Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00545/21.9BECBR |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 04/04/2025 |
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Tribunal: | TAF de Coimbra |
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Relator: | LUÍS MIGUEIS GARCIA |
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Descritores: | SUBSÍDIO; OBRAS DE REMODELAÇÃO E ADAPTAÇÃO; |
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Sumário: | I) – É de negar provimento ao recurso quando não triunfa apontado erro de julgamento.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: [SCom01...], Ldª (Rua ..., ... ...) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Coimbra, que, em acção administrativa instaurada contra Ministério da Coesão Territorial (Praça ..., ... ...) e outros, a julgou improcedente e absolveu este Ministério dos pedidos. Conclui: A) A Recorrente insurge-se contra a sentença do Tribunal a quo que manteve na ordem jurídica a decisão da Comissão Diretiva da Autoridade de Gestão do Centro 2020, imputável ao Ministério da Coesão Territorial, pela qual se considerou que os trabalhos de construção civil no valor de €141.757,37”, realizados pela A., ora Recorrente não se subsumem a “obras de remodelação ou adaptação” não sendo, por isso, despesa elegível para efeitos do artigo 10º, n.º 1, alínea i) da Portaria SI2E. B) A sentença padece de erro de julgamento, por erro na apreciação da matéria de facto e na aplicação do direito aos factos. C) No que se refere à matéria de facto, sem prejuízo de se considerar que a maioria da matéria relevante para a boa decisão da causa foi elevada a matéria assente, o Tribunal não considerou como provado que há uma sobreposição entre a obra nova e a obra antiga. D) Compreender que estamos perante uma construção, que é suporte de uma infraestrutura para cerca de 150 pessoas sentadas, que foi erigida num espaço onde antes já existiam vários construções rudimentares, aptas ao seu destino inicial, é um facto essencial para a boa decisão da causa, porque permite preencher o conceito de “obras de remodelação ou adaptação”. E) Contrariamente ao que inculca o Tribunal a quo, não se trata de uma construção de raiz, em local sem edificações, mas sim da remodelação e adaptação de um espaço já existente, com ampliação do mesmo, sendo a remodelação em causa indispensável ab initio à concretização do investimento objeto de cofinanciamento comunitário. F) Impõe-se, pois, a reapreciação da matéria de facto dada como provada, nos termos e para efeitos do artigo 640º, n.º 1 e 662º, n.º 1 do CPC do CPC, ex vi art. 1º do CPTA, requerendo-se ao Tribunal ad quem que dê como provado que “o novo edifício construído pela Autora com a área de implantação de 406,37 m2 (cf. pontos 7, alínea b) e 23 e 24 do probatório) foi implantado/ocupou o local onde antes existiam construções em ruínas/currais de 67,00m2”, conforme docs. 17 e 10 da PI, pontos 24, 25 e 26 da factualidade assente na sentença e 289, 296 do processo instrutor e, para as demolições nos autos de medição, nas fls. 239, 247, 264, 310, 327, 330, 345, 364, 381, 406, 423, 429 e 446 do processo instrutor). Caso assim não se entenda, requer-se a remessa dos autos à 1ª instância para produção testemunhal, quanto ao facto em causa. G) Quanto ao erro na aplicação do direito aos factos, o Tribunal nega o invocado erro quanto aos pressupostos de factos e sustenta o seu entendimento em dois vetores: diretamente, na definição do dicionário Priberam referente ao termo “remodelação” e indiretamente na Orientação Técnica de 2021 que, limitando-se a confirmar a Orientação Técnica de 2017, preenche e integra o conceito de “obras de remodelação e adaptação” da Portaria SI2E, com a extraordinária destrinça de uma lista de obras elegíveis e não elegíveis. H) Em primeiro lugar, não assiste razão ao Tribunal a quo, porque onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete e aplicador fazê-lo: da Portaria SI2E, do aviso de candidatura e da Orientação Técnica de 2017 não resulta qualquer definição de “obras de remodelação e adaptação”. I) A mesma não resulta igualmente do RGEU ou do RJUE, pelo que várias interpretações são possíveis (inclusive por recurso ao conceito de “obras de remodelação” no artigo 1101º, alínea b) do Código Civil e do Decreto Lei n.º 157/2006). Ora, J) Na ausência de disposição clara e inequívoca sobre a definição de “obras de remodelação e adaptação”, se a infraestrutura construída se sobrepõe a construções que já existiam no local, tal facto permite – com seriedade e segurança – inclusive à luz da leitura do termo “remodelação” no dicionário Priberam, considerar que estamos perante obras de remodelação e adaptação do espaço, elegíveis para efeitos da Portaria SI2E, aliás como bem considerou a Recorrida ab initio. K) Em segundo lugar, incorre o Tribunal em erro de direito quando considera que a Orientação de 2021 se limita a confirmar a Orientação de 2017, nada acrescentando ao seu teor, porque é evidente que: (i) a Orientação de 2017 não fazia qualquer alusão ao RJUE e aos conceitos do RJUE /ou outros, pelo que o conteúdo de ambas é completamente distinto e (ii) compulsado o teor da Orientação de 2021, verifica-se que a mesma parte dos conceitos de várias obras do RJUE, desconstrói os mesmos adaptando-o ao caso em apreço, considerando, a seu gosto e de acordo com as suas convicções, que um tipo de obras é elegível e outro tipo não. Logo, sob o disfarce de uma pretensa interpretação, cria-se lei nova. L) Isto é, apesar de não se terem alterado os pressupostos de facto da candidatura da Recorrente, entre 2019 e 2021, verificou-se uma alteração do entendimento da Recorrida - e que o Tribunal a quo veio a subscrever - quanto ao preenchimento do conceito de “obras de remodelação ou de adaptação”. M) Sucede que, a letra da lei deverá ser sempre o ponto de partida e, também, o limite da interpretação e, no caso em apreço, a Portaria e o aviso de candidatura não definem “obras de remodelação ou adaptação”, nem remetem para os conceitos do RJUE e, menos ainda, adaptam, adulterando os conceitos do RJUE para a desconsideração da candidatura em causa, o que inquina de invalidade a interpretação recorrenda. N) A Recorrente não se conforma com a interpretação do Tribunal a quo porque a mesma, sendo inovadora, não é admissível e, sendo retroativa, coarta séria e irremediavelmente os direitos atribuídos à Recorrente, que - depois da candidatura aprovada e da obra executada - vê 93% do seu financiamento anulado (atente-se que, resulta da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo que os trabalhos de construção civil previstos na candidatura foram criteriosamente executados, nos termos inicialmente previstos e aprovados). O) Em suma, quando o Tribunal a quo subsume os trabalhos de construção civil da Recorrente a trabalhos não elegíveis à luz da Portaria SI2E, procede a uma interpretação corretiva e inovadora, da Portaria, proibida pela lei, o que justifica a intervenção do Tribunal ad quem, com a revogação da sentença - vide doutrina (BAPTISTA MACHADO, OLIVEIRA ASCENSÃO e jurisprudência citadas nas motivações (Acórdão do TRL, datado de 22.10.2019, proc. n.º 465/19.7YRLSB-7; acórdão do STJ, datado de 29.11.2011, proc. n.º 0701/10, acórdão do TCA SUL, datado de 03.07.2019, proc. n.º 848/18.0BESNT-S2; acórdão do TCA Sul, datado de 04.10.2018, proc. 722/18.0BELSB-S1). P) Além disso, tal entendimento esvaziou o projeto da Recorrente de qualquer financiamento comunitário, o que é manifestamente desproporcional, porque a coloca numa situação de extrema onerosidade e configura uma afronta gritante à tutela da segurança jurídica e da confiança. Q) Não se compreende, pois, o Tribunal a quo quando liminarmente conclui que não há violação do princípio da confiança, visto ser o ato administrativo ilegal. Sem prejuízo de se ter demonstrado supra que o ato de indeferimento da elegibilidade das despesas no valor de € 141 seria, esse sim, ilegal, a verdade é que – mesmo perante um ato ilegal – cumpre ao Direito acautelar os direitos adquiridos pela Recorrente. R) Exatamente porque a Recorrente confiou na aprovação que lhe foi dada pela Recorrida, e que foi inclusive corroborada pela ausência de definição legal de “obras de remodelação ou de adaptação”. Nada fazia antever - na conduta da Recorrida - que a despesa não seria a final aprovada. S) Em face da conduta da Recorrida, que contribuiu para o investimento da confiança da Recorrente, justifica-se a manutenção da elegibilidade da despesa ou, caso assim não se entenda, a responsabilização da administração por ter induzido a Recorrente a confiar em si. T) Assim o tem, aliás, entendido a doutrina (MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, VIEIRA DE ANDRADE, FREITAS DO AMARAL) e a jurisprudência (Acórdão do STA, datado de 05.12.2007, proc. n.º 0653/07; acórdão do STA, datado de 16.02.2017, proc. n.º 01167/16), conforme transcrito nas motivações. U) Em suma, à luz dos princípios da legalidade, da confiança e da segurança jurídica impõe-se ao tribunal ad quem considerar os trabalhos de construção civil efetuados pela Recorrente como elegíveis para efeitos do art. 10º, n.º 1, alínea i) da Portaria SI2E, porquanto os mesmos se subsumem à remodelação e adaptação das construções existentes no local, conforme resulta evidente ab initio da documentação de suporte da candidatura apresentada pela ora Recorrente e, a seu tempo, (bem) aprovada pela Recorrida. Contra-alegou o Ministério da Coesão Territorial, concluindo: 1ª) Na presente ação administrativa está em causa uma deliberação da Comissão Directiva da Autoridade de gestão da PO Regional Centro, de 24/9/2021, que aprovou ou determinou uma redução da despesa elegível da operação objeto de candidatura pela Recorrente no âmbito do Aviso de Abertura do Concurso nº CentroM9-2018-08 SI2E-ATRAIR; 2ª) Nos termos da alínea i) do nº 1 do artigo 10º da Portaria nº 105/2017, de 10/3, eram elegíveis despesas com “obras de remodelação ou adaptação (…) indispensáveis à concretização do investimento”; 3ª) Na 1ª fase do investimento, destinado à recuperação da “Casa Quinta do ...”, a Recorrente comprometeu-se à aquisição e montagem de uma estrutura semiamovível para eventos até 150 pessoas sentadas; 4ª) A Autoridade de Gestão constatou que era uma despesa não elegível a incorrida pela Recorrente, no valor de €141.757,37, por ser despesa com a construção de um novo edifício e não uma despesa como “obras de remodelação ou obras de adaptação”, violando-se, assim, a alínea i) do artº 10º da Portaria nº 105/2017, de 10/3; 5ª) No presente recurso, a Recorrente discorda da douta sentença recorrida – porém, sem razão; 6ª) Assim, ao invés do defendido pela Recorrente, não há, na sentença, qualquer erro em matéria de facto; 7ª) É que o que existia no imóvel da Recorrente era “uma construção em estado de ruínas”; 8ª) Por outro lado, como é dito na douta sentença recorrida, houve trabalhos de demolição; 9ª) Não há, assim, como defende a Recorrente, qualquer sobreposição entre obra nova e obra antiga; 10ª) Sendo certo, que a Recorrente fala na existência de obras novas – ora obras novas não são obras de remodelação e de adaptação; 11ª) É inequívoco que a Recorrente construiu de raiz, um novo edifício, não havendo qualquer obra de remodelação ou de adaptação; 12ª) Sendo certo, ainda, que se aplica a Orientação Técnica de 2017, que foi confirmada pela Orientação Técnica de 2021, tendo sido densificado o conceito de “obras de remodelação e adaptação” estatuído na Portaria nº 105/2017, de 10/3; 13ª) Sendo indiscutível, qualquer que seja o sentido que se pretenda dar aos conceitos de “obras de remodelação e adaptação” que a Recorrente não remodelou, não adaptou, mas fez uma construção nova; 14ª) O ato impugnado é legal, razão pela qual a sentença recorrida não merece qualquer censura. * A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta foi notificada nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA, não emitindo parecer. * Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir. * Os factos, fixados como provados pelo tribunal “a quo”: [imagem que aqui se dá por reproduzida] * A apelação: O Conselho de Ministros, através da Resolução nº 72/2016, de 24 de novembro, aprovou o Programa Nacional para a Coesão Territorial visando estimular o surgimento de iniciativas empresariais e a criação de emprego em territórios de baixa densidade e por essa via promover o desenvolvimento e a coesão económica e social do país. Para o efeito, através da Portaria nº 105/2017, de 10 de março, foi aprovado o regulamento que tem por objeto a criação do Sistema de Incentivos ao Empreendedorismo e ao Emprego, abreviadamente designado por SI2E, que mobiliza os apoios previstos no Regulamento Especifico do Domínio da Inclusão Social e Emprego, aprovado em anexo à Portaria nº 97º-A/2015, de 30 de março, mediante apoio do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) e Fundo Social Europeu (FSE). No que concerne às despesas elegíveis, o nº 1 do artigo 10º do SI2E enumera as despesas elegíveis para efeitos de investimento físico, na componente FEDER, prevendo a alínea i) desse artigo, como despesa elegível nessa componente as “obras de remodelação ou adaptação, desde que contratadas a terceiros não relacionadas com o adquirente beneficiários dos apoios, indispensáveis à concretização do investimento sujeitos a limitações em matéria de proporção do investimento total a definir nos avisos de abertura das candidaturas”. A Autora/recorrente apresentou candidatura ao SI2E, aberto pelo Aviso Centro-M9-2018-08, candidatura essa que tinha por objeto a operação designada por “Unidade de Eventos [SCom01...]”, passando o investimento pela aquisição e montagem de uma infraestrutura com capacidade para 150 pessoas sentadas. Sem êxito ficaram os seus pedidos: “a) seja anulado o ato administrativo que compreende a decisão final, sendo substituído por outro que considere as despesas, no total de €141.757,37 elegíveis; b) seja ressarcida a A. das despesas adicionais realizadas decorrentes da decisão da entidade promotora valores estes a liquidar em sede de sentença considerando que neste momento tal liquidação é, ainda, impossível de contabilizar.”. Como enunciou o tribunal “a quo”, “o cerne da questão a aferir nestes autos é determinar se as obras/trabalhos de construção do edifício para eventos constante da candidatura apresentada pela Autora consistem numa despesa elegível enquadrável na alínea i) do artigo 10º da portaria nº 105/2017 (SI2E)”. A Autora pretende o aditamento, como provado, do seguinte: “o novo edifício construído pela Autora com a área de implantação de 406,37 m2 (cf. pontos 7, alínea b) e 23 e 24 do probatório) foi implantado/ocupou o local onde antes existiam construções em ruínas/currais de 67,00m2”. É pretensão sem viabilidade. Resulta do art.º 5º do CPC - referindo-se ao ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal - que: 1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. 2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. 3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Decorre que “para além dos factos públicos e notórios e daquelas de que o tribunal tem conhecimento em resultado do exercício das suas funções (artigo 412º do CPC – o que não está em causa) o tribunal, conhecendo do mérito da causa em sede de saneador, apenas terá que ter em conta os factos alegados nos articulados, ou seja, os factos alegados pelas partes na petição inicial ou na contestação, ou em sede de articulado superveniente (o que, in casu, não ocorreu), não se podendo o tribunal substituir às partes nessa matéria” (Ac. do STJ, de 09-03-2021, proc. n.º 8439/06.1TBBRG.G1.S1). Ora, perscrutado o que foi articulado pela Autora, em nenhum passo vem alegado que “o novo edifício construído pela Autora com a área de implantação de 406,37 m2 (cf. pontos 7, alínea b) e 23 e 24 do probatório) foi implantado/ocupou o local onde antes existiam construções em ruínas/currais de 67,00m2”. Em rigor, e na exacta redacção proposta, não habilitaria, pois, a que pudesse verter como provada toda esta factualidade. Isto, sem prejudicar toda a pacífica inferência do que vem como julgado provado, apontando tratar-se de “novo edifício construído pela Autora”, como também a própria logo de início deu conta. Mas também sem se estranhar que o tribunal “a quo” – bem/ainda que tenha consignado “Não há factos que cumpra julgar não provados com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito - tenha enveredado pela matéria, tendo expressamente ajuizado sob “V. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO” que «da factualidade provada e dos elementos remetidos aos autos, entre as quais a análise das peças desenhadas/plantas e memória descritiva do pedido de licenciamento do edifício (cf. pontos 7, 23 e 24 da factualidade provada), não resulta provado que o novo edifício construído pela Autora com a área de implantação de 406,37 m2 (cf. pontos 7, alínea b) e 23 e 24 do probatório) foi implantado/ocupou o local onde antes existia uma construção em ruínas/currais de 67,00m2». Na verdade, a Autora não deixou de alegar a realização de “obras de preparação, adequação e montagem da infraestrutura, que será composta por uma sala com capacidade para até 150 pessoas sentadas. A infraestrutura terá área bruta de construção de 339,65m2 onde será implementada a infraestrutura” (art.º 49º da p. i.), “A descrição como semi-amovível prende-se com o facto de parte da infraestrutura ser definitiva e com materiais de construção mais caros (betão) e não reutilizáveis e outra parte ser uma estrutura mais barata, à base de ferro e vidro” (art.º 72ºº da p. i.), “a existência de edifícios no local que seriam demolidos para a construção do novo edifício” (art.º 75ºº da p. i.), “Existiam edifícios pré-existentes no local (art.º 81º da p. i.), “Estes edifícios deram lugar ao atual edifício” (art.º 82º da p. i.). Comparticipando do juízo de julgamento, opõe a recorrente que, em contrário do que foi entendido, se haverá de considerar provado o que propõe, conforme “docs. 17 e 10 da PI, pontos 24, 25 e 26 da factualidade assente na sentença e 289, 296 do processo instrutor e, para as demolições nos autos de medição, nas fls. 239, 247, 264, 310, 327, 330, 345, 364, 381, 406, 423, 429 e 446 do processo instrutor). Caso assim não se entenda, requer-se a remessa dos autos à 1ª instância para produção testemunhal, quanto ao facto em causa.”. Mas sem razão. O que vem documentalmente não impõe convicção na afirmativa (importa também o plano de investimento, bem como o projeto de engenharia e arquitetura - dosc. 3, 4 e 5 da p. i.), nem essa convicção carece ou fica dependente de instrução para a apontada prova constituenda. Como logo a seguir adiantou o tribunal, «ainda que tivesse ocupado esse local, uma vez que a construção anterior foi objeto de demolição total e integral, a nova construção edificada pela Autora não configura a execução de obras de remodelação ou adaptação, como de seguida iremos explicar. Nesta senda, não obstante a candidatura apresentada pela Autora e que foi inicialmente aprovada pela Autoridade de Gestão do Centro2020 ter tido sempre por objeto a construção de um novo edifício destinado a eventos (cf. pontos 3 a 8, 10, 13 a 15 da factualidade provada), contrariamente ao que defende a Autora, essa construção não configura obras de remodelação ou obras de adaptação” para efeitos do disposto na alínea i) do artigo 10º da portaria 105/2017 (SI2E). Com efeito, como determina a alínea i) do artigo 10º da SI2E e citando, mais uma vez, a referida norma são consideradas despesas elegíveis as “obras de remodelação ou adaptação, desde que contratadas a terceiros não relacionadas com o adquirente beneficiários dos apoios, indispensáveis à concretização do investimento sujeitos a limitações em matéria de proporção do investimento total a definir nos avisos de abertura das candidaturas”. Ora, o conceito de obras de remodelação ou adaptação pressupõe, tendo presente a própria definição do conceito remodelação (cf. dicionário.priberam.org.) no sentido de estarmos perante o “ato ou efeito de remodelar”, “modelar de novo” ou “dar nova forma”, a existência prévia de um edifício/construção. Isto é, o ponto de partida para a existência de obras de “remodelação” ou “adaptação” é que previamente à execução dessas obras no local a realizar as obras, existia/esteja implantado um edifício a “remodelar”, “adaptar”, “recuperar”, “modernizar” ou “dar nova forma”. Não se afigura que se inclua no âmbito do conceito de “obras de remodelação ou adaptação”, contrariamente ao que defende a Autora, a construção de um novo edifício/construções ou edificações novas, pois nesse caso não estamos perante a remodelação ou adaptação de um edifício/construção previamente existente, mas perante “obras de criação de novas edificações”, na aceção do artigo 2º, alínea b) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo 555/99, de 16 de dezembro (de ora em diante abreviadamente designado por RJUE). Nem cabe no âmbito do referido conceito a implantação/construção de um novo edifício num local (na sua totalidade ou em parte) onde antes tenha existido uma construção que tenha sido totalmente demolida com vista a dar lugar ao novo edifício, sem que tenha havido o aproveitamento de uma parte dessa antiga construção. Efetivamente, é de salientar que a alínea i) do artigo 10º da SI2E recorreu ao conceito de obras de remodelação ou adaptação e não ao conceito de “obras de reconstrução”, cuja definição consta da alínea c) do artigo 2º do RJUE. Aliás, tanto assim é que a Orientação Técnica nº 12/2017, emitida pelas PO Regionais do Continente, em data anterior à apresentação da candidatura da Autora e a que fazemos referência em cima, já especificava que “As obras de remodelação podem implicar ampliação, se: dentro do contexto de expansão ou modernização empresarial proposto ou; se determinantes para o projeto de criação quando recaia sobre espaço já existente.”, ou seja, essa Orientação Técnica já partia do pressuposto de que essas obras de remodelação tinham que incidir sobre um local onde previamente existisse um edifício/construção/fração a “remodelar” ou “adaptar” e veio, expressamente, admitir que essa remodelação pode abranger também a “ampliação” do edifício/construção já existente, mas sem nunca referir o conceito de “obras de reconstrução”. O que significa que as despesas referentes à construção de um novo edifício destinado a serviços/eventos objeto da candidatura da Autora (cf. pontos 3 a 8, 10, 13 a 15 da factualidade provada) e que esta executou e que depois deu origem aos pedidos de pagamento nºs 2 e 3 (cf. pontos 21 e 27 do probatório) não são despesas elegíveis no âmbito do SI2E, concretamente, não são despesas enquadráveis na alínea i) do artigo 10º do SI2E. Contrariamente ao que refere a Autora, não foi por força da emissão da Orientação Técnica nº 1/2021 da Autoridade de Gestão do Centro2020 (que aliás, nos termos da alínea e) do nº 2 do artigo 4º do DL nº 159/2014, em cima citada, constitui um documento a observar no âmbito da aplicação dos FEEI), que as despesas relativas à execução/construção de um novo edifício ou à construção de um edifício subsequente à previa demolição integral do anterior, sem reaproveitamento de qualquer parte, deixaram de ser elegíveis, pois, na verdade o que essa Orientação Técnica veio fazer foi apenas reforçar o que já resultava da alínea i) do artigo 10º do SI2E e do conceito de “obras de remodelação e adaptação”, o qual impõe que as obras de remodelação e adaptação tenham que ter por base uma construção já existente e alvo de intervenção/reaproveitamento e não uma construção nova de raiz. Aliás, basta ler a densificação dos conceitos de “Obras de conservação”, “Obras de alteração”, “Obras de ampliação” e “Obras de reconstrução com demolição parcial”, constantes do ponto 3.1. da referida Orientação Técnica relativa às despesas elegíveis e o ponto 3.2. da mesma para concluir que todos esses conceitos mantiveram, na sua génese, o entendimento previsto na alínea i) do artigo 10º do SI2E, ou seja, a existência de uma construção anterior que vai ser objeto de intervenção/obras. Mesmo na densificação do conceito de “Obras de reconstrução com demolição parcial” a referida Orientação Técnica não acolheu a definição de “Obras de reconstrução” constante da alínea c) do artigo 2º do RJUE, tendo afastado do seu âmbito as obras de construção subsequentes à demolição total de uma edificação existente. Posto isto, face à constatação pela Autoridade de Gestão do Centro2020 que a Autora executou a construção de um novo edifício de eventos (cf. pontos 21º, 27º, 29º, 30º, 21º, 33º, 34º e 37º da factualidade provada), à mesma não restava outra alternativa se não considerar a despesa da componente “construções diversas” como não elegível por não ter enquadramento na alínea i) do artigo 10º do SI2E. Pelo que, podemos concluir que a deliberação da Comissão Diretiva da Autoridade de Gestão do Centro2020, de 24.09.2021, está conforme com o disposto na alínea i) do artigo 10º do SI2E e, por isso, improcede o alegado pela Autora.». O que assim vem dito tem toda a solidez, refutando que possa ver-se na nova construção obra de remodelação ou de adaptação: as despesas relativas às obras de construção da edificação nova não constituem despesas elegíveis no âmbito do SI2E. É julgamento desenvolto que as censuras da recorrente não abalam. Mesmo quanto ao que na decisão recorrida também se apreciou assim: «Por fim, vem a Autora dizer que durante a execução do projeto e transferência do adiantamentos não foram colocados quaisquer entraves e que ao subverter as regras legais estipuladas, como a decisão ora impugnada faz, coloca em causa o princípio da segurança jurídica, que postula que o Estado deve evitar que os seus cidadãos se encontrem sujeitos a normas cujos efeitos não consigam antever. Ora, como resulta dos autos, a despesa relativa às obras de construção da edificação nova não constituem despesas elegíveis no âmbito do SI2E, o que significa que a decisão da Autoridade de Gestão objeto de impugnação nos presentes autos constitui uma anulação administrativa parcial do ato de aprovação da candidatura da Autora, nos termos do disposto no artigo 168º, nº 4, alínea c) do Código do Procedimento Administrativo. Uma vez que as despesas relativas às obras de construção do edifício novo destinado a serviços/eventos constante da candidatura da Autora não constitui uma despesa elegível para efeitos do disposto na alínea e) do artigo 10º do SI2E, a aceitação da referida despesa é que configuraria um ato ilegal e anulável e nestes termos, a Autora não pode apelar ao princípio da segurança jurídica com vista a manter na ordem jurídica um ato administrativo desconforme com a lei. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que diz “ não pode a recorrente, fazendo apelo aos princípios da boa fé, da proteção da confiança e da segurança jurídica, querer ou pretender obstar ao operar das consequências legais em termos do respetivo desvalor decorrente da verificação de concretas ilegalidades de que enferma o ato administrativo impugnado, tanto mais que os mesmos princípios não possuem efeitos convalidatórios ou sanatórios a ponto de lograrem manter na ordem jurídica aquele ato administrativo. XLV. Todavia, mesmo a considerarem-se como preenchidos em concreto os requisitos/pressupostos integradores da violação dos princípios invocados pela recorrente, em especial, os atrás enunciados quanto ao princípio da tutela/proteção da confiança o que não se tem como minimamente líquido, frise-se, não é aceitável, nem admissível, que os mesmos princípios obstem ou impeçam sem mais e sem qualquer limitação o operar do desvalor decorrente de ilegalidade de que enferme ato administrativo, mantendo ou impondo, dessa forma, na ordem jurídica um ato administrativo desconforme com a lei. (….) XLVII. Não se vislumbra que uma ilegalidade de que padeça um ato administrativo, conferidor duma determinada situação/posição jurídica a um particular e de que o mesmo beneficia, não possa ser declarada judicialmente em ação movida para esse efeito por a isso obstar algum dos princípios jurídicos convocados pela recorrente. (…) LV. Dos princípios jurídicos em referência não se extraem termos e comandos que que, no caso, imponham a manutenção na ordem jurídica de ato administrativo ilegal sujeitando particulares e a Administração a “conviver” com ato que se sabe ser ilegal, tanto mais que isso redundaria num claro entrave à reposição da legalidade, num cerceamento ilegítimo dos poderes de reafirmação da primazia da legalidade dos procedimentos e dos atos e sem que existam ou militem razões sérias e válidas ancoradas noutros valores e princípios que importe considerar.” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.07.2014, processo nº 01561/13, in www.dgsi.pt). Assim e acolhendo a jurisprudência citada, na situação em apreço não ocorreu a violação do princípio da segurança jurídica, uma vez que a Autora não pode apelar a tal princípio com vista a sanar e manter na ordem jurídica o ato de aprovação da sua candidatura que considerava como despesa elegível a construção de um novo edifício de eventos que, como se verificou do ponto anterior, não é uma despesa elegível para efeitos do disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 10º da Portaria nº 105/2017 (SI2E). Pelo que, improcede também o alegado pela Autora neste conspecto.». A recorrente frisa que “onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete e aplicador fazê-lo”. Mas certamente que ao tribunal cabe interpretar e aplicar a lei, sendo reconhecível naquela que foi feita conformidade com o que é de lei: as despesas relativas às obras de construção da edificação nova não se reconduzem a obra de remodelação ou de adaptação, não constituem despesas elegíveis no âmbito do SI2E. Na ausência de disposição clara e inequívoca propõe a recorrente que “se a infraestrutura construída se sobrepõe a construções que já existiam no local, tal facto permite – com seriedade e segurança – inclusive à luz da leitura do termo “remodelação” no dicionário Priberam, considerar que estamos perante obras de remodelação e adaptação do espaço”. Esta afirmação de “sobreposição” respeita à afirmação de o novo edifício ficar implantado/ocupar o local onde antes existiam construções, demolidas; o que claramente não suporta o sentido que a recorrente quer ver prevalecer, de ocorrência de remodelação ou de adaptação; isoladamente, sem constituir intervenção integrada sobre tecido urbano existente. Mesmo que a actividade interpretativa pudesse comportar mais que um significado, sempre se tem de optar, na falta de elementos que levem a conclusão contrária, pelo significado mais natural e directo da expressão utilizada (Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 182). E esse coincide com o que foi extraído na decisão recorrida. Também não tem a recorrente razão ao ter que com a Orientação de 2021 “cria-se lei nova”, de aplicação correctiva e retroativa inadmissível, desproporcionada à manutenção da confiança e segurança jurídica. Como o tribunal “a quo” enunciou e desenvolveu, e se vê supra, “não foi por força da emissão da Orientação Técnica nº 1/2021 da Autoridade de Gestão do Centro2020 (que aliás, nos termos da alínea e) do nº 2 do artigo 4º do DL nº 159/2014, em cima citada, constitui um documento a observar no âmbito da aplicação dos FEEI), que as despesas relativas à execução/construção de um novo edifício ou à construção de um edifício subsequente à previa demolição integral do anterior, sem reaproveitamento de qualquer parte, deixaram de ser elegíveis”. De acordo com o artigo 4º do DL nº 159/2014, de 27-09, o regime jurídico de aplicação dos fundos europeus estruturais e de investimento deve observar os diplomas legais mencionados no seu nº 1, especificando o nº 2 desse artigo que “A aplicação dos FEEI obedece ainda ao disposto nos seguintes documentos: (…) d) As orientações técnicas aplicáveis de forma transversal aos respetivos PO e PDR, da competência da Agência para o Desenvolvimento e Coesão, I. P. (Agência, I. P.), da Comissão de Coordenação Nacional do FEADER (CCN) e da Comissão de Coordenação do FEAMP (CCF), no âmbito das respetivas competências; e) As orientações técnicas, administrativas e financeiras relativas às candidaturas a financiamento, ao seu procedimento de apreciação e ao acompanhamento da execução das operações financiadas, da competência das autoridades de gestão; (…)”. Remetendo a lei ao poder regulamentar o desenvolvimento, é também a própria Portaria nº 105/2017, de 10/03, que, aí, também ela, não sendo mais específica ao que sejam “Obras de remodelação ou adaptação”, remete para que os critérios gerais de elegibilidade das operações estejam “em conformidade com as disposições legais, nacionais e europeias, incluindo as disposições regulamentares que lhes forem aplicáveis” (art.º 9º, n.º 1, c), da Portaria), onde se incluem as emanadas orientações; e como também o tribunal “a quo” viu, no que está em questão o sentido seguido podia já ser detectado e convive já presente, mesmo sem expressa definição de conceito, na Orientação Técnica nº 12/2017; não adveio apenas mais tarde por força da emissão da Orientação Técnica nº 1/2021; de qualquer forma, confiança e segurança só poderia alavancar das próprias bases com que a Autora o fez, ao candidatar-se à instalação de uma infraestrutura semi-amovível, o que, conforme sentido extraído pelo Réu, e aqui não abalado, não obtém correspondência no executado. * Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso. Custas: pela recorrente. Porto, 4 de Abril de 2025. Luís Migueis Garcia,por redistribuição Alexandra Alendouro,em substituição Ana Paula Martins |