Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00927/99-A Porto
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/05/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:EXECUÇÃO; CAUSA LEGÍTIMA DE INEXECUÇÃO; PERDA DE CHANCE;
Sumário:1 – A indemnização a estabelecer em execução de julgado na qual foi considerado verificar-se causa legitima de inexecução, visa compensar a exequente pelo facto de esta se ter frustrado, não se confundindo com aquela que se destina a reparar todos os danos causados pelo ato ilegal.
2 - O afastamento ilegal de um candidato a um concurso com perda da oportunidade de nele poder obter um resultado favorável constitui um dano indemnizável, o qual, não podendo ser quantificado com exatidão, deverá ser fixado com recurso à equidade, tomando como referentes a vantagem económica final que poderia ter sido obtida e a possibilidade que o lesado teria de a alcançar.
3 - O ressarcimento com fundamento em “perda de chance” depende da avaliação que se faça da probabilidade que o lesado teria de alcançar a vantagem económica final. Quando não seja possível quantificar as hipóteses que tinha de ser escolhido como adjudicatário, deverá ser reconhecido o direito a um mínimo indemnizatório, a fixar segundo critérios de equidade.
4 – Com efeito, não dispondo o Tribunal do grau de probabilidades que a recorrente tinha de ganhar qualquer dos lotes/tranches concursadas, e também do montante sobre o qual esse grau, a existir, deveria incidir, não é possível arbitrar uma indemnização que não seja por recurso à equidade nos termos do artigo 566º, n.º 3, do CC.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES SC, S.A
Recorrido 1:CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA EPAL
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução de Sentença
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
Relatório
A SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES SC, S.A., interpôs recurso jurisdicional da sentença de 11.09.2014 do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [TAF] que condenou o CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA EPAL a pagar-lhe a indemnização de 10.000€ pela inexecução da decisão que foi proferida no processo principal, acrescida de juros de mora vencidos desde o trânsito em julgado.

Com este recurso jurisdicional subiu também o recurso de agravo que o CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA EPAL havia interposto do despacho judicial de 05.01.2011, que na sequência da declaração da ocorrência de causa legítima de inexecução convidou as partes a «acordarem no montante da indemnização devida» [artigo 100, n°1, DL n°256-A/77, de 17.08], e cuja subida foi relegada para momento ulterior.
Tendo ambos os Recursos das decisões de 1ª instância (Despacho e Sentença) sido recorridos para o Colendo STA, profere este Acórdão em 30 de Abril de 2015, julgando-se “incompetente para conhecer dos presentes recursos jurisdicionais, em virtude dessa competência caber, no caso, ao TCA-Norte, para onde os autos serão remetidos após trânsito deste aresto” (Cfr. Fls. 294 a 296 Procº físico).

* * *
Aqui chegados, importa analisar, separadamente, cada um dos Recursos interpostos.
Tendo os Autos ido ao Ministério Público junto deste TCAN em 03/06/2015, referiu o respetivo Magistrado, na mesma data, “Visto. Nada a promover” (Cfr. Fls. 305 Procº físico).

Recurso relativo ao Despacho de 5 de Janeiro de 2011.
Das Alegações de Recurso apresentadas em 11 de Maio de 2011, pelo CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA EPAL, constam as seguintes Conclusões (Cfr. Fls. 97 a 105 Procº físico):
“1ª - Dizem respeito os presentes autos à execução de julgados no domínio, ainda, do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho;
2ª – Neles requereu a Exequente, ora Recorrida, em 22.05.2002, a declaração de inexistência de causa legítima de inexecução, ao abrigo e para os efeitos do disposto no artigo 7º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho;
3ª – Foi proferida sentença, em 27.10.2010, tendo a respetiva decisão consistido no seguinte:
“A) Julgar existente causa legítima de inexecução da decisão anulatória proferida nos autos principais por impossibilidade de execução daquela decisão, com todas as legais consequências;
B) Julgar improcedente o pedido formulado pela Exequente no articulado inicial de declaração de inexistência de causa legítima de inexecução” (cfr. sentença a fls. dos autos);”
4ª - A Exequente, ora Recorrida, não recorreu desta sentença, a qual veio, por conseguinte, a transitar em julgado;
5ª - Em 23.11.2010 foi junto aos autos pela Exequente requerimento com o seguinte teor: “Sociedade de Construções SC, SA, exequente nos autos de execução de sentença administrativa supra referenciados (anterior à Reforma do Contencioso Administrativo), notificado da sentença nesses autos proferida que julgou verificada causa legítima de inexecução da decisão anulatória proferida no processo principal com fundamento em impossibilidade de execução dessa decisão, vem requerer que os autos prossigam para efeitos de fixação de indemnização dos prejuízos resultantes do ato anulado e da inexecução da sentença e que seja ordenada, nos termos do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, a «notificação da Administração e do interessado para, no prazo de quinze dias, acordarem no montante da indemnização devida” (cfr. fls. dos autos);
6ª – Sobre o requerimento citado recaiu o seguinte despacho, em 05.01.2011: “Nos termos do art.º 10º n.º 1 do DL n.º 256-A/77 de 17-6, notifique a entidade requerida e a exequente para, no prazo de 15 dias, acordarem no montante da indemnização devida” (cfr. fls. dos autos);
7ª – É deste despacho, com o qual não se pode o ora Recorrente conformar, que vem interposto o presente recurso; Na verdade,
8ª – O despacho em questão ignora o regime de execução de julgados decorrente do artigo 96º da LPTA e do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, cujos artigos 7º a 10º resultam, desta forma, violados; Dado que,
9ª – Os pedidos previstos na lei em sede de execução de julgados - declaração de inexistência de causa legítima de inexecução e fixação de indemnização - são alternativos e não cumulativos (cfr. especialmente o disposto no artigo 96º da L.P.T.A. e 7º do DL n.º 256-A/77, de 17 de Junho);
10ª – No regime decorrente do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, não pode o Tribunal convidar as partes a acordarem no montante da indemnização devida quando venha a ser julgada procedente a oposição fundada na existência de causa legítima de inexecução;
11ª - Diferentemente do que hoje sucede no domínio do CPTA (artigos 166º e 178º), por manifesta ausência de previsão legal correspondente, o Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, não consentia a transição de um processo de verificação de inexistência de causa legítima de inexecução para um processo de fixação de indemnização;
12ª – Contrariamente ao que sustenta a Exequente, nada na lei aplicável aos autos consente que os mesmos “prossigam”, seja para que fim for, e muito menos para fixação de uma indemnização;
13ª – Em face do regime legal descrito e aplicável aos autos (Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho), o despacho recorrido revela-se incompatível com a sentença proferida, em 27.10.2010, que sobre o mesmo prevalece (art.º 205º, n.º 2, da CRP e 95º da L.P.T.A.);
14ª - Em conformidade com o disposto no artigo 666º, n.º 1, do C.P.C., o Tribunal “a quo” não podia ter apreciado, e muito menos deferido, o requerimento apresentado pela ora Recorrida;
15ª – Não tendo sido interposto recurso ordinário da sentença proferida, em 27.10.2010, é seguro que nesta data se produziu já o trânsito em julgado da mesma (artigo 671º do C.P.C.), o que acarreta a extinção da instância (artigo 287º, a), do CP.C.), com as devidas consequências legais;
16ª – Para além disso, sempre estariam esgotados, há muito, os prazos previstos no artigo 96º da LPTA para a execução da decisão anulatória, pelo que também por esta via se revela abusivo e ilegal o pedido de fixação de indemnização ora deduzido, ao abrigo e para os efeitos do disposto no artigo 10º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho.
Termos em que, com o douto e habitual suprimento, que se invoca, requer-se a V. Exas. se dignem julgar o presente recurso procedente, com as devidas consequências legais.”

A SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES SC, S.A. veio a apresentar as suas Contra-alegações relativamente ao identificado Recurso, em 27 de Junho de 2011 (Cfr. Fls. 111 a 125 Procº físico) nas quais concluíram:
“1ª. A determinação constante do despacho recorrido faz correta interpretação e aplicação dos artigos 7º e 10º do DL 256-A/77, de 17 de Junho, encontrando correspondência com a letra dessas normas, no sentido de que, revelando-se impossível a execução do julgado anulatório (o que se verificou no caso com a decisão declarando tal impossibilidade), o tribunal possa e deva, ainda no processo de execução de julgados, tornar efetivo o direito a uma indemnização em dinheiro.
2ª. O D.L. nº 256-A/77, de 17 de Junho, veio “formalizar a possibilidade de os particulares com direito à execução promoverem o início do processo judicial de averiguação da existência ou não de causas legítimas de inexecução e, na hipótese afirmativa, de fixação da reparação devida, na falta de acordo entre os interessados” (cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Ob. Cit. p. 226).
3ª. Para além da correspondência literal com os artigos 7º e 10º do DL 256-A/77, de 17 de Junho, a ratio legis do diploma aponta no sentido de que, promovida a instância pelo exequente e verificada pelo tribunal a existência de uma causa legítima de inexecução, a instância possa e deva prosseguir para fixação da reparação devida (pelo menos, relativamente à indemnização compensatória que é objetivamente devida pela legitima inexecução).
4ª. A interpretação legal não pode ignorar “as condições específicas do tempo em que é aplicada” a lei (v. artigo 9º do Código Civil), sendo certo que estas – volvidos hoje mais de trinta anos da publicação do D.L. nº 256-A/77, de 17 de Junho – são aplicadas num contexto social e jurídico profundamente diverso, de ampla garantia da tutela judicial efetiva, com reconhecimento de fortes poderes de direção do processo por parte do juiz, designadamente na adequação dos termos do processo e a expectativa do arredar de questões de índole formal, sobrepondo imperativos de justiça material a conceptualismos formalistas.
5ª. Nas condições específicas do tempo em que as citadas normas do DL nº 256-A/77, de 17 de Junho, estão, agora, a ser aplicadas, vigoram normas que consagram de modo claro – mas nem sequer inovatório – o arbitramento de uma indemnização compensatória em sede executiva na sequência de decisão declarativa da inexistência de causa legítima de inexecução, como muito bem assinala a recorrente (cfr. artigos 166º e 178º do CPTA).
6ª. A determinação constante do douto despacho impugnado é insuscetível de ofender o caso julgado formado pela decisão que nos autos declarou a existência de causa legítima de inexecução, antes pressupõe e afirma implicitamente esse mesmo efeito (de caso julgado) fundando nele o direito à indemnização compensatória.
7ª. Ao contrário do que defende o recorrente, não prescreveu o direito indemnizatório da exequente pelo alegado decurso do prazo de três anos previsto no artigo 498º do Código Civil, pois a recorrente foi citada no recurso contencioso anulatório e nos autos de execução – ambos tempestivamente instaurados –, sendo certo que em qualquer um desses processos está inerente o exercício do direito à indemnização, através da reconstituição da situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado (cfr. TCA Sul, de 05/08/2008, no Proc. nº 01509/06, in www.dgsi.pt).
8ª. O despacho recorrido não padece de qualquer erro ou irregularidade, nem faz uma utilização ilegal das normas do DL 256-A/77, de 17 de Junho, nem muito menos uma utilização “abusiva” como o recorrente se permite qualificar na sua alegação, pelo que improcedem todas as conclusões apresentadas pelo recorrente.
NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser julgado não provado e totalmente improcedente, com as demais consequências.”
O identificado Recurso do Despacho proferido no TAF do Porto, veio a ser admitido, originariamente para o Colendo STA, por Despacho de 5 de Junho de 2012, “mas a subir com o primeiro recurso que venha a subir imediatamente” (Cfr. Fls. 135 Procº físico).
Enquadrando a questão, refira-se que o TAF do Porto decide em 27 de Outubro de 2010 (Cfr. Fls. 68 a 77 Procº físico):
“Assim e pelo exposto, nos presentes autos de inexecução de sentença deduzidos por “Sociedade de Construções SC, S.A.” contra o Conselho de Administração da EPAL, na improcedência da questão prévia da ilegitimidade passiva invocada pela entidade requerida, decide-se:
A) Julgar existente causa legítima de inexecução da decisão anulatória proferida nos autos principais por impossibilidade de execução daquela decisão, com todas as legais consequências; ---
B) Julgar improcedente o pedido formulado pela Exequente no articulado inicial de declaração de inexistência de causa legítima de inexecução.”
Consequentemente, em 24 de Novembro de 2010 a Sociedade de Construções SC, SA requer “(…) que os autos prossigam para efeitos de fixação da indemnização dos prejuízos resultantes do ato anulado e da inexecução da sentença e que seja ordenada, nos termos do nº 1 do Artº 10º do DL nº 256-A/77, de 17 de Junho, anotificação da Administração e do interessado para, no prazo de 15 dias, acordarem no montante da indemnização devida”.
Em 5 de Janeiro de 2011 o juiz do TAF do Porto profere o seguinte Despacho, aqui Recorrido (Cfr. Fls. 88 Procº físico):
“Nos termos do Artº 10º nº 1 do DL nº 256-A/77 de 17/08, notifique a entidade requerida e a exequente para, no prazo de 15 dias, acordarem no montante da indemnização devida”.

Assim sendo, analisemos então o suscitado:
Releva aqui a seguinte factualidade:
a) Por Sentença de 07.08.2000, proferida no TAF do Porto, foi anulado o despacho de adjudicação relativo ao Concurso público internacional no âmbito da União Europeia para a Adjudicação de Empreitada de Construção do Adutor de Circunvalação – Construção Civil”;
b) O ato de adjudicação foi anulado “por violação das normas constantes dos arts. 69º, al. b) e 70º. nº 1, al. A) do DL nº 404/93, de 10/12, 182º, nº2 do CPA, 2º a 5º, 22º e 23º do DL nº 100/88, de 23.03 e 29º, nº3 da Diretiva nº 93/37/CEE, do Conselho, de 14.06.93, e dos princípios da igualdade e da concorrência”;
c) A referida sentença veio a ser confirmada por acórdão do Colendo STA de 21.03.2001, tendo entretanto transitado em julgado;
d) Em 22.05.2002, por apenso aos autos principais, foi requerida pela SC SA a execução do julgado anulatório;
e) Por sentença proferida em 27.10.2010 foi decidido “julgar existente causa legítima de inexecução da decisão anulatória proferida nos autos principais por impossibilidade de execução daquela decisão, com todas as legais consequências”;
f) Por requerimento de 23.11.2010, da SC SA foi requerido “(…) que os autos prossigam para efeitos de fixação de indemnização dos prejuízos resultantes do ato anulado e da inexecução da sentença e que seja ordenada, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei º 256-A/77 de 17 de Junho, a “notificação da Administração e do interessado para, no prazo de quinze dias, acordarem no montante da indemnização devida”;
g) Refere-se no Despacho entretanto proferido em 5 de Fevereiro de 2011, e aqui Recorrido que “nos termos do artº 10º nº1 do D.L. nº 256-A/77 de 17-8, notifique a entidade requerida e a exequente para, no prazo de 15 dias, acordarem no montante da indemnização devida”.

* * *
Aqui chegados, o que importa apurar é se a EPAL estará obrigada ao pagamento de uma indemnização resultante da verificada impossibilidade de execução de julgados, ao que acresce a necessidade de aferir se o então aplicável DL nº 256-A/77, de 17 de Junho, comportaria tal pedido indemnizatório após ter sido declarada a existência de causa legítima de inexecução.
O processo de execução de julgados, mesmo à luz do DL nº 256-A/77, de 17 de Junho, admitia a verificação da existência de causas que legitimassem a inexecução da sentença, mais se admitindo a possibilidade da fixação de indemnização, quando e se fosse caso disso.
A aqui Recorrente/EPAL contesta que no domínio do D.L. nº 256-A/77, fosse possível o tribunal convidar as partes a “acordarem no montante da indemnização devida”, verificada a existência de causa legítima de inexecução, o que desde logo tornaria o normativo inconsequente.
Em qualquer caso, o artigo 7º, nº 1 do DL 256-A/77, prevê que perante a existência de causa legítima de inexecução, possa ser fixada “(…) indemnização dos prejuízos resultantes do ato anulado pela sentença e da inexecução desta, nos termos do artigo 10º”.
Correspondentemente, refere-se no aludido artigo 10º que “Se o interessado requerer a fixação de indemnização dos prejuízos resultantes do ato anulado pela sentença e da inexecução desta por causa legítima, nos termos da última parte do nº 1 do artigo 7º, o tribunal ordenará a notificação da Administração e do interessado para, no prazo de quinze dias, acordarem no montante da indemnização devida.”
Em face do que antecede, mostra-se que o requerido e viabilizado pelo Despacho do TAF do Porto aqui Recorrido, encontra respaldo nas referidas normas, por forma a que, perante a impossibilidade de execução do julgado anulatório, o tribunal possa, em sede de execução de julgados, diligenciar no sentido de ser efetivado o correspondente direito indemnizatório.
Mesmo que assim não fosse, resulta do preâmbulo do referido DL nº 256-A/77 que foi intenção do legislador “ampliar os meios adequados a assegurar o perfeito cumprimento dos julgados ou, pelo menos, a efetivar o direito a indemnização substitutiva”, em face do que sempre teria de se encontrar uma interpretação consequente e conforme com o pensamento e objetivos do legislador, que não deixasse os particulares despojados de tutela em resultado da existência de uma causa legítima de inexecução.
Já então Freitas do Amaral havia enfatizado que as causas legítimas de inexecução se consubstanciavam em “situações excecionais que tornam lícita, para todos os efeitos, a inexecução das sentenças dos tribunais administrativos, obrigando, no entanto, ao pagamento de uma indemnização compensatória ao titular do direito à execução” (cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, A execução das sentenças do tribunais administrativos, 2ª edição, p. 123).
Parece assim manifesto que por via do DL 256-A/77 se abriu uma via que permitiu a concretização do direito indemnizatório decorrente de execução de sentenças.
Assim, em função dos aludidos artigos 7º e 10º do DL 256-A/77, de 17 de Junho, mostra-se ter sido intenção do legislador que verificada pelo tribunal a existência de uma causa legítima de inexecução, a instância poderá prosseguir para fixação indemnizatória decorrente de legitimada inexecução.
Não poderá, por outro lado, deixar de se sublinhar que tem sido este o predominante entendimento, designadamente em termos jurisprudenciais, por forma a permitir a apreciação da indemnização por danos causados, no âmbito de processo de execução, decorrentes da anulação de atos. (Cfr. Acs do STA, de 12.12.1989, RLJ nº 3816, de 8.10.1987, BMJ 370, p. 356, de 17.11.1987 no Proc. nº 11 120-A e Ac. do Pleno de 11.05.1989, entre outros citados por MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Anulação de Atos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, 2002, p. 825).
Com efeito, refere-se no sumário do Acórdão do STA nº 011120, de 11/05/1989 que “Se no processo de execução estabelecido nos artigos 8º e 9º do Decreto-Lei n. 256-A/77, de 17 de Junho, se concluir que a execução envolve (total ou parcialmente) o pagamento da indemnização, deve quanto a esta prosseguir o processo, aplicando o disposto no artigo 10º do mesmo diploma.”
A este propósito é, aliás, sintomática a própria letra da lei, ao se referir à “fixação de indemnização dos prejuízos resultantes do ato anulado pela sentença e da inexecução desta por causa legítima de inexecução” (cfr. artigos 7º e 10º do DL 256-A/77, de 17 de Junho).
Não se vislumbra pois que o determinado no despacho recorrido possa entender-se como ofensivo do caso julgado decorrente da decisão que declarou a existência de causa legítima de inexecução, sendo antes decorrente e consequente daquele.
Improcede, por outro lado, a invocada prescrição do direito indemnizatório da exequente, assente no decurso do prazo de três anos previsto no artigo 498º do Código Civil, atento o facto de se ter verificado a citação no recurso contencioso anulatório e nos autos de execução, que sempre permitiriam o exercício do direito à indemnização, através da reconstituição da situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado (cfr. TCA-Sul , de 08/05/2008, no Proc. nº 01509/06, in www.dgsi.pt).
É assim patente que, tendo-se a Sentença anterior ao Despacho Recorrido, limitado a reconhecer a existência de causa legítima de inexecução, sempre a mesma pressuporá uma consequente indemnização.
Deste modo, o Despacho Recorrido, ao ter ordenado, nos termos do Artº 10º, nº 1 do DL 256-A/77 a notificação das partes para acordarem no montante da indemnização devida, não está a violar o estatuído nos Artº 7º e 10º do mesmo diploma, não se reconhecendo pois a utilização ilegal ou abusiva do regime legal então aplicável.
Em face do supra expendido, improcederá o Recurso interposto relativamente ao identificado Despacho
* * *
Recurso relativo à Sentença de 11 de Setembro de 2014
No TAF do Porto, em 11 de Setembro de 2014, é proferida Sentença consequente da “declaração de existência de causa legítima de inexecução” na qual se decidiu condenar o Réu, CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA EPAL a pagar à SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES SC, S.A. uma indemnização pela inexecução do acórdão proferido nos autos principais no valor de €10.000,00 (dez mil euros), acrescida de juros de mora desde a data do trânsito em julgado desta decisão.”

A Sociedade de Construções SC SA veio em 20 de Outubro de 2014, apresentar Recurso Jurisdicional relativamente à referida Sentença (Cfr. Fls. 204 e 205 Procº físico).
O Recurso foi admitido por Despacho de 24 de Novembro de 2014 (Cfr. Fls. 207 Procº físico).

A Sociedade de Construções SC SA veio em 18 de Dezembro de 2014 apresentar as suas Alegações de Recurso, nas quais conclui (Cfr. Fls. 213 a 246 Procº físico):
“1.ª A sentença sub judice padece de erro de julgamento e faz errada interpretação e aplicação do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de junho, pois ao contrário do que nela é pressuposto, é possível peticionar pela via processual especial patenteada nos autos (processo de execução de julgados regulado pelo Decreto-Lei n.º 256-A/77), uma indemnização abrangendo não só prejuízos resultantes da inexecução da sentença por causa legítima de inexecução, como também prejuízos resultantes do ato anulado.
2.ª Ao contrário do pressuposto na sentença recorrida, no caso dos autos, o âmbito da indemnização devida pela inexecução da sentença anulatória coincide em larga medida com o âmbito da indemnização emergente do ato ilícito anulado pela sentença exequenda, estando em causa o ressarcimento do mesmo núcleo de danos e, sempre, a reconstituição da situação atual hipotética anterior à ilegalidade através de um sucedâneo à reconstituição natural (v. art. 566.º do Cód. Civil).
3.ª A sentença recorrida enferma de erro de julgamento e viola por errada interpretação e aplicação o artigo 2.º, n.º 1, alínea c), da Diretiva n.º 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de dezembro e o princípio enunciado no artigo 2.º, n.º7 da Diretiva n.º 92/13/CEE, do Conselho, de 25 de fevereiro, ao excluir do conteúdo da indemnização a pagar à recorrente as despesas com a elaboração da proposta e com a participação no concurso.
4.ª Concluindo-se não ser hoje possível reabrir o procedimento para permitir agora à Recorrente ver a proposta por si elaborada ser avaliada e porventura escolhida como sendo a melhor proposta, não pode esta deixar de ser ressarcida dos custos em que incorreu, sendo a causa dessa impossibilidade imputável à administração e não à recorrente.
5.ª Toda a indemnização deve reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso, vigorando o princípio da “reconstituição natural” e, sendo esta impossível, admite-se subsidiariamente a sua fixação em dinheiro, tendo então como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado (situação real) e a que este teria se não existissem danos (situação hipotética) – v. arts. 562.º, 563.º, 566.º do Código Civil.
6.ª Sendo a adjudicação no caso vertente realmente possível (não apenas uma possibilidade virtual ou académica mas uma hipótese real), tendo deixado de ser possível executar a decisão anulatória, reabrindo o concurso público, ter-se-á, então, de encontrar um justo valor para a privação dessa oportunidade ou chance de a Recorrente vir a ser adjudicatária.
7.ª A simples chance de a exequente poder vir a ser adjudicatária num concurso internacional de obra pública para uma empreitada no valor global de 8.000.000,00€ é por si só um bem com expressão económica relevante, com expressivo valor de mercado e com influência positiva no valor de mercado da própria empresa, não podendo a sua privação deixar de ser indemnizada.
8.ª Ao fixar em dez mil Euros a indemnização a pagar à Recorrente pela inexecução da sentença exequenda que anulou por vício de lei a decisão que impediu a Recorrente de concorrer ao concurso público internacional em causa nos autos (uma empreitada no valor de 8.000.000,00€), a sentença recorrida enferma de erro de julgamento e viola por errada interpretação e aplicação o disposto no artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil.
9.ª O valor indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo corresponde a um montante simbólico de 0,12% do valor do contrato sujeito a concurso (8.000.000,00€), quando é frequente a jurisprudência em casos similares fixar equitativamente a indemnização em valores muito superiores, entre os 5% e os 40% - cfr. Acs. do TCAN de 11/09/2012, no Proc. n.º 00410-A/2003, do TCAS, de 03/22/2012, no Proc. n.º 07045/10 e Acs. do STA de 09/26/2012, no Proc. n.º 0429A/03 e de 11/20/12, no Processo n.º 0949/12, todos in www.dgsi.pt.
10.ª A sentença recorrida padece de erro de julgamento e viola por errada interpretação e aplicação o artigo 805.º, n.º3 e 806.º do Código Civil, ao determinar o curso de juros de mora apenas após a data do trânsito em julgado da decisão, quando a obrigação de pagamento de juros deverá correr com a mora, que ocorre a partir da data da citação do executado de acordo com a correta interpretação e aplicação dos citados normativos legais, pois o artigo 805.º, n.º3 “deve interpretar-se no sentido de abranger também as hipóteses em que a obrigação de indemnização resulte de facto lícito.” - cfr. Ac. do STA, de 01/15/2013, no Proc. n.º 0610/12, in www.dgsi.pt.
11.ª A entender-se que a mora e os respetivos juros não correriam com a citação da executada – o que se admite aqui por mera hipótese e em dever de patrocínio –, sempre os mesmos deveriam correr a partir da liquidação da indemnização operada pela sentença de 1.ª instância e nunca apenas com o seu trânsito em julgado como foi decidido pelo Tribunal a quo numa solução que conduziria à desvalorização e desatualização da indemnização ao momento do seu recebimento.
12.ª A decisão quanto a custas, viola o disposto no artigo 527.º do CPC e deve por isso ser revogada na parte em que condena a exequente a suportar metade das custas do processo por “decaimento”, dado que a exequente não decaiu em qualquer pedido e na lógica da decisão que foi proferida terá sido reconstituída a situação atual hipotética da exequente, que é a finalidade da execução e a pretensão requerida, sendo certo que foi a executada quem deu causa à lide.
NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, com as demais consequências, ASSIM SE DECIDINDO, FAR-SE-Á JUSTIÇA!”.

O CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA EPAL veio apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 15 de Fevereiro de 2015, nas quais concluiu (Cfr. Fls. 252 a 279 Procº físico):
“1ª – De acordo com a decisão proferida pelo STA, em 05.06.2012, o recurso intentado pela ora recorrida, em 7 de Fevereiro de 2011, foi admitido e deve subir “com o primeiro recurso que venha a subir imediatamente – artigo 735º do CPC (todos os preceitos do CPC considerados na redação anterior ao DL n.º 303/2007, de 24.8).” (cfr. decisão a fls. dos autos).
2ª - A procedência do referido recurso prejudica, in totum, o conhecimento do recurso interposto pela exequente da sentença proferida, em 11 de Setembro de 2014. Deste modo,
3ª – A apreciação do recurso interposto pela ora recorrida, em 7 de Fevereiro de 2011, deve preceder a apreciação do recurso interposto da sentença agora proferida pelo tribunal a quo (artigo 660º do CPC na redação anterior ao DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto).
4ª – Se se vier a julgar, como se espera, que o processo não podia ter prosseguido com vista à determinação de uma indemnização, depois de proferida, em 27 de Outubro de 2010 (no domínio, ainda do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho), a sentença que julgou “existente causa legítima de inexecução da decisão anulatória proferida nos autos principais” (cf. sentença a fls. dos autos) resultará nulo e de nenhum efeito o processado subsequente, nele se incluindo a sentença ora recorrida.
5ª – A ora recorrida conforma-se com a sentença recorrida na hipótese de não vir a ser julgado procedente o recurso por si interposto, a conhecer previamente.
6ª – Contrariamente ao que pretende a recorrente, não é possível cumular nos presentes autos a indemnização respeitante aos prejuízos resultantes da inexecução, com uma qualquer indemnização por alegados prejuízos resultantes do ato anulado.
7ª – De acordo com a mais avisada doutrina e a esmagadora maioria da jurisprudência disponível, no âmbito da ação executiva apenas podem ser compensados “os prejuízos decorrentes da inexecução”, correspondendo tais prejuízos “unicamente [a]os correspondentes à frustração do Acórdão não poder ser executado” (cfr. Ac. STA de 02.06.2010, Proc. 01541 A/03). O que está em causa, como inculca, sem margem para dúvidas, o elemento literal, e como se deixou expresso na sentença recorrida, é uma compensação «pelo facto da inexecução».
8ª – Não resta dúvidas que assim é no regime atual da indemnização por causa legítima de inexecução por respeito à execução de sentenças de anulação de atos administrativos (artigos 166º e 178º do CPTA).
9ª – No que especialmente concerne ao pretérito regime de execução de julgados constante do D.L. n.º 256-A/77, de 17 de Junho, revela-se igualmente impraticável a requerida cumulação de indemnizações: “Todos os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que admitem poder caber no processo de execução da sentença a apreciação da questão da existência de certos danos que teriam sido causados pelo ato anulado remetem (…) as partes para uma ação autónoma por considerarem «a matéria de complexa indagação»” (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in “Anulação de Atos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, Almedina, 2002, pag. 825/826, com abundante indicação de jurisprudência).
10ª – Sempre estaria prejudicada a atribuição de uma qualquer indemnização, nos presentes autos, por “prejuízos resultantes do ato anulado”, na medida em que não foi capazmente deduzido o correspondente pedido indemnizatório, sendo o processo totalmente omisso no que respeita à alegação dos correspondentes danos.
11ª – É manifesto que o julgamento dos presentes autos, tal como se deixou expresso na sentença recorrida, não pode ir além da fixação de uma indemnização confinada à “formulação de um juízo equitativo” (cfr. Ac. do STA de 29.11.2005, Proc. 041321A invocado na sentença recorrida).
12ª – Em tal juízo, como bem se decidiu na sentença recorrida e como a jurisprudência vem fazendo constar, não se pode atender, diretamente, aos gastos na preparação do concurso, pois que é precisamente porque esteve no concurso (para cuja presença teve gastos), e obteve a anulação do ato, que se coloca o problema da indemnização ora em discussão”. (cfr. Ac. do STA de 29.11.2005, Proc. 041321A).
13ª - Contrariamente ao que a ora recorrente pretende levar a crer, e tal como já decidiram os tribunais superiores, “o artigo 2º, c) da Diretiva nº 89/665/CEE, não concretiza qual deva ser o entendimento jurisprudencial em relação à natureza e extensão dos danos”(cfr. Acórdão do TCAS de 28.06.2012 Proc. 06934/10).
14ª – São espúrios e desprovidos de valor os cálculos aritméticos feitos pela recorrente relativamente a todos e cada um dos acórdãos elencados na conclusão 9ª das alegações de recurso. É necessário ter presente a disparidade de situações retratadas nos acórdãos invocados pela ora recorrente, as quais não são transponíveis, sem mais, para o caso dos autos.
15ª – A situação dos autos não pode ser minimamente comparada aos casos em que a adjudicação era certa e não apenas uma mera chance ou oportunidade (Ac. do TCAN de 09.11.2012 e Ac. do TCAS de 22.03.2012).
16ª – Nada evidencia, no caso dos autos, que era elevada a probabilidade de obtenção do contrato (Acórdão do STA de 26.09.2012). Nem a recorrente diz tal coisa. Pelo contrário, é a recorrente a primeira a reconhecer que tal não passaria de uma possibilidade; isto é, e nas próprias palavras da recorrente, uma “oportunidade ou chance de a Recorrente vir a ser adjudicatária” (cfr. conclusão 6º do recurso).
17ª – Não podem, igualmente, ser adotados no caso dos autos métodos de valoração que pressupõem o conhecimento de elementos que são inteiramente desconhecidos no processo (valor da proposta e custo de execução da obra - Acórdão do STA de 20.11.2012).
18ª – Nunca a proposta da ora recorrente chegou, sequer, a ser avaliada.
19ª – Estamos confrontados com a anulação de um ato em razão de questões formais, pelo que a ora recorrente não dispõe de nenhum direito substantivo que possa vir a acrescer ao quantum indemnizatur. (cfr. Acórdão do STA de 20.01.2010, Proc. 047578A).
20ª - O que está em causa - como desde a primeira hora se tornou patente – é tão- somente a indemnização pelo facto da inexecução, tendo em consideração que mais nenhum dano foi alegado e provado.
21ª - Às indemnizações devidas pelo facto da inexecução acrescem juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da respetiva decisão condenatória.
Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas. suprirão, requer-se:
a) que seja julgado procedente o recurso pela ora recorrida interposto, em 07.02.2011, do despacho proferido, em 05.01.2011, com as devidas consequências legais;
em caso de improcedência do recurso mencionado, requer-se:
b) que seja julgado improcedente o recurso intentado da sentença proferida, em 11.09.2014.
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.

Fundamentação de Facto
Nos termos do artigo 662º n.º 2 do CPC, fixa-se a seguinte matéria de facto:
1. No âmbito do recurso contencioso que correu termos no então Tribunal Administrativo do Círculo do Porto com o n.º 927/99 foi proferida sentença, em 07-08-2000, dando provimento ao recurso, determinando-se a anulação da deliberação de adjudicação datada de 22-06-99, referente ao “Concurso Público Internacional no âmbito da União Europeia para a Adjudicação de Empreitada de Construção do Adutor de Circunvalação - Construção Civil”.
2. Foi interposto recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo o qual, por acórdão proferido em 21-03-2001, negou provimento aos recursos interpostos e manteve a sentença recorrida.
3. Foi ainda interposto recurso para o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo o qual, por acórdão de 15-11-2001, julgou sem efeito o recurso por oposição de julgados, decisão que transitou em julgado.
4. Decorrido o prazo para a execução espontânea da sentença pela Administração, a Exequente requereu em 21-01-2002 junto do Presidente do Conselho de Administração da EPAL a execução da decisão judicial em causa.
5. Por deliberação de 5 de Março de 2002, o Conselho de Administração da EPAL invocou causa legítima de inexecução da sentença proferida em 07-08-2000, com o fundamento de que “a referida empreitada se encontra integralmente executada”.
6. Em 22.05.2002, foi requerida pela SC SA a execução do julgado anulatório;
7. Por sentença proferida em 27.10.2010 foi decidido “julgar existente causa legítima de inexecução da decisão anulatória proferida nos autos principais, por impossibilidade de execução daquela decisão, com todas as legais consequências”;
8. Por Sentença de 11 de Setembro de 2014 do TAF do Porto, foi decidido condenar o Conselho de Administração da EPAL a pagar à Sociedade de Construções SC SA, uma indemnização de 10.000€ acrescida de juros de mora desde o transito em julgado da decisão (Decisão aqui Recorrida).
9. Tendo ambos os Recursos das decisões de 1ª instância (Despacho e Sentença) sido recorridos para o Colendo STA, profere este Acórdão em 30 de Abril de 2015, julgando-se “incompetente para conhecer dos presentes recursos jurisdicionais, em virtude dessa competência caber, no caso, ao TCA-Norte, para onde os autos serão remetidos após trânsito deste aresto” (Cfr. Fls. 294 a 296 Procº físico).

* * *
Analisemos então agora o suscitado.
O originário pedido principal de que depende a presente Execução apresentado pela SC SA, cingia-se à declaração de inexistência de causa legítima de inexecução, o qual foi julgado improcedente por decisão de 27.10.2010, o que veio a determinar um ulterior pedido de prosseguimento dos autos para fixação de indemnização.
A sentença recorrida seguiu o seguinte entendimento:
"Impõe-se, pois, distinguir, neste domínio, entre a “indemnização devida pelo facto da inexecução” e aquela que se destina a reparar todos os danos causados pelo ato ilegal.
Neste sentido, veja-se o vertido no acórdão do Tribunal Central Administrativo – Norte, datado de 08.09.2011, e publicado em www.dgsi.pt e onde se refere que:
“(…)
II -Essa indemnização, a arbitrar na execução do julgado, apenas visa compensar a exequente pelo facto de esta se ter frustrado, não se confundindo com aquela que se destina a reparar todos os danos causados pelo ato ilegal.
III – Na indemnização referida em I não se pode incluir o montante dos honorários pagos a um advogado nem das despesas resultantes da afetação de um funcionário da exequente à análise do processo, quer porque não está provado que essas quantias se reportam ao processo executivo, quer porque tais danos se verificariam ainda que a sentença pudesse ser integralmente executada, não sendo, por isso, a respetiva execução apta a removê-los.
IV – O afastamento ilegal de um candidato a um concurso com perda da oportunidade de nele poder obter um resultado favorável constitui um dano indemnizável, o qual, não podendo ser quantificado com exatidão, deverá ser fixado com recurso à equidade, tomando como referentes a vantagem económica final que poderia ter sido obtida e a possibilidade que o lesado teria de a alcançar.
V – Porque se está perante a efetivação de responsabilidade por facto lícito, os juros de mora são devidos desde a data da sentença se a iliquidez não é imputável ao devedor.”
No sentido de ilustrar o pensamento legislativo subjacente, veja-se, por exemplo, no art.º 45º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o confronto entre os n.ºs 1 e 5 do artigo 45º que dizem, precisamente, respeito ao mesmo problema que aqui está em causa, só que nos casos em que ele se coloca ainda no âmbito do próprio processo declarativo e, portanto, a montante do processo executivo. Com efeito, do confronto entre os dois preceitos parece resultar que uma coisa é a convolação do processo declarativo num processo dirigido a fixar o montante da indemnização devida por não ser possível impor judicialmente a realização das prestações devidas /entenda-se: da indemnização devida pelo facto da não condenação) e outra diferente é a dedução de um “pedido autónomo de reparação de todos os danos resultantes da atuação ilegítima da Administração” que, como refere o artigo 45º, n.º 5, pode ser objeto de ação autónoma de responsabilidade” (cfr. M. AROSO DE ALMEIDA e C.A. FERNANDES CADILHA in Comentário do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 3.ª edição revista, pág. 1079 e 1080).
No mesmo sentido vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Junho de 2010, de 20 de Novembro de 2012, de 26 de Setembro de 2012 (processos n.ºs 01541A/03, 0949/12 e 0429A/03 publicados em www.dgsi.pt) e de 25 de Fevereiro de 2011 (processo nº 00806-A/2002, publicado em www.dgsi.pt).
Em face do exposto, conclui-se que não são indemnizáveis no âmbito do presente meio processual, por exemplo, as despesas com a organização da proposta pela Exequente ou as despesas judiciais em que incorreu.
No entanto, Administração praticou um ato ilegal. Para afastar essa ilegalidade, a Exequente teve de lançar mão da competente ação judicial. Porém, apesar de ter obtido ganho de causa, o acórdão anulatório não foi executado por ocorrer causa legítima de inexecução.
Importa portanto fixar a indemnização devida pela inexecução do acórdão exequendo.
Vejamos em que termos:
É indubitável que a ocorrência de causa legítima de inexecução implicou a perda de todas as possibilidades que poderiam conduzir à adjudicação da proposta da Exequente.
Com efeito, é inequívoco que não foram aproveitadas as possibilidades (chances) que a Exequente apresentava de alcançar a satisfação do resultado – a adjudicação da sua proposta.
Como foi já decidido em acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.11.2005 (processo 041321A, publicado em www.dgsi.pt): “afigura-se que o tribunal não pode fixar a indemnização senão através da formulação de um juízo equitativo (artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil). Na formulação do juízo equitativo não há, evidentemente, parâmetros únicos que devam ser considerados. Mister é que se elejam elementos de base que sirvam de aferição da razoabilidade do juízo” [cfr. ainda os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 01.10.2008 (processo 042003A), de 25.02.2009 (047472A), de 30.09.2009 (0634/09), de 20.01.2010 (047578A) e de 08.02.2011 (0891/10) e do Tribunal Central Administrativo Norte de 12.10.2012 (01509/09.6) – todos publicados em www.dgsi.pt].
E qual será o quantum dessa indemnização “equitativa”?
O critério será o do art.º 566º, nº 3 do Código Civil, como se adiantou acima e, a título ilustrativo, recorrer-se-á, uma vez mais, ao vertido no acórdão do Tribunal Central Administrativo - Norte de 08.09.2011, onde, face à atribuição de uma indemnização no valor de 1.500,00€, pelo tribunal a quo, se refere que: “(…) Efetivamente, sabido que o direito ao ressarcimento com fundamento em “perda de chance” depende da avaliação que se faça da probabilidade que o lesado teria de alcançar a vantagem económica final que poderia ter sido obtida e estando provado que ele apresentou uma proposta no valor de €70.467,00, que o lucro previsto era o de 20% deste valor e que ela ficou ordenada no 2º. lugar, entendemos que, de acordo com a equidade (cfr. art. 566º., nº. 3, do C. Civil), não se pode considerar exagerado o valor atribuído.”
Note-se que o juízo de equidade a formular não é juízo arbitrário. É um juízo que terá de partir sempre do direito positivo, enquanto expressão histórica da justiça numa sociedade organizada, lançado mão de elementos técnicos e formais exigíveis no juízo estritamente legal (cfr. MENEZES CORDEIRO, in “A Decisão Segundo a Equidade”, O Direito, Ano 122º, II, página 280).
Nele devem ser sopesados elementos factuais apurados e tidos por pertinentes, que ajudem o tribunal a balizar os contornos a dar à indemnização, e ainda princípios estruturantes do direito, tal como o da justiça e o da proibição do enriquecimento sem causa.”
Recorrendo à equidade foi pois entendido atribuir à Exequente um valor indemnizatório de 10.000€.
Importa agora, em paralelo com o decidido pelo tribunal a quo, analisar aquilo que a jurisprudência mais recente tem referido a propósito da controvertida questão.
Com efeito, seguindo de perto, designadamente, o Acórdãos deste TCAN nº 01490/13.7BEPRT, de 08-05-2015, em que interviemos como adjuntos, importa aludir ao afirmado por Mário Aroso de Almeida, em artigo publicado nos CJA, n.º 98, Março – Abril 2013, pág. 18 e sgs, onde refere que quando(…) se verifique que o interessado não tinha hipótese de ser escolhido como adjudicatário, deve-lhe ser reconhecido o direito a um mínimo indemnizatório, … a fixar segundo critérios de equidade, pelo facto de não ter sido possível reintegrar o seu direito à observância da legalidade disciplinadora do procedimento de formação do contrato. Na fixação da indemnização neste caso poderá ser porventura adotado como referência o montante das despesas que o interessado suportou com o processo ou processos jurisdicionais que se viu forçado a utilizar para demonstrar as ilegalidades cometidas pela administração, incluindo os honorários dos advogados e as taxas de justiça que tenham sido pagas.
Nas situações intermédias, em que não se verifique que o interessado deveria ter sido escolhido como adjudicatário, mas também não se verifica que ele não tinha qualquer hipótese de ser objeto de tal escolha, o interessado deve ser indemnizado pela perda de chance - isto é, pela frustração da pretensão que para ele decorria da titularidade de uma “possibilidade real” (chance sérieuse) de vitória no concurso e que resultou da perda de possibilidade de ver determinado se, uma vez observadas as regras anteriormente violadas, o resultado do concurso teria sido diferente.”
Não se sabendo se a Exequente teria sido a escolhida, admite-se que a indemnização deverá ser atribuída tendo em atenção as hipóteses que teria de poder vir a ganhar o concurso, ou seja, deverá ser indemnizada pela perda de oportunidade ou de chance ao não lhe ter sido dada sequer a possibilidade da sua proposta ser analisada.
Segundo refere Vera Eiró, “… a «teoria da perda de chance» (nas suas diversas formulações) é a resposta dada, nalguns ordenamentos jurídicos e fundada essencialmente no labor da doutrina e da jurisprudência, aos casos em que, por força de um especial contexto da prática do ato lesivo, não é possível afirmar que os danos verificados não teriam ocorrido não fora a ilegalidade praticada. A teoria da perda de chance, pensando agora nas suas diversas formulações, permite portanto ultrapassar a lógica do tudo ou nada associada à responsabilidade civil e abre a porta à atribuição de uma indemnização mesmo quando não fique provado que o comportamento do lesante foi a causa adequada do resultado final. (…) Numa palavra, a «perda de chance» permite atribuir uma indemnização mesmo naqueles casos em que não é possível demonstrar a certeza do dano …” [em “Responsabilidade civil extracontratual e danos de perda de chance” in: “Novos temas da responsabilidade civil extracontratual das entidades públicas”, ICJP - 05 de Dezembro de 2012 - Coordenação: Carla Amado Gomes e Miguel Assis Raimundo, consultável em versão e-book no sítio «http://www.icjp.pt/sites/default/files/publicacoes/»].
A jurisprudência tem sido cautelosa na abordagem da indemnização por perda de chance até porque não vem a mesma referenciada em termos de direito positivo, não obstante diversas decisões se terem já pronunciado sobre a referida questão.
Veja-se, ainda que reportado a Concurso de Recursos Humanos, o Acórdão deste TCAN n.º 01119/08.5BECBR de 11-10-2013 quando refere:
I-. Será de admitir a “perda de chance” como fonte autónoma da obrigação de indemnizar para situações, como a vertente, no domínio dos concursos de provimento em cargos públicos - perda de ocasião de ingresso/progressão numa carreira -, em que o indevido afastamento ou exclusão de um candidato que tivesse uma efetiva possibilidade de sucesso fica praticamente desprotegido se não se tiver em consideração o dano que provém da própria expetativa de obter a indigitação.
II. A figura da perda de chance tem como pressupostos ou requisitos essenciais a existência dum determinado resultado positivo futuro que possa vir a verificar-se, mas cuja verificação, todavia, não se apresente como certa; que, pese embora o grau de incerteza, a pessoa se encontre em situação de poder vir a alcançar aquele resultado visto reunir ou ser detentora dum conjunto de condições necessárias de que depende a sua verificação; e que ocorra um comportamento de terceiro que seja suscetível de gerar a sua responsabilidade e que elimine ou diminua fortemente as possibilidades do resultado se vir a produzir.
III. A perda de oportunidade apresenta-se em situações que podem qualificar-se, tecnicamente, de incerteza, situando-se o seu campo de aplicação entre dois limites, sendo um constituído pela probabilidade causal, nula ou irrelevante, do facto do agente causar o dano, em que não há lugar a qualquer indemnização, e o outro constituído pela alta probabilidade, que se converte em razoável certeza da causalidade, que dá lugar à reparação integral do dano final, afirmando-se o nexo causal entre o facto e este dano.
IV. Será, pois, através destes dois limiares que importará, então, distinguir três tipos de hipóteses:
a) a perda de oportunidade genérica, imperfeita, simples ou comum, abaixo do limiar de seriedade da “chance”, que não dará direito a qualquer reparação;
b) a perda de oportunidade perfeita, igual ou acima do limiar da certeza da causalidade, e que determina a afirmação do nexo causal entre o facto e o dano final; e
c) a perda de oportunidade específica, qualificada, situada entre os dois limiares, e que pode dar lugar à atuação da doutrina da “perda de chance”.
V. A doutrina da “perda de chance” ou da perda de oportunidade propugna, em tese geral, a concessão duma indemnização quando fique demonstrado, não o nexo causal entre o facto ilícito e o dano final, mas, simplesmente, que as probabilidades de obtenção de uma vantagem ou de obviar um prejuízo, foram reais, sérias, consideráveis, permitindo indemnizar o lesado nos casos em que não se consegue provar/apurar que a perda duma determinada vantagem é consequência segura do facto do agente, mas em que, de qualquer modo, há a constatação de que as probabilidades de que o lesado dispunha de alcançar tal vantagem não eram desprezíveis, antes se qualificando as mesmas como sérias e reais.
VI. Para efeitos de indemnização de tal possibilidade ou oportunidade a mesma deve ter um valor atual e autónomo, suscetível de avaliação económica e que, em certos casos, pode e deve merecer a tutela do direito.
Veja-se igualmente o Acórdão deste TCAN n.º 00073/05.0BEMDL-A, de 13/01/2013, no qual se refere, designadamente que
“(…) Na execução de julgado anulatório a indemnização pela impossibilidade absoluta de executar a sentença exequenda configura caso de indemnização por perda de chance, e, sendo assim, no presente caso o dano sofrido corresponderia à perda de oportunidade do exequente ser nomeado para o cargo posto a concurso.”
No STA tem-se como pioneiro no âmbito da indemnização por perda de chance, o Acórdão de 29-11-2005, proc. n.º 041321A e ainda o Acórdão proferido no processo n.º 289/06, de 24-10-2006.
Veja-se ainda o Acórdão proferido no proc. n.º 0949/12, de 20-11-2012, em processo próximo do aqui em análise, que pela sua importância, e tal como no já aludido Acórdão deste TCAN nº 01490/13.7BEPRT, de 08-05-2015, se transcreve no que aqui mais sintomaticamente releva:
“O que se expôs permite concluir que não era possível afirmar, ao contrário do que era peticionado, e do que vem pretendido nas contra-alegações, que a autora deveria ter sido a adjudicatária. Os dados do processo colocam uma margem de incerteza superior à admissível para se poder chegar àquele juízo.
Mas se é assim, a verdade é que, ao mesmo tempo, os dados do processo permitem concluir que a perda da possibilidade de discutir no concurso a bondade da sua proposta não é uma perda sem significado. Note-se que a inexecução da sentença anulatória está demonstrada. Por isso, demonstrada está a perda da oportunidade de com a execução da anulação prosseguir no concurso. O nível de prosseguimento nesse concurso, até onde iria, e que condições de êxito teria a autora nesse concurso são já, nesta perspetiva, elementos referenciais para o cálculo do valor monetário correspondente àquela perda. Mas essa perda constitui um dano por si. E não deve restar dúvida que existe abrigo legal para a consideração da responsabilidade por essa perda, pois se encontrava especialmente prevista nos artigos 7.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, do DL 256-A/77, de 17 de Junho (como agora se encontra prevista, nomeadamente, nos artigos 176.º a 178.º, do CPTA). Sobre esta matéria, aliás, não há já uma tão profunda divergência entre os intervenientes e a sentença. Considera-se de seguir a jurisprudência que se tem vindo a consolidar neste Tribunal respeitante à indemnização neste tipo de casos. Essa jurisprudência encontra-se sintetizada no acórdão deste Tribunal de 30.9.2009, recurso n.º 634/09, do seguinte modo: «“[…] na jurisprudência deste Supremo Tribunal, há já uma corrente que entende que (i) o afastamento ilegal de um concurso, com perda de uma oportunidade de nele poder obter um resultado favorável, com repercussão remuneratória, é um bem cuja perda é indemnizável e que (ii) não podendo ser efetuada com exatidão a quantificação desta perda, é de fixar a indemnização através de um juízo de equidade, em sintonia com o preceituado no nº 3 do art. 566º do C. Civil […]. No caso em apreço não vemos razão para divergir desta orientação e entendemos que a perda da situação vantajosa da exequente merece ressarcimento, tendo em conta, primeiro, que a despeito da incerteza acerca da futura obtenção do ganho, a exequente estava em situação de poder vir a alcançá-lo, isto é, estava investida de uma oportunidade real, segundo, que esta é um bem em si mesmo, um valor autónomo e atual, distinto da utilidade final que potencia, terceiro, que, por isso, a perda da oportunidade de conseguir o ganho, não é uma mera expectativa mas um dano certo e causalmente ligado à conduta da Administração e quarto, que a perda da situação jurídica, por causa legítima de inexecução, dá lugar a um dever objetivo de indemnizar” – ac. de 25.02.2009, proc. 47472A, e “A perda da possibilidade de demonstrar que estava em condições de vir a ser nomeado para um dos lugares a concurso constitui um dano para a esfera jurídica do Requerente, pois constitui a perda de uma situação jurídica que poderia proporcionar-lhe proventos patrimoniais […]
Nestas situações de indemnização devida pelo facto da inexecução, que acresce à indemnização pelos «prejuízos resultantes do ato anulado pela sentença» (como se infere do n.º 1 do art. 10.º do DL n.º 256-A/77) está-se perante ‘um dever objetivo de indemnizar, fundado na perceção de que, quando as circunstâncias vão ao ponto de nem sequer permitir que o recorrente obtenha aquela utilidade que, em princípio, a anulação lhe deveria proporcionar, não seria justo colocá-lo na total e exclusiva dependência do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade subjetiva da Administração por factos ilícitos e culposos sem lhe assegurar, em qualquer caso, uma indemnização pela perda da situação jurídica cujo restabelecimento a execução da sentença lhe teria proporcionado”. (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Anulação de Atos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes, página 821.)” -- ac. de 1.10.2008, proc. 42003A; e “Na verdade, se o tribunal concedeu provimento ao recurso e anulou o ato, por ele estar insuficientemente fundamentado, tal significa que, em execução, a requerente teria direito a que o concurso fosse retomado e que se produzisse novo ato apreciando as propostas dos concorrentes, sem esse vício.
Mas a ocorrência de causa legítima de inexecução implicou a perda daquele direito e, assim, a perda de todas as possibilidades, que, no campo meramente hipotético, tanto poderiam conduzir à manutenção da mesma classificação, como à sua alteração.
[…] O que interessa, pois, é determinar como é que essa perda deve ser compensada. É apenas essa perda que está em causa, essa perda é que é o ‘dano real’, e está demonstrada. O que falta determinar é o ‘dano de cálculo’, isto é, “a expressão pecuniária de tal prejuízo” (cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 9ª edição, pág. 545). Não estão em causa, diretamente, danos emergentes e lucros cessantes em razão do ato administrativo apreciado no recurso contencioso”. -- ac. de 29.11.2005, proc. 41321A». E já depois, na mesma linha, por exemplo, os acórdãos de 20/01/10, processo n.º 47.578, de 02.06.2010, processo 1541-A/2003, de 02.12.2010, processo 47579A, de 08.02.2011, processo n.º 891/10 (de onde, aliás, se reproduziu o excerto) e de 26.09.2012, processo 0429-A/03.”
Já no STJ têm sido vários os arestos onde se vem analisando a possibilidade de indemnização por perda de chance, fazendo-se referência, por todos, ao Acórdão de 06-30-2014 Proc. n.º 23/05.3TBGRD.C1.S1, quando refere que:

“É admitida a ressarcibilidade do dano da perda de chance ou de oportunidade que pressupõe: a possibilidade real de se alcançar um determinado resultado positivo, mas de verificação incerta; e um comportamento de terceiro, suscetível de gerar a sua responsabilidade, que elimine de forma definitiva a possibilidade de esse resultado se vir a produzir.”

Voltando à situação controvertida em análise, refira-se que a análise das probabilidades de a recorrente poder vir a ganhar o concurso têm de ser analisadas tendo em atenção a situação concreta.

No caso concreto não se mostra possível aferir quantitativamente essas possibilidades, sabendo-se tão-só, e no que aqui releva, que a empreitada tinha um valor de 8.000.000€, dividida em diversas “tranches”/lotes, sendo que a aqui Recorrente tinha reconhecida e confessadamente uma mera “oportunidade ou chance de … vir a ser a adjudicatária”, sendo que a sua proposta, em resultado da exclusão, nunca chegou sequer a ser avaliada.

Por seu lado, mesmo que se conseguisse quantificar o grau de probabilidades de ganhar o concurso, não se mostra provado sobre que montante deveria incidir o quantum indemnizatório, ou seja, o lucro que poderia advir da execução do contrato.

A recorrente suscita valores percentuais fixados em diversos arestos dos tribunais administrativos, relativamente ao valor das empreitadas, sem que possa ser feita a sua correspondência direta face à presente execução.

Não dispondo o Tribunal do grau de probabilidades que a recorrente tinha de ganhar qualquer dos lotes/tranches concursadas, e também do montante sobre o qual esse grau, se existisse, deveria incidir, não é possível arbitrar uma indemnização sem nos socorrermos da equidade nos termos do artigo 566º, n.º 3, do CC, tal como feito em 1ª instância.

Sublinha-se ainda que a situação controvertida sempre determinaria potencialmente a atribuição de indemnização em resultado da inexecução da sentença anulatória, enquanto indemnização emergente do ato ilícito anulado pela sentença exequenda, por forma a, na medida do expectável, reconstituir a situação atual hipotética anterior à ilegalidade detetada.

Em qualquer caso, não é despiciente que as tranches/lotes do “Concurso Público Internacional no âmbito da União Europeia para a Adjudicação de Empreitada de Construção do Adutor de Circunvalação – Construção Civil” tenham vindo a ser atribuídos a diferentes adjudicatários, como resulta da matéria de facto provada constante do Acórdão proferido, em 21 de Março de 2001 pelo STA (Recurso n.º 47236, que com o n.º 927/97 correu no TAF do Porto), pelo que igualmente não seria expectável que, independentemente da perda de Chance já declarada, viesse a Recorrente a obter vencimento em todos os referidos lotes.

Assim e atento tudo quanto ficou expendido, é patente que se acompanha, no essencial, o raciocínio adotado em 1ª instância, por assentar no entendimento jurisprudencial predominante, que igualmente se acolhe.

Em qualquer caso, tendo presente a circunstância de estarmos perante um contrato de empreitada de 8.000.000€, subdividido em tranches/lotes, entende-se como mais adequado dever ser atribuída à Recorrente, por via do recurso à equidade, em consequência da evidenciada perda de oportunidade/Chance não quantificável, uma indemnização no valor de 30.000€, montante que se mostra equitativo e coerente com a configuração do dano que se pretende ressarcir, perante a insusceptibilidade de retomar o concurso, resultante da preteritamente decidida existência de causa legitima de inexecução da sentença anulatória.

Da violação do artigo 805º, n.º 3 e 806º do Código Civil
Pretende a Recorrente SC SA que os juros decididos sejam contados da data da citação, e não, como decidido em 1ª instância, desde a data do Trânsito em julgado da decisão recorrida.
Sem necessidade de particulares desenvolvimentos, refira-se que já a propósito de questão próxima se pronunciou o STJ, em acórdão de fixação de jurisprudência, de 9 de Maio de 2002 (n.º 4/2002, Proc. 1508/01, DR I-A, n.º 146, de 27.06.2002), aqui aplicado mutatis mutandis, no qual se refere:
«Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do nº 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805, nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação.»..
No mesmo sentido tem vindo uniformemente a decidir o STA, designadamente, e por todos, no Acórdão nº 047307A, de 07-05-2015, entendendo que nas situações aqui controvertidas, quando for caso disso, os juros de mora se vencem desde o trânsito em julgado da respetiva decisão condenatória.
Improcede assim a suscitada questão relativa à contagem de juros.

Da Violação das Custas do Artº 527º CPC
Invoca a Recorrente SC SA nas conclusões do seu Recurso que:
“A decisão quanto a custas viola o disposto no artigo 527.º do CPC e deve por isso ser revogada na parte em que condena a exequente a suportar metade das custas do processo por “decaimento”, dado que a exequente não decaiu em qualquer pedido e na lógica da decisão que foi proferida terá sido reconstituída a situação atual hipotética da exequente, que é a finalidade da execução e a pretensão requerida, sendo certo que foi a executada quem deu causa à lide.”
Decidiu-se em matéria de custas em 1ª Instância:
“Custas por Exequente e Executado na proporção do decaimento (1/2 cfr. Artº 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)”.
Efetivamente, a decisão recorrida condena a exequente a suportar metade das custas do processo, na proporção do seu “decaimento”.
Em qualquer caso, e tal como alegado, não pode afirmar-se que a Exequente, aqui Recorrente, tivesse “decaído” em qualquer medida em função do decidido.
Independentemente do valor indemnizatório atribuído em sede de Execução, sublinhando-se que não vinha peticionado qualquer valor em concreto, em bom rigor, a exequente obteve a satisfação da sua pretensão, quer em 1ª quer em 2ª instância, ainda que com base em distintos valores, ao ter sido indemnizada em decorrência da declarada existência de causa legitima de inexecução.
Nos termos do referido Artigo 527 do CPC, relativo às custas processuais vigora o princípio “da causalidade”, pelo que só quando este não possa ser aplicado, se aplicará subsidiariamente, o princípio de acordo com o qual a responsabilidade é associada a quem retira proveito da decisão.
Uma vez que na situação em apreciação (Decisão do TAF do Porto de 11/09/2014), diferentemente do ocorrido na decisão do TAF do Porto de 27/10/2010, quem deverá suportar as custas é a entidade executada, que foi quem praticou o ato anulado pela sentença exequenda.

Foi pois a entidade executada quem deu causa à execução, ao não ter executado a sentença, nem se tendo disposto a indemnizar a Exequente, aqui Recorrente.

Assim, e tal como suscitado, entende-se que a responsabilidade pelas custas relativamente à decisão aqui em apreciação, caberá integralmente à Entidade Executada/EPAL, nos termos do Artº 527.º/1 do CPC.


* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte:

a) Julgar improcedente o Recurso interposto pelo Conselho de Administração da EPAL, relativamente ao identificado Despacho de 5 de Janeiro de 2011.

b) Julgar parcialmente procedente o Recurso interposto pela Sociedade de Construções SC SA, relativamente à Sentença do TAF do Porto, de 11 de Setembro de 2014, fixando-se em 30.000€ a indemnização decorrente da declarada existência de causa legitima de inexecução de Acórdão anulatório, mais juros, desde o trânsito em julgado da decisão recorrida até efetivo e integral pagamento.

Custas relativas a ambos os Recursos e instâncias, a cargo da Entidade Executada/EPAL.

Porto, 5 de Fevereiro de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Luís Migueis Garcia
(com menção de que entendo que em sede de indemnização por causa legítima de inexecução do que se trata não é exatamente de uma “indemnização por perda da chance”)