Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00242/05.2BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/20/2012
Tribunal:TCAN
Relator:Maria do Céu Dias Rosa das Neves
Descritores:SUBSÍDIO DE COMPENSAÇÃO
JUBILAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Sumário:I - Pese embora o requerente do subsídio ter sido desligado do serviço e aposentado em 07 de Agosto de 1987 [data da publicação], neste despacho, por lapso, não se fazia menção ao estatuto da jubilação.
II - E como só o estatuto da jubilação concede o direito àquele subsídio, naturalmente que o prazo prescricional só se pode iniciar a partir do dia 20/11/2003, pois só nesta data o direito podia ser exercido [data em que foi concedida jubilação] e nunca de 07/08/1987 [em que apenas foi concedida a aposentação].
III - E como o prazo prescricional se interrompeu com a citação do R/ora recorrente, que se verificou em 22 de Janeiro de 2008 [cfr. nº 1 do artº 323º do CC] nesta data não haviam ainda decorrido os 5 anos.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:06/26/2011
Recorrente:Instituto de Gestão Financeira e de infra-Estruturas da Justiça, IP
Recorrido 1:M... e outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Nega provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO:

O INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E DE INFRA-ESTRUTURAS DA JUSTIÇA, I.P., que sucedeu nas competências do Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça (IGFPJ), interpôs o presente recurso jurisdicional da decisão do TAF de Braga proferida em 21 de Janeiro de 2011 que julgou procedente a acção administrativa especial intentada por MM…, JP… e PR…, herdeiros habilitados na pendência da acção de AC…, e nesta procedência:
-anulou o acto praticado pelo Presidente do Conselho Directivo do IGFPJ notificado a 13/12/2004;
-julgou improcedente a excepção relativa à prescrição do direito ao subsídio de compensação;
-condenou o Réu a pagar aos AA. a quantia de €52.246,05 (cinquenta e dois mil, duzentos e quarenta e seis euros e cinco cêntimos) acrescida de juros desde a citação.
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O recorrente formulou as seguintes CONCLUSÕES que aqui se reproduzem:
«I. A desligação do serviço do Sr. Dr. AC…, magistrado judicial, ocorreu em 1 de Outubro de 1987, tal como consta do Despacho do Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura (publicado no Diário da República, II Série, nº 180, de 7 de Agosto do mesmo ano), no qual, por lapso, não foi feita menção à condição de jubilado que lhe correspondia.
II. Veio, por isso, o mesmo Conselho Superior da Magistratura a publicar no nº 269 da II Série do Diário da República de 2003 uma rectificação, acrescentando a menção em falta.
III. Aquele magistrado requereu, em 16 de Dezembro de 2004, ao Presidente do Conselho Directivo do recorrente que lhe fosse abonado o subsídio de compensação relativo aos meses entretanto decorridos e para o futuro, requerimento esse que foi indeferido em 13 de Dezembro de 2004.
IV. É certo que estando o direito ao subsídio de compensação expresso na lei (artº 68º/1 da Lei nº 21/85 de 30 de Julho), devia o mesmo ter sido atribuído.
V. Tendo todavia prescrito as prestações vencidas até Julho de 2001.
VI. Na verdade, o prazo prescricional de cinco anos (fixado no artº 310º, g) do Código Civil) começou a correr com o início da situação de jubilação, ou seja 1 de Outubro de 1987 (uma vez que a publicação do despacho de desligamento lhe é anterior - 7 de Agosto do mesmo ano).
VII. E não com a data da publicação da Rectificação (em 20 de Novembro de 2003), tal como entende a sentença ora recorrida.
VIII. Na verdade aquele magistrado solicitou e foi-lhe concedido pelo Conselho Superior da Magistratura o estatuto de jubilado, nunca tendo renunciado ao mesmo nem dele tendo sido privado.
IX. Essa qualidade era portanto conhecida independentemente da sua referência expressa no Diário da República, dela tendo beneficiado para os restantes efeitos - nomeadamente em termos do cálculo da pensão e sua actualização (art. 68º/ 2 e 3 da Lei nº 21/85 de 30 de Julho).
X. Não pode, assim, aceitar-se que o prazo prescricional relativo a um dos direitos, incluído na qualidade de jubilado apenas se inicie depois de rectificada a menção no Diário da República, quando o requerente vinha já beneficiando genericamente dessa condição de jubilado.
XI. Carecem portanto de sentido as justificações aduzidas na sentença, que referem uma suposta ineficácia do acto que, como é evidente, se não verificou (pois a aposentação verificou-se, na condição de jubilado) e o sentido da decisão que também não foi afectado ou iludido.
XII. Na verdade, o lapso na publicação do Diário da República da desligação do serviço consistiu apenas da não referência expressa à qualidade de jubilado que, de qualquer forma, lhe foi efectivamente atribuída, tendo a rectificação ocorrida em 2003 apenas explicitado aquilo que havia sido assumido.
XIII. Donde, uma vez que aquele magistrado apenas interpôs a acção judicial impugnando o indeferimento da decisão do Presidente do lGFIJ em Julho de 2006, prescreveram todas a prestações relativas a subsídio de compensação ocorridas antes de Julho de 2001».
*
Os recorridos contra alegaram, requerendo ainda a ampliação do objecto do recurso, nos termos do disposto no artº 684º-A do CPC, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«I. Tal como foi entendido pelo Tribunal a quo, só depois de reconhecido o lapso cometido e, em consequência disso, rectificada a publicação da deliberação da sua desligação de serviço é que foi eficazmente conferido ao falecido pai dos aqui recorridos o estatuto de magistrado jubilado, que é distinto do atribuído a um qualquer funcionário público aposentado, para os devidos e plenos efeitos legais, com todos os deveres e direitos inerentes a essa condição.
II. Até à publicação da dita rectificação, em 20-11-2003, nem sequer se punha a questão do fornecimento da chamada “casa de função” ao falecido pai dos aqui recorridos, e muito menos a de atribuição do subsídio de compensação, pois antes dela não era público que a sua desligação do serviço ocorrera “para efeitos de aposentação jubilação”, sendo ineficaz a deliberação tomada nesse sentido.
III. Pela mesma razão, é evidente que até àquela data (20-11-2003) o falecido pai dos aqui recorridos não poderia validamente reclamar a atribuição daquele subsídio, sendo igualmente pacífico que, se o tivesse feito, era mais do que certo, além de perfeitamente justificado, o indeferimento de semelhante pretensão.
IV. Dado que o prazo da prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido, é indubitável o acerto da sentença recorrida, quando nela se decidiu que, no caso concreto, esse termo inicial corresponde a 20-11-2003, por ser a data em que foi publicada a rectificação que reconheceu ao falecido pai dos ora recorridos o estatuto de jubilado, do qual dependia o direito ao subsídio de compensação reclamado.
V. Configura um uso reprovável dos meios de defesa dizer-se que a deliberação publicada em 07-08-1987 implicou o reconhecimento eficaz do estatuto de jubilado a partir de 01-10-1987 e que o falecido pai dos aqui AA. tinha consciência da sua qualidade de jubilado a partir desta data, para defender a prescrição parcial do direito reclamado nesta acção pelo facto de apenas ter agido depois de a rectificação ter sido publicada, quando só o poderia ter feito a partir dessa ocasião.
VI. Acolher um tal entendimento equivaleria a dar cobertura ao censurável comportamento de quem deu azo, com um seu acto anterior, à propalada actuação “tardia” do falecido pai dos aqui AA., legitimada pelo erro a que foi sujeito e ao qual é completamente alheio.
VII. São inúmeras as previsões legais que defendem a posição dos particulares em caso de erros cometidos por terceiros que os conduzem ao exercício de direitos para além do prazo normalmente concedido para o efeito, de que são exemplo o disposto no art. 161º, nº 6, do CPC (respeitante a erros e omissões de actos praticados pelas secretarias judiciais) e no art. 58º, nº 4 - al. a), do CPTA (que alarga o prazo para a impugnação de actos quando a conduta da Administração tenha induzido o interessado em erro), sendo certo que o entendimento defendido pelo ora recorrente conduziria a algo ainda mais iníquo, pois não só implicaria que um seu erro prejudicasse efectivamente o falecido pai dos aqui recorridos, como permitiria que o próprio autor do erro dele se aproveitasse em seu benefício exclusivo, quando não se verificaram, in casu, os pressupostos inerentes à prescrição de qualquer direito, entendida como a reacção contra a inércia e o desinteresse do seu titular.
VIII. Uma tal solução ofenderia o sistema jurídico no seu todo, os princípios basilares do Estado de Direito (v. g., da legalidade, do acesso ao Direito e aos Tribunais, da confiança, da segurança e da proporcionalidade) e os superiores ditames da Justiça, o que tudo demanda que esse Venerando Tribunal obste ao objectivo anormal prosseguido pelo Réu com o presente recurso, negando-lhe provimento e dessa forma confirmando a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
IX. Na hipótese de esse Venerando Tribunal vir a entender que a contagem do prazo de prescrição não tem início em 20-11-2003 – como foi entendido na sentença recorrida –, mas antes em 01-10-1987 – conforme vem defendido pelo recorrente nas suas alegações –, e fazendo uso da faculdade prevista no art. 684º-A, nº 1, do CPC, aplicável ex vi do disposto nos arts. 1º e 140º do CPTA, os aqui recorridos pretendem que o âmbito do presente recurso seja alargado à reapreciação do fundamento de defesa em que decaíram, invocado no art. 12º do contraditório que apresentaram e, bem assim, no art. 16º das suas alegações escritas.
X. Como é sabido, o subsídio de compensação atribuído aos magistrados pelas respectivas leis orgânicas não tem natureza remuneratória, pois não constitui benefício ou regalia concedida em retribuição do trabalho prestado, antes “tem natureza indemnizatória e destina-se a suportar as despesas resultantes da não disponibilização de residência e habitação por parte e da exclusiva responsabilidade do Estado”, adequada à sua condição de membros de órgãos de soberania e imposta pela reconhecida necessidade de dignificar a respectiva função.
XI. Justamente porque tal subsídio de compensação não é retribuição principal ou acessória da prestação de trabalho por conta de outrem, antes se tratando de um substitutivo em relação ao direito à habitação de casas fornecidas pelo Estado aos magistrados, é que o legislador se limitou a estabelecer que seria “fixado pelo Ministro da Justiça, para todos os efeitos equiparado a ajudas de custo, ouvidos o Conselho Superior da Magistratura e as organizações representativas dos magistrados, tendo em conta os preços correntes no mercado local de habitação”.
XII. Uma vez que nos despachos ministeriais emanados em cumprimento do disposto no art. 29º, nº 2, do EMJ apenas resulta um determinado quantitativo mensal, sem contudo disciplinar a periodicidade do processamento e pagamento do subsídio de compensação aos magistrados, nem tampouco podendo daí retirar-se que seja sucessivamente renovável, falece a analogia com “quaisquer outras prestações periodicamente renováveis” e, é consequentemente inaceitável que a falta de previsão legal quanto ao prazo de prescrição deste tipo de atribuição patrimonial, de natureza compensatória e não retributiva, seja suprida mediante a aplicação do disposto na alínea g), do artº 310º do CC.
XIII. A integração da referida lacuna só pode processar-se através da aplicação analógica do prazo ordinário de vinte anos previsto no art. 309º do CC porquanto é o único que soluciona conflitos de interesses em tudo semelhantes, no essencial, com a situação omissa na lei.
XIV. Ao entender coisa diversa, o Tribunal a quo fez errada aplicação e/ou interpretação da norma contida na alínea g), do art. 310º do CC, e antes deveria ter aplicado o disposto no art. 309º do mesmo diploma legal, que por isso violou.
XV. Sendo o prazo de prescrição aplicável de vinte anos, ao invés do prazo quinquenal aplicado pelo Tribunal a quo, a decisão final tomada na sentença recorrida terá necessariamente de manter-se, em todas as suas vertentes».
Terminam pedindo:
«Nestes termos, e nos melhores de direito que Vªs Ex.ªs proficientemente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida no seus exactos termos, como é de inteira JUSTIÇA.
Assim não sucedendo, deve alargar-se o âmbito do presente recurso nos exactos termos acima expostos e, mercê disso, concluir-se na mesma pela improcedência da excepção de prescrição invocada pelo Réu, ainda que com fundamento diverso daquele que foi utilizado na sentença recorrida, bem como pela total procedência dos pedidos formulados pelos AA. e aqui recorridos».
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O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para os efeitos previstos no artº 146º do CPTA não emitiu qualquer pronúncia.
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Os autos foram submetidos à Conferência para julgamento depois de colhidos os respectivos vistos legais.
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2.FUNDAMENTOS
2.1.MATÉRIA DE FACTO
Da decisão judicial recorrida resultam assentes os seguintes factos:
«1). A presente acção foi intentada no dia 16 de Fevereiro de 2005 por AC… contra o Ministério da Justiça.
2). Por despacho de 29.01.2007 foi considerado que a acção deveria ter sido proposta contra o Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça e convidado o Autor a suprir a excepção de ilegitimidade passiva do Réu apresentando nova petição inicial instruída nos termos dos art.ºs 88º e 89º do CPTA.
3). Em 09.02.2007 veio MM… informar o Tribunal que o seu pai, Autor, faleceu no dia 02.07.2005.
4). Em 14.02.2007 foi determinada a suspensão da instância, atento o falecimento do Autor.
5). Em 26.09.2007 vieram MM…, JP… e PR… deduzir incidente de habilitação de herdeiros e apresentar nova petição inicial em que identificam como Réu o Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça.
6). Em 08.01.2008 foram os herdeiros supra identificados habilitados para prosseguirem a causa e determinada a citação do I.G.F.P.J.
7). O Réu foi citado no dia 22 de Janeiro de 2008.
8). No final da sua carreira como delegado do Procurador da República em Portugal, o falecido pai dos autores requereu a sua admissão no concurso para juízes de direito do Ultramar.
9). Admitido e aprovado, passou a exercer funções em Lourenço Marques (hoje, Maputo) e, após cerca de seis anos, em finais de 1974, foi transferido para a comarca de Macau.
10). Exercitando o direito conferido pelos arts. 1º, 3º e 4º do DL n.º 402/75, de 25 de Julho, o falecido pai dos aqui AA. requereu o ingresso no Quadro do Ministério da Justiça, ingresso esse que se verificou em 21 de Agosto de 1975.
11). Com mais de 36 anos de serviço prestado ao Estado, o falecido AC… requereu o desligamento do serviço, a partir de 1 de Outubro de 1987, para efeitos de aposentação, com o estatuto de jubilação.
12). Esse requerimento foi deferido por deliberação do Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura, conforme despacho publicado a pág. 9755 do nº 180 da 2ª Série do DR de 7 de Agosto de 1987.
13). Por mero lapso, do extracto publicado não constava qualquer referência ao estatuto da jubilação constando do mesmo apenas o seguinte: “Por deliberação do conselho permanente do Conselho Superior da Magistratura de 14.7.87: Licenciado AC…, juiz de direito, servindo no Tribunal Judicial da Comarca de Macau, desligado do serviço a partir de 1-10-87, para efeitos de aposentação”.
14). Porém, a omissão foi suprida pela rectificação nº 2198/2003, publicada a pág. 17.406 do nº 269 da 2ª Série do DR de 20 de Novembro de 2003 nos termos da qual “no despacho publicado no Diário da Republica, 2ª série, nº 180 de 7 de Agosto de 1987, a p. 9755, 1.ª col., rectifica-se onde se lê “para efeitos de aposentação” deve ler-se “para efeitos de aposentação jubilação”.
15). O falecido AC… nunca renunciou ao estatuto de jubilado e dele não foi privado.
16). Duas ou três semanas depois do desligamento do serviço, o falecido pai dos aqui demandantes despejou a casa de habitação que lhe estava atribuída pelo Território de Macau, em razão das funções de magistrado judicial que aí exercia, regressou a Portugal e fixou residência no lugar de Cones, da freguesia de Maximinos, deste concelho de Braga.
17). A casa onde o falecido AC… habitou entre 01.10.1987 e 02.07.2005, não era pertença do Estado.
18). Com o registo postal de 16.09.2004, AC… remeteu ao Presidente do Conselho Directivo do Instituto aqui demandado um requerimento em que pedia que lhe fosse abonado o subsídio de compensação (cfr. doc. n.º 10 junto com a petição inicial corrigida cujo teor aqui se considera aqui integralmente reproduzido).
19). Designadamente, requereu que, para além de lhe passarem a ser pagas regularmente as prestações vincendas, lhe fossem também pagas as prestações vencidas.
20). Em 13.12.2004 (com o registo interno datado do dia 10 anterior), o falecido pai dos AA. foi notificado, por via postal, do despacho que indeferiu esse requerimento (cfr. doc. nº 11 que acompanha a petição inicial corrigida cujo teor se considera integralmente reproduzido)».
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2.2 - O DIREITO:
O recurso jurisdicional interposto pelo recorrente será apreciado à luz dos parâmetros estabelecidos nos artºs 660º, nº 2, 664º, 684º, nº 3 e 4, e 690º todos do CPC aplicáveis, ex vi, do artº 140º do CPTA e, ainda, artº 149º do mesmo diploma legal, uma vez que, o Tribunal de recurso, em sede de apelação, não se limita a analisar a decisão judicial recorrida, dado que, ainda que a declare nula, decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito” - cfr. ainda o comentário a este propósito efectuado in “Justiça Administrativa”, Lições, pág. 459 e segs.” do Prof. Vieira de Andrade.
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QUESTÕES A DECIDIR:
No presente recurso, que naturalmente se encontra delimitado pelas conclusões apresentadas, apenas está em causa decidir a questão de saber se se verifica a excepção da prescrição do direito do falecido autor ao subsídio de compensação [previsto no nº 2 do artº 29º do EMJ] consoante o prazo se conte desde a sua aposentação ou desde a sua jubilação até ao seu falecimento, uma vez que não vem questionado o direito a este subsídio, nem que o prazo de prescrição é de 5 anos nos termos previstos na al. g) do artº 310º do Cód. Civil [esta última questão apenas é suscitada pelos recorrentes em sede de ampliação do recurso nos termos do artº 684º-A, pelo que, só dela se conhecerá no caso de procedência do recurso principal].
Deste modo, a questão que urge decidir mostra-se simples e sem complexidade.
Escreveu-se a este respeito na decisão recorrida:
“…Nestes termos, o falecido Autor teria direito a um subsídio de compensação desde o momento da sua jubilação – 01.10.1987 até à data do seu falecimento – 02.07.2005.
O Réu entende que o direito invocado se encontra prescrito, nos termos do artº 34º do DL nº 155/92 de 28 de Julho.
Este preceito legal tem como epigrafe “despesas de anos anteriores” e é o seguinte o seu teor:
“1 - Os encargos relativos a anos anteriores serão satisfeitos por conta das verbas adequadas do orçamento que estiver em vigor no momento em que for efectuado o seu pagamento.
2 - O montante global dos encargos transitados de anos anteriores deve estar registado nos compromissos assumidos, não dependendo o seu pagamento de quaisquer outras formalidades.
3 - O pagamento das obrigações resultantes das despesas a que se refere o presente artigo prescreve no prazo de três anos a contar da data em que se constituiu o efectivo dever de pagar, salvo se não resultar da lei outro prazo mais curto.
4 - O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição.”
À luz deste regime, o Réu considera que “se o direito que se arroga o autor começou a vencer-se em 1987, sendo o mesmo de vencimento mensal, atendendo à data em que o réu foi citado (causa de interrupção da prescrição, vide n.º 1 do artigo 323º do C.C., ex vi, do n.º 4 do artigo 34º do DL 155/92 de 28 de Julho), sempre se dirá que os créditos a título de compensação e aqui reclamados pelo autor se encontram prescritos pelo decurso do prazo de três anos”.
Vejamos, no entanto, se tem razão o Réu.
A Lei nº 8/90 de 20 de Fevereiro refere-se ao “regime financeiro dos serviços e organismos da Administração Central e dos institutos públicos que revistam a forma de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos, o controlo orçamental e a contabilização das receitas e despesas” (art.º 1º, nº 1).
O DL nº 155/92 de 28 de Julho contém as normas legais de desenvolvimento do regime de administração financeira do Estado a que se refere a Lei nº 8/90, de 20 de Fevereiro.
O capítulo I daquele deste DL nº 155/92 refere-se ao regime financeiro dos serviços e organismos da Administração Pública.
A Divisão I deste capítulo tem como epígrafe “Regime geral – autonomia administrativa” e abrange os art.ºs 2º a 42º e, portanto, também o invocado art.º 34º.
A par deste regime este diploma legal prevê um regime excepcional.
Tal regime encontra-se plasmado nos art.ºs 43º a 52º, constituindo a Divisão II do mesmo Capítulo com a epígrafe “Regime Excepcional – autonomia administrativa e financeira”.
Nos termos do art.º 43º, “as normas da presente divisão aplicam-se aos institutos públicos que revistam a forma de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos a que se refere especialmente o artigo 1.º da Lei n.º 8/90, de 20 de Fevereiro” (n.º 1) sendo que “os institutos públicos, referidos no número anterior e designados nesta divisão por organismos autónomos, abrangem todos os organismos da Administração Pública, dotados de autonomia administrativa e financeira, que não tenham natureza, forma e designação de empresa pública”.
Ora, considerando que o Réu é um instituto público dotado de personalidade jurídica e de autonomia administrativa e financeira, é-lhe aplicável o referido “regime excepcional”, previsto nos arts. 43º a 52º do DL nº 155/92.
Sucede que o invocado art.º 34º não se pode considerar aplicável ao Réu porquanto o art.º 52º refere-se expressamente às normas que são aplicáveis, com as devidas adaptações, aos organismos autónomos, não constante do elenco das mesmas, aquela disposição legal (“Aplicam-se aos organismos autónomos, com as devidas adaptações, as normas dos artigos 7º, nº 1, 8º, 11º, 12º, 21º, 22º, 25º a 33º e 35º a 42º do presente diploma”).
Assim sendo, às dívidas do Réu deve aplicar-se, no que à prescrição das mesmas concerne, o regime previsto no Código Civil.
Nos termos supra evidenciados, o subsídio de compensação em causa é equiparado, por força do disposto no nº 2 do art. 29º do EMJ (na redacção dada pela Lei nº 143/99, de 31.08) e para todos os efeitos legais, a ajudas de custo.
O seu montante é fixo, tratando-se de uma prestação periódica renovável, com vencimento mensal.
Sucede que o prazo prescricional não é, como pretendem os AA, o prazo ordinário de vinte anos previsto no art.º 309º do Código Civil mas sim o prazo de cinco anos, nos termos da alínea g) do art.º 310º do Código Civil.
Vejamos então qual o momento a partir do qual se deve entender que se iniciou a contagem deste prazo prescricional.
Os Autores entendem que a sua contagem só se iniciou com a primeira interpelação para pagamento, ou seja, em 16.09.2004, considerando o disposto no art.º 306º, nº 1, 2ª parte do Código Civil.
Nos termos deste preceito legal “o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição”.
O princípio geral é o de que o prazo só começa a correr quando o direito puder ser exercido. O início do prazo pode, porém, ter lugar depois da interpelação (havendo lugar a ela), se isso tiver sido estipulado, ou resultar da lei (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, pág. 278).
Ora, o Réu não estava apenas obrigado a cumprir após qualquer interpelação já que tal obrigação resultava directamente da lei, nos termos supra expostos.
É certo que a deliberação que defere o pedido de jubilação/aposentação e desliga o magistrado do serviço está sujeita a publicação obrigatória (como se infere do art. 70.º, nº 1, alínea b), do Estatuto dos Magistrados Judiciais). Foi aliás necessariamente esse o entendimento do Conselho Superior da Magistratura ao publicar a rectificação apenas quanto à jubilação.
Assim, a deliberação que desligou o Autor do serviço para efeitos de jubilação, quanto a esta parte, apenas produz efeitos a partir da publicação da rectificação, como se infere dos arts. 130.º, n.º 2, e 131.º do CPA, em que se estabelece que «a falta de publicidade do acto, quando legalmente exigida, implica a sua ineficácia» e que a publicação deve conter todos os elementos referidos no art. 123.º, entre os quais se inclui o sentido da decisão – art. 123.º n.º 1, alínea e).
O direito relativo a cada uma das prestações de subsídio de compensação era exercitável ao fim do mês a que o mesmo se reportava.
Mas, apenas em 20.11.2003 foi publicada a rectificação referida em 14) que reconheceu ao falecido Autor o estatuto de jubilado.
Pelo que só a partir de então o direito ao subsídio de compensação relativamente às prestações já vencidas pôde ser exercido (já que o mesmo dependia da sua qualidade de jubilado), nos termos do art.º 306º, n.º 1 do Código Civil.
Iniciando-se, por isso, em 20.11.2003 o prazo de prescrição das prestações vencidas desde 01.10.1987.
Acresce que o prazo prescricional interrompeu-se apenas com a citação do réu, atento o disposto no art.º 323º, n.º 1 do Código Civil.
Tal citação só ocorreu no dia 22 de Janeiro de 2008.
Ora, nessa data, ainda não se encontra prescrito o direito às prestações vencidas desde 01.10.1987 (cujo prazo prescricional só se iniciou no dia 20.11.2003, como evidenciamos) nem o direito às prestações entretanto vencidas.
Nestes termos improcede a invocada prescrição do direito, devendo o Réu ser condenado ao pagamento das prestações que se venceram entre o dia 1 de Outubro de 1987 e o dia 30 de Junho de 2005, valor que ascende, conforme cálculo elaborado pelos AA. e não contestado pelo Réu, a €52.246,05, acrescida de juros desde a citação».
Esta decisão não enferma do erro de direito que lhe é assacado.
O subsídio de compensação previsto no artº 29º do EMJ é igualmente atribuído aos juízes jubilados conforme dispõe o nº 1 do artº 68º do referido Estatuto.
E esse subsídio apenas podia ser exigido a partir da data da publicação em DR da rectificação nº 2198, publicada a pág. 17.406 do nº 269 da 2ª Série do DR de 20 de Novembro de 2003 nos termos da qual “no despacho publicado no Diário da Republica, 2ª série, nº 180 de 7 de Agosto de 1987, a p. 9755, 1.ª col., rectifica-se onde se lê “para efeitos de aposentação” deve ler-se “para efeitos de aposentação jubilação”.
Com efeito, pese embora o requerente do subsídio ter sido desligado do serviço e aposentado em 07 de Agosto de 1987 [data da publicação], neste despacho, por lapso, não se fazia menção ao estatuto da jubilação.
E como só o estatuto da jubilação concede o direito àquele subsídio, naturalmente que o prazo prescricional só se pode iniciar a partir do dia 20/11/2003, pois só nesta data o direito podia ser exercido [data em que foi concedida jubilação] e nunca de 07/08/1987 [em que apenas foi concedida a aposentação].
E como o prazo prescricional se interrompeu com a citação do R/ora recorrente, que se verificou em 22 de Janeiro de 2008 [cfr. nº 1 do artº 323º do CC] nesta data não haviam ainda decorrido os 5 anos.
Atento o exposto e, sem necessidade de quaisquer outras considerações por manifestamente desnecessárias, resulta evidente a improcedência do presente recurso.
E esta improcedência prejudica o conhecimento da ampliação de recurso requerida pelos recorridos nos termos do disposto no nº 1 do artº 684º-A do CPC. Neste sentido, cfr. o Ac. do STA de 03/02/2010, in rec. nº 0434/09 onde se refere expressamente: “A possibilidade de ampliação do objecto do recurso, nos termos do art.º 684-A, nº 1, do CPC, não visa substituir a necessidade de interposição de recurso jurisdicional (principal ou subordinado) por parte daqueles que se julguem prejudicados com uma decisão de um tribunal, mas sim permitir ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinados pontos (fundamentos) que foram por si invocados na acção (e julgados improcedentes), mas só e apenas se o recurso interposto, sem essa apreciação, for de procedência” – sub- nosso.
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3 - DECISÃO:
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo do recorrente.
Notifique.
DN.
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pela relatora (cfr. artº 138º, nº 5 do CPC “ex vi” artº 1º do CPTA).
Porto, 20 de Abril de 2012
Ass. Maria do Céu Neves
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Ana Paula Portela