Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00402/12.0BEPRT |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 04/06/2018 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Rogério Paulo da Costa Martins |
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Descritores: | PENA DE INACTIVIDADE; CONVERSÃO AUTOMÁTICA EM PENA DE SUSPENSÃO PELO SEU LIMITE MÁXIMO; RECURSO HIERÁRQUICO; CONCELHO DE ADMINISTRAÇÃO DOS SERVIÇOS DE ÁGUAS E SANEAMENTO; MUNICÍPIO; EXECUTIVO CAMARÁRIO; NO N.º 5 DO ARTIGO 4º DA LEI N.º 58/2008, DE 09.09; N.ºS 4 E 6 DO ARTIGO 75.º DO ESTATUTO DISCIPLINAR APROVADO PELO DECRETO-LEI 24/84, DE 16.01. |
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Sumário: | 1. A conversão da pena de inactividade e, pena de suspensão, prevista no n.º 5 do artigo 4º da Lei n.º 58/2008, de 09.09, “é automaticamente convertida em pena de suspensão, pelo seu limite máximo” conforme aí se dispõe de forma expressa e clara, pelo que não há que graduar a pena de suspensão resultante desta conversão. 2. O facto de esta conversão resultar da lei não significa que o acto punitivo não a deva aplicar, relegando-se essa conversão para sede de execução do acto, precisamente porque o acto administrativo é a aplicação da lei a um caso concreto e individual. 3. Resultando do disposto nos n.ºs 4 e 6 do artigo 75.º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei 24/84, de 16.01, que recurso hierárquico da decisão punitiva do concelho de administração dos serviços de águas e saneamento será interposto para o respectivo órgão executivo, ao qual se “devolve” (termo da lei) a competência para decidir definitivamente, podendo este mandar proceder a novas diligências, manter, diminuir ou anular a pena, o recurso administrativo em causa é de reexame. 4. Sendo de reexame o recurso administrativo da decisão punitiva do conselho de administração dos serviços municipalizados de águas e saneamento para a o executivo camarário, este órgão tinha de proceder à conversão da pena de inactividade pela pena de suspensão no seu limite máximo no caso de entender, como entendeu com base na proposta feita nesse sentido, que era de manter a pena aplicada. * *Sumário elaborado pelo relator |
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Recorrente: | Município do Porto |
Recorrido 1: | Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local – STAL |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Negar provimento ao recurso embora com fundamentação diversa |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer |
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Decisão Texto Integral: | EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: O Município do Porto veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, 28.10.2014, pelo qual foi julgada parcialmente procedente a acção que lhe moveu o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local – STAL, em representação do seu associado, ARB, com vista à impugnação do acto que lhe aplicou a pena disciplinar de um ano e dois meses de inactividade. Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida não deveria ter anulado o acto de indeferimento do recurso hierárquico, cuja legalidade não resulta beliscada, mas sim deveria ter condenado o Réu, em sede de execução da pena, à prática de um acto de conversão da pena de um ano e dois meses de inactividade numa pena de suspensão ou à garantia dessa conversão em sede de execução da pena. * O Autor, ora Recorrido, contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.* O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.* Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:1. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido, em 28.10.2014, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, dando como parcialmente provada a acção, a julgou procedente, anulando o acto impugnado, em virtude de a pena aplicada ser superior ao máximo legalmente admissível. 2. Entendeu o Tribunal recorrido que o acto em apreço devia ter levado em consideração o novo Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09.09, convertendo a pena de inactividade proposta pelo referido conselho de administração, em 90 dias de suspensão, ao invés de simplesmente indeferir o recurso hierárquico interposto pelo arguido. 3. Salvo o devido respeito, não pode o recorrente concordar com tal entendimento. 4. Nos termos do disposto no artigo 19.º do estatuto disciplinar em vigor na data da prática da infracção disciplinar, a aplicação da decisão disciplinar ao funcionário em apreço, cabia, em exclusivo, ao conselho de administração dos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento. 5. A Câmara Municipal do Porto, através da deliberação posta em crise na presente acção, limitou-se a determinar o indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão do conselho de administração dos Serviços de Águas e Saneamento, que aplicou, a ARB, a sanção disciplinar de um ano e dois meses de inactividade. 6. O propósito da referida deliberação da Câmara Municipal, segundo as Instâncias Judiciais, o órgão competente para decidir o recurso hierárquico em apreço, era precisamente o de deferir ou indeferir o recurso da decisão tomada pelo conselho de administração dos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento, aquela em concreto e não outra. 7. Tendo a Câmara Municipal entendido confirmar o acto recorrido, teria de o fazer nos seus exactos termos, como, de resto, fez. 8. De todo o modo, contrariamente ao aventado pelo Tribunal recorrido, a conversão da pena de inactividade aplicada em pena de suspensão, de acordo com o prescrito na Lei n.º 58/2008, é automática, não implicando uma decisão expressa nesse sentido. 9. Tal como expressamente decorre do disposto no n.º 5 da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, o qual preceitua que “ A pena de inactividade que se encontre proposta, aplicada ou em curso de execução é automaticamente convertida em pena de suspensão, pelo seu limite máximo”. 10. É da letra da lei, e não da mera interpretação do Réu, aqui Recorrente, que decorre que a conversão da pena de inactividade em pena de suspensão é automática e pelo seu limite máximo. 11. A interpretação do Tribunal a quo não tem, portanto, qualquer acolhimento na letra da lei, nem no espírito que está subjacente ao regime de aplicação da lei no tempo consagrado pelo diploma em apreço. 12. A doutrina já formulada nesta matéria não suscita quaisquer dúvidas quanto ao automatismo na conversão da pena de inactividade em pena de suspensão. 13. Veja-se, a título de exemplo, o que, em, anotação ao n.º 5 do artigo 4.º da Lei n.º 58/2008, refere Paulo Veiga e Moura, in “ Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública - Anotado”, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2011, pp. 21 e 22: “O terceiro segmento do artigo em anotação disciplina o destino e efeitos das penas propostas, aplicadas ou em curso de execução. Sabendo-se que o novo estatuto diminuiu o elenco das penas passíveis de ser aplicadas, os n.ºs 5 a 7 definem regras relativamente às penas que deixaram de ter expressa previsão legal a partir da data da entrada em vigor do presente diploma. Deste modo, as penas de inactividade que já tenham sido propostas (o que pressupõe que já foi elaborado o relatório final, embora a mesma solução se deva igualmente aplicar a todas as acusações já deduzidas) já tenham sido aplicadas ou estejam a ser executadas são ex vi legis convertidas na pena de suspensão pelo seu limite máximo, sendo este limite de 90 dias por cada infracção cometida pelo arguido e pela qual se pretende puni-lo ou já foi punido (o que significa que se o fundamento que justifica a proposta ou justificou a aplicação da pena foi apenas uma infracção, a pena a aplicar converte-se numa pena de suspensão pelo máximo de 90 dias(…).”. 14. Segundo estes autos “a conversão automática das penas de inactividade impede que subsistam ou sejam aplicados quaisquer efeitos que a lei agora não associe à pena de suspensão (…), para além de implicar a cessação imediata da pena se já tiver sido cumprido ou quando seja atingido o período máximo de 90 ou 240 dias previsto para a convertida pena de suspensão”. 15. In casu, e contrariamente ao que considerou o Tribunal recorrido, à data da entrada em vigor do novo Estatuto Disciplinar (Lei n.º 58/2008) a pena já estava proposta pelo conselho de administração dos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento do Porto. 16. Tanto que foi passível de ser objecto de recurso hierárquico por parte do arguido, cujo objeto era precisamente a pena proposta. 17. Assim sendo, e aplicando o entendimento do Tribunal a quo de que só nos casos em que a pena estivesse proposta, aplicada ou em curso, é que seria de aplicar automaticamente o novo quadro legal, - entendimento com o qual de resto não concordamos - então sempre teria de se considerar a ser a situação dos autos subsumível à aplicação imediata do novo Estatuto instituída pelo aludido diploma e à conversão automática da pena de inactividade em pena de suspensão, conversão essa que decorre expressa e taxativamente do n.º 5 do artigo 4.º desse diploma. 18. Acresce que não cabia sequer ponderar a moldura de aplicação da pena como propõe o Tribunal recorrido, no intervalo entre 20 e 90 dias. 19. Pois que é a própria lei que determina, sem mais, essa conversão, por um lado, e, por outro, que a mesma se faça pelo limite máximo. 20. O acto impugnado, que se circunscrevia necessariamente ao deferimento ou ao indeferimento do recurso hierárquico, não enferma de qualquer vício, no que toca à sua legalidade, na medida em que não tinha de – nem sequer podia - determinar expressamente a conversão da pena de inactividade aplicada em pena de suspensão. 21. Questão diversa é da concreta execução da pena, a qual em face no novo Estatuto e à aludida conversão automática, implica, forçosamente, que, nessa sede, o arguido cumpra um máximo de 90 dias de suspensão. 22. Tal questão não põe, de modo algum, em crise a prática do acto de indeferimento, pela Câmara Municipal, do recurso hierárquico apresentado, em conformidade com o respectivo procedimento disciplinar e com a pena proposta, no âmbito do mesmo, o qual deverá, assim, ser mantido na ordem jurídica. 23. Assim não se entendendo, o que não se concede e apenas se formula por mera hipótese de raciocínio, considerando-se que, efectivamente, deverá existir um acto expresso de conversão da pena de inactividade em pena de suspensão, tal acto sempre consubstanciará um mero acto de execução – do verdadeiro acto administrativo impugnável que é o de indeferimento de recurso hierárquico e do acto de aplicação da pena que lhe subjaz. 24. Sendo que, nesse caso, caberá decidir não pela anulação do acto de indeferimento cuja legalidade não resulta, face ao exposto, beliscada, mas sim pela mera condenação do Réu, em sede de execução da pena, à prática de acto de conversão desta numa pena de suspensão ou à garantia dessa conversão em sede de execução da pena. * II – Matéria de facto.Ficaram provados os seguintes factos na decisão recorrida que não mereceram qualquer reparo por qualquer uma das partes: A) O representado do Autor, é funcionário dos «Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento» do Porto, tendo sido alvo de processo disciplinar, no qual, mediante deliberação do conselho de administração dos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento, de 13.09.2006, lhe foi aplicada a pena de um ano e dois meses de suspensão, com base no relatório final da instrução, do qual se destaca o seguinte: «1.º - Em Abril de 2006, o arguido encontrava-se a executar obras de reparação da ligação da rede predial de saneamento do prédio sito à Rua T…, 78, à rede pública de águas pluviais, vestido com a farda dos SMAS do Porto, quando foi abordado pela Senhora Dª. MFMT residente na mesma Rua, n.ºs 119/123, e pelo Senhor AM, empreiteiro. 2.º - O Senhor AM explicou-lhe que a Senhora Dª. FT já havia solicitado aos SMAS do Porto, a ligação da rede predial de saneamento à rede pública de saneamento da casa em que se encontrava a realizar obras de recuperação, sita na Rua T…, 119/123, pago a respectiva taxa, e que ainda não tinha sido possível efectuar a mesma, o que estava a impedir a conclusão da obra, causando grandes transtornos à moradora. 3.º - Questionou-o então sobre a sua disponibilidade para executar a ligação à rede de águas pluviais, tendo o arguido respondido afirmativamente, apesar de ter consciência da ilegalidade de tal ligação sem autorização da CMP, e que, caso o empreiteiro o ajudasse a realizar o trabalho, cobraria cerca de € 100,00. 4.º - O Senhor AM e o arguido dirigiram-se ao local onde se encontrava o colector de águas pluviais, tendo este fornecido ao Senhor M… um cartão com o seguinte teor "Ex. mo Senhor Munícipe Se ainda não tem o seu prédio ligado à Rede de Saneamento, e se pretende fazer a ligação, contacte por telefone ou telemóvel: AR-22…0 ou 91…5". 5.º - Dias depois, o Sr. AM telefonou para o telemóvel do arguido, tendo ficado agendada a data da execução da obra, exigência do arguido, uma vez que este teria que meter férias nos SMAS. 6.º - No dia 26 ou 27 de Abril de 2006, pelas 8h 30m, o arguido compareceu no local da obra munido de material e, com o empreiteiro, começaram a abrir uma vala na via pública 7.º - Por volta das 10h, apareceu o Fiscal dos Arruamentos da Câmara Municipal do Porto, Senhor MAFD, que conhecia o arguido, e que lhe perguntou para que efeito era a vala e se a CMP havia autorizado aquela intervenção na via pública. 8.º - Dada a inexistência de tal autorização, o Fiscal da CMP, mandou suspender de imediato a execução da obra e ordenou a reposição da via pública na situação em que esta se encontrava antes da intervenção. 9.º - Estas ordens foram imediatamente acatadas pelo empreiteiro e o arguido. 10.º - O arguido executa obras de ligação às redes de saneamento e de águas pluviais, por conta própria, apesar de ter consciência da ilegalidade de tal actuação por incompatibilidade entre as funções públicas que exerce nos SMAS do Porto e as funções privadas, desvalorizando, no entanto, tal incompatibilidade uma vez que, no âmbito da sua actividade privada, só trabalha fora das horas de serviço, não usa material dos SMAS, resolve problemas aos Munícipes e ganha o seu dinheiro com o qual complementa o salário. 11.º - O arguido solicitou autorização para acumulação de funções, não recordando as condições em que a mesma foi concedida. 12.º - No entanto, compulsando o processo individual do arguido, verifica-se que este, através do requerimento n.º 4255, de 28 de Fevereiro de 1997, requereu ao Conselho de Administração dos SMAS do Porto, autorização para acumular a actividade de trolha com as funções públicas de Mestre da carreira de trolha, tendo o mesmo sido deferido por deliberação do Conselho de Administração dos SMAS do Porto, de 2 de Junho de 1997, com a condição da actividade privada só poder ser exercida fora da área de jurisdição da Câmara Municipal do Porto (Vide Docs. de fls. 51 a 54). 13.º -Todos os factos atrás descritos se encontram provados, inclusive, por declarações do próprio arguido. (…) Face a todo o exposto, conclui-se que, com o seu comportamento o arguido violou o dever geral de lealdade previsto no n.º 8 do artigo 3.º do ED, que consiste “em desempenhar as suas funções em subordinação aos objectivos do serviço e na perspectiva da prossecução do interesse público.” Com efeito, embora o arguido conhecesse a impossibilidade legal de executar ligações das redes prediais aos colectores de águas pluviais sem autorização da CMP, o arguido não tratou de comprovar a sua existência, disponibilizou-se e iniciou a execução de, pelo menos, uma ligação. Por outro lado, os funcionários e agentes da Administração Pública estão sujeitos ao cumprimento de deveres na vida privada, consistindo estes na obrigação de, no desenvolvimento da sua actuação privada, agir com respeito pelos princípios deontológicos e éticos inerentes à função pública que também exercem, de forma a não comprometerem o prestígio da respectiva função ou criar riscos para a eficiência e transparência da sua actividade. Entre estes deveres encontra-se o consignado no artigo 2.º do Decreto-Lei 413/93, de 23 de Dezembro que conjugado com o disposto no artigo 7.º do mesmo diploma, que estabelece uma incompatibilidade relativa entre o exercício de funções públicas e o de funções privadas da mesma natureza. Ou seja, faz depender a acumulação dos dois tipos de actividade de autorização específica, desde que respeitados determinados pressupostos. Por outro lado, o arguido sabia da necessidade da existência de autorização específica do Conselho de Administração para acumular funções públicas e privadas, que tal autorização estava dependente da verificação de requisitos, não colhendo aqui o argumento de que desconhecia em que condições a autorização lhe tinha sido concedida, uma vez que a deliberação que deferiu a pretensão apresentada foi devidamente publicitada através da Ordem de Serviço N° 177/97, nem poderia tê-la "esquecido". Com a sua actuação, o arguido violou os dois deveres referidos supra nos pontos 15.º e 17.º do articulado, incorrendo na pena prevista no n.º 1 e na alínea d) do n.º 2 do artigo 25° do ED, ou seja, na pena de inactividade. (…) Quanto a agravantes, milita contra o arguido a vontade determinada de, pela conduta seguida, produzir resultados prejudiciais ao serviço público ou ao interesse geral, independentemente de estes se verificarem (Vide artigo 31.º, n.º 1, alínea a), do ED). Por outro lado, o arguido agiu com dolo directo, ou seja, representou o facto ilícito e actuou com intenção de o realizar. Acresce que o arguido manifestou uma completa indiferença pelo conteúdo e cumprimento dos seus deveres enquanto funcionário público quando afirma que, apesar de ter consciência de que o seu comportamento é ilegal, não vê qualquer problema no que faz, porque resolve um problema ao munícipe e ganha o seu dinheiro, sem prejuízo para ninguém (Vide Auto de Declarações a fls. 87). (…) Tendo em conta tudo o acabado de referir, proponho que a pena a aplicar seja a de inactividade de 1 ano e 2 meses, nos termos do artigo 12°, n.º 5 do ED.». B) O arguido recorreu hierarquicamente da referida deliberação para a Câmara Municipal, alegando no recurso que não existe prova dos factos que lhe são imputados; que confessou espontaneamente exercer funções privadas em acumulação, mas não confessou cometer ilegalidades constantes dos factos provados; que não teve com o seu comportamento intenção, nem produziu resultados prejudiciais aos serviços púbicos, porque o munícipe paga as taxas e licenças, mas entrega os trabalhos a privados – ver documento de fls. 28 a 30 dos autos. C) O recurso hierárquico foi indeferido por decisão do Presidente da Câmara Municipal em 28.03.2007, a qual manteve a pena anteriormente aplicada. D) O representado do Autor impugnou judicialmente aquela decisão, tendo obtido provimento mediante anulação da mesma por ser julgado procedente o vício de incompetência do autor do acto, por o mesmo carecer de ser praticado pelo órgão colegial Câmara Municipal. E) Em reunião da Câmara Municipal de 15.11.2011, foi deliberado por escrutínio secreto, indeferir o recurso hierárquico apresentado, com base na proposta realizada a 08.11.2011, da Vereadora dos Recursos Humanos, da qual se destaca o seguinte: «1. (…) foi aplicada por decisão do Conselho de Administração dos SMAS, de 13 de Setembro de 2006, a pena disciplinar de 1 ano e dois meses de inactividade, por (…). 2. Dessa decisão interpôs o referido funcionário recurso hierárquico necessário para a Câmara Municipal, o que foi indeferido por despacho do Sr. Presidente da Câmara de 28 de Março de 2007. 3. Tal decisão de indeferimento do recurso hierárquico foi impugnada judicialmente pelo STAL – Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local, em representação de A… (…). 4. A acção em causa foi julgada procedente pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela verificação do vício de incompetência e, em consequência, foi determinada a anulação do acto pelo Sr. Presidente por despacho de 28 de Março de 2007, tendo o Município interposto recurso dessa decisão que veio a ser confirmada pelo Tribunal Central Administrativo Norte. (…) 11. As instâncias judiciais entenderam, no entanto, que a competência da Câmara para decidir sobre os recursos interpostos de deliberações do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados que apliquem sanções disciplinares decorre não da alínea n) do n.º 1, do artigo 64.º da Lei n.º 169/99, mas sim do n.º 4 do artigo 75.º do Estatuto Disciplinar, e que, por conseguinte, o Presidente da Câmara não estava legitimado a decidir sobre recursos hierárquicos em causa ao abrigo da referida delegação de competências. 12. Face à anulação judicial desses actos, e sem prejuízo do entendimento sufragado pelo Município, quanto à questão em discussão, impõe-se que sejam proferidas novas decisões dos recursos hierárquicos pela Câmara Municipal mantendo-se, assim, a aplicação das penas aplicadas pelo Conselho de Administração dos SMAS. PROPONHO (…) 1. Que sejam aproveitadas a informação INF/301/06/DMCAJ, de 15 de Novembro de 2006, e a INF/45/07/DMCAJ, de 27 de Fevereiro de 2007, da qual consta o despacho de 28 de Março de 2007 do Sr. Presidente da Câmara, de indeferimento do recurso hierárquico interposto. 2. Que a Câmara Municipal indefira por escrutínio secreto, o recurso hierárquico interposto da decisão do Conselho de Administração dos Serviços de Águas e Saneamento, que lhe aplicou a pena disciplinar de 1 ano e dois meses de inactividade, ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 12.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, com os fundamentos de facto e de direito constantes das informações supra identificadas, mantendo, assim, a pena aplicada pelo Conselho de Administração dos Serviços de Águas e Saneamento (…)». F) A informação INF/301/06/DMCAJ, de 15.11.2006, continha o seguinte teor: (vide folhas 147 a 152 do processo administrativo – recurso hierárquico): «Assunto: Recurso Hierárquico interposto por ARB, da deliberação do Conselho de Administração dos SMAS, de 13.09.2006, que lhe aplicou uma pena disciplinar de um ano e dois meses de inactividade. Dando cumprimento ao despacho superior da Exma. Chefe da Divisão de Contencioso e Apoio Jurídico, Ora Cristina Guimarães, somos a informar: Através do requerimento registado administrativamente sob o nº 116385/06/CMP, ARB, Encarregado de trolha, a exercer funções na Divisão de Acompanhamento e Fiscalização de Obras dos SMAS do Porto, interpôs recurso hierárquico com efeito suspensivo da deliberação do Conselho de Administração dos SMAS, datada de 13.09.2006, que lhe aplicou uma pena disciplinar de um ano e dois meses de inactividade. O recorrente entende que a deliberação punitiva deve ser revogada dado que assentou sobre pressupostos factuais errados alegando em síntese que: • A pena disciplinar foi aplicada com base em factos que não se encontram provados, designadamente, o alegado no artº 1 dos "Factos" do relatório quando se dá como provado que o arguido se encontrava a executar "obras de reparação da ligação da rede predial de saneamento ... à rede pública das águas pluviais", que o arguido começou a abrir uma vala e que executa obras de ligação à rede de águas pluviais. • É falsa a afirmação do ponto 1 da "Apreciação" feita pela Instrutora, assim como é falso que recorrente tenha dito, em sede de auto de declarações que procede à ligação da rede de saneamento à rede pública de águas pluviais; • Invocou ainda que confessou exercer funções privadas, em acumulação mas não que tivesse cometido as ilegalidades dos factos provados e na "Apreciação" de proceder às ligações das redes de saneamento às redes de águas pluviais; • Acresce ainda que foi considerada a circunstância agravante "de vontade determinada de produzir resultados prejudiciais aos serviços públicos" quando o recorrente não teve intenção, nem produziu resultados prejudiciais aos serviços. Vejamos então! 2. Análise e enquadramento jurídico: A) Da verificação dos pressupostos procedimentais da interposição do recurso: Nos termos do artigo 73° do ED da decisão proferida em processo disciplinar pode caber recurso hierárquico. E conforme disposto nos nºs. 1, 3, 4 e 6 do artº 75º do ED, o arguido pode recorrer hierarquicamente dos despachos que não sejam de mero expediente, sendo o recurso interposto para o respectivo órgão executivo no prazo de 10 dias a contar da data em que o arguido tenha sido notificado, sendo certo que a interposição do recurso hierárquico tem efeito suspensivo da decisão condenatória O recorrente tem, portanto, legitimidade para a interposição do recurso e este é tempestivo. Nos termos do disposto no artº 175º do CPA o prazo para decisão é de 30 dias (úteis) sob pena de se considerar tacitamente indeferido (aplicável por força do disposto no nº 3 do artº 176º CPA). B) Da fundamentação do recurso Do articulado ora apresentado pese embora o recorrente alegue que a pena aplicada se tenha baseado em factos que foram dados como provados sem que estivesse ou não o pudessem ser, atento a inexistência de prova nesse sentido, julgamos que não assiste razão ao recorrente. Na verdade a pena aplicada assentou em pressupostos de facto que efectivamente se encontram provados. Senão vejamos: Efectivamente e tal como resulta dos elementos insertos no processo disciplinar o ora recorrente acordou em fazer o trabalho em causa (ligação de rede de saneamento à rede de águas pluviais) não podendo alegar que desconhecia aquilo que teria de efectuar. Na verdade e tal como resulta das declarações proferidas em sede de auto de declarações, (a fls. 86 do processo disciplinar), o recorrente declarou que o empreiteiro quando o abordou informou-o que " a dona da casa já tinha pago nos SMAS € 250,00 para fazer a ligação à rede de saneamento (...)" e quando se deslocou à casa sita no número 119-123 da Rua T… a senhora lhe pediu um orçamento para fazer a ligação à rede de águas pluviais. Na verdade quando inquirido sobre a questão de no caso em apreço se estar a falar de uma ligação da rede de saneamento à rede pública de águas pluviais é o próprio recorrente que afirma que sabia tal ligação ser ilegal mas que ainda assim acordou em fazê-la. Consciente da ilicitude da sua actuação não se deixou demover propondo-se executá-la à mesma, tendo realizado todos os actos preparatórios conducentes ao acto final da efectiva ligação da rede de saneamento à rede de águas pluviais. Em rigor o recorrente praticou todos os actos de execução tendo em vista a realização da ligação em causa. Na verdade, acordou o preço a pagar, a data em que realizaria o trabalho e os moldes em que o mesmo seria executado, sendo certo que a referida ligação não se realizou apenas porque no exacto momento, já depois do pavimento ter sido mexido, apareceu um fiscal da CMP – MAD - que questionou o ora recorrente sobre a situação em apreço e impediu que aquela actuação se consumasse. Não foi o ora recorrente que voluntariamente desistiu de prosseguir na execução da sua conduta. Em rigor e tal como referido não ficou provado que o ora recorrente tivesse efectuado a ligação ilegal supra referida nem tão pouco que tivesse cobrado os € 100,00 ou qualquer outra quantia pela realização do trabalho. O arguido "( ... )não foi acusado de ter recebido qualquer verba a título de remuneração pelo trabalho que acabou por não ser executado" (fls. 131). Aliás, não foi por este facto que o funcionário em causa foi punido, nem tão pouco foi pelo mesmo que lhe foi aplicada a pena em causa. Por outro lado, também ficou demonstrado e provado que o pedido apresentado pelo funcionário, em 28.02.1997, para o exercício de funções privadas em acumulação com as que exerce na administração pública, apenas foi deferido sob a condição de as mesmas apenas poderem ser exercidas fora da área de jurisdição da Câmara Municipal do Porto. E ainda que não se tratasse de uma ligação ilegal, qualquer trabalho (por conta própria) desta natureza executado dentro da área de jurisdição da CMP seria ilegal por incompatibilidade entre as funções públicas que o funcionário exerce nos SMAS do Porto. Ora, estes factos encontram-se amplamente provados quer através de prova testemunhal (cfr. depoimentos insertos a fls. 55-56 e fls.39-45) quer pelas próprias declarações proferidas pelo recorrente (fls.85 - 87) quer através de prova documental (fls. 51 a 54) e foram estes factos, provados, que motivaram a decisão ora posta em crise, foi neles e não em quaisquer outros que essa decisão se fundou e que levaram á aplicação da concreta sanção disciplinar. Logo, a alegação tecida pelo recorrente de que a pena disciplinar foi aplicada com base em pressupostos de factos errados que não se encontram provados não pode proceder porquanto não corresponde á realidade conforme supra ficou demonstrado. Acresce que, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, da "Apreciação" do Relatório (fls.122 a 135) não resulta que se tenha considerado que o recorrente, no Auto de Declarações, tenha mencionado que procede á ligação da rede de saneamento á rede pública de águas pluviais. Na realidade o que efectivamente resulta do auto de declarações é que o ora recorrente admite executar trabalhos privados dentro do Município do Porto e que têm a ver com ligações á rede de saneamento e que no caso concreto se propôs a realizar a ligação ilegal da rede de saneamento à rede de águas pluviais e quanto a isso dúvidas não existem de que esse facto está provado e que obviamente foi valorado. Assim, não colhem as afirmações tecidas pelo recorrente. O recorrente alega ainda que confessou espontaneamente a acumulação de funções mas não as ilegalidades de proceder às ligações das redes de saneamento às redes pluviais. Ora, mais uma vez se refere que aquilo que se considerou provado é que no caso em apreço o recorrente se dispôs a fazer esta ligação específica (ligação da rede de saneamento à rede de águas pluviais) tendo proposto o preço para a respectiva execução. Aliás é o próprio arguido que o confessa acrescentando ainda estar ciente da ilegalidade de tal conduta. No que concerne à circunstância agravante "de vontade determinada de produzir resultados prejudiciais aos serviços públicos" alega o recorrente que não teve intenção, nem produziu resultados prejudiciais aos serviços. No entanto, e salvo o devido respeito afigura-se irrelevante o recorrente alegar que não produziu resultados prejudiciais, dado que constitui circunstância agravante a vontade de produzir resultados prejudiciais ao serviço público independentemente de estes se verificarem. Na verdade tal alegação já foi analisada em sede de relatório final (a fls. 132) resultando que o facto de um funcionário dos SMAS que se apresenta nessa qualidade e que aceita realizar um trabalho ilegal de ligação de rede de saneamento à rede de águas pluviais cria nos Munícipes dano de confiança quanto à acção desta entidade pública, entrando directamente em colisão com os objectivos da "Campanha de Incentivos de Ligação dos Prédios à Rede de Saneamento". Considerando que o objectivo desta campanha é a despoluição das linhas de água do Município e por conseguinte a sensibilização da população para esse efeito, pretendendo-se portanto que as águas residuais sejam objecto de tratamento adequado, é chocante admitir que um funcionário público dessa mesma entidade e que se encontra adstrito ao cumprimento dos deveres gerais da função, designadamente, os de zelo e lealdade, admita realizar uma ligação precisamente contrária àquilo que se pretende com esta campanha. E mais gravoso ainda quando o próprio admite perante terceiros saber que era ilegal tal ligação e ainda assim admitir executá-la. Por este motivo as alegações tecidas são destituídas de fundamento não podendo proceder. Por último vem o recorrente invocar que quando afirmou que "não via qualquer problema no que faz" não foi com o sentido atribuído no Relatório cumpre desde logo esclarecer que não se descortina o alcance de tal afirmação. O arguido disse o que disse em sede de declarações, a fls. 87, sendo claras as ilações que daí se retiram. Desta forma, os autos demonstram que o recorrente cometeu as infracções disciplinares melhor descritas no relatório final do processo disciplinar em causa e que tais infracções legitimaram a sanção que lhe foi aplicada. 3. Conclusões: Atento o exposto e conforme supra explanado, somos de parecer que inexistem fundamentos para que a decisão ora impugnada seja revogada, não enfermando a mesma de qualquer ilegalidade, encontrando-se provados os factos em que a pena aplicada se fundou. Logo, afigura-se que o presente recurso hierárquico deverá ser indeferido mantendo-se a decisão que ora se pretendia ver revogada, pelo que se propõe o seu indeferimento. É este, salvo melhor, o nosso parecer que se submete á Consideração Superior». G) O representado do Autor, foi notificado da deliberação de 15.11.2011, por ofício datado de 14.12.2011, das «Águas do Porto, EM», nos seguintes termos: «Assunto: Decisão sobre o recurso hierárquico interposto da deliberação do Conselho de Administração dos SMAS de 23-06-2006 – Processo nº 1581/07.3BEPRT. Serve o presente para (…) notificar V. Ex.ª de que o recurso hierárquico interposto, para a Câmara Municipal do Porto, por deliberação da mesma entidade de 15-11-2011: indeferido.» (vide folhas 74 dos autos). H) Na sequência de pedido do representado do autor sobre os fundamentos da decisão, as «Águas do Porto, EM», por ofício de 30.01.2012, notificaram-no do seguinte: «Em resposta ao s/ requerimento datado de 09-01-2012, junto se remete certidão da deliberação da C.M. Porto. Face ao exposto, a pena a aplicar deverá ser cumprida de imediato a partir do primeiro dia útil seguinte ao do conhecimento da presente notificação.» (vide doc. de fls. 82 dos autos). I) O representado da Autor requereu em 28.02.1997, autorização para o exercício de funções privadas em cumulação com as exercidas na função pública. J) Através da Ordem de Serviço 174/97, foi dado a conhecer ao Autor o despacho que deferiu o pedido de cumulação de funções, na condição daquela cumulação ser exercida fora da área de jurisdição da Câmara Municipal do Porto – vide documento de fls. 51 a 54 do processo administrativo. * III - Enquadramento jurídico.O Autor tinha invocado no seu articulado inicial, além do mais, que o novo Estatuto Disciplinar é imediatamente aplicável, sendo mais favorável e estabelecendo que a pena de inactividade é convertida em pena de suspensão pelo limite máximo que é de 20 a 90 dias por cada infracção, num máximo de 240 dias por ano, pelo que a pena aplicada é ilegal, violando o artigo 4.º, n.º 5 da Lei 58/2008 e 10.º do Estatuto Disciplinar de 2009. A questão que aqui se coloca é a de saber se a conversão da pena de um ano e dois meses de inactividade na pena de suspensão, de aplicação automática por força do disposto no artigo 4º, nº 5, da Lei nº 58/2008, de 09.09, em vigor a partir de 01.01.2009, por força do disposto no artigo 7º desta Lei e do artigo 23º da Lei nº 59/2008, de 11/09, conduz à anulação da deliberação da Câmara Municipal que indeferiu o recurso hierárquico interposto pelo Recorrido. No acórdão recorrido foi dada razão ao Autor dando-se por verificado este vício de violação de lei nos exactos termos em que tinha sido invocado. A Entidade Demandada, ora Recorrida, defende que: a Câmara Municipal limitou-se a confirmar o acto recorrido hierarquicamente que foi praticado ao abrigo da legislação anterior, pelo que o teria de o fazer nos seus exactos termos como, de resto, fez e, assim, não tinha de – nem sequer podia - determinar expressamente a conversão da pena de inactividade aplicada em pena de suspensão; a interpretação do Tribunal a quo não tem, portanto, qualquer acolhimento na letra da lei, nem no espírito que está subjacente ao regime de aplicação da lei no tempo consagrado pelo diploma em apreço; caso assim não se entenda, contrariamente ao aventado pelo Tribunal recorrido, a conversão da pena de inactividade aplicada em pena de suspensão, de acordo com o prescrito na Lei n.º 58/2008, é automática, não implicando uma decisão expressa nesse sentido; é da letra da lei, e não da mera interpretação do Réu, aqui Recorrente, que decorre que a conversão da pena de inactividade em pena de suspensão é automática e pelo seu limite máximo pelo que não cabia sequer ponderar a moldura de aplicação da pena como propõe o Tribunal recorrido, no intervalo entre 20 e 90 dias; considerando-se que, efectivamente, deverá existir um acto expresso de conversão da pena de inactividade em pena de suspensão, tal acto sempre consubstanciará um mero acto de execução – do verdadeiro acto administrativo impugnável que é o de indeferimento de recurso hierárquico e do acto de aplicação da pena que lhe subjaz, sendo que, nesse caso, caberá decidir não pela anulação do acto de indeferimento cuja legalidade não resulta, face ao exposto, beliscada, mas sim pela mera condenação do Réu, em sede de execução da pena, à prática de acto de conversão desta numa pena de suspensão ou à garantia dessa conversão em sede de execução da pena. Vejamos. Dispõe o n.º 5 do artigo 4º da Lei n.º 58/2008, de 09.09, cuja aplicação ao caso concreto e interpretação aqui se discute: “A pena de inactividade que se encontre proposta, aplicada ou em curso de execução é automaticamente convertida em pena de suspensão, pelo seu limite máximo: a) Cessando, ou não se aplicando, os efeitos que produzia e que não sejam produzidos pela pena de suspensão; e b) Cessando imediatamente a sua execução quando aquele limite já se encontre atingido ou ultrapassado.” Tem razão o Recorrente quando afirma que a conversão da pena de inactividade, a aplicar-se, é pelo limite máximo, de forma automática, não existindo a possibilidade de graduar tal pena, face aos termos literais da norma que não permite outra interpretação, a defendida pelo Recorrido e sufragada na decisão recorrida: a conversão da pena de inactividade é pelo limite máximo da pena de suspensão. O que se percebe, dado que haverá sempre um tratamento mais favorável do funcionário sancionado, na sucessão de leis sancionatórias, qualquer que seja a pena de inactividade a aplicar à partida, dada a menor gravidade da pena de suspensão face à pena de inactividade. Mas a sua razão queda-se por aqui, improcedendo o recurso, adianta-se, no que tem de essencial: a violação desta norma no acto impugnado. Provou-se que o arguido estava a exercer função privada incompatível com o exercício da sua função pública e, por isso, incorreu em responsabilidade disciplinar que conduziu à sua condenação, ao abrigo da Lei nº 24/84, de 16.01, na pena de um ano e dois meses de inactividade, nos termos do artigo 12°, n.º 5 do referido Estatuto Disciplinar, condenação que não violou qualquer dispositivo legal à data em que foi proferida. Dela interpôs o arguido recurso hierárquico, que foi indeferido por decisão do Presidente da Câmara Municipal em 28.03.2007, a qual manteve a pena anteriormente aplicada. Nesta data, ainda não estava em vigor a Lei nº 58/2008, de 09.09, que, como já referido, só entrou em vigor em 01.01.2009. O representado do Autor impugnou judicialmente aquela decisão, tendo obtido provimento mediante anulação da mesma por ser julgado procedente o vício de incompetência do autor do acto, por o mesmo carecer de ser praticado pelo órgão colegial Câmara Municipal. Em reunião da Câmara Municipal de 15.11.2011, foi deliberado por escrutínio secreto, indeferir o recurso hierárquico apresentado, com base na proposta realizada a 08.11.2011, não tendo tal deliberação ordenado, agora já em plena vigência da Lei nº 58/2008, de 09.09, a imperativa conversão da pena de inactividade em pena de suspensão. Ora esta nova decisão não se podia limitar a confirmar ou ratificar o anterior acto objecto de recurso hierárquico. Nos termos do disposto nos n.ºs 4 e 6 do artigo 75.º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei 24/84, de 16.01, na administração local, o recurso hierárquico da decisão punitiva do concelho de administração do Serviços será interposto para o respectivo órgão executivo, ao qual se “devolve” (termo da lei) a competência para decidir definitivamente, podendo este mandar proceder a novas diligências, manter, diminuir ou anular a pena. Dado existir norma especial sobre este recurso administrativo, não se aplica a regra geral consignada na parte final do n.º 1 do artigo 174º do Código de Procedimento Administrativo de 1991, que prevê apenas a possibilidade de o recurso ser de reexame no caso de a competência para decidir não ser exclusiva do órgão recorrido. Neste caso, por expressa previsão de norma especial, a competência não é exclusiva do órgão recorrida dado ser devolvida ao órgão competente para decidir o recurso administrativo. A decisão ora impugnada era, portanto, uma decisão de reexame do procedimento disciplinar pelo que devia aplicar a lei vigente no momento em que foi proferida. Momento em que já estava em vigor o artigo 4º nº 5 da Lei nº 58/2008, de 09.09, ou seja, a conversão automática da pena de inactividade em pena de suspensão pelo seu limite máximo precisamente para os casos, como o dos autos em que estava proposta, no recurso hierárquico, a manutenção da aplicação da pena de inactividade. Por outro lado, não se pode sustentar, como faz o Recorrente, que resultando da Lei a conversão automática o acto punitivo não tinha de proceder à conversão. O acto administrativo visa precisamente aplicar ao caso concreto individual as normas jurídicas aplicáveis. Se a norma aplicável prevê a conversão automática da pena de inactividade e se no caso a Entidade com poder de punir entendia que era de aplicar a pena de inactividade deveria, por imperativo do artigo 4º, nº 5, da Lei nº 58/2008, de 09.09, converter tal pena em suspensão pelo seu limite máximo. Só assim respeitava a lei aplicável ao caso concreto. Não se percebe, de resto, a lógica de relegar para sede de execução da pena a conversão. Precisamente por a conversão em pena de suspensão pelo seu limite máximo ser automática, nos termos da lei, deverá ter lugar logo no momento em que se decide, face à proposta de aplicação da pena de inactividade. Termos em que se confirma a decisão de anulação do acto punitivo, por violação do disposto no artigo 4º, nº 5, da Lei nº 58/2008, de 09.09 (artigo 135º do Código de Procedimento Administrativo de 1991), embora com diferente fundamento, porque a pena aplicada deveria ter sido convertida na pena de suspensão pelo período máximo e não graduada entre 20 e 90 dias por cada infracção, num máximo de 240 dias por ano. Não merece, pois, provimento o presente recurso, impondo-se manter a decisão recorrida, com esta diversa fundamentação. *** IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantêm a decisão recorrida embora com fundamentação diversa.Custas pelo Recorrente. Porto, 06.04.2018 Ass. Rogério Martins Ass. Luís Garcia Ass. Alexandra Alendouro |