Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00695/19.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/09/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:FGS; PERÍODO DE REFERÊNCIA;
Sumário:1 – O Fundo de Garantia Salarial, assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referidos no artigo 2º anterior – artº 319º/1 da Lei 35/2004.

2 – Resulta do art. 317º da Lei nº 35/2004 (Regulamento do Código do Trabalho) que «O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes».
Por outro lado, estabelece o art. 318º, nº1 do mesmo diploma que «O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente».
Complementarmente, refere o art.319º que «O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.° que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior (n° 1).

3 - À luz do regime introduzido pelo DL n° 59/2015 (Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial), é exigida a verificação cumulativa dos requisitos estabelecidos para que o FGS possa assegurar o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação e cessação (Cfr. arts. 1º e 2º do DL n° 59/2015).
Com efeito, para que o referido regime possa operar importa que se mostrem preenchidos, no caso, os seguintes pressupostos:
a) Seja a entidade empregadora judicialmente declarada insolvente;
b) Que os créditos emergentes do contrato de trabalho se tenham vencido nos seis meses anteriores à data da propositura da ação (Cfr. art° 2°, n°4, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial aprovado pelo DL n° 59/2015).

4 – O FGS assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecederam a data da propositura da ação de insolvência, sendo que para esse efeito, importa, apenas, a data do vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na ação intentada com vista ao seu reconhecimento judicial, ou a data do seu reconhecimento no processo de insolvência.

5 – Em concreto, resultando dos factos dados como provados que os créditos laborais se venceram com a cessação do contrato de trabalho, em 20-11-2016, e que a Ação de insolvência foi proposta em 25-05-2017, é manifesto que os créditos reclamados estão fora do período de referência (seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência - entre 25.11.2016 e 25.05.2017).*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:N
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I Relatório

N. no âmbito da Ação Administrativa intentada contra o Fundo de Garantia Salarial, tendente, em síntese, à impugnação “do despacho proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, em 26.12.2018, o qual indeferiu o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho”, inconformada com a Sentença proferida no TAF de Braga em 31 de Janeiro de 2020, que julgou a “improcedente a presente ação administrativa”, veio interpor recurso jurisdicional da mesma.

Assim, no referido Recurso jurisdicional interposto pelo Autor em 3 de março de 2020, foram formuladas as seguintes conclusões:

“1- A douta sentença recorrida julgou improcedente a ação interposta pela aqui recorrente e absolveu o R. do pedido formulado, contudo a aqui recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, pelos fundamentos que se passarão a expor.
2- Refere o Tribunal a quo ter ficando provada a seguinte matéria de facto:
A) A Autora foi trabalhadora de A., tendo o respetivo contrato de trabalho cessado em 20.11.2016 (cf. fls. 9 e 10 do processo administrativo – pág. 168 do Sitaf);
B) Em 30.08.2017, a Autora intentou contra A. ação de processo comum, que correu termos no Juízo do Trabalho de Viana do Castelo - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, com o n.º 2738/17.4T8VCT, na qual, em 14.10.2017, foi proferida sentença que condenou A. a pagar à Autora a quantia de € 5.503,84, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal, até efetivo pagamento (cf. docs. n.ºs 1 e 2 juntos com a petição inicial – fls. 8 a 24/verso do processo físico);
C) Em 10.01.2018, a Autora instaurou ação executiva para execução da sentença referida na alínea B), que correu termos no Juízo do Trabalho de Viana do Castelo - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, com o n.º 2738/17.4T8VCT.1, tendo, em 05.02.2018, sido proferida sentença com o seguinte teor:
“O executado foi declarado em estado de insolvência, por sentença transitada em julgado.
Após aquela declaração, as execuções se não for requerida a apensação – como sucedeu no caso destes autos – devem ser declaradas extintas por impossibilidade superveniente.
Com efeito, os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com o C.I.R.E e durante a pendência do processo de insolvência - artigo 90º daquele Código. Nestes termos, declara-se extinta a instância executiva. Custas pelo executado.”
(cf. docs. n.ºs 3 e 4 juntos com a petição inicial – fls. 25 a 29 do processo físico);
D) Em 25.05.2017, foi instaurada ação de insolvência de A., que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Ponte de Lima - Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, com o n.º 384/17.1T8PLT, tendo, em 22.06.2017, sido proferida sentença de declaração de insolvência do mesmo (cf. fls. 5 e 8 do processo administrativo – pág. 168 do Sitaf);
E) Em 19.02.2018, a Autora dirigiu ao processo referido na alínea D) ação para verificação ulterior de créditos (cf. doc. n.º 5 junto com a petição inicial – fls. 30 a 55/verso do processo físico);
F) Em 04.10.2018, a Administradora Judicial nomeada no processo referido na alínea D), declarou que, no mesmo processo, tem a Autora um crédito reconhecido no montante de € 5.503,84 (cf. fls. 5 do processo administrativo e doc. n.º 6 junto com a petição inicial – fls. 63 do processo físico);
G) Em 11.10.2018, a Autora requereu ao Réu o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, relativos a horas extraordinárias, 16 dias de férias, subsídio de férias proporcionais, subsídio de Natal proporcionais, indemnização e formação profissional, no montante global de € 5.503,84 (cf. doc. n.º 7 junto com a petição inicial – fls. 61 e 62 do processo físico e fls. 1 e 1/verso do processo administrativo – pág. 168 do Sitaf);
H) O Réu dirigiu ofício à Autora, datado de 16.01.2019, no qual informa ter indeferido o requerimento apresentado pela Autora referido na alínea G), com o teor seguinte:
(Dá-se por reproduzido Documento Fac-similado)
(cf. doc. n.º 8 junto com a petição inicial – fls. 65 e 65/verso do processo físico e fls. 12 e 12/verso do processo administrativo – pág. 168 do Sitaf).
3- Para formar a sua convicção o Tribunal a quo vem dizer o seguinte: “Para que o Fundo de Garantia Salarial assegure o pagamento de créditos laborais terá de verificar-se a prévia instauração de uma ação de insolvência, ou de um processo especial de revitalização ou, ainda, de um procedimento extrajudicial de recuperação de empresas e, verificar-se, cumulativamente, o vencimento dos créditos nos seis meses anteriores à data da instauração de tal ação ou procedimento. “
4- E ainda o seguinte: “Para esse efeito, importa, apenas, a data do vencimento dos créditos laborais, não estando aqui em causa a prescrição dos mesmos, como parece ter entendido a Autora. “
5- Ora, um dos fundamentos apresentados para a decisão de indeferimento do requerimento para pagamento dos créditos laborais através do fundo de garantia salarial apresentado pela recorrente foi de que o prazo de 1 ano para requerer o pagamento através do Fundo ter sido ultrapassado.
6- Face a tal fundamento, a recorrente apresentou argumentos para demonstrar a interrupção da prescrição, que não foram apreciados pelo tribunal, e sobre os quais a douta sentença não se pronunciou, apenas faz a referência de que “apenas importa a data do vencimento dos créditos laborais, não estando aqui em causa a prescrição dos mesmos, como parece ter entendido a Autora”
7- Ora a recorrente alegou na ação administrativa que havia celebrado contrato de trabalho com a entidade patronal A. e o mesmo cessou em 20/11/2016, tendo a recorrente interposto ação laboral em 30 de agosto de 2017, a qual correu os seus trâmites sob o processo 2738/17.4T8VCT- JUIZ 1, do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, juízo do trabalho, interrompendo assim o prazo prescricional de um ano.
8- A Administradora de Insolvência enviou em 4/10/2018 a declaração comprovativa dos créditos reconhecidos à aqui recorrente, pelo que apenas munida de tais elementos é que poderia apresentar requerimento para pagamento dos créditos laborais, através do Fundo de Garantia Salarial, o que fez, no dia 10 de outubro de 2018.
9- Alegou ainda a recorrente que foi notificada de que o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado foi indeferido, tendo como fundamentos o facto da ação de insolvência ter sido intentada em 25/05/2017, determinando o início do período de referência em 25/11/2016 e atenta a que o Contrato de Trabalho da requerente cessou em 20/11/2016, a mesma não apresentou o requerimento no prazo de 1 a partir do dia seguintes em que cessou o contrato
10- Quanto ao fundamento de que a recorrente não apresentou o requerimento no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte em que cessou o contrato de trabalho, a recorrente entende que a apresentação da ação laboral determinou a interrupção da prescrição dos créditos laborais, pois através dela o aqui reclamante exprimiu a intenção de exercer o direito, o que fez.
11- Tendo sido o requerimento para pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho, pelo Fundo de Garantia Salarial sido apresentado tempestivamente.
12- Assim, havendo a interrupção da prescrição, não existem fundamentos legais para que seja proferida decisão de indeferimento com base no fundamento de que o Contrato de Trabalho cessou em 20/11/2016, e a mesma não apresentou o requerimento no prazo de 1 a partir do dia seguinte em que este cessou.
13- Ao não se pronunciar sobre a suscitada questão da interrupção da prescrição, a sentença infringiu o artigo 608.º-2, do CPC 2013, infração esta produtora da nulidade da sentença sob recurso (artigo 615.º-1-d), do CPC, violando ainda o artigo 608.º-2, do CPC, o que determina a nulidade de tal despacho, face ao comandado no artigo 615.º-1-d), do CPC.
14- Pelo que deverá, nos termos do art.º 665.º, n.º 1, do C.P.C., ser declarada a nulidade da sentença recorrida, sendo a mesma substituída por Acórdão que não padeça da imputada nulidade.
15- Além disso, a recorrente fundamentou ainda a sua pretensão no facto de ter sido proferido pelo Tribunal Constitucional, 1º Secção, em 27/06/2018, no âmbito do processo 555/2017, o Acórdão 328/2018, o qual veio julgar inconstitucional a norma contida no n.º 8 do artigo 2º do DL n.º 59/2015.
16- De acordo com o entendimento plasmado no identificado Acórdão do Tribunal Constitucional, o qual, em síntese decidiu que o artigo 2º, n.º 8 do Decreto-Lei n.º 59/2015, que define que o pagamento dos créditos laborais a cargo do FGS deve ser requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, não poderá ser interpretado no sentido de tal prazo não poder comportar a possibilidade de qualquer interrupção ou suspensão.
17- Entende a recorrente que a apresentação da ação laboral determinou a interrupção da prescrição dos créditos laborais e além disso, o Tribunal Constitucional, através da 1ª secção, proferiu em 27 de junho 2018, no âmbito do processo 555/2017, o Acórdão 328/2018, no qual veio declarar que é inconstitucional o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência.
18- Considerando aquele douto Acórdão que “a determinação de um prazo de caducidade de um direito sem se prever quaisquer causas de suspensão ou interrupção e prevendo-se, outrossim, a necessidade de requisitos, para o exercício do direito, que não está na mão do seu titular fazer preencher, de tal maneira que não está garantido que o seu titular possa ter oportunidade legal de exercer o seu direito dentro do prazo, não passa pelo crivo da consagração do estado de direito, na medida em que torna aleatórios e arbitrariamente subversíveis os pressupostos do exercido de um direito social reconhecido a todos os trabalhadores.”
19- Logo, encontra-se provado que a apresentação do requerimento para pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho junto do FGS foi tempestivo e desta forma, deveria ter sido proferida decisão de deferimento.
20- A lei n.º 71/2018 introduziu no art. 2 do decreto-lei n.º 59/2015, um n.º 9, no qual se refere que “o prazo previsto no número anterior suspende-se com a propositura de ação de insolvência, a apresentação do requerimento no processo especial de revitalização e com a apresentação do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas, até 30 dias após o trânsito em julgado da decisão prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 1º ou da data da decisão nas restantes situações”
21- Tendo assim ocorrido a interrupção do prazo da prescrição e considerando-se que o procedimento de recurso ao fundo de garantia salarial foi feito atempadamente, estão reunidos todos os pressupostos legais para a atribuição do mesmo, deve o pedido apresentado pela Recorrente ser deferido, por legal e tempestivo e ao decidir em contrário a sentença violou o disposto no artigo 323º do Código Civil
22- Por outro lado, prosseguindo com a fundamentação, o Tribunal a quo refere o seguinte:“ informa a factualidade assente que o contrato de trabalho da Autora cessou em 20.11.2016 [cf. alínea A) do probatório] e, em 25.05.2017, foi requerida a insolvência da entidade empregadora [cf. alínea D) do probatório]”.
23- Concluindo que : “ o período de referência de seis meses a que alude o n.º 4, artigo 2º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, situa-se entre 25.11.2016 e 25.05.2017, sendo que só os créditos laborais vencidos nesse período poderão ser concedidos. “ e desta forma, conclui o Tribunal a quo que “não compete ao Réu proceder ao pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho peticionados pela Autora. “
24- Quanto ao período de referência dos 6 meses anteriores à declaração de insolvência, também por ter ocorrido a interrupção da prescrição, sempre deverá o FGS assegurar ao trabalhador, em caso de incumprimento pelo empregador judicialmente declarado insolvente, o pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho.
25- Assim, e atento o supra exposto, deverá ser revogada a Sentença proferida, substituindo-se por decisão que considere tempestivo o pedido apresentado pela impugnante junto do Fundo de Garantia Salarial, sendo o mesmo acionado, e, consequentemente, ser paga a quantia peticionada no mesmo, só assim se fazendo a habitual”.
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O Fundo de Garantia Salarial, não veio apresentar Contra-alegações de Recurso.
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Em 14 de outubro de 2020 foi proferido Despacho a admitir o Recurso.
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O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 30 de outubro de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.
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Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - Questões a apreciar

Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que é predominantemente questionado o sentido da decisão proferida pelo FGS, e correspondentemente o facto do tribunal a quo não ter dado razão ao entendimento que a Autora preconiza, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto

O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada:
“A) A Autora foi trabalhadora de A., tendo o respetivo contrato de trabalho cessado em 20.11.2016 (cf. fls. 9 e 10 do processo administrativo – pág. 168 do Sitaf);
B) Em 30.08.2017, a Autora intentou contra A. ação de processo comum, que correu termos no Juízo do Trabalho de Viana do Castelo - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, com o n.º 2738/17.4T8VCT, na qual, em 14.10.2017, foi proferida sentença que condenou A. a pagar à Autora a quantia de € 5.503,84, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal, até efetivo pagamento (cf. docs. n.ºs 1 e 2 juntos com a petição inicial – fls. 8 a 24/verso do processo físico);
C) Em 10.01.2018, a Autora instaurou ação executiva para execução da sentença referida na alínea B), que correu termos no Juízo do Trabalho de Viana do Castelo - Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, com o n.º 2738/17.4T8VCT.1, tendo, em 05.02.2018, sido proferida sentença com o seguinte teor:
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância - Artº 663º nº 6 CPC)
(cf. docs. n.ºs 3 e 4 juntos com a petição inicial – fls. 25 a 29 do processo físico);
D) Em 25.05.2017, foi instaurada ação de insolvência de A., que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Ponte de Lima - Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, com o n.º 384/17.1T8PLT, tendo, em 22.06.2017, sido proferida sentença de declaração de insolvência do mesmo (cf. fls. 5 e 8 do processo administrativo – pág. 168 do Sitaf);
E) Em 19.02.2018, a Autora dirigiu ao processo referido na alínea D) ação para verificação ulterior de créditos (cf. doc. n.º 5 junto com a petição inicial – fls. 30 a 55/verso do processo físico);
F) Em 04.10.2018, a Administradora Judicial nomeada no processo referido na alínea D), declarou que, no mesmo processo, tem a Autora um crédito reconhecido no montante de € 5.503,84 (cf. fls. 5 do processo administrativo e doc. n.º 6 junto com a petição inicial – fls. 63 do processo físico);
G) Em 11.10.2018, a Autora requereu ao Réu o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, relativos a horas extraordinárias, 16 dias de férias, subsídio de férias proporcionais, subsídio de Natal proporcionais, indemnização e formação profissional, no montante global de € 5.503,84 (cf. doc. n.º 7 junto com a petição inicial – fls. 61 e 62 do processo físico e fls. 1 e 1/verso do processo administrativo – pág. 168 do Sitaf);
H) O Réu dirigiu ofício à Autora, datado de 16.01.2019, no qual informa ter indeferido o requerimento apresentado pela Autora referido na alínea G), com o teor seguinte:
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância - Artº 663º nº 6 CPC)
(cf. doc. n.º 8 junto com a petição inicial – fls. 65 e 65/verso do processo físico e fls. 12 e 12/verso do processo administrativo – pág. 168 do Sitaf).

IV – Do Direito

Inconformado com sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a presente ação administrativa e, consequentemente, absolveu a Entidade Demandada do pedido, veio a Autora interpor recurso jurisdicional da sentença proferida.

No que aqui releva, e no que ao direito concerne, discorreu-se em 1ª instância:
“(…) para que o Fundo de Garantia Salarial assegure o pagamento de créditos laborais terá de verificar-se a prévia instauração de uma ação de insolvência, ou de um processo especial de revitalização ou, ainda, de um procedimento extrajudicial de recuperação de empresas e, verificar-se, cumulativamente, o vencimento dos créditos nos seis meses anteriores à data da instauração de tal ação ou procedimento.
Para esse efeito, importa, apenas, a data do vencimento dos créditos laborais, não estando aqui em causa a prescrição dos mesmos, como parece ter entendido a Autora.
Neste sentido, pronunciou-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10.09.2015, proferido no processo n.º 0147/15, disponível in www.dgsi.pt/jsta.nsf, do qual se transcreve o seguinte excerto:
« (…)
A argumentação da recorrente assenta em dois equívocos que, de algum modo, estão relacionados. Confunde exigibilidade com executoriedade. Uma coisa é o direito que o credor tem, verificados determinados pressupostos, de exigir o pagamento de uma prestação; outra, de natureza bem diversa, é a possibilidade de, através da máquina judicial, procurar forçar o devedor a prestar-lha. A exigibilidade decorre do vencimento da obrigação (do "momento em que a obrigação deve ser cumprida", Galvão Teles, "Direito das Obrigações", 5.ª edição, 217) a executoriedade (entre outras possibilidades) da sentença judicial transitada em julgado. Ao prever que o Fundo possa pagar nos termos previstos no art.° 3 do DL 219/99 o legislador bastou-se com a exigibilidade do crédito, considerando suficiente que se tenha vencido. Não impôs, portanto, que sobre ele se haja constituído um título executivo. E bem se compreende que assim seja. Com efeito, estamos já no segundo equívoco, a criação deste Fundo teve como objetivo fundamental garantir, essencialmente em tempo útil, o pagamento das prestações referidas na lei, bem sabendo o legislador que a habitual morosidade dos tribunais é incompatível com a liquidação célere dessas prestações. E não faria qualquer sentido que, por um lado, previsse o pagamento pelo Fundo, com o objetivo de garantir um rápido acesso às prestações devidas, e depois sujeitasse o interessado à prévia obrigação de obter uma sentença judicial transitada em julgado como sua condição, decisão que amiudadas vezes demora alguns pares de anos. Por outro lado, ao prever a sub-rogação do Fundo nos direitos do trabalhador (art.º 6 do DL 219/99) o legislador contemplou, justamente, que pagando o Fundo num primeiro momento, na sequência do vencimento de algumas obrigações laborais, era possível que a entidade patronal viesse a conseguir pagar mais tarde, num segundo momento, voluntariamente, ou por via de ação no tribunal do trabalho, ou, ainda, por via do processo de falência (ou similar).”».
No caso presente, informa a factualidade assente que o contrato de trabalho da Autora cessou em 20.11.2016 [cf. alínea A) do probatório] e, em 25.05.2017, foi requerida a insolvência da entidade empregadora [cf. alínea D) do probatório].
Pelo que, o período de referência de seis meses a que alude o n.º 4, artigo 2º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, situa-se entre 25.11.2016 e 25.05.2017, sendo que só os créditos laborais vencidos nesse período poderão ser concedidos.
Ora, os créditos peticionados, não obstante terem datas de vencimento diferentes, o certo é que todos se venceram, senão antes, na data de cessação do contrato de trabalho – 20.11.2016, ou seja, fora do referido período de abrangência de seis meses.
Assim sendo, no tocante a tais créditos, não tem o Réu de efetuar qualquer pagamento.
Conforme se sustentou no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 31.01.2014, proferido no processo n.º 00278/09.4BEPNF, disponível in www.dgsi.pt/jtcn.nsf, os créditos assegurados pelo Fundo de Garantia Salarial não têm de ser entendidos “como abarcando na sua previsão uma cobertura/garantia de qualquer outro crédito laboral, mormente, crédito laboral vencido antes do definido no período inserto no n.º 1 do art. 319.º apenas pelo facto de inexistirem créditos cobertos pelas situações definidas nas previsões expressas do preceito em questão.”.
Ou seja, o legislador circunscreveu temporalmente os créditos abrangidos pelo Fundo de Garantia Salarial apenas aos abarcados por aquele período de referência, não tendo dado relevância a quaisquer outros critérios ou circunstâncias para o efeito.
A este propósito pronunciou-se o Acórdão do TJUE, de 28.11.2013, proferido no âmbito do processo n.º C-309/12, que fixou o entendimento que “ [A] Diretiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de Outubro de 1980, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, alterada pela Diretiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que não garante os créditos salariais vencidos mais de seis meses antes da propositura da ação de insolvência do empregador, mesmo quando os trabalhadores tenham proposto, antes do início desse período, uma ação judicial contra o seu empregador, com vista à fixação do valor desses créditos e à sua cobrança coerciva” – cf. Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte, de 31.01.2014 e de 14.02.2014, proferidos nos processos n.ºs 00278/09.4BEPNF e 00756/07.0BEPRT, respetivamente, disponíveis in www.dgsi.pt/jtcn.nsf.
Desta forma, não compete ao Réu proceder ao pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho peticionados pela Autora. (...)”

Vejamos:

A sentença recorrida adotou o entendimento que tem vindo a ser preconizado pela generalidade da jurisprudência, mormente nos Tribunais Superiores, tendo considerado correspondentemente que os créditos reclamados estão fora do período de referência legalmente estabelecido.

Enquadrando a controvertida questão do ponto de vista normativo, importa verificar se os créditos reclamados estão abrangidos pelo limite temporal estabelecido na Lei nº 35/2004 e pelo DL nº 59/2015 de 21 de Abril.

Com efeito, refere o art. 317º da Lei nº 35/2004 de 29 de Julho (Regulamento do Código do Trabalho) que «O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes».

Por outro lado, estabelece o art. 318º, nº1 do mesmo diploma que «O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente».

Complementarmente, refere o art.319º que «O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.° que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior (n° 1).

À luz do regime introduzido pelo DL n° 59/2015 (Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial), é exigida a verificação cumulativa dos requisitos estabelecidos para que o FGS possa assegurar o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação e cessação (Cfr. arts. 1º e 2º do DL n° 59/2015).

Com efeito, para que o referido regime possa operar importa que se mostrem preenchidos, no caso, os seguintes pressupostos:
a) Seja a entidade empregadora judicialmente declarada insolvente;
b) Que os créditos emergentes do contrato de trabalho se tenham vencido nos seis meses anteriores à data da propositura da ação (Cfr. art° 2°, n°4, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial aprovado pelo DL n° 59/2015).

O período de referência em causa conta-se a partir da data em que foi interposta a ação judicial de insolvência (Cfr. n.º 1 e 2, do art. 318.°, da Lei n.º 35/2004, de 29/07.

A expressão utilizada no nº1 do art. 319º «seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou do requerimento referido no artigo anterior», reporta-se, naturalmente à ação para declaração judicial de insolvência do empregador referida no nº 1 do artigo anterior, não se referindo à eventual ação judicial a intentar pelo trabalhador para verificação dos seus créditos laborais.

Com efeito, o legislador ao mencionar a propositura da ação no nº 1 do art. 319º, não está a referir-se à ação a intentar no Tribunal de Trabalho, pois que esta pode nem chegar a ser proposta.

É pois hoje pacifico que o FGS assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecederam a data da propositura da ação de insolvência, sendo que para esse efeito, importa, apenas, a data do vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na ação intentada com vista ao seu reconhecimento judicial, ou a data do seu reconhecimento no processo de insolvência.

Neste sentido, entre muitos outros, vejam-se os acórdãos do STA nos Processos n.ºs 0705/08, 0704/08, 0780/08, 0920/08. 0703/08. 0728/08, 0712/08, 01110/08, 0858/08 e 01111/08.

Por todos, alude-se ao Acórdão do STA no Procº nº 0147/15, no qual se sumariou:
I- O Fundo de Garantia Salarial, assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referidos no artigo 2º anterior – artº 319º/1 da Lei 35/2004.
II- Para esse efeito importa, apenas, a data de vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na ação intentada com vista ao seu reconhecimento judicial e ao seu pagamento.

A criação do FGS teve como objetivo predominante garantir o pagamento, em tempo útil, das prestações referidas na lei, o que se não mostraria compatível com a necessidade de esperar pelo trânsito em julgado, designadamente, da Ação de declaração de insolvência.

Aqui chegados, resultando dos factos dados como provados que os créditos laborais se venceram com a cessação do contrato de trabalho, em 20-11-2016, e que a Ação de insolvência foi proposta em 25-05-2017, é manifesto que os créditos reclamados estão fora do período de referência (seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência - entre 25.11.2016 e 25.05.2017).

Assim, sempre se mostraria inútil a verificação da suscitada “interrupção da prescrição”, pois que mesmo que tal ocorresse, no momento reclamado pela Recorrente, tal irrelevaria face ao incumprimento do referido período de referência (entre 25.11.2016 e 25.05.2017) não tendo pois a virtualidade de colmatar a falta do referido pressuposto.
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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.
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Custas pela Recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.
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Porto, 9 de abril de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa