Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01924/10.2BEPRT |
![]() | ![]() |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data do Acordão: | 03/18/2011 |
![]() | ![]() |
Tribunal: | TAF do Porto |
![]() | ![]() |
Relator: | José Augusto Araújo Veloso |
![]() | ![]() |
Descritores: | PROCESSO CAUTELAR CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO CONVOLAÇÃO DO ARTIGO 121º DO CPTA EXTINÇÃO DA LIDE CAUTELAR |
![]() | ![]() |
Sumário: | I. Os processos cautelares visam ser instrumentais da acção principal, sendo esta a sua característica endógena mais proeminente; II. No meio da tipicidade processual, em que os cautelares são meros serventuários dos fins a atingir na acção principal, a convolação permitida pelo artigo 121º do CPTA surge como uma solução atípica, imposta pela necessidade de tutela jurisdicional efectiva; III. Coerentemente com o princípio da tipicidade dos meios processuais, e natureza instrumental dos processos cautelares, temos de concluir que essa antecipação do juízo de fundo apenas poderá ser realizada durante o período de vida do direito de intentar a acção principal; IV. Depois de ter caducado o direito de intentar a acção, deixa de fazer sentido, e de ser legalmente possível, proceder à referida antecipação.* * Sumário elaborado pelo Relator |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Data de Entrada: | 01/31/2011 |
Recorrente: | V... |
Recorrido 1: | Câmara dos Solicitadores |
Votação: | Unanimidade |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Meio Processual: | Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Negado provimento ao recurso |
![]() | ![]() |
![]() | ![]() |
Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Conceder parcial provimento ao recurso |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório V… - residente na rua…, Porto – interpõe recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] do Porto – em 22.11.2010 – que julgou extinta a instância cautelar, em que ele demandava a Câmara dos Solicitadores [CS], com fundamento em impossibilidade da lide – a sentença recorrida culmina acção cautelar em que o ora recorrente pede ao TAF do Porto a suspensão de eficácia do Despacho do Presidente do Conselho Regional do Norte da Câmara dos Solicitadores, que lhe indeferiu pedido de dispensa da segunda fase de estágio, confirmado por acórdão de 30.04.2010 do respectivo Conselho Superior, pede a sua admissão provisória a exame, e, na eventualidade de nele vir a ser aprovado, pede ainda que seja concedida autorização provisória para poder exercer as funções de solicitador, e de solicitador de execução, mediante as respectivas inscrições na Câmara de Solicitadores. Conclui assim as suas alegações: 1- O recorrente desde o requerimento inicial que pediu despacho sobre o pedido de decisão sobre o mérito da causa principal, por estarem verificados os requisitos exigidos pelo artigo 121º do CPTA; 2- O tribunal a quo cedo percebeu estar perante situação urgente em toda a linha, porquanto, se a decisão do pedido tivesse que esperar pela decisão em acção principal, perderia todo o efeito útil, uma vez que os exames e inscrições são anuais e os próximos exames chegariam bem primeiro que a decisão da causa; 3- Ainda que pudesse vir a decidir mais tarde sobre a aplicação do artigo 121º, se tinha a opinião seca que transpôs para a sentença, de que não abdicava da interposição da acção principal, mesmo sem verificar o cumprimento dos requisitos, o tribunal deveria tê-lo dito ao requerente de imediato, o que não fez em vários despachos proferidos; 4- O tribunal nem sequer ponderou a verificação dos requisitos do artigo 121º, pois considerou, sem mais, que a mais das vezes tinha que se intentar a acção principal; 5- O requerente tinha a convicção, que mantém, de que estavam ou podiam vir a estar preenchidos os requisitos exigidos para aplicação do artigo 121º, convicção essa que foi reforçada com o despacho judicial a reconhecer a urgência do decretamento provisório da providência; 6- Se o tribunal tinha o entendimento, agora conhecido, por força do princípio da colaboração e boa fé, deveria ter manifestado tal posição nos autos, pelo que ao não o fazer violou esses princípios; 7- Verifica-se ainda que o tribunal permitiu sem consequência, uma atitude clara e objectiva da requerida em fazer atrasar o processo, ao permitir a falta de junção aos autos, pela requerida, dos documentos solicitados pelo requerente no requerimento inicial, mesmo após dupla determinação judicial, bem como também ficou sem consequência a falta à verdade, ao tribunal, quando a entidade requerida negou a existência dos documentos requeridos, para mais tarde os juntar sem justificação; 8- Toda esta má fé da entidade requerida, na tentativa de atrasar o processo, violou igualmente aqueles referidos princípios impostos pelo artigo 8º do CPTA; 9- Pode afirmar-se que o requisito da urgência na decisão, e a verificação de que a espera pela decisão da causa principal retiraria todo o efeito útil ao pedido, encontra-se manifestamente verificado, bem como dos autos constavam já todos os elementos necessários para a antecipação da decisão da causa principal, nada mais havendo a acrescentar com a interposição da causa principal; 10- Tendo verificado o recorrente que cumpria os requisitos para a dispensa solicitada, pela necessidade que tinha [e ainda que não a tivesse] era imperioso fazer o exame geral no ano de 2010 e assim concluir todo o processo em tempo útil, tal qual muitos dos seus colegas fizeram com a dita dispensa; 11- Se esperasse para fazer o estágio normal, sempre o recorrente faria o exame geral no verão de 2011 e a inscrição como solicitador de execução em Dezembro do mesmo ano; 12- Confrontado com o acto administrativo em crise, o recorrente tentou evitar com esta providência aquele atraso que irremediavelmente se verificaria se tivesse que intentar a acção principal, pelo que a decisão imediata da causa tem todo o sentido e fundamento de facto e de direito; 13- O requerente desde início que deu o seu aval à antecipação do juízo da causa principal, e, ainda que a entidade requerida se viesse a opor, uma vez verificados os requisitos, o tribunal poderia determinar a aplicação do artigo 121º; 13- A aplicação do artigo 121º, e a procedência do pedido, para além de legal, não era nada de novo para a requerida, que só este ano deferiu mais de uma dezena de pedidos idênticos, muitos deles em condições não tão evidentes como o do recorrente; 14- Em abono do decoro e da justiça, se um militar da GNR tem um currículo honroso, com o que se concorda, para efeitos de obter o deferimento de pedido idêntico ao feito pelo requerente [como consta dos autos], como é que uma pessoa licenciada, que exerce há 11 anos funções similares às de funcionário forense, trabalhando com advogados e com solicitadores, colaborando na preparação de actos próprios da profissão de advogado e solicitador, vê indeferida a sua pretensão? 15- Embora estejamos no campo da discricionariedade técnica, este caso ultrapassa de forma grosseira e escandalosa os limites permitidos pela Constituição e pela Lei à administração, in casu à requerida, como mais especificadamente se argumentou no requerimento inicial; 16- Atentos os elementos carreados para os autos pelas partes [aos quais poderia ser junta mais alguma da prova testemunhal requerida], a ilegalidade do acto administrativo apenas se pode compreender por incompetência na apreciação do pedido, ou então, como se arguiu, por abuso de poder e arbitrariedade no exercício de poderes públicos, como são os que exerce a requerida; 17- No caso dos autos estavam reunidos todos os requisitos legais para que fosse deferido o pedido de aplicação do artigo 121º do CPTA, decidindo-se pela antecipação do juízo sobre a causa principal, pelo que ao não o fazer, a tribunal a quo fez incorrecta aplicação da lei; 18- O tribunal a quo omitiu por completo a fundamentação de facto e de direito do decidido, pois apenas se limitou a enunciar os requisitos que se deveriam verificar para se decidir pela aplicação do artigo 121º do CPTA, faltando na sentença recorrida a subsunção dos factos ao direito, de modo a poder determinar-se se os factos dos autos cumprem ou não os requisitos legais; 19- O tribunal teria que fazer a verificação se o caso careceria de urgente resolução da causa principal, e se estes autos já dispunham dos elementos suficientes para antecipar a decisão da causa principal, ou se poderiam vir a juntar-se aos autos, o que não fez; 20- Se o tribunal verificasse o requisito da urgência na decisão, mas não tivessem as partes facultado todos os elementos necessários para a sua prolação, poderia ainda determinar as diligências que entendesse para que pudesse tomar aquela decisão; 21- Ao assentar a sua decisão no facto de para que o Tribunal possa conscienciosamente decidir no sentido da antecipação do juízo sobre a causa principal, torna-se, a mais das vezes, necessário que já tenha sido instaurada a acção principal, o que no caso não aconteceu, a sentença recorrida teria que questionar se o caso dos autos está entre os das mais das vezes, algo a que a sentença recorrida não fez, deixando sem qualquer sustentação jurídica a conclusão por que termina; 22- Com que legitimidade se conclui pela inutilidade superveniente da lide se não se diz sequer se os requisitos legais para a aplicação do artigo 121º não se verificam? 23- Com que legitimidade se conclui pela inutilidade superveniente da lide se nem sequer tinham sido realizadas as diligências de prova requeridas pelas partes, para que se pudesse fazer a verificação do 2º requisito [deter-se todos os elementos para decidir]? 24- A própria citação doutrinal feita a folha 17 da sentença, para tentar sustentar o decidido, ficou desprovida de qualquer utilidade, pois não foi feito o indispensável juízo casuístico, a fim de se determinar se as suas premissas e conclusões se verificam neste caso, algo que o tribunal a quo olvidou por completo; 25- Com a sentença recorrida ficamos a saber que a lide foi extinta, por inutilidade superveniente, mas ficamos sem saber o motivo de tal decisão, pois se as mais das vezes é necessária a interposição da acção principal, não sabemos porque é que no caso foi excluído liminarmente, sem verificação e sem justificação, da minoria de casos em que não é necessário interpor a acção principal, por força da aplicação do artigo 121º; 26- Feita a subsunção dos factos ao direito, dar-se-á por verificado o requisito da urgência na decisão da causa, bem como se verificará com os elementos que já constam dos autos [prova documental], com a prova testemunhal a produzir, e ainda com outras eventuais diligências oficiosas, a determinar, que o processo dispõe de todos os elementos para antecipar a decisão da causa principal; 27- A interposição da acção principal não acrescentaria aos autos qualquer dado de facto ou de direito para além dos que já aí constam, pelo que se pode concluir perguntando porquê e para quê a acção principal? 28- Para além de admissível o pedido de dispensa efectuado, e de estarem preenchidos os requisitos para a apreciação imediata do mérito da causa e se decidir pela procedência do requerido, nenhum interesse público ou privado fica sequer beliscado com o requerido; 29- Nem mesmo é posta em causa a necessidade do cumprimento de estágio normal pelo agora recorrente, pois a coberto do decretamento provisório da admissão a exame proferida nestes autos, o recorrente realizou essa prova, tendo obtido aprovação, com nota superior a muitos dos seus ilustres colegas, como aliás já se provou documentalmente nos autos; 30- Não restando dúvidas quanto à competência técnica e profissional do recorrente para o exercício das funções que pretende desempenhar; 31- O tribunal a quo fez incorrecta interpretação e aplicação da lei, nomeadamente do artigo 121º, violou o disposto no artigo 8º nº1 do CPTA, bem como omitiu totalmente a fundamentação do decidido, incorrendo em violação de lei e de falta de fundamentação, violando os artigos 659º, nº2 e nº3, e 668º, nº 1 alínea b), do CPC; 32- Nestes termos e melhores de direito, deve o presente recurso merecer provimento e, por consequência, considerarem-se verificados os requisitos legais para aplicação do artigo 121º do CPTA ou, ao menos, que os autos estão em condições de que eles se possam vir a verificar na íntegra neste processo, remetendo-se o mesmo ao TAF para seu prosseguimento, com as consequências legais. Termina pedindo a revogação da sentença recorrida. A CS contra-alegou, concluindo assim: Bem andou o tribunal ao extinguir a instância por impossibilidade superveniente da lide, a coberto do disposto nos artigos 121º do CPTA ex vi 287º alínea e) do CPC aplicável por força do disposto no artigo 1º do CPTA, assim se fazendo justiça mantendo-se essa decisão inalterável. O Ministério Público pronunciou-se [artigo 146º nº1 CPTA] pelo parcial provimento do recurso jurisdicional. De Facto São os seguintes os factos considerados provados na sentença recorrida: A) O requerente é solicitador estagiário, tendo concluído com êxito a 1ª fase do respectivo estágio académico; B) O estágio em causa é composto ainda por uma 2ª fase; C) O requerente solicitou ao Presidente do Conselho Regional do Norte da Câmara dos Solicitadores [CS] dispensa da 2ª fase de estágio [conforme consta do documento de folhas 30 a 32 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido]; D) Por decisão proferida a 25.01.10, o pedido referido no ponto que antecede foi indeferido [ver documento de folha 21 dos autos]; E) Esta decisão chegou ao conhecimento do requerente cautelar em 29.01.10; F) Por requerimento de 09.02.2010 o requerente interpôs recurso administrativo dessa decisão [ver documento de folhas 35 a 37]; G) Por ofício de 05.05.2010 e recebido a 06.05.2010, o requerente foi notificado do parecer e acórdão proferido pelo Conselho Superior da CS [ver documento de folhas 68 a 70]; H) O requerente cautelar obteve o grau de licenciado em Relações Internacionais com a classificação final de 13 valores [ver documento de folha 34 dos autos]; I) Conteúdo do documento de folha 33 dos autos [cujo teor aqui se dá por reproduzido]; J) O requerente realizou o exame nacional de estágio em 17.07.10 e obteve as classificações que constam do documento de folha 146 [cujo teor se dá por reproduzido]; K) A presente providência cautelar foi instaurada em 01.07.2010 [ver folha 1 dos autos]; L) O requerente não instaurou a acção administrativa especial de que a presente providência cautelar é dependência. Nada mais foi dado como provado. De Direito I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para o efeito, pela lei processual aplicável – ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 685º-A nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 10ª edição, páginas 447 e seguintes, e Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição revista, página 850 e 851, nota 1. II. O requerente cautelar veio pedir a tribunal que suspendesse a eficácia da decisão administrativa que lhe indeferiu o requerimento de dispensa da 2ª fase de estágio, que o admitisse provisoriamente a exame final de estágio, e que, no caso de nele vir a obter aprovação, desde já requeria autorização provisória para poder iniciar as funções de solicitador e de solicitador de execução. Fê-lo nos termos dos artigos 112º e seguintes do CPTA, e pediu que tais providências fossem provisoriamente decretadas nos termos do artigo 131º do mesmo diploma. E logo esclareceu que iria intentar acção principal visando obter a declaração de nulidade, ou a anulação, daquela decisão administrativa de indeferimento, sendo que desde já requeria e dava a sua anuência à aplicação do artigo 121º do CPTA. O TAF do Porto, por decisão de 06.07.2010, julgou verificada a situação de especial urgência que é exigida pelo artigo 131º do CPTA, e decretou provisoriamente a providência de admissão do requerente à realização do exame nacional designado para o dia 17.07.2010. A requerida CS, ao abrigo do artigo 131º nº6 do CPTA, invocou a caducidade do direito do requerente cautelar intentar a acção principal, e impugnou o que foi por ele articulado como causa de pedir. O TAF, em 03.09.2010, confirmou o decidido em 06.07.2010. Questionado pelo TAF acerca da interposição da acção principal, o requerente cautelar veio confirmar que não intentou a mesma, e que requeria que fosse antecipado, nestes autos cautelares, o juízo sobre a acção principal, ao abrigo do artigo 121º do CPTA. Surge, nesta sequência, a sentença recorrida, de 22.11.2010. Através dela, o TAF declarou extinta esta instância cautelar, com fundamento na sua impossibilidade superveniente [287º alínea e) do CPC ex vi 1º do CPTA]. Fê-lo após chamar a atenção para a natureza instrumental das providências cautelares, ter manifestado o entendimento de que a caducidade do direito de intentar a acção principal conduzirá a uma situação de impossibilidade superveniente da lide cautelar pendente, ter entendido que o prazo de caducidade em causa era de 3 meses e já decorreu, e que a circunstância do requerente cautelar ter pedido a antecipação da decisão final da acção principal [artigo 121º do CPTA] não o desonerava de a intentar. O requerente cautelar, agora na qualidade de recorrente, vem discordar desta sentença, imputando-lhe erro de julgamento de direito apenas no tocante à não aplicação, ao caso, do artigo 121º do CPTA. E arguiu, ainda, a sua nulidade, por total falta de fundamentação de facto e de direito [artigos 659º nº2 e nº3, e 668º nº1 alínea b) do CPC]. À apreciação desta nulidade e desse erro de julgamento de direito se reduz, pois, o objecto deste recurso jurisdicional. III. Como resulta de delimitação feita do objecto deste recurso, damos aqui como pacificamente adquirido que o direito do requerente cautelar intentar a acção principal já caducou. Esta parte da sentença, aliás, encontra-se bem estruturada, e em sintonia com jurisprudência que cita. O pomo da questão tem a ver com a não utilização, no caso, do artigo 121º do CPTA. O recorrente defende que o TAF fez incorrecta interpretação e aplicação desta norma, que deveria ter aplicado, uma vez que se verificavam todos os requisitos por ela exigidos. Defende, além disso, que a sentença, não obstante deixar em aberto que nem sempre tem de ser como exige, não explica o motivo por que exigiu, neste caso, que tivesse sido previamente intentada a acção principal. E que, ao surpreendê-lo com essa exigência, omitiu a colaboração, e a boa-fé, impostas pelo artigo 8º do CPTA. Por fim, imputa nulidade à sentença por falta total de fundamentação de facto e de direito [artigos 659º nº2 e nº3, e 668º nº1 alínea b) do CPC ex vi 1º do CPTA]. Na parte que para aqui interessa, o TAF justificou assim a sua decisão: […] A circunstância de ter formulado pedido de antecipação da decisão final da causa principal, nos termos do artigo 121º do CPTA, não desonerava o requerente de instaurar a acção principal de que a providência cautelar era dependência dentro do prazo legal de que dispunha para o efeito, que no caso era de três meses a contar do dia seguinte ao da notificação da decisão. Prescreve o artigo 121º do CPTA que quando a manifesta urgência na resolução definitiva do caso, atendendo à natureza das questões e à gravidade dos interesses envolvidos, permita concluir que a situação não se compadece com a adopção de uma simples providência cautelar e tenham sido trazidos ao processo todos os elementos necessários para o efeito, o tribunal pode, ouvidas as partes pelo prazo de 10 dias, antecipar o juízo sobre a causa principal. Resulta desta norma que a antecipação da decisão sobre o mérito da causa principal depende do preenchimento cumulativo de dois requisitos, a saber: a) Em primeiro lugar, deve haver manifesta urgência na resolução definitiva do caso; b) Em segundo lugar, é necessário que, ouvidas as partes, o tribunal se sinta em condições de decidir a questão de fundo por dispor de todos os elementos necessários para o efeito. Tal significa que não basta a formulação do pedido de antecipação da decisão final a proferir nos autos principais para que o tribunal defira essa pretensão. Aliás, para que o tribunal possa conscienciosamente decidir pela antecipação do juízo sobre a causa principal, torna-se, a mais das vezes, necessário que já tenha sido instaurada a acção principal. Neste sentido veja-se o que escreve Mário Aroso de Almeida [Código do Processo nos Tribunais Administrativos Anotado, 2ª edição revista, 2007, página 719] segundo o qual não nos parece que a antecipação prevista no artigo 121º possa ter lugar em momento no qual o processo principal ainda não tenha sido instaurado, pois nesse momento ainda não está formalizado o litígio em termos suficientemente precisos para se poder formular um juízo consistente sobre o preenchimento dos pressupostos, substantivos e processuais, de que depende a antecipação. Assim sendo, e em face do exposto, impõe-se concluir, sem necessidade de mais considerações, pela extinção da presente instância por impossibilidade superveniente da lide. Comecemos pela nulidade apontada à sentença. Segundo o recorrente, a decisão recorrida carece absolutamente de fundamentação de facto e de direito. Mas não cremos que ocorra completa ausência de fundamentação, quer de facto quer de direito, na sentença recorrida, sendo certo que apenas esta releva como causa de nulidade [artigo 668º nº1 alínea b) do CPC ex vi 1º CPTA; e, entre muitos, AC STA de 26.07.2000, Rº46382, e AC STJ 26.02.2004, Rº03B3798]. Importará notar, a este propósito, que o TAF nem sequer partiu para a consideração dos pressupostos substantivos e processuais que são exigidos pelo artigo 121º do CPTA, limitando-se a considerar que a antecipação do juízo de fundo permitido por essa norma estava, no caso, inviabilizado pela caducidade do direito de acção. É certo que se espraiou a citar o nº1 do referido artigo 121º, bem como a sumariar os pressupostos da convolação que ele permite, o que deu azo a que o recorrente tenha tomado a nuvem por Juno, ou seja, tenha enraizado a nulidade que invocou em terreno supérfluo. Mas erradamente. Caso a decisão de extinção da instância brotasse da ponderação, em concreto, da possibilidade de se proceder ou não à antecipação do juízo de fundo, ao abrigo da dita norma, certo era que careceria de fundamentação de facto e de direito. E assistiria razão ao recorrente. Porém, a impossibilidade superveniente da lide, que motiva a extinção da instância cautelar, brota antes da caducidade do direito de intentar a acção principal, isto é, brota do facto do TAF ter considerado que essa caducidade inviabiliza a pretendida antecipação. E neste sentido, cremos bem, não ocorrerá completa ausência de fundamentação de facto, nem de direito, porque, àquele nível, encontra suficiente base nos pontos E a G, K e L do provado, e, a este, na invocada natureza instrumental dos processos cautelares. Deve, pois, improceder a nulidade da sentença recorrida que foi invocada pelo recorrente. Passemos ao erro de julgamento de direito. Já nos pronunciamos, no âmbito de outro recurso jurisdicional, sobre a natureza da convolação permitida pelo artigo 121º do CPTA, e sobre os seus pressupostos e cuidados a ter na sua aplicação, sendo certo que tal pronúncia mereceu, até, uma anotação concordante por parte de ilustre docente universitária [AC TCAN de 26.07.2007, Rº03160/06, in CJA, nº67, com Anotação da Professora Celeste Fonseca]. Limitamo-nos, assim, a remeter, quanto a essa matéria, que por ser referida na sentença recorrida foi usada pelo recorrente nas suas alegações, para o que ali deixamos dito [poderão ser consultados, também, a propósito, o AC TCAN de 18.06.2009, Rº01313/08.9, o AC TCAN de 22.04.2010, Rº02818/09, e o AC TCAN de 06.05.2010, Rº00032/09.3]. Trata-se aqui de outra questão, que se encontra a montante da contemplada nesse acórdão, e que consiste em saber se no processo cautelar, tempestivamente intentado, poderá ser antecipado o juízo de fundo sobre causa principal que já não pode dar entrada em juízo, por caducidade do respectivo direito de acção. Foi, efectivamente, o que aconteceu. O nosso julgador cautelar, não obstante lhe ter sido pedida a antecipação do juízo sobre a causa principal, acabou por julgar extinta a instância cautelar, com base na impossibilidade superveniente da lide, por entretanto ter caducado o direito de intentar a acção principal. Assim, e independentemente de se verificarem ou não, em concreto, os pressupostos substantivos e adjectivos da convolação permitida pelo artigo 121º do CPTA, certo é que o TAF a recusou por impossibilidade decorrente desta caducidade. E fez bem, cremos, pelas razões que seguem. É sabido que no âmbito do contencioso administrativo funciona o princípio da tipicidade legal das formas de processo. Este princípio insufla o texto dos artigos 35º e 36º do CPTA, e traduz-se, na prática, na limitação das formas processuais àquelas que são previstas na lei, e no consequente dever dos interessados delas lançarem mão para o efeito de aí verterem e verem tramitadas as suas pretensões. É assim que temos a acção administrativa comum [Título II do CPTA], a acção administrativa especial [Título III do CPTA], os processos principais urgentes [Título IV do CPTA], os processos cautelares [Título V do CPTA], e as acções administrativas ditas avulsas [acção para declaração de perda de mandato de eleito local (Lei nº27/96 de 01.08), intimação judicial para a prática de acto legalmente devido e para a emissão de alvarás em matéria urbanística (112º e 113º do RJUE aprovado pelo DL nº555/99 de 16.12, e republicado pela Lei nº26/2010 de 30.03), intimação para a emissão de alvarás de utilização para fins turísticos e empreendimentos de turismo no espaço rural (31º nº3 do DL nº39/08 de 07.03 e 37º do DL nº54/2002 de 11.03)]. Os processos cautelares, é também sabido, destinam-se a obter providências visando evitar que o tardio julgamento da acção principal possa determinar a inutilidade da decisão que nela vier a ser proferida, e que, por causa disso, o interessado seja colocado numa situação de facto consumado ou numa situação em que o volume ou a qualidade dos prejuízos sofridos inviabilize a possibilidade de reverter a situação que teria se a ilegalidade não tivesse sido cometida. Deste modo, os processos cautelares visam ser instrumentais da respectiva acção principal, sendo esta a sua característica endógena mais proeminente. Esta instrumentalidade é, assim, a verdadeira causa final dos processos cautelares, a sua razão de ser. No meio desta tipicidade processual, em que os cautelares são meros serventuários dos fins a atingir na acção principal, a convolação permitida pelo artigo 121º do CPTA surge como uma solução atípica [no sentido que vimos usando] imposta pela necessidade de tutela jurisdicional efectiva. O artigo 121º do CPTA permite ao juiz cautelar uma antecipação processual do juízo de fundo que deveria ter lugar na acção principal, em nome, sobretudo, da urgência na resolução definitiva do conflito. Esta faculdade concedida ao julgador cautelar constitui poder-dever, a ser exercido com especial ponderação. Mas sempre que preenchidos os indispensáveis pressupostos, o juiz cautelar, sob pena de violar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, deve proceder à convolação. Assim, a decisão de fundo proferida ao abrigo da convolação do artigo 121º constitui decisão definitiva, não decisão provisória. Origina caso julgado material, não caso julgado formal [rebus sic standibus]. Isto é, traduz-se em decisão que é própria de acção principal, e não de acção cautelar, pois é daquela que são próprios os seus efeitos. Em coerência com o estipulado nos artigos 113º e 121º do CPTA, não poderemos deixar de reconhecer que a convolação permitida por este último tanto poderá acontecer durante como antes da pendência da acção principal. Mas, coerentemente com o princípio da tipicidade dos meios processuais, e com a natureza instrumental dos processos cautelares, também temos de concluir que essa antecipação do juízo de fundo só poderá ser realizada durante o período de vida do direito de intentar a acção principal. Pensar de outro modo, significa admitir um novo tipo de processo principal urgente, que não está previsto na lei. E significa, ainda, desvirtuar a natureza instrumental do processo cautelar, que pura e simplesmente deixaria de o ser, para se tornar um processo principal. Assim, essa antecipação prevista no artigo 121º do CPTA apenas dispensará o interessado de intentar a respectiva acção principal quando tiver lugar dentro do prazo para a propositura da mesma. Depois de ter decorrido esse prazo, ou seja, depois de ter caducado o direito de acção, deixa de fazer sentido, e de ser legalmente possível, proceder à antecipação. Nestas circunstâncias, ela mais não seria do que uma forma ínvia de contornar o prazo legalmente imposto para intentar a acção, dirigindo-se apenas a obviar a situação de extemporaneidade em que se caiu, carecendo de razão objectiva, assim, a necessidade de tutela. Ocorreria, cremos, um verdadeiro desvio dos fins que levaram à consagração da própria convolação do artigo 121º do CPTA. Deixar-se-ia entrar pela janela aquilo que se fez sair pela porta. Um verdadeiro modo indirecto de violar a lei [consultamos, na jurisprudência, AC STA de 06.02.2007, Rº0598/06; AC TCAS de 26.03.2009, Rº020088/06; AC TCAN de 22.04.2010, Rº02818/09.0BEPRT; AC TCAS de 20.05.2010, Rº06050/10; AC STA de 28.09.2010, Rº0457/10; e o AC STA de 11.11.2010, Rº0627/10. E, na doutrina, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 3ª edição revista, 2010, em comentário ao artigo 121º; José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Almedina, 10ª edição, páginas 370 a 373; Ana Gouveia Martins, A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo, Coimbra Editora, 2005, páginas 354 e 355; e Maria Fernanda Maças, As Formas de Tutela Urgente Previstas no Código do Processo nos Tribunais Administrativos, nº86 da STUDIA JURÍDICA, Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2005, páginas 209 a 238]. A interpretação e aplicação que o juiz cautelar fez das normas legais, no sentido de não avançar com o processo cautelar, sobretudo para convolação da decisão cautelar numa decisão de fundo, mostra-se, pois, perfeitamente correcta, e deve ser mantida por este tribunal superior [artigo 9º do CC]. O requerente queixa-se, ainda, de que o tribunal a quo acabou por surpreendê-lo com a sua decisão, não tendo agido de uma forma cooperante e franca, como lhe impõe o artigo 8º do CPTA. Bom, a tal respeito, apenas poderemos dar razão ao recorrente num plano ético, que ultrapassa, é sabido, o mero plano jurídico. Talvez que, perante o pedido de antecipação da decisão de fundo nos autos cautelares, desenhada desde início pelo requerente, o juiz cautelar pudesse tê-lo advertido de que a pretensão não o dispensava de intentar a acção principal atempadamente. Talvez. Mas nada garantia, também, que o juiz cautelar não se pudesse vir a decidir pela convolação pretendida pelo requerente cautelar antes de caducar o direito de intentar a acção principal… estando, assim, e numa atitude meramente preventiva, a adverti-lo de risco eventual. Certo é que, tratando-se de poder-dever do próprio tribunal, o requerente cautelar, muito embora pudesse sugerir o seu exercício, e a este dar a sua anuência, nunca poderia descansar à sombra dessa deduzida pretensão, passando ao tribunal o ónus de o prevenir contra uma eventual caducidade do seu direito de acção. Não vemos, pois, que no plano jurídico, e é esse que interessa, tenham sido desrespeitados princípios ínsitos no artigo 8º do CPTA. Deverá, assim, ser negado provimento ao recurso jurisdicional, e mantida a sentença recorrida com os actuais fundamentos. Decisão Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência, negar provimento ao recurso jurisdicional, e manter a sentença recorrida com os actuais fundamentos. Custas pelo recorrente - artigos 446º, 447º, 447º-C e 447º-D, todos do CPC, 189º do CPTA, 1º, 2º, 3º nº1, 6º nº2, 7º nº2, 12º nº1 alínea b) e nº2, 13º nº1, e 29º nº2, todos do RCP, bem como Tabela I-B a ele Anexa. D.N. Porto, 18.03.2011 Ass. José Augusto Araújo Veloso Ass. Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho |