Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00084/09.6BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/22/2018
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:RECLAMAÇÃO NECESSÁRIA
DECLARAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO
AUTOLIQUIDAÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
Sumário:I. Assim, o excesso de pronúncia pressupõe que a decisão do julgador vá além do que lhe foi pedido pelas partes, ou seja, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do decidido (causa judicandi) não se identifique com a causa de pedir ou com o pedido (causa petendi).
II. A nulidade da sentença, por omissão de pronúncia verifica-se quando existe uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
III. Decorre do art.º 82.º do CIRC que a liquidação do IRC é efetuada pelo próprio contribuinte, nas declarações a que se referem os art.º 112.º e 114 .º do mesmo código e pela Direção Geral de Impostos , nos restantes casos.
IV. Assim, a autoliquidação é a que é feita pelos particulares, por contraposição à que é feita pela Administração Tributária.
V. No caso de erro na autoliquidação, a lei exige a reclamação graciosa prévia como forma de abrir a via contenciosa, a menos que (1.º) o fundamento da impugnação seja exclusivamente de direito e (2.º) a autoliquidação tenha sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela AT (art. 131.º, n.ºs 1 e 3, do CPPT).*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:M..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, M…, Ld.ª., pessoa coletiva n.° 502 561 637, impugnou as liquidações de IRC de 2005 e 2006, respetivamente n.º 20082310387546 e n.º 20082310387578, no montante de €30.547,79 e €30.000,78.

A Recorrente / Impugnante não se conformou com a decisão proferida pelo tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, tendo interposto o presente recurso, formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

(…) 1 – As declarações de substituição apresentadas pela Recorrente no decurso da Inspecção Tributária foram, determinadas pela própria inspecção, que entendeu ter havido ocultação e subtracção de resultados à sua contabilidade;

2 – A apresentação de novas declarações não consistiu num ato voluntário da Recorrente que já havia pago imposto e em momento algum aceitou ter pago imposto inferior ao devido, que a levassem a substituir as declarações.

3 – A Recorrente não invocou como fundamento de impugnação o erro na autoliquidação, mas sim errónea quantificação das correcções técnicas introduzidas pela inspecção à sua contabilidade;

4 – A Douta decisão recorrida ao tomar conhecimento de facto que não foi levado à sua apreciação conheceu da matéria que lhe não era lícito conhecer, por não ser de conhecimento oficioso, uma vez que os factos submetidos a sua apreciação não se integram na disposição contida no nº.1 do art.98º do CPPT;

5 – Por sua vez, a Douta decisão recorrida tendo deixado de tomar conhecimento de matéria que lhe foi levada à sua consideração e que era relevante para conhecimento do mérito da acção, tal como conhecer da errada quantificação das correcções técnicas, e se houve a aquisições sem fatura e se omitiu vendas na sua contabilidade, não resolveu todas as questões;

6 – Por outro lado, ao dispensar a realização de audiência contraditória não permitiu à Impugnante fazer prova da matéria alegada;

7 – Incorreu ainda em erro de julgamento ao julgar ser necessária a reclamação graciosa prévia à impugnação quando aquela só é necessária em caso de inexistência anterior da intervenção da Administração Tributária. (…)”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmº. Procurador - Geral Adjunto emitiu parecer no qual concluiu pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente/Impugnante as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações de recurso nos termos dos artigos 635.º, nº4 e 639.º CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, sendo as de saber se a sentença incorreu em nulidade por excesso e por omissão de pronúncia e em erro de julgamento.

3. JULGAMENTO DE FACTO
No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:
“(…)Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado:
A) A impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva aos exercícios de 2005 e 2006, que foi concluída com o relatório de inspecção tributária junto de fls. 21 a 27, do processo administrativo apenso (PA), cujo teor aqui se dá por reproduzido.
B) Sobre este relatório foi emitido o parecer, do qual constava, entre o mais, “Confirmo o teor do presente relatório, designadamente as regularizações voluntárias efectuadas pelo sujeito passivo no decurso da acção inspectiva em sede de IRC e lVA, anos 2005 e 200. Cópia para o D.P.C.F. conforme o solicitado (…)” (fls. 21 do PA).
C) Sobre os referidos relatório de inspecção tributária e parecer foi exarado o seguinte despacho: “Concordo. Remeter cópia à DPCF. Porto, 15/9/2008 (…) A… Chefe de Divisão Por subdelegação do D.F.Adjunto” (fls. 21 do PA).
D) Durante o período de realização da acção inspectiva a impugnante procedeu à regularização voluntária da sua situação tributária entregando em 2/9/2008 as declarações periódicas de rendimentos Modelo 22, de substituição, do IRC de 2005 e 2006, com acréscimo à matéria colectável no montante de €100.000,00, do qual resultaram os seguintes lucros tributáveis corrigidos (fls. 26, 37 e 38 do PA):
D.1) Exercício de 2005 Lucro tributável declarado €14.868,31
Correcção €100.000,00
Lucro tributável corrigido €114.868,31
D.2) Exercício de 2006 Lucro tributável declarado €20.451,78
Correcção €100.000,00
Lucro tributável corrigido €120.451,78
E) Durante o período de realização da acção inspectiva a impugnante procedeu à regularização voluntária da sua situação tributária enviando à administração tributária as declarações de substituição do IVA relativos aos períodos 2005/12 e 2006/12, com as seguintes liquidações adicionais de imposto (fls. 26, 27, 37 e 38 do PA):
Período
Base tributável declarada
Vendas omitidas
Vendas corrigidas
Taxa IVA
IVA a liquidar
IVA liquidado
IVA a pagar
05-Dez
€42.381,05
€100.000,00
€142.381,05
21%
€29.900,02
€8.900,65
€21.000,00
05-Dez
€38.032,05
€100.000,00
€138.032,05
21%
€28.986,73
€7.986,72
€21.000,00
F) Estas correcções voluntárias deram origem às liquidações adicionais de IRC de 2005 e 2006, respectivamente n.º 20082310387546 e n.º 20082310387578, no montante de €30.547,79 e €30.000,78, ambas com data limite de pagamento voluntário em 12/11/2008 (fls. 10 a 15, 37 e 38 do PA).
G) A impugnação judicial foi apresentada em 29/1/2009 (fls. 2 a 17).. . (…).”

3.2. Aditamento oficioso à decisão sobre a matéria de facto
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º do CPC, na redação aplicável, ex vi artigo 2º, alínea e) e 281º do CPPT, importa aditar ao probatório a seguinte matéria que igualmente se encontra provada nos autos, por documentos:

G) A impugnante foi submetida a ação inspeção, aos anos de 2005 e 2006, credenciada por despacho n.º DI200803249 de 10.04.2008, da Direção de Finanças do Porto, teve por motivo Processo de inquérito 268/08.4STS, proveniente de denúncia anónima (cfr. 21 a 27 do PA apenso aos autos.

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. Antes de mais importa apreciar e decidir, se a sentença recorrida padece de nulidade, quer por excesso quer por omissão de pronúncia.
Apreciemos:
Nos artigos 125.º do CPPT e art.º 668.º º, n.º 1, alínea d) do CPC (atual artigo 615.º), preveem como causa de nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Na primeira situação incorre em nulidade por excesso de pronúncia e no segundo por omissão de pronúncia.
O excesso de pronúncia está relacionado com o dever que é imposto ao juiz pelo n.º 2 do artigo 660. º do CPC, (atual art.º 608.º), em que se prevê que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, ressalvando aquelas que forem prejudicadas pela solução dada a outra não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Assim, o excesso de pronúncia pressupõe que a decisão do julgador vá além do que lhe foi pedido pelas partes, ou seja, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do decidido (causa judicandi) não se identifique com a causa de pedir ou com o pedido (causa petendi).
E nesta conformidade, será nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o juiz invoque, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).
Como se consignou no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 20.15.2015, no processo 0116/14, “(…) importa recordar Alberto dos Reis, sobre o que deve entender-se pelo vocábulo «questões» inserto no art. 660º/agora 608º do CPC, “O juiz, para se orientar sobre os limites da sua actividade de conhecimento, deve tomar em consideração, antes de mais nada, as conclusões expressas nos articulados”, pois a função específica dos articulados consiste exactamente em fornecer ao juiz a delimitação nítida da controvérsia e é pelos articulados que o juiz há-de aperceber-se dos termos precisos do litígio e da «questão ou questões, substanciais ou processuais, que as partes apresentam ao juiz para que ele as resolva», sendo que para «caracterizar e delimitar, com todo o rigor, as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados; é necessário atender também aos fundamentos em que elas assentam. Por outras palavras: além dos pedidos, propriamente ditos, há que ter em conta a causa de pedir», não bastando «que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado: é necessário, além disso … que haja identidade entre a causa de pedir (causa petendi,) e a causa de julgar (causa judicandi)» devendo «anular-se, por vício de ultra petita, a sentença em que o juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que as partes, por via de acção ou de excepção, puseram na base das suas conclusões».
E, continua o ilustre mestre a «palavra “questões”, que se lê no art. 660º e no nº 4º do art. 668º ... designa não só o pedido, propriamente dito, mas também a causa de pedir. Desta maneira, quando o juiz julga procedente a acção com fundamento em causa de pedir diversa da alegada pelo autor, conhece de questão que o autor não submeteu à sua apreciação, isto é, de questão de que não devia tomar conhecimento, atento o disposto no art. 660º; a sentença, incorre, portanto, na nulidade prevista na 2ª parte do nº 4º do art. 668º. (...) Desde que a questão se caracteriza pelo pedido e pela causa de pedir, é claro que uma questão fundada em causa de pedir diversa da invocada pela parte … é questão diferente da que a parte submeteu ao conhecimento do tribunal...».(() Cfr. A. Reis, CPC Anotado, Vol. V, anotações ao art. 661º, pp. 53 e ss.) (…)“(destacado nosso).
No caso em análise, a Recorrente alegou que, tendo a decisão recorrida tomado, conhecimento de facto que não foi levado à sua apreciação conheceu da matéria que lhe não era lícito conhecer, por não ser de conhecimento oficioso, uma vez que os factos submetidos a sua apreciação não se integram na disposição contida no nº. 1 do art.º 98º do CPPT.
E na motivação de recurso refere que a sentença recorrida julgou inadmissível impugnação judicial “ assente em vício que não existe e nem sequer foi invocado por nenhuma das partes. Não tendo a Impugnante alegado que a Impugnação tinha como fundamento “erro na autoliquidação mas sim erro na quantificação dos rendimentos que resultaram das correções técnicas introduzidas pela inspeção, e ainda, que a substituição das declarações às declarações por ela anteriormente apresentada, teve como base a determinação da AT.”
Mas não tem razão na medida, que tal facto foi abordado na contestação, por remissão para fls. 37 do PA apenso, e a questão decidida da admissibilidade da impugnação judicial é uma questão de subsunção jurídica dos factos invocados nos autos e que obsta ao prosseguimento dos mesmos e ao conhecimento do mérito da causa nessa parte, de conhecimento oficioso.
Nesta conformidade a sentença não incorreu em excesso de pronúncia.
E desde já se diga também não ocorreu nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia.
A nulidade da sentença, por omissão de pronúncia verifica-se quando existe uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
É entendimento pacífico e reiterado da jurisprudência que a omissão de pronúncia existe quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
Portanto, a nulidade só ocorre nos casos em que o tribunal não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. (Cfr. Acórdãos do STA n.ºs 574/11 de 13.07.2011 e 01200/12 de 12.02.2015 e do TCAN nos acórdãos n.ºs 01903/12.5 BEBRG de 26.09.2013, 1481/08.0BEBRG de 10.10.2013 e 02206/10.5BEBRG de 16.10.2014).
O Recorrente alega que a decisão ao não tomar conhecimento de matéria que lhe foi levada à sua consideração e que era relevante para conhecimento do mérito da ação, tal como conhecer da errada quantificação das correções técnicas, e se houve a aquisições sem fatura e se omitiu vendas na sua contabilidade, não resolveu todas as questões.
Face ao que foi supra decidido, relativamente à necessidade de ser instaurada previamente à impugnação judicial, reclamação graciosa, a sua apreciação ficou prejudicada pela solução dada a essa questão bem como ficou prejudicada o conhecimento da questão alegada na conclusão n.º 6 das alegações de recurso.

4.2. Para boa compreensão da questão jurídica sub judice importa centrar-nos na matéria assente na qual consta que a ação inspeção, aos anos de 2005 e 2006, à Recorrente foi credenciada por despacho n.º DI200803249 de 10.04.2008, da Direção de Finanças do Porto e teve por motivo o Processo de inquérito n.º 268/08.4STS contra si instaurado na sequência de uma denúncia anónima.
No decurso da inspeção, em 02.09.2008, a Recorrente apresentou voluntariamente as declarações periódicas de rendimentos Modelo 22, de substituição, do IRC de 2005 e 2006, com acréscimo à matéria coletável no montante de € 100.000,00, para cada ano em questão respetivas declarações de substituição do IVA relativo aos períodos 2005/12 e 2006/12.
Em 12.09.2008 foi encerrado o procedimento de inspeção tendo culminado com o despacho “Confirmo o teor do presente relatório, designadamente as regularizações voluntárias efectuadas pelo sujeito passivo no decurso da acção inspectiva em sede de IRC e l VA, anos 2005 e 200. Cópia para o D.P.C.F. conforme o solicitado.”
As correções voluntárias deram origem às liquidações adicionais de IRC de 2005 e 2006, respetivamente n.º 20082310387546 e n.º 20082310387578, no montante de € 30.547,79 e €30.000,78.
Destas liquidações a Recorrente interpôs impugnação judicial, em 29.01.2009.
Na sentença recorrida decidiu-se que:” (…) A impugnante embora titule a sua motivação como erro de julgamento e impugnação da matéria de facto, na realidade está a atacar o erro na autoliquidação que deu origem às liquidações impugnadas.
Porém, a impugnação judicial não é legalmente admissível.
Vejamos.
O art. 131.º do CPPT prevê:
“1 - Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.
2 - Em caso de indeferimento expresso ou tácito da reclamação, o contribuinte poderá impugnar, no prazo de 30 dias, a liquidação que efectuou, contados, respectivamente, a partir da notificação do indeferimento ou da formação da presunção do indeferimento tácito.
3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º”.
No caso em apreço, resulta da matéria de facto provada que as liquidações impugnadas resultam das declarações Modelo 22 de IRC de 2005 e 2006 apresentadas pela impugnante em 2/9/2008. Logo, estamos perante autoliquidações de IRC.
A impugnante invoca alegados erros nas declarações apresentadas pelo que está em causa um erro na autoliquidação.
Assim, a impugnação judicial estava obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional (art. 131.º, n.º 1, do CPPT).
Logo a presente impugnação judicial não é legalmente admissível.
Ainda que se quisesse ponderar a eventual convolação da petição inicial em “reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária” (arts. 97.º, n.º 3, da LGT e 98.º, n.º 4, do CPPT) a mesma não seria legalmente admissível, porquanto a par dos fundamentos para essa reclamação, a impugnante também invocou a ilegalidade da liquidação e a sua falta de fundamentação.
Logo, sendo este processo de impugnação judicial válido para julgamento desses fundamentos a petição inicial não poderia ser simultaneamente válida para os dois, pelo que sendo invocados fundamentos legais para o processo de impugnação judicial, os autos têm de prosseguir os seus termos para julgamento desses fundamentos. (...)”
Com efeito a sentença recorrida não nos merece reparo uma vez que, o objeto da impugnação, são as liquidações de IRC decorrentes de autoliquidação através das declarações de substituição apresentadas em 02.09.2008, pela Recorrente.
Decorre do art.º 82.º do CIRC que a liquidação do IRC é efetuada pelo próprio contribuinte, nas declarações a que se referem os art.º 112.º e 114 .º do mesmo código e pela Direção Geral de Impostos , nos restantes casos.
Assim, os contribuintes podem apresentar a declaração periódica de rendimentos até ao último dia do prazo de mês de maio, relativamente ao ano anterior (art.º 112.º do CIRC) e apresentar a declaração de substituição, (art.º 114.º do CIRC).
Assim, a autoliquidação é a que é feita pelos particulares, por contraposição à que é feita pela Administração Tributária.
Determina o artigo 114.°, com o título de “Declaração de substituição” que:
1 - Quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efetivo, pode ser apresentada declaração de substituição, ainda que fora do prazo legalmente estabelecido, e efetuado o pagamento do imposto em falta.
2 - A autoliquidação de que tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo fiscal inferior ao efetivo pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal.”
As declarações de substituição tem por objetivo permitirem a correção dos valores apurados e declarados, por iniciativa do sujeito passivo, consubstanciando-se em regularizações voluntárias de erros cometidos pelos próprios.
Resulta da matéria assente, não impugnada que o Recorrente, durante o período de realização da ação inspetiva procedeu à regularização voluntária da sua situação tributária entregando em 02.09.2008 as declarações periódicas de rendimentos Modelo 22, de substituição, do IRC de 2005 e 2006, com acréscimo à matéria coletável no montante de €100.000,00 que originou liquidações de IRC em causa.
Preceitua o art.º 131.º do CPPT que em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração.
Como refere Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª ed., volume II, anotação 3 ao art. 131º, pp. 406 a 408 e com o qual se concorda: “Se o sujeito passivo detetar a existência de um erro, quer nos factos em que assentou a liquidação, quer nas normas legais respetivas, e pretender impugnar, poderá ou não ter de apresentar uma reclamação graciosa, antes de ter acesso à via contenciosa de impugnação.
Esta reclamação prévia é qualificada por este art. 131.º como obrigatória para abrir a via contenciosa, se o seu fundamento não for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação não tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária (n.ºs 1 e 3 deste artigo).(…)”
E é também jurisprudência assente queII - No caso de erro na autoliquidação, a lei exige a reclamação graciosa prévia como forma de abrir a via contenciosa, a menos que (1.º) o fundamento da impugnação seja exclusivamente de direito e (2.º) a autoliquidação tenha sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela AT (art. 131.º, n.ºs 1 e 3, do CPPT).
III - Isto, porque a autoliquidação, que é efectuada pelo contribuinte, não constitui um acto administrativo e, por isso, não é impugnável directamente, exigindo-se antes da impugnação uma actuação da AT no sentido de “administrativizar” o acto.

IV - O segundo dos dois requisitos cumulativos exigidos pelo n.º 3 do art. 131.º do CPPT para dispensar a reclamação prévia enquanto condição para abrir a via contenciosa em caso de autoliquidação – «a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» – justifica-se porque, nesta hipótese, a AT já se pronunciou previamente sobre a questão suscitada e encontra-se vinculada pelas orientações (cfr. art. 68.º, n.º 4, da LGT), motivo porque seria inútil suscitar a sua intervenção através de reclamação graciosa, que teria de ser indeferida. (Cfr Ac do STA 860/10 de 12.10.2011, bem ainda os acórdãos 01125/08 de 25.03.2009 e 825/12 de 13.03.2013).
Decorre da análise da petição inicial que o Recorrente, e tal como o próprio refere na motivação das alegaçõesnão invocou na sua impugnação erro na autoliquidação mas sim “Erro de julgamento” de matéria tributável pela Inspecção, “Peterição de Formalidades Essenciais” e “Inexistência de fundamento para as regularizações introduzidas pela AT em sede de IRC e de IVA aos anos de 2005 e 2006.”
A Recorrente imputa “erro de julgamento” por referência ao relatório de inspeção, mas esquece que as liquidações de IRC que impugna não tem por pressuposto uma liquidação efetuada pela Administração Fiscal, mas sim as declarações de substituição que apresentou voluntariamente.
Tendo a impugnação judicial, por objeto as liquidações de IRC, efetuada com base nas declarações de substituição apresentadas pelo Recorrente, por força do n.º 1 do art.º 131.º do CPC, era necessário, para que fosse aberta a via contenciosa, a interposição previa de reclamação graciosa.
Alega a Recorrente que os atos que o levaram à substituição das declarações tiveram em consideração as orientações da inspeção tributária independentemente de se entender se houve uma “imposição forçada”, ou simples indicações para a Recorrente o fazer.
Pretende assim, o Recorrente enquadrar a impugnação judicial no n.º 3 do art.º 131.º do CPPT em que não há lugar á reclamação graciosa prévia quando a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária.
Porém tem a jurisprudência entendido queas orientações genéricas, para efeitos do disposto no artº 131º, nº 3 do CPPT, são atos do poder de direção típico da relação de hierarquia administrativa, os quais dão a faculdade de emanar circulares interpretativas, ou seja, instruções gerais, vinculativas, dirigidas aos órgãos da administração tributária, funcionários e agentes subalternos, acerca do sentido em que devem – mediante interpretação ou integração – entender-se as normas e princípios jurídicos que, no âmbito do exercício das suas funções, lhes caiba aplicar (cfr. acórdão do STA de 26622 de 31.05.2006)
Nesta conformidade, a sentença recorrida não incorreu no alegado erro de julgamento.

4.2. E assim formulamos as seguintes conclusões/sumário:
I. Assim, o excesso de pronúncia pressupõe que a decisão do julgador vá além do que lhe foi pedido pelas partes, ou seja, haverá excesso de pronúncia, sempre que a causa do decidido (causa judicandi) não se identifique com a causa de pedir ou com o pedido (causa petendi).
II. A nulidade da sentença, por omissão de pronúncia verifica-se quando existe uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
III. Decorre do art.º 82.º do CIRC que a liquidação do IRC é efetuada pelo próprio contribuinte, nas declarações a que se referem os art.º 112.º e 114 .º do mesmo código e pela Direção Geral de Impostos , nos restantes casos.
IV. Assim, a autoliquidação é a que é feita pelos particulares, por contraposição à que é feita pela Administração Tributária.
V. No caso de erro na autoliquidação, a lei exige a reclamação graciosa prévia como forma de abrir a via contenciosa, a menos que (1.º) o fundamento da impugnação seja exclusivamente de direito e (2.º) a autoliquidação tenha sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela AT (art. 131.º, n.ºs 1 e 3, do CPPT).

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso interposto e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.

Porto, 22 de fevereiro de 2018

Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira

Ass. Fernanda Esteves

Ass. Cristina Travassos Bento