uma coisa é saber se a AT deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem distinta e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, 2003, pág. 231.).
Na verdade, as características exigidas quanto à fundamentação formal do acto tributário são distintas das exigidas para a chamada fundamentação substancial: à fundamentação formal interessa a enunciação dos motivos que determinaram o autor a proferir a decisão com um concreto conteúdo; à fundamentação material interessa a correspondência dos motivos enunciados com a realidade, bem como a sua suficiência para legitimar a actuação administrativa no caso concreto (ou seja, esta deve exprimir a real verificação dos pressupostos de facto invocados e a correcta interpretação e aplicação das normas indicadas como fundamento jurídico)”.
Portanto, quando se fala em fundamentação do ato, ter-se-á de atentar na dicotomia existente entre a sua vertente formal e a sua vertente substancial.
Como referido por Vieira de Andrade, in O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, Almedina, Coimbra, 2003, p. 231. “(…) A diferença entre a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação está, então, em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”.
Aplicando estes conceitos ao caso dos autos resulta da leitura e interpretação da petição inicial, que a Impugnante/Recorrente entende que o ato que pretende ver anulado, enferma do vício de violação de lei, não apenas pela violação expressa dos preceitos legais invocados, mas também e, cumulativamente, pela existência do vício de erro sobre os pressupostos de direito.
Consequentemente, no caso concreto, deveria o Mmº Juiz a quo, conhecer e pronunciar-se sobre o vício de erro sobre os pressupostos, independentemente da qualificação jurídica feita pela ora Recorrente (o que fez), pois esse mesmo vício foi claramente invocado na petição inicial e no recurso e o seu conhecimento não constituiria qualquer alteração da causa de pedir.
É pois, jurisprudência pacífica, e de longa data que "Deve o tribunal conhecer do vício de erro nos pressupostos de facto quando a alegação do recorrente a tal se reconduzir, ainda que erradamente o qualifique de vício de forma por falta de fundamentação." (acórdão do STA de 15.10.1996, no recurso nº 96.10.15).
Porém e como decorre das conclusões 43) e 44), a Recorrente questiona a fundamentação material do ato tributário, os alegados indícios recolhidos pela Administração Tributária, que entende inexistentes e que não permitem suportar, objetivamente e à luz das regras da experiência comum, a conclusão a que a Inspeção Tributária chegou e na qual fez repousar a decisão de corrigir a matéria tributável. O que significa que a Administração Tributária não se desonerou do ónus que sobre si impendia de fundamentar a legalidade da sua atuação conducente às liquidações impugnadas.
Consta da sentença recorrida que: “1.º passo: Apreciação da suficiência dos indícios:
Fazendo-se apelo à factualidade assente, emerge que a Inspeção Tributária considerou como indícios suficientes para que as faturas em causa não refletissem operações reais, pelo menos
nos termos por estas relevados:
(i) Os emitentes das faturas aqui em causa, “[SCom03...]”, “[SCom02...]”, “[SCom04...]” e “[SCom05...]” emitiram faturas no ano de 2015 em nome da Impugnante no valor de EUR 5.536.092,91 e correspondem à totalidade das compras declaradas pela Impugnante para aquele ano;
(ii) A Impugnante não detinha condições económicas (financeiras, de pessoal, maquinaria, instalações, etc.) para proceder à aquisição, transformação e venda de cortiça e rolhas naqueles montantes;
(iii) Existiam incongruências entre as quantidades supostamente adquiridas, transformadas, vendidos e os inventários declarados;
(iv) Existiam discrepâncias nos termos dos supostos transportes das mercadorias;
(v) A estrutura de custos da Impugnante era incongruente com os montantes envolvidos em operações económicas naqueles valores;
(vi) As ligações entre as empresas em causa, nomeadamente, com o contabilista certificado «BB»; (…)” Fim de citação
Analisados os indícios recolhidos pelos Serviços da Inspeção Tributária, na Recorrente, dúvidas não subsistem, à luz das regras da experiência comum, que representam indícios suficientes sérios e credíveis da simulação considerada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Conta ainda da sentença recorrida o seguinte:
“(…) A que acresce e no que tange a cada um dos emitentes das faturas:
(vii) Quanto à “[SCom03...]”:
a. O seu sócio-gerente era o referido «BB»;
b. A empresa tinha supostamente sede num prédio habitacional com rés-do-chão e três andares, situado em Rua sem saída, sem condições para carga, descarga e armazenamento de cortiça;
c. Não era conhecida na vizinhança;
d. “Justificou” a totalidade das suas aquisições com faturas emitidas por SP referenciado pela emissão de faturas falsas;
e. Foi apreendida documentação que apontava no sentido de cobrança de comissão pela emissão das faturas;
f. Esta não tinha condições económicas para vender à Impugnante em cerca de onze meses mais de 200 toneladas de apara, mais de mil toneladas de cortiça e quase três milhões e meio de rolhas, nem a Impugnante tinha condições para as adquirir, pesar e armazenar;
g. O circuito de transporte da mercadoria era inconsistente;
h. As faturas foram emitidas em data ulterior à nelas aposta como data de emissão e as guias de transporte em data posterior ao do suposto transporte.
(viii) Quanto à “[SCom02...]”:
a. O seu sócio-gerente era o referido «BB»;
b. A empresa tinha supostamente sede num prédio habitacional com rés-do-chão e três andares, situado em Rua sem saída, sem condições para carga, descarga e armazenamento de cortiça;
c. O armazém arrendado em dezembro de 2016 não tinha capacidade para na movimentação de mercadoria que seria suposto em função do volume de faturação e a vizinhança referiu que a movimentação era esparsa e em pouca quantidade;
d. Não possuía viaturas, máquinas ou empregados;
e. “Justificou” as compras com aquisições a sociedade que entre 2013 e 2016 faturou mais de 10 milhões de euros de IVA sem que lhe fosse conhecida estrutura empresarial;
f. Foi-lhe apreendida documentação que indicia cobrança de comissão pela emissão das faturas;
g. Esta não tinha condições económicas para vender à Impugnante em cerca de oito meses mais de 550 toneladas de apara, mais de 460 toneladas de cortiça e de 10 milhões de rolhas, nem a Impugnante tinha condições para as adquirir, pesar e armazenar;
h. A localização dos supostos transportes da mercadoria;
i. As guias de transporte foram emitidas após o transporte;
(ix) Quanto à “[SCom04...]”:
a. Tem como sócio “«BB»”;
b. A sede localiza-se no mesmo local das duas sociedades anteriores;
c. Com capital social de € 5.000,00, sem instalações próprias ou arrendadas, viaturas, máquinas ou empregados faturou em 10 meses mais de um milhão de euros;
d. “Justificou” as compras com aquisições a sociedade que entre 2013 e 2016 faturou mais de 10 milhões de euros de IVA sem que lhe fosse conhecida estrutura empresarial;
e. Esta não tinha condições económicas para vender à Impugnante em cerca de 12 dias cerca de 25 toneladas de apara, mais de 45 toneladas de cortiça e de 300 mil rolhas, nem a Impugnante tinha condições para as adquirir, pesar e armazenar;
f. A localização dos supostos transportes da mercadoria era incongruente;
g. As faturas foram emitidas em data ulterior à nelas aposta como data de emissão e as guias de transporte em data posterior ao do transporte.
(x) Quanto à “[SCom05...]”
a. A empresa tem histórico de ligação a empresas indiciadas por utilização e emissão de faturas falsas, encontrando-se em sistemático crédito de IVA apesar de laborar apenas em território nacional e inexistir investimento relevante em ativo fixo que o pudesse justificar;
b. Apresentava estrutura de custos incongruente com os valores movimentados, na medida em que os gastos com pessoal e fornecimentos e serviços externos têm peso diminuto, apesar desta se encontrar em setor com grande incorporação de mão-de-obra;
c. Aparenta apenas ter capacidade para atividade económica residual e não compatível com os avultados valores declarados;
d. Os movimentos bancários são de pequeno montante, ocorrendo esporadicamente depósitos de valor elevado que são levantados no próprio dia ou nos dias imediatamente seguintes;
e. “Justifica” 98% das suas aquisições com “faturas falsas”;
f. As transferências bancárias efetuadas para pagamento das faturas são seguidas de levantamento desses montantes deduzidos de 100 EUR;
g. As faturas foram emitidas em data ulterior à nelas aposta como data de emissão e as guias de transporte em data posterior ao do transporte.
h. Esta não tinha condições económicas para vender à Impugnante em cerca de 10 meses mais de 50 toneladas de apara, quase 80 toneladas de cortiça e 3 milhões de rolhas, nem a Impugnante tinha condições para as adquirir, pesar e armazenar. (…)” Fim de citação.
Antes de mais importa salientar que a Recorrente não põe em causa os indícios em que se sustentou a sentença recorrida.
Porém, os indícios recolhidos configuram elementos probatórios objetivos, que sugerem que poderemos estar perante a emissão de faturas que não tem subjacente operações reais efetivas, ou seja, não corresponderam qualquer transação de mercadoria.
E não se diga como alega a Recorrente que a AT não se desonerou do seu ónus que sobre si impendia.
Prevê o art.º 20º, n.º 1, do CIVA que: “Só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos (…) pelo sujeito passivo (…)
A Administração Tributária fundou a sua atuação no n.º 3 do art.º 19º CIVA não aceitando a dedução do IVA.
No caso em apreço como supra se referiu está em discussão as liquidações de IVA, e respetivos juros compensatórios do ano de 2015, no qual a Administração Fiscal não aceitou a dedução do IVA, em faturas, emitidas pelas sociedades: [SCom03...] Lda., [SCom02...] Unipessoal Lda., [SCom04...] Lda. e [SCom05...] Lda.
Dispõe o n.º 1, do art.º 74.° da LGT, que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
Sobre a administração recai o ónus de provar a ocorrência de factos de que deriva o direito à liquidação do IVA e o sujeito passivo terá o ónus de demonstrar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que se arroga a Administração.
É jurisprudência firmada do Supremo Tribunal Administrativo - cfr. acórdão 026635 de 17.04.2002 - no que concerne ao IVA recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado.
Neste sentido, entre outros, vide jurisprudência do STA nos acórdãos nº 0871/02 de 09.10.2002; 001483/02 de 20.11.2002; 001480/03 de 14.01.2004; 0241/03 de 30.04.2003, bem como a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo do Norte, nos acórdãos n.º 01834/04, de 24.01.2008; 00166/04, de 03.02.2005, 00167/04 de 04.11.2004 e 00143/04 de 11.11.2004, in www.dgsi.pt.
Isto por que é o sujeito passivo que se arroga ao direito à dedução e a administração fiscal põe em causa o facto tributário.
No entanto esta regra só funciona após a Administração ter invocado a existência de indícios fundados de que o facto tributário não ocorreu.
Como consta do acórdão n.º 026635 de 17.04.2002, “ a lei basta-se com um juízo administrativo de adequação entre os factos e valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida, e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei.(…)”
Com efeito, nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT é à Administração que cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua atuação, e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos.
Não obstante vigorar o princípio da veracidade da contabilidade, nos termos do art.º 75.º da LGT, tal presunção cessa, quando “...embora a escrita ou contabilidade esteja organizada de acordo com a lei, enferme de erros ou inexactidões, ou haja, indícios fundados de que apesar da sua correcta organização, não reflecte a matéria tributável efectiva” – como refere o acórdão do STA - Pleno da Secção do CT, Recurso nº 01026/02, de 07.05.2003.
Refere este acórdão que: Tendo a Administração Fiscal, por considerar não se terem efectivamente realizado as operações consubstanciadas em determinadas facturas, existentes na escrita do contribuinte, obstado à dedução do IVA que daquelas facturas consta, ao abrigo do disposto no artigo 19º nº 3 do CIVA, cabe ao contribuinte, no processo em que impugne a actuação da Administração, a prova dos pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”
Prossegue o mesmo acórdão dizendo que: “…. é aquele que correntemente se vem chamando de “facturas falsas”, isto é, a contabilidade considera (e trata de forma contabilisticamente correcta) documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem, na verdade, não tiveram lugar.
E, aqui, a lei não exige senão “indícios fundados”, ou seja, não impõe à Administração a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este, desprovido do escudo protector da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respectivos suportes, destarte posta em crise, face àqueles “fundados indícios”. (destacado nosso).
Importa referir ainda que se tem entendido de forma pacífica e uniforme pela jurisprudência, que “(…)não será necessário que a AT prove os pressupostos da simulação previstos no art. 240º do Código Civil (a existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros), sendo bastante a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios, objectivos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada, de que as facturas não titulam operações reais, pois de contrário seria praticamente impossível atingir o objectivo legal de tributação do rendimento real e de combate à fraude fiscal. (Acórdão do TCAN no processo n.º 2887/04-Viseu de 24.01.2008).
Nesta conformidade, da interpretação conjunta dos art.º 74.º da LGT e do art.º 240.º e 241.º do Código Civil, administração tributária não precisa de demonstrar acordo simulatório ou falsidade das faturas bastando-lhe evidenciar, indícios sérios, objetivos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada, de que as faturas não titularem operações reais.
No caso em apreço a sentença recorrida considerou que atendendo aos elementos apurados em sede de inspeção entre si conjugados, que a Administração Fiscal fez prova dos pressupostos legais que legitimam a correção e subsequente liquidação impugnada.
Nesta conformidade, a sentença recorrida não nos merece censura, uma vez que, fez um julgamento sério e ponderado dos indícios recolhidos pela Administração Fiscal constantes do relatório.
Por fim, há ainda que referir que se atentarmos nas alegações de recurso 41) e 43), são a transcrição Ipsi verbis das alegações 102ª e 103ª da petição inicial, sem qualquer preocupação de atacar ou contradizer o que foi decidido na sentença recorrida.
Destarte, improcede a pretensão da Recorrente.

4.5. A Recorrente na conclusão 45) invoca a violação do art.º 8º, n. º2, disposto nos artigos 55.º, 58.º, 77.º, n.ºs 1 e 2, 98.º, 99.º, todos da Lei Geral Tributária, artigos 13.º, 45.º n.º 1, 98.º nº1 alínea b), todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 13.º, 20.º, 266.º nº 2 e 268.º nº 3, todos da Constituição da República Portuguesa.
Apreciando.
Retomando a fundamentação do acórdão que vimos acompanhar, dele consta o seguinte: “(…) Apesar da alegação da violação dos normativos supra identificados, assim como a violação dos princípios constitucionais da Princípio da igualdade, do Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, a Recorrente não logrou explanar as razões de facto e de direito que consubstanciam a sua alegação, o que se impunha.
Isto porque, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 639.º do Código do Processo Civil “Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) as normas jurídicas violadas; b) o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; (…)”
Tal, consagra a teoria da substanciação a respeito da causa de pedir, uma vez que é exigido que esta seja preenchida, integrada por factos concretos, susceptíveis de fundamentar o direito invocado, e não por meras qualificações jurídicas ou outros juízos de valor.
Como decidiu este Tribunal no Acórdão de 28.11.2024, proc. 1025/20.5BEPRT “Não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer violação de princípio ínsito em lei ordinária ou inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu. Com efeito, não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado”.
No mesmo sentido vide o decidido no Acórdão do STA de 20.09.2017, proc. n.º 0945/17.
Com efeito, e no caso dos presentes autos, a Recorrente não logrou apresentar as razões pelas quais considera verificar-se a violação dos preceitos legais invocados, assim como a violação dos princípios constitucionais alegados.
Acresce que, como dispõe o n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.”
Parafraseando Rui Pinto (in Manual do Recurso Civil; Vol. I, AAFDL, Lisboa, 2020 pag. 293) “Dentro das alegações, há uma função lógica que apenas cabe às conclusões: individualizar o objeto do recurso, ao indicar o(s) fundamento(s) específico(s) da recorribilidade (cf. artigo 673.º nº 2) e, sendo o caso, o segmento decisório concretamente impugnado (cf. o artigo 635º nº 4). Daí ser pacífico o entendimento da jurisprudência de que é pelas conclusões que o recorrente delimita, efetivamente, o objeto do recurso. Simetricamente, a presença das conclusões permite a “viabilização do exercício do contraditório, de modo a não criar dificuldades acrescidas à posição da outra parte, privando-a de elementos importantes para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações” (STJ 26-5-2015/Proc.1426/08.7TCSNT.L1.S1 (HÉLDER ROQUE)”.
Com efeito, as conclusões devem (deveriam) corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação a alteração ou anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, (…)” – cfr. António Santos Abrantes Geraldes Geraldes, (in Recursos em processo civil”, 7ª Edição Atualizada, Almedina, pag. 186).
Nesta senda “as conclusões da motivação de recurso têm de habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, seja no plano de facto, seja no plano de direito e sempre com a formulação das conclusões que resumem as razões do pedido. Assim, o ónus de concluir obtém-se pela indicação resumida dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da sentença ou despacho. Mais simplesmente, as conclusões traduzem uma enunciação abreviada dos fundamentos do recurso, que devem ser congruentes, claros e precisos. É que, “no contexto da alegação o recorrente procura demonstrar esta tese: que o despacho ou sentença deve ser revogado, no todo ou em parte. É claro que a demonstração desta tese implica a produção de razões ou fundamentos.” – cfr. Acórdão do Tribunal da relação de Lisboa de 26.10.2023, proc. n.º 3945/20.8T8ALM.L1-2.
No caso presente, a Recorrente, mais não faz do que invocar a violação de tais normativos, sem atender, para os devidos efeitos ao que decorre da decisão recorrida, olvidando o ónus que resulta do disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil.
Nesta senda, improcede o alegado no que respeita à violação do disposto nos artigos 55.º, 58.º, 77.º, n.ºs 1 e 2, 98.º, 99.º, todos da Lei Geral Tributária, artigos 13.º, 45.º n.º 1, 98.º nº1 alínea b), todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 13.º, 20.º, 266.º nº 2 e 268.º nº 3, todos da Constituição da República Portuguesa. (…)”Fim de citação.
Transpondo para os presentes autos a citada jurisprudência as alegadas violações de lei terão de improceder.
Nesta conformidade, improcede o alegado vicio de erro de julgamento.

4.2. E assim formulamos as seguintes conclusões:
I. Determinando o n.º 5 do art.º 45.º da LGT que se estiver a correr processo de impugnação judicial, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respetivas sentenças.
II. Quando o contribuinte inspecionado foi notificado da ordem de serviço/despacho que marca o início do procedimento, do projeto de conclusões do relatório de inspeção, a eventual falta de notificação da carta aviso degrada-se numa mera irregularidade, sem efeitos invalidantes.
III. Da interpretação conjugada dos art.ºs 268º, nº 3 da CRP e 77º da LGT, a fundamentação do ato tributário há-de ser expressa, clara, suficiente, congruente e contextual que permita ao destinatário do ato perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão.
IV. Nos termos do n.º 1 do art.º 74.º da LGT é à Administração que cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua atuação, e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos.
V. Da interpretação conjunta dos art.º 74.º da LGT e do art.º 240.º e 241.º do Código Civil, administração tributária não precisa de demonstrar acordo simulatório ou falsidade das faturas bastando-lhe evidenciar, indícios sérios, objetivos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada, de que as faturas não titularem operações reais.
VI. Ao abrigo da teoria da substanciação prevista n.º 2 do artigo 639.º do CPC, a alegação tem que ser integrada por factos concretos, suscetíveis de fundamentar o direito invocado e não por meras qualificações jurídicas ou outros juízos de valor.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, negar provimento ao recurso, mantendo-se sentença recorrida, na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente termos dos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

Remeta-se cópia certificada do presente Acórdão ao processo de inquérito n.º ..3/1...IDAVR que corre termos no DIAP - ... Secção de Santa Maria da Feira.
Porto, 05 de junho de 2025

Paula Maria Dias de Moura Teixeira (Relatora)
Virgínia Andrade (1.ª Adjunta)
Cristina da Nova (2.º Adjunta)