Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00162/22.6BEMDL |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 06/27/2024 |
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Tribunal: | TAF de Mirandela |
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Relator: | ANA PATROCÍNIO |
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Descritores: | PRINCÍPIO DA APLICAÇÃO RETROACTIVA DA LEI NOVA MAIS FAVORÁVEL; DISPENSA; REDUÇÃO E ATENUAÇÃO ESPECIAL DAS COIMAS; LEI N.º 7/2021, DE 26 DE FEVEREIRO; |
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Sumário: | Concluindo-se que as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, no Regime Geral das Infracções Tributárias, em sede de dispensa, redução e atenuação especial das coimas, se repercutem na decisão de aplicação e na medida da coima questionada nos autos – por imposição constitucional e legal do princípio da aplicação retroactiva da lei nova mais favorável - haverá que, oficiosamente, determinar a remessa do processo à autoridade administrativa para que esta reveja ou renove tal decisão em conformidade com essas alterações em vigor, introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório [SCom01...], Unipessoal, Lda., com sede na Rua ..., ..., ... ... de ..., ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 06/02/2023, que julgou improcedente o recurso das decisões de aplicação de coima, no âmbito de setenta e cinco processos de contra-ordenação que identifica a petição inicial, pela falta de pagamento de taxas de portagem. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “a) Da falta de notificação da Arguida para a identificação do condutor ou para o pagamento voluntário das taxas de portagem e custos administrativos uma vez que o expediente foi sempre devolvido ao remetente, configurando uma nulidade que para os devidos e legais efeitos se arguiu; b) Da inexistência de qualquer ato de contraordenação com negligência por parte dos Legais Representantes da Arguida, porquanto demonstrou o seu comportamento zeloso e diligente, de “bom pagador”, primeiro ao dirigir-se aos CTT, segundo ao notificar a [SCom02...] para que lhe enviassem um descritivo do pagamento das portagens a pagar, terceiro após falta de resposta da [SCom02...] logo que a Administração Fiscal notificou a Arguida para o pagamento das mesmas aquela pagou religiosamente a contrapartida da utilização da auto estrada equipada com pórticos; c) Até porque foram vários os acordos feitos com as Finanças para pagamento de portagens onde estão incluídos nalguns deles também coimas das quais a Arguida não apresentou defesa – conforme Comprovativos que se protestam juntar; d) É nosso entendimento que nos termos dos artigos 79.º, n.º 1 b) e 63.º d) do RGIT não consta da decisão de aplicação da coima uma descrição sumária dos factos; e) A decisão de aplicação da coima apenas se refere à falta de pagamento da portagem havendo uma omissão dos restantes elementos do tipo; f) Não consta da decisão o facto do qual resulta a responsabilidade da Arguida pelo pagamento da taxa de portagem ou a moldura da coima; g) Além disso, a arguida requereu expressamente a dispensa das coimas aplicadas nos processos descritos por se verificarem preenchidas as circunstâncias cumulativas que determinam o seu afastamento, nos termos do artigo 29.º do RGIT; h) Estando reunidos também os requisitos do artigo 32.º do RGIT; i) Argui subsidiariamente ainda a atenuação especial da coima, considerando a regularização da situação tributária em falta e os demais requisitos aí previstos; j) Já que a condenação da empresa arguida a pagar as coimas impõe a insolvência da mesma com a consequente perda dos postos de trabalho dela dependentes. k) Por fim, a Arguida nunca negou a existência das portagens o que tivesse passado nas auto estradas e nunca se recusou ao seu pagamento; NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS DOUTAMENTE SUPRIRAO DEVERA O PRESENTE RECURSO CONSIDERAR-SE PROCEDENTE POR PROVADO E EM CONSEQUENCIA SER REVOGADA A DOUTA SENTENÇA DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTANCIA;” **** O Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela respondeu, tendo concluído do seguinte modo: “1.º A douta sentença fundamentou, e diga-se muito bem, a existência de notificação e a razão pela qual não aplicou a dispensa de coima nem a atenuação especial de coima. 2.º A sentença recorrida não violou, por conseguinte, qualquer preceito legal e constitucional, antes tendo feito uma correta aplicação do direito aos factos, revelando-se estes corretamente apreendidos, valorados e juridicamente enquadrados, donde resulta que o recurso não merece provimento e, consequentemente, deve aquela sentença ser integralmente mantida. OS SENHORES DESEMBARGADORES ASSIM DECIDINDO FARÃO A ACOSTUMADA JUSTIÇA!” A Recorrida não respondeu. **** Tendo os autos sido remetidos ao Ministério Público, nos termos das disposições conjugadas da alínea b) do artigo 3.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), do artigo 74.º, n.º 4 do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS) e do n.º 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal (CPP), o digníssimo Magistrado junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso. **** Tendo em vista ponderação de questão de conhecimento oficioso, consubstanciada na eventual aplicabilidade de regime concretamente mais favorável, foram notificados todos os intervenientes processuais para se pronunciarem acerca da possível aplicabilidade a estes procedimentos de contra-ordenação da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 01/01/2022, dando nova redacção, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e aditando o artigo 28º-A ao mesmo diploma. Não foi emitida qualquer pronúncia. **** Dispensam-se os vistos nos termos das disposições conjugadas dos artigos 418.º, 419.º e 4.º do Código de Processo Penal e, supletivamente, do artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil ex vi alínea b) do artigo 3.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e n.º 4 do artigo 74.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, sendo o processo submetido à conferência para julgamento. **** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR O presente recurso segue a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS); pelo que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões [cfr. artigo 412.°, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP) ex vi artigo 74.°, n.º 4 do RGIMOS], excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso. Assim, será ponderada a aplicabilidade a estes procedimentos de contra-ordenação da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 01/01/2022, dando nova redacção, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e aditando o artigo 28º-A ao mesmo diploma, dado que, além do mais, está em análise no recurso a verificação dos pressupostos da dispensa das coimas e da atenuação especial das coimas. III. Fundamentação 1. Matéria de facto Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “1. Em 23/7/2021 e 5/8/2021 e 25/8/2021, nos setenta e cinco processos identificados a fls. 2184 (suporte físico do processo) o Chefe de Serviço de Finanças ... aplicou à Arguida 75 coimas que dizem respeito à falta de pagamento de taxas de portagens, e que aqui se reproduzem integralmente – Fls. 61 e ss, 98 e ss, 136 e ss, 177 e ss (do segmento que o SITAF classifica de fls. 3- 188); 23 e ss, 75 e ss, 117 e ss, 160 e ss, 203 e ss (do segmento que o SITAF classifica de fl. 189-460); 34 e ss, 76 e ss, 109 e ss, 145 e ss, 181 e ss e 216 e ss ( do segmento que o SITAF classifica de fls. 461-696); 55 e ss, 94 e ss, 133 e ss, 173 e ss ( do segmento que o SITAF classifica de fls. 697-877); 31 e ss, 69 e ss, 104 e ss 156 e ss, 200 e ss, 241 e ss, 278 e ss ( do segmento que o SITAF classifica de fls. 878-1178); 20 e ss, 61 e ss, 100 e ss, 144 e ss, 180 e ss, 255 e ss, 295 e ss, 331 e ss (do segmento que o SITAF classifica de fls. 1179-1516); 33 e ss, 73 e ss, 107 e ss, 142 e ss, 184 e ss, 226 e ss, 269 e ss, ( do segmento que o SITAF classifica de fls. 1517-1794); 36 e ss, 82 e ss, 125 e ss, 170 e ss, 213 e ss, 262 e ss, 306 e ss ( do segmento que o SITAF classifica de fls. 1795-2107); 35 e ss, 81 e ss, 128, e ss, 167 e ss, 210 e ss, 252 e ss, 299 e ss ( do segmento que o SITAF classifica de fls. 2108- 2414); 39 e ss, 93 e ss, 150 e ss, 186 e ss, 227 e ss, 268 e ss ( do segmento que o SITAF classifica de fls. 2415-2689); 29 e ss, 64 e ss, 104 e ss, 146 e ss, 188 e ss, 262 e ss ( do segmento que o SITAF classifica de fls. 2690-2958); 26 e ss, 61 e ss, 95 e ss, 132 e ss ( do segmento que o SITAF classifica de fls. 2959-3106) 2. A concessionária notificou a Arguida para a sua sede para que, esta, no prazo de 30 dias úteis, procedesse à identificação do condutor do veículo no(s) momento(s) da prática da(s) contra-ordenação(ões) ou para pagar voluntariamente o(s) valor(es) da(s) taxa(s) de portagem e os custos administrativos associados, nos processos supra identificados – cfr as seguintes fls. e as que lhes antecedem, que aqui se dão por reproduzidas: Fls. 53, 92, 130, 171 ( que o SITAF classifica de fls. 3- 188); 28, 69, 111, 154, 197, 252 (que o SITAF classifica de fls. 189-460); 103, 139, 175, 210 (que o SITAF classifica de fls. 461-696); 88, 127, 167 (que o SITAF classifica de fls. 697-877); 25, 63, 98, 150, 235 (que o SITAF classifica de fls. 878- 1178); 14, 55, 94, 139, 174, 209, 248, 289, 325 (que o SITAF classifica de fls. 1179- 1516); 26, 67, 101, 136, 178, 263 ( que o SITAF classifica de fls. 1517-1794); 30, 76, 119, 164, 207, 256, 300 (que o SITAF classifica de fls. 1795-2107); 29, 117, 161, 204, 247, 282 (que o SITAF classifica de fls. 2108- 2414); 22, 33, 76, 87, 133, 144, 180, 221, 262 (que o SITAF classifica de fls. 2415-1689); 23, 58, 98, 140, 182, 222, 256 (que o SITAF classifica de fls. 2690-2958); 20, 55, 89, 126 (que o SITAF classifica de fls. 2959-3106); Não se provou: a) Que até ao momento a Recorrente tivesse pago as taxas de portagem a que as decisões de aplicação de coima em causa nos autos dizem respeito – A Arguida não junta qualquer documento que comprove o facto;” 2. O Direito No âmbito do presente recurso jurisdicional, foram todos os intervenientes processuais notificados para se pronunciarem acerca da possível aplicabilidade a estes procedimentos de contra-ordenação da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 01/01/2022, dando nova redacção, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e aditando o artigo 28º-A ao mesmo diploma. Trata-se de lei nova, em matéria contra-ordenacional, estabelecendo um novo regime sancionatório, com alterações relevantes no que toca à dispensa, redução e atenuação das coimas aplicáveis. Para melhor ponderação desta questão de conhecimento oficioso, foram os intervenientes processuais alertados que, na determinação da coima aplicável, em caso de alteração do regime legal, há que verificar qual o regime concretamente mais favorável, considerando o disposto no n.º 4, parte final, do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, no n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal e no n.º 2 do artigo 3.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social. Contudo, nenhum emitiu qualquer pronúncia. Vejamos. Em 27 de Fevereiro entrou em vigor a Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que veio reforçar “as garantias dos contribuintes e a simplificação processual, alterando a Lei Geral Tributária, o Código de Procedimento e de Processo Tributário, o Regime Geral das Infracções Tributárias e outros actos legislativos”. Estando em causa nos presentes autos decisão de aplicação de coima por infracção ao disposto no artigo 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea b) do Código do Imposto Sobre Valor Acrescentado, punível pelo disposto no artigo 114.º, n.º 2, n.º 5, alínea a) e 26.º, n.º 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), mostra-se relevante o RGIT ter sido objecto de recente alteração e aditamento pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que, em concreto, procedeu à alteração dos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 40.º, 41.º, 58.º, 70.º, 75.º, 79.º, 80.º, 83.º, 84.º, 92.º, 96.º, 97.º, 108.º e 128.º e aditamento dos artigos 28.º -A, 32.º -A e 112.º -A. Cumpre atentar às alterações impostas ao RGIT, em sede do regime de dispensa, redução e atenuação das coimas, cuja entrada em vigor ocorreu a 01 de Janeiro de 2022 (vide artigo 17.º da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro). De entre as alterações ao RGIT, há precisamente a destacar as que directamente têm a ver com medida e aplicação da coima e sanções acessórias, entre as quais a dispensa, redução e atenuação das coimas. Estabelece-se a dispensa de coima (artigo 29.º do RGIT) quando, nos cinco anos anteriores, o agente não tenha sido condenado por decisão transitada em julgado, em processo de contra-ordenação ou de crime por infracções tributárias, ou beneficiado de dispensa ou de pagamento de coima com redução. A dispensa de coima aplica-se ainda às situações em que (i) não esteja em causa a falta de entrega da prestação tributária e (ii) o agente tenha cumprido as obrigações tributárias que deram origem à infracção. Deixa de ser expressamente exigido, nesta sede, um diminuto grau de culpa. Fica estipulada a redução do valor da coima para 12,5% ou 50% do montante mínimo legal, respectivamente, nas situações em que as coimas tenham sido pagas, a pedido do agente, e o pagamento for apresentado (i) sem que tenha sido levantado auto de notícia, recebida participação ou denúncia ou iniciado procedimento de inspecção tributária, ou (ii) até ao termo do prazo para apresentação de audição prévia no âmbito de procedimento de inspecção tributária (artigo 30.º do RGIT). Sublinhe-se que, adquirido o conhecimento da prática de infracção, se prevê a notificação do infractor informando-o de que pode, em 30 dias, regularizar a situação tributária e exercer o direito à redução de coima (artigo 28.º-A do RGIT). Com relevo, surgem ainda as alterações em sede de atenuação especial das coimas. A reformulação do regime de atenuação especial das coimas (artigo 32.º do RGIT) esclarece o momento em que o infractor – que reconhece a sua responsabilidade e regulariza a situação tributária - pode pedir a atenuação da coima: no decurso dos 30 dias concedido para a defesa e, ainda que, nas situações em que haja lugar à atenuação especial da coima, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade, não podendo resultar um valor inferior ao que resultaria da aplicação do artigo 30.º, nem ser inferior a 25€. A entidade competente pode limitar-se a proferir uma admoestação quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique. É manifesto, desde logo, de entre as alterações, a regra de notificação para regularização e para exercício do direito à redução, que consta do artigo 28.º-A, que não existia no regime anterior. Depois, temos o artigo 29.º que passa a prever a chamada dispensa das coimas (que anteriormente estava prevista no n.º 4 do mesmo artigo e no 32.º, n.º 1 do RGIT) quando o regime anterior só permitia tal possibilidade para pessoas singulares, não abrangendo as pessoas colectivas e, mesmo em caso de reincidência o n.º 2 não afasta agora a possibilidade de mesmo assim ser aplicada a dispensa de coima, a requerer em 30 dias, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias: “a) A prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária; b) Estar regularizada a falta cometida”. Mais, estarmos perante um regime mais favorável advém ainda do regime quanto à redução de coimas, pois tal como resulta do artigo 30.º, em que a redução que então no anterior regime oscilava entre 12,5%, 30% e 75% (artigo 29.º, n.º 1 da lei anterior), apresenta agora valores inferiores e, bem assim, do regime da atenuação especial das coimas agora previsto. As principais alterações, referidas, prendem-se com a objectividade que as mesmas transmitem aos regimes de dispensa, redução e atenuação de coima, exemplos disso são: (i) passar, desde logo, a estar definido que não pode ser aplicada coima quando o agente, nos cinco anos anteriores, não tenha: a) Sido condenado por decisão transitada em julgado, em processo de contra-ordenação ou de crime por infracções tributárias; b) beneficiar de dispensa ou de pagamento de coima com redução nos termos do RGIT; (ii) ser eliminado o requisito do “diminuto grau de culpa” e definido o conceito de “prejuízo efectivo”; (iii) o alargamento aos sujeitos passivos colectivos da possibilidade de dispensa de coima nas situações em que o agente, nos cinco anos anteriores, não tenha sido condenado por decisão transitada em julgado em processo de contra-ordenação ou de crime por infracções tributárias e beneficiado de dispensa ou de pagamento de coima com redução. Posto isto, não podemos olvidar que, em matéria penal, como em matéria contra-ordenacional, vigora por imperativo constitucional e legal a regra da aplicação retroactiva da lei mais favorável – cfr. artigos 29.º, n.º 4 da CRP, 2.º, n.º 4 do Código Penal e 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, aplicável ex vi artigo 3.º, alínea b) do RGIT aplicável “ex vi” artigo 18.º da Lei n.º 26/2006, de 30 de Junho – daí que o facto de em causa nos autos estarem contra-ordenações praticadas em data anterior à da entrada em vigor da Lei nova não constitui obstáculo a essa aplicação se esta lei se revelar mais favorável, enquanto não ocorrer decisão com trânsito em julgado (cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 21.10.2015 proferidos nos recursos n.ºs 719/15, 808/15, 833/15, 983/15, 1043/15 e 1059/15 e de 04.11.2015, nos recursos n.ºs 1042/15 e 1062/15 e vastíssima jurisprudência emanada pelos Tribunais Superiores em matéria penal). E é precisamente isso que sucede in casu. Com as alterações introduzidas ao RGIT, pela lei n.º 7/2021, ao dar nova redacção aos artigos do RGIT em matéria de dispensa, atenuação e redução da coima, o legislador introduziu, como já referimos, um conjunto de mudanças em sede das consequências jurídicas da infracção, no sentido de concretizar e tornar mais objectiva a aplicação daqueles regimes, ao alargar a sua aplicação às pessoas colectivas (e, estamos in casu, perante uma sociedade), ao introduzir ex novo determinados condicionalismos para funcionar o regime de redução (artigo 28º - A), aumentando os valores percentuais de redução da coima, e a possibilidade de substituição da coima por admoestação. Qualquer destas hipóteses, não previstas no regime contra-ordenacional em vigor na altura da aplicação das coimas à Recorrente, a se justificar no caso em apreço, é mais favorável àquela. Perante o exposto, impõe-se, necessariamente, nova graduação das coimas aplicadas, que tenha agora em conta as disposições do RGIT que entraram em vigor no dia 01 de Janeiro de 2022, o que necessariamente implica uma nova decisão administrativa de aplicação da coima, nomeadamente com cumprimento da imposição do artigo 28.º - A e verificação de determinados condicionalismos, havendo que apurar da regularização da situação tributária, o seu momento temporal, ocorrência ou não de situações anteriores de aplicação de coimas para aferir da reincidência e, perante tais elementos, proceder à atenuação/redução das coimas ou mesmo dispensa, a verificarem-se os pressupostos legais da sua aplicação, o que implica uma reapreciação para aplicação do novo regime – cfr., neste sentido, Acórdão deste TCA Norte, de 06/10/2022, proferido no âmbito do processo n.º 361/16.0BEAVR. Pelas razões expostas, as decisões administrativas de aplicação das coimas sindicadas nos presentes autos, referentes a infracções praticadas em diversas datas dos anos de 2018, de 2019 e de 2020, não se podem manter, desde logo, porque haverá que graduar as coimas aplicadas, atendendo aos novos regimes de redução, dispensa e atenuação da pena e, eventualmente, retirar as legais consequências dos mesmos, o que apenas poderá ser feito de modo adequado e eficiente pelos próprios serviços da autoridade administrativa, que não por este tribunal ad quem, a quem não cabe substituir-se à Administração nas decisões de aplicação de coimas, antes escrutinar se tais decisões são conformes à Lei e ao Direito. As decisões de aplicação de coimas que estão na origem dos presentes autos foram tomadas em momento anterior ao da entrada em vigor da nova Lei (01/01/2022), mas esta repercute-se inelutavelmente nela, como supra demonstrado, impedindo que possa subsistir nos termos em que foi proferida. Impõe-se, em consequência, a baixa dos autos à Autoridade Administrativa para que esta tenha a oportunidade de a rever ou renovar, em conformidade com o novo quadro legal, o que se determina. Conclusão/Sumário Concluindo-se que as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, no Regime Geral das Infracções Tributárias, em sede de dispensa, redução e atenuação especial das coimas, se repercutem na decisão de aplicação e na medida da coima questionada nos autos – por imposição constitucional e legal do princípio da aplicação retroactiva da lei nova mais favorável - haverá que, oficiosamente, determinar a remessa do processo à autoridade administrativa para que esta reveja ou renove tal decisão em conformidade com essas alterações em vigor, introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro. IV. Decisão Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a remessa dos procedimentos contra-ordenacionais à autoridade administrativa, para que reveja ou renove as decisões de aplicação de coima, em conformidade com as alterações em vigor introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro. Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público [cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais]. Porto, 27 de Junho de 2024 Ana Patrocínio Vítor Salazar Unas Maria do Rosário Pais |