Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte  | |
| Processo: | 00628/09.3BEPNF | 
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo | 
| Data do Acordão: | 10/04/2017 | 
| Tribunal: | TAF de Penafiel | 
| Relator: | Luís Migueis Garcia | 
| Descritores: | PATRIMÓNIO CULTURAL IMATERIAL. INVENTÁRIO | 
| Sumário: | I) – Assenta a protecção legal do património cultural imaterial num registo patrimonial de «inventário», através de um tipificado procedimento que afere o merecimento de alcance a tal “status”, supondo, pois, esse primeiro “dictum”, em primeira linha de exercício da função administrativa.* * Sumário elaborado pelo Relator.  | 
| Recorrente: | Infraestruturas de Portugal, S.A., | 
| Recorrido 1: | Freguesia de S. Tomé de Negrelos | 
| Votação: | Unanimidade | 
| Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional | 
| Aditamento: | 
| Parecer Ministério Publico: | 
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| Decisão Texto Integral: | Infraestruturas de Portugal, S.A., id. nos autos, interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Penafiel, em acção administrativa comum ordinária intentada por Freguesia de S. Tomé de Negrelos, acção julgada procedente, determinando o tribunal “a quo”: (i) Condenam-se os Réus a reconhecer à Autora o direito a ter o nome de Negrelos na estação; (ii) Condenam-se os Réus a retirar o nome de “Vila das Aves” da estação e a colocar novamente na estação o nome “Vila das Aves/Negrelos”. Inconformada com a improcedência, a recorrente formula as seguintes conclusões: 1. A douta sentença recorrida merece censura pois cometeu um erro notório na apreciação da prova e, consequentemente, não fez correta aplicação do direito à matéria de facto. Da competência da REFER E.P.E. e do INTF para alterar ou simplificar o nome da estaçâo 2. Nos termos do Decreto-Lei n.° 91/2015, de 29 de maio, publicado no Mário da República, 1ª série, n.º 104, de 29 de maio de 2015, a Rede Ferróviária Nacional REFER E.P.E. incorporou, por fusão, a EP - Estradas de Portugal, S.A., foi transformada em sociedade anónima, passando a denominar-se Infraestruturas de Portugal, SA, mantendo o seu número de matricula e de identificação fiscal. 3. Nos termos do Decreto-lei n.º 104/97, de 29 de abril, republicado peio Decreto-Lei n.º 141/2008, de 22 de julho, a Rede Ferroviária Nacional, REFER. E.P.E, desempenhava as funções de gestora da infraestrutura integrante da rede ferroviária nacional. 5. Assim, como refere a sentença “a quo”, na pág. 9, “é inequestionável que por força do referido diploma, incumbe à Refer a gestão da estação de caminho de ferro em causa nos presentes autos, designadamente, a designação da mesma”. 6. Em 2015, nos termos do Decreto-Lei n.° 91/2015, de 29 de maio, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.° 104, de 29 de maio de 2015, a Rede Ferroviária Nacional REFER E.P.E. incorporou, por fusão, a EP - Estradas de Portugal, S.A., foi transformada em sociedade anónima, passando a denominar-se Infraestruturas de Portugal, SA., mantendo o seu número de matrícula e de identificação fiscaL 7. Além disso, nos termos do Decreto-Lei n.º 299-B/98, de 29 de setembro, foi criado o Instituto Nacional do Transporte Ferroviário (INTF) que tinha por finalidade regular e fiscalizar o setor ferroviário, supervisionar as atividades desenvolvidas neste, assim como intervir em matéria de concessões de serviços públicos. 8. De acordo como a alínea c) do artigo 2.º do mencionado diploma, entende-se por infraestruturas ferroviárias o conjunto dos elementos definidos no anexo II ao Decrete-Lei 104/97, de 29 de Abril. 9. Nos termos do Decreto-Lei n.° 126-C/2011 de 29 de dezembro, que criou o Instituto da Mobilidade a Transportes (IMT), o IMT sucedeu nas atribuições do INTF. 10. Deste modo, como refere, e bem, a douta sentença “a quo” na página 9, “é inquestionável que por força dos referidoss diplomas, incumbia ao INTF a regulaçâo e fiscalização da estação de caminho de ferro em causa nos presentes autos por integrar infra-estrutura ferroviária prevista no anexo II ao Decreto-Lei 104/97, de 20 de Abril”. 11. Assim, no âmbito das suas atribuições, o INTF emitiu o 18º Aditamento à instruçâo de Exploração Técnica n.º 50, de 19 de março de 2004, com entrada em vigor em 23 de março de 2004, com o seguinte teor “Apartir da data acima indicada é alterado o nome da estação de 'Vlla das Aves Negrelos”, na linha de Guimarães, para “ViIa das Aves" (cfr, documento de fls. 30 do processo físico). Os motivos da alteração ou simplificação do nome da estação 12. Conforme é referido pelo Sr. Presidente do Conselho de Administração da REFER E.P.E no ofício remetido em 26 de outubro de 2004 ao Sr. Chefe de Gabinete do Sr. Secrátario de Estado dos Transportes e Comunicações que se encontra junto aos autos a fls. 40 do processo físico, os motivos justificativos para a alteração do nome da estação devem-se, fundamentalmente, à delimitação geográfica e administrativa das freguesias de Vila das Aves e de S. Tomé de Negrelos, por o edíficio da estação se encontrar impantado em terrenos pertencentes, exclusivamente, à freguesia de Vila das Aves e o traçado do caminho-de-ferro, naquela zona, atravessar apenas terrenos pertencentes aquela Freguesia. 13. Aliás, foi essa exatamente a razão para a alteração do nome da estação de “Vila das Aves Nagrelos" para "Vila das Aves". 14. A douta sentença "a quo” refere, na página 10, que se colhe do probatório que “(IV) Os motivos justificativos para a alteração ao nome da estação devem-se fundamentalmente à delimitação geográfica e administrativa das feguesias de Vila das Aves e de S. Tomé de Negrelos dado o edifício da estação se encontrar implantado em terrenos pertencentes, exclusivamente, à freguesia de Vila das Aves e o traçado do caminho de ferro, naquela zona, atravessar apenas terrenos pertencentes aquela freguesia". 15. A douta sentença "a quo, na página 6, menciona relativamente ao Ponto D) que a testemunha Carlos Alberto Ferreira Avelino explicou que a “Fábrica de Fiação e Tecidos Rio Vizela”, "foi implantada em Negrelos (margem esquerda do Rio Vizela) e, só mais tarde é que passou a ocupar o território de Vila das Aves (margem direita do Rio Vízela, em 1937". 16. De facto, a "Fábrica de Fiação e Tecidos Rio Vizela» passou a ocupar o território de Vila das Aves (margem direita do Rio Vizela), em 1937. 17. A douta sentença "a quo" refere, na página 12, que se colhe do probatório que "(v) A Freguesia de Negrelos é contígua à estação, situando-se a 200/300 metros da estação, separada apenas pelo rio, tendo acessos desde a estação até Negrelos”. 18. Na verdade, a Estação encontra-se implantada em Vila das Aves na margem direita do Rio Vizela e Negrelos encontra-se separado pelo rio, na margem esquerda do Rio Vizela. 19. Além disso, conforme é referido na douta sentença “a quo”, na pág. 4, “S. Miguel das Aves foi elevada a vila em 1955, data em que passou a designar-se "Vila das Aves" e S. Tomé de Negrelos foi elevada a vila em 1993”, o que comprova a evolução de Vila das Aves relativamente a S. Tomé de Negrelos. 20. E, é importante referir que consultada a Câmara Municipal de Santo Tirso em 19 de setembro de 2003 e em 16 de janeiro de 2004 sobre o nome que se deveria adotar para a estação mencionada, a autarquia não se pronunciou. 21. Mas, ao contrário do que é referida na douta sentença “a quo” na página 11, não foi essa a razão pela qual foi decidido alterar o nome da estação pelas entidades que tinham competência para tal, mas como já foi referido, a razão da alteração foi a delimitação geográfica e administrativa das duas freguesias. 22. Conforme menciona a douta sentença, na página 3, a Estação já teve dois nomes, primeiro, em 1883, como “estação de Negrelos" e depois, na década de 60 do sécuo XX, como estação "Vila das Aves/Negrelos", o que comprova que, de facto, os nomes das estações são alterados. 23. E o nome desta, em particular, já foi alterado. Da inexistência de "erro grosseiro ou manifesto” na alteração ou simplificação do nome da estação 24. A douta sentença “a quo”, na página 5, deu, e bem, como não provados tanto os alegados prejuízos dos comerciantes de Negrelos como a alegada diminuição de visitas á "Loggia" Quinhentista. 25. Ora, conforme é assumido: e bem, na douta sentença “a quo” nas páginas 10 e 11, “Na gestão e regulação da estação de caminho-de-ferro, é indubitável que os Réus dispôem de uma margem de livre actuação, o que exige destas entidades a avaliação dos factos que conduzem a várias soluções possíveis para a sua actuação. Com efeito, nesta matéria, o legislador entendeu que o poder adminislrativo é mais adequadamente exercido no caso concreto e não através de urna predeterminação geral e abstracta e, por isso, a administração dispõe de um espaço de..liberdade na apreciação das situações de facto relativas aos-pressupostos de actuação”. 26. E, na douta sentença "a quo", na página 11, adite-se que “'consubstanciando a actuação ora em crise o excercicio do poder, discricionário, o principio da separação de poderes impede que o tribunal sindique o seu conteúdo, excepto em caso de erro grosseiro ou manifesto”. 27. Todavia, a douta sentença a quo" não logra explicar no presente processo concretamente o “erro grosseiro ou manifesto” que invoca. 28. Na verdade, concordamos com a importância dos caminhos-de-ferro como factor de desenvolvimentos das regiões. 29. Mas, como sabemos, ao longo dos tempos, a própria rede férroviári nacional foi-se alterando, ao serem construídas novas vias térreas e desativadas outras, de acordo com o desenvolvimento das regiões e o movimento das populações, a crescente procura de uns trajetos e a diminuição da procura de outros. 30. Na verdade, existem razóes lógicas que se sobrepõem ao alegado direito de S. Tomé de Negrelos a ver o seu nome na estação de caminhos-de-ferro. 31. A razão principal, como já referimos, diz respeito à localização geográfica da dita estação, dado que o edifício da mesma se encontra totalmente implantado em terrenos pertencentes, exclusivamente, à freguesia de Vila das Aves e o traçado do caminho-de-ferro, naquela zona, atravessa apenas terrenos pertencentes aquela freguesia. 32. Depois, podemos acrescentar o facto de a "Fábrica de Fiação e Teçidos Rio Vizela à qual a Freguesia de S. Tomé de Negrelos considera dever a sua importância, ter passado a ocupar o território de Vila das Aves (margem direita ao Rio Vizeta), no longínquo ano de 1937. 33. E, ainda, o facto da referida estação já ter alterado o seu nome: nos anos 60 do século XX após a crescente importância de Vila das Aves, que passou a Vila em 1955, face a S. Tomé de Negrelos, que só passou a Vila em 1993. 34. Além disso, como ficou provado neste processo, a simplificação do :nome da estação para o turismo local. 35. Deste modo, os argumentos explicados vêm dar razão à decisão de smpIiflcar o nome da estação após a sua remodelação, escolhendo logicamente o nome da localidade onde geograficamente se encontra, na sua totalidade, a estação. 36. Face ao exposto, a REFFER, E.P.E., e o INTF tnham competência para alteração do nome da Estação para "Vila das Aves", não existindo nenhum “erro grosseiro ou manifesto” na sua decisão, que foi devidamente ponderada a justificada. 1º- Nenhum reparo há a fazer à douta sentença recorrida, pois o Tribunal a quo decidiu bem, quanto à matéria de facto e quanto à aplicação da matéria de direito; 2º- A recorrente dispõe de uma margem de livre actuação, exigindo-se-lhes a avaliação correcta dos factos que conduzem a várias soluções possíveis; 3º- Apenas em caso de “erro grosseiro ou manifesto” da sua actuação, é possível e obrigatório que o Tribunal intervenha e regule a sua actuação. Foi o que aconteceu; 4º- A recorrente alega como motivos justificativos para alteração do nome na estação, a situação geográfica e administrativa das freguesias de Vila das Aves e S. Tomé de Negrelos, uma vez que o edifício da estação e o traçado do caminho de ferro se situar exclusivamente na freguesia de Vila das Aves; 5º- A recorrente, uma vez que não houve alteração da localização da estação, nem do traçado do caminho de ferro, pois sempre se localizaram em terrenos pertencentes à freguesia de Vila das Aves e nunca foi motivo para que “Negrelos” não constasse na estação, deviam ter-se abstido de alterar o nome; 6º- Alega ainda outro motivo para alterar e simplificar o nome, o facto da Câmara Municipal de Santo Tirso não ter respondido à solicitação sobre o nome a adoptar para a estação, após as obras; 7º- Também o facto de a Câmara Municipal não se ter pronunciado sobre o nome, deveria ter sido mais um motivo para a administração dos caminhos de ferro se absterem de alterar o nome, mantendo-o como estava; 8º- O argumento de que Vila das Aves se desenvolveu mais que S. Tomé de Negrelos, passando aquela a Vila em 1955 e S. Tomé de Negrelos, só passou a Vila em 1993, também não é argumento válido, pois provavelmente por esses motivos, o nome da estação foi alterado, nos anos 60 para Vila das Aves/Negrelos, não havendo agora qualquer motivo para alterar o nome, uma vez que as duas freguesias, actualmente são Vilas e ambas se têm desenvolvido, de forma equivalente, não existindo qualquer motivo para lhe retirar o nome da estação; 9º- Os motivos justificativos apresentados pela Recorrente para alterarem o nome da estação de caminho de ferro, após as obras de remodelação, não são relevantes, nem válidos, neste caso; 10º- A alteração da designação da estação foi arbitrária e destituída de fundamento e razões de interesse público relevantes, assentando em erro patente ou critério inadequado; 11º- O nome “Negrelos” na estação assume um valor histórico, remonta à inauguração da estação, em 31/12/1883 e desde essa data sempre constou no nome da estação até ter sido retirado pelos Réus; 12º- Esse valor histórico tem de ser respeitado, pois é um elemento físico com reflexos imateriais de identificação da importância da freguesia para os negrelenses e para todos os que a visitam; 13º- O nome “Negrelos” na estação, faz parte do património cultural dos negrelenses; 14º- A Recorrente cometeu um erro grosseiro, ao não preservar esse património cultural e histórico, violando o princípio da proporcionalidade, decidindo bem o Tribunal Recorrido, ao obrigar a Recorrente a respeitar e valorizar esse património cultural e repor o nome de “Negrelos” na estação; 15º- A douta sentença recorrida não viola qualquer normativo substantivo ou adjectivo, não merecendo qualquer reparo. * O Exmº Procurador-Geral Adjunto não ofereceu parecer.* Dispensando vistos, cumpre decidir.* Os factos, enunciados na decisão recorrida:A) A estação de caminho de ferro situada em Vila das Aves, Santo Tirso, sofreu obras de melhoramento, assim como toda a linha Guimarães/Porto, tendo sido inaugurada no dia 19/01/2004, tendo-lhe sido alterado o nome de “Estação Vila das Aves/Negrelos” para “Estação Vila das Aves”, contra a vontade de toda a população de Negrelos – cf. matéria assente no despacho saneador – factos admitidos por acordo, nos termos do art.º 490.º, n.º 2 do CPC. B)A referida estação de caminho de ferro foi inaugurada em 31/12/1883, sendo Vila das Aves, na altura, designada por S. Miguel das Aves e foi inaugurada como “estação de Negrelos” – cf. matéria assente no despacho saneador – factos admitidos por acordo, nos termos do art.º 490.º, n.º 2 do CPC. C) Foi designada como estação de Negrelos, apesar de se situar na freguesia de S. Miguel das Aves, dado que existia em Negrelos uma grande fábrica “Fábrica de Negrelos” ou “Fábrica do Rio Vizela” e na altura era um grande pólo industrial em todo o Vale do Ave e Região Norte – cf. matéria assente no despacho saneador– factos admitidos por acordo, nos termos do art.º 490.º, n.º 2 do CPC. D) Essa fábrica era também conhecida no país e no estrangeiro, assim como os seus tecidos, como “Fábrica de Negrelos” e “Tecidos de Negrelos” - resposta ao quesito 1.º da base instrutória. E) Só na década de 60 é que a estação se passou a designar como estação “Vila das Aves/Negrelos” - resposta ao quesito 2.º da base instrutória. F) A Freguesia de Negrelos é contígua à estação, situando-se a 200/300 metros da estação, separada apenas pelo rio, tendo acessos desde a estação até Negrelos - resposta aos quesitos 4.º e 9.º da base instrutória. G) A estação é um local frequentado, com afluência de pessoas, que se deslocam a essa região para fazer compras ou para visitar certos locais de interesse cultural e histórico da região, sendo que Negrelos tem locais de interesse cultural e histórico, tais como, a Loggia Quinhentista e Capela Manuelina da Igreja de S. Tomé de Negrelos, património classificado como Imóvel de Interesse Público - resposta ao quesito 5.º da base instrutória. H) Através do 18.º Aditamento à instrução de Exploração Técnica n.º 50, emitido pelo INTF-Instituto Nacional do Transporte Ferroviário em 19/03/2004, o INTF e a REFER decidiram alterar o nome da estação de “Vila das Aves Negrelos”, na Linha de Guimarães, para “Vila das Aves” – Cf. documento de fls. 30 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. I) O Sr. Presidente do Conselho de Administração da REFER dirigiu ao Sr. Chefe de Gabinete do Sr. Secretário de Estados dos Transportes e Comunicações um ofício datado de 28/10/2004 informando o seguinte: Exmº Senhor Respondendo ao solicitado no vosso ofício em referência nomeadamente quanto às questões levantadas no ofício em referência b) da Junta de Freguesia de S. Tomé de Negrelos, de que se junta cópia, informa-se: 1.) A alteração do nome da estação foi decidida pelo Conselho de Administração da Refer no dia anterior ao público da Linha de Guimarães, dado não se ter recebido resposta da Câmara Municipal de Santo Tirso às nossas cartas de 19 de Setembro de 2003 e de 16 de Janeiro de 2004 onde se solicitava informação sobre o nome que se deveria adoptas para a estação acima mencionada. 2.) Os motivos justificativos para a alteração ao nome da estação devem-se, fundamentalmente, à delimitação geográfica e administrativa das freguesias de Vila das Aves e de S. Tomé de Negrelos, dado o edifício da estação se encontrar implantado em terrenos pertencentes, exclusivamente, à freguesia de Vila das Aves e o traçado do caminho de ferro, naquela zona, atravessar apenas terrenos pertencentes àquela freguesia. 3.) A alteração do nome foi determinada, como referimos supra pelo Conselho de Administração da REFER. Cf. documento de fls. 40 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. J) S. Miguel das Aves foi elevada a vila em 1955 e S. Tomé de Negrelos foi elevada a vila em 1993 – cf. informação constante do site da Câmara Municipal de Santo Tirso e site da Junta de Freguesia de Vila das Aves. * Do mérito da apelação:O tribunal “a quo” julgou a acção procedente, determinando: (i) Condenam-se os Réus a reconhecer à Autora o direito a ter o nome de Negrelos na estação; (ii) Condenam-se os Réus a retirar o nome de “Vila das Aves” da estação e a colocar novamente na estação o nome “Vila das Aves/Negrelos”. Assim alcançou, sob seguinte fundamentação: «(…) Nos termos do D.L. n.º 104/97 de 29/04, republicado pelo D.L. n.º 141/2008 de 22/7 que adapta os Estatutos da REFER, E. P. E., a REFER, E. P. E., é uma entidade pública empresarial que tem como atribuição, entre outras, a construção, instalação e renovação das infra-estruturas ferroviárias. A Infra-estrutura ferroviária é o conjunto dos elementos referidos no anexo ii ao diploma e a gestão da infra-estrutura é a gestão da capacidade, conservação e manutenção da infra-estrutura, bem como a gestão dos respectivos sistemas de regulação e segurança. Nos termos do Anexo II, a infra-estrutura ferroviária compõe-se dos seguintes elementos, desde que façam parte das vias principais e de serviço, com excepção das situadas no interior das oficinas de reparação do material e dos depósitos ou resguardos das unidades de tracção, assim como dos ramais particulares: Edifícios afectos ao serviço das infra-estruturas, incluindo a parte relativa às instalações de cobrança dos bilhetes de transporte. Assim, é inquestionável que por força do referido diploma, incumbe à Refer a gestão da estação de caminho de ferro em causa nos presentes autos, designadamente, a designação da mesma. Através do D.L. n.º 91/2015, de 29/05, a Rede Ferroviária Nacional – REFER, E.P.E. (REFER, E.P.E.) incorporou, por fusão, a EP - Estradas de Portugal, S.A. (EP, S.A.) e foi transformada em sociedade anónima, passando a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A. (IP, S.A.). Por sua vez, o D.L. n.º 299-B/98 de 29/09 criou o Instituto Nacional do Transporte Ferroviário (INTF) com a finalidade de regular e fiscalizar o sector ferroviário, supervisionar as actividades desenvolvidas neste, assim como intervir em matéria de concessões de serviços públicos. Nos termos do art.º 2.º, entendia-se por: a) sector ferroviário o do transporte ferroviário e do conjunto de actividades com ele conexas, incluindo a gestão das infra-estruturas, a construção e manutenção de material circulante e a formação de pessoal ferroviário para o qual seja exigida qualificação profissional própria; b) Por transporte ferroviário: o transporte público que utiliza infra-estruturas predominantemente em sítio próprio, isto é, não partilhadas por outros modos de transporte, incluindo, designadamente, o caminho de ferro propriamente dito, os metropolitanos, os metropolitanos ligeiros de superfície, os eléctricos rápidos, os elevadores, os ascensores, os teleféricos e outros sistemas guiados; c) Por infra-estruturas ferroviárias: o conjunto dos elementos definidos no anexo II ao Decreto-Lei 104/97, de 29 de Abril. Por força do Decreto-Lei nº 126-C/2011 de 29/12 que criou o Instituto da Mobilidade e Transportes (IMT), o IMT sucedeu nas atribuições do INTF. Assim, é inquestionável que por força dos referidos diplomas, incumbia ao INTF a regulação e fiscalização da estação de caminho de ferro em causa nos presentes autos por integrar infra-estrutura ferroviária prevista no anexo II ao Decreto-Lei 104/97, de 29 de Abril. Colhe-se do probatório que: (i) A estação de caminho de ferro situada em Vila das Aves, Santo Tirso, sofreu obras de melhoramento, assim como toda a linha Guimarães/Porto, tendo sido inaugurada no dia 19/01/2004, tendo-lhe sido alterado o nome de “Estação Vila das Aves/Negrelos” para “Estação Vila das Aves”; (ii) Foi designada como estação de Negrelos, apesar de se situar na freguesia de S. Miguel das Aves; (iii) A alteração do nome da estação foi decidida pelo Conselho de Administração da Refer dado não ter recebido resposta da C.M. de Santo Tirso onde se solicitava informação sobre o nome que se deveria adoptar para a estação acima mencionada; (iv) Os motivos justificativos para a alteração ao nome da estação devem-se fundamentalmente à delimitação geográfica e administrativa das freguesias de Vila das Aves e de S. Tomé de Negrelos dado o edifício da estação se encontrar implantado em terrenos pertencentes, exclusivamente, à freguesia de Vila das Aves e o traçado do caminho de ferro, naquela zona, atravessar apenas terrenos pertencentes aquela freguesia; (iv) O Sr. Director do Departamento de Regulamentação da “REfer” e do INTF aprovaram o 18.º aditamento à Instrução de Exploração Técnica n.º 50, referindo nesse aditamento que a partir de 23/03/2004 seria alterado o nome da estação de “Vila das Aves Negrelos”, na linha de Guimarães, para “Vila das Aves”. Assim, a alteração do nome da estação de “Vila das Aves/Negrelos”, na linha de Guimarães, para “Vila das Aves” resultou da acção conjunta da “Refer” e do “INTF”, como se extrai do 18.º aditamento, pelo que importa, então, aferir se essa decisão contende com os direitos invocados pela Autora, a Freguesia de S. Tomé de Negrelos. Na gestão e regulação da estação de caminho de ferro, é indubitável que os Réus dispõem de uma margem de livre actuação, o que exige destas entidades a avaliação dos factos que conduzem a várias soluções possíveis para a sua actuação. Com efeito, nesta matéria, o legislador entendeu que o poder administrativo é mais adequadamente exercido no caso concreto e não através de uma predeterminação geral e abstracta e, por isso, a administração dispõe de um espaço de liberdade na apreciação das situações de facto relativas aos pressupostos da actuação. Ora, consubstanciando a actuação ora em crise o exercício de poder discricionário, o princípio da separação de poderes impede que o tribunal sindique o seu conteúdo, excepto em caso de erro grosseiro ou manifesto. Como se afirma no Acórdão do STA (Pleno) de 30/06/2000, proc. n.º 44933 de 07/02/2001, proc. n.º 44852 e Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 470 “o poder discricionário da Administração é apenas sindicável nos seus aspectos vinculados, designadamente os relativos à competência, à forma, aos pressupostos de facto e à adequação ao fim prosseguido, e ainda no tocante à aplicação dos princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, a que alude o art.º 266.º da CRP, que funcionam como limites internos à actividade discricionária”. Continuam aqueles autores dizendo que, citando o Acórdão do STA (Pleno) de 27/01/2008, “os tribunais não se podem substituir às entidades públicas na formulação de valorações que, por envolverem apenas juízos sobre a conveniência e a oportunidade da sua actuação, se inscrevem no âmbito próprio da discricionariedade administrativa e, por isso, a sindicância tem de quedar-se pela análise do cumprimento das normas e dos princípios jurídicos que vinculam a Administração e por verificar se a decisão assentou em erro patente ou critério inadequado (…). Em face do exposto, ao Tribunal incumbe apenas sindicar a actuação dos Réus nos seus aspectos vinculados e indagar da existência de erro patente ou critério inadequado. Como vimos, os Réus decidiram alterar o nome da estação por não terem recebido resposta da C.M. de Santo Tirso onde se solicitava informação sobre o nome que se deveria adoptar para a estação acima mencionada, tendo os motivos justificativos para a alteração do nome da estação se prendido fundamentalmente com a delimitação geográfica e administrativa das freguesias de Vila das Aves e de S. Tomé de Negrelos, dado o edifício da estação se encontrar implantado em terrenos pertencentes, exclusivamente, à freguesia de Vila das Aves e o traçado do caminho de ferro, naquela zona, atravessar apenas terrenos pertencentes aquela freguesia. Sucede que a alteração da designação da estação é destituída de fundamento e razões de interesse público relevantes, pois a estação sempre esteve situada em território de Vila das Aves e esse facto nunca foi motivo de retirada do nome de Negrelos. E se não houve entendimento das freguesias no que concerne ao nome da estação e na falta de resposta da C.M. Santo Tirso, aos Réus deveriam ter-se abstido de alterar o nome e deveriam ter mantido aquele que existia respeitando a história da estação que assume, como é óbvio, uma importância fulcral para as populações. Nos termos do art.º 5.º, n.º 2 do Código de Procedimento Administrativo, vigente à data dos factos, “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”. Este normativo consagra o princípio da proporcionalidade significando que a actuação administrativa deverá ser caracterizada pela proporção adequada entre os meios empregues e o fim que se pretende atingir, não sendo de admitir critérios manifestamente desacertados e inaceitáveis, que é o caso dos autos. De facto, colhe-se do probatório que: (i) A referida estação de caminho de ferro foi inaugurada em 31/12/1883, sendo Vila das Aves, na altura, designada por S. Miguel das Aves e foi inaugurada como “estação de Negrelos”; (iii) Foi designada como estação de Negrelos, apesar de se situar na freguesia de S. Miguel das Aves, dado que existia em Negrelos uma grande fábrica “Fábrica de Negrelos” ou “Fábrica do Rio Vizela” e na altura era um grande pólo industrial em todo o Vale do Ave e Região Norte; (iv) Só na década de 60 é que a estação se passou a designar como estação “Vila das Aves/Negrelos”; (v) A Freguesia de Negrelos é contígua à estação, situando-se a 200/300 metros da estação, separada apenas pelo rio, tendo acessos desde a estação até Negrelos; (vi) A estação é um local frequentado, com afluência de pessoas, que se deslocam a essa região para fazer compras ou para visitar certos locais de interesse cultural e histórico da região, sendo que Negrelos tem locais de interesse cultural e histórico, tais como, a Loggia Quinhentista e Capela Manuelina da Igreja de S. Tomé de Negrelos, património classificado imóvel de Interesse Público. Ora, percorrendo a factualidade provada é inquestionável que o nome de Negrelos na estação de caminho de ferro assume um valor histórico que remonta a 31/12/1883, data da inauguração da estação com o nome “estação de Negrelos”, apesar de se situar na freguesia de S. Miguel das Aves. S. Miguel das Aves foi elevada a vila em 1955, data em que passou a designar-se “Vila das Aves” e S. Tomé de Negrelos foi elevada a vila em 1993. Não obstante, na década de 60, a estação adoptou o nome de Vila das Aves – Negrelos, mantendo o nome de Negrelos, ou seja, pode inferir-se que apesar da elevação a vila da freguesia de S. Miguel das Aves, Negrelos manteve a sua importância, conservando o direito a ver o nome da terra na estação. E assim foi durante mais de cerca de 4 décadas, até à requalificação da estação cuja inauguração ocorreu em janeiro de 2004. Contudo, os Réus decidiram alterar o nome da estação para Vila das Aves, por não terem recebido resposta da C.M. de Santo Tirso onde se solicitava informação sobre o nome que se deveria adoptar para a estação acima mencionada e por motivos relacionados com a delimitação geográfica e administrativa das freguesias de Vila das Aves e de S. Tomé de Negrelos dado o edifício da estação se encontrar implantado em terrenos pertencentes, exclusivamente, à freguesia de Vila das Aves e o traçado do caminho de ferro, naquela zona, atravessar apenas terrenos pertencentes aquela freguesia. Nos termos do art.º 78.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), sob a epígrafe “fruição e criação cultural” 1. Todos têm direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural. 2. Incumbe ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais: a) Incentivar e assegurar o acesso de todos os cidadãos aos meios e instrumentos de acção cultural, bem como corrigir as assimetrias existentes no país em tal domínio; b) Apoiar as iniciativas que estimulem a criação individual e colectiva, nas suas múltiplas formas e expressões, e uma maior circulação das obras e dos bens culturais de qualidade; c) Promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, tornando-o elemento vivificador da identidade cultural comum; d) Desenvolver as relações culturais com todos os povos, especialmente os de língua portuguesa, e assegurar a defesa e a promoção da cultura portuguesa no estrangeiro; e) Articular a política cultural e as demais políticas sectoriais. A Lei n.º 107/2001 de 8/9 (Lei de Bases do Património Cultural) , dispõe no art.º 2.º, que “1- Integram o património cultural todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial protecção e valorização”. 3-O interesse cultural relevante, designadamente histórico, paleontológico, arqueológico, arquitectónico, linguístico, documental, artístico, etnográfico, científico, social, industrial ou técnico, dos bens que integram o património cultural reflectirá valores de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade ou exemplaridade. 4 - Integram, igualmente, o património cultural aqueles bens imateriais que constituam parcelas estruturantes da identidade e da memória colectiva portuguesas. O art.º 7.º, n.º 1 estatui que todos têm direito à fruição dos valores e bens que integram o património cultural, como modo de desenvolvimento da personalidade através da realização cultural. O art.º 91.º, n.º 1 estatui que “para efeitos da presente lei, integram o património cultural as realidades que, tendo ou não suporte em coisas móveis ou imóveis, representem testemunhos etnográficos ou antropológicos com valor de civilização ou de cultura com significado para a identidade e memória colectivas”. Sucede que a actuação dos Réus revela-se contrária ao bloco legal aplicável e supra enunciado, na medida em que o direito de S. Tomé de Negrelos a ver o seu nome na estação de caminho de ferro tem um valor histórico inegável, como vimos, com uma narrativa que remonta a 1883 até 2004 e que deve ser respeitada, pois é um elemento físico com reflexos imateriais de identificação da freguesia com importância para os Negrelenses e todos aqueles que a visitam, que retrata um passado que não deve ser esquecido e que assume um valor de memória e antiguidade a respeitar e preservar sem motivo atendível, à luz do disposto no art.º 78.º da CRP e arts. 7.º, n.º 1 e 91.º, n.º 1 da Lei n.º 107/2001 de 8/9. Com efeito, a partir do século XIX, o transporte ferroviário assumiu uma importância fundamental para as populações sendo um factor de desenvolvimento das regiões atenuando, de alguma forma, a interioridade. O transporte ferroviário e a consequente circulação de pessoas e bens exigiram, assim, a construção de estações para permitir o embarque, sendo que estas assumiram uma relevância fulcral. As estações eram consideradas “as portas da cidade” (cf. CIVERA, Inmaculada Aguilar, “Historia de las Estaciones, arquitectura ferroviaria en Valencia, Diputació Provincial de València, 1984), percebendo-se a importância das estações para as populações servidas pelas mesmas. Sobre a importância dos caminhos de ferro para as regiões, escreveu-se na “Gazeta dos Caminhos de Ferro”, Ano LXXI-n.º 1686, de 16 de março de 1958, (http://hemerotecadigital.cmlisboa.pt/OBRAS/GazetaCF/1958/N1686/N1686_master/GazetaCFN1686.pdf) “o caminho de ferro exerceu em Portugal, como aliás, em todo o mundo, uma grande e benéfica influência, quer do ponto de vista puramente económico quer do ponto de vista social. No espaço de um século, vencendo vicissitudes, foi entre nós uma fonte criadora de novas energias. As províncias aproximaram-se; possibilitaram-se novas indústrias; o comércio desenvolveu-se; as vilas cresceram; e até, exemplo admirável, de uma estação de caminho de ferro, que começou por ser um modesto conjunto de moradias de ferroviários, se fez uma vila importante. Referimo-nos à vila e concelho de Entroncamento”. Percebe-se, assim, a importância da estação ao longo da história que remonta a 31/12/1883, data da inauguração da estação com o nome “estação de Negrelos”, apesar de sempre se ter situado na freguesia de S. Miguel das Aves. Como supra se enunciou, integram o património cultural todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, designadamente histórico e social que reflicta valores de memória e antiguidade, devam ser objecto de especial protecção e valorização, integrando, igualmente, o património cultural aqueles bens imateriais que constituam parcelas estruturantes da identidade e da memória colectiva portuguesas, onde se deve incluir a designação da estação em causa nos presentes autos constituindo um património cultural para os Negrelenses. Com efeito, como vimos, integram o património cultural as realidades que, tendo ou não suporte em coisas móveis ou imóveis, representem testemunhos com valor de civilização ou de cultura com significado para a identidade e memória colectivas. É incumbência do Estado promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, o que não sucedeu no caso dos autos por parte dos Réus. Ante o exposto, os Réus (actuação conjunta, como vimos) violaram o princípio da proporcionalidade previsto no art.º 5.º do CPA, os art.º 78.º da CRP, os arts. 7.º, n.º 1 e 91.º, n.º 1 da Lei n.º 107/2001 de 8/9 por terem alterado o nome da estação com fundamento em critério desadequado e inaceitável nos termos descritos, padecendo a actuação de erro grosseiro sindicável pelo Tribunal. Por conseguinte, impõe-se condená-los a reconhecerem à Autora o direito a ter o nome de Negrelos na estação, a retirarem o nome de “Vila das Aves” e a colocarem novamente na estação o nome “Vila das Aves/Negrelos” repondo o status quo ante da actuação dos Réus que se considera contrária ao bloco legal aplicável. (…)». A decisão recorrida colheu arrimo no art.º 78º da CRP e nas previsões normativas que cita da Lei n.º 107/2001 de 8/9 (Lei de Bases do Património Cultural). Teve em perspectiva como “património cultural aqueles bens imateriais que constituam parcelas estruturantes da identidade e da memória colectiva portuguesas, onde se deve incluir a designação da estação em causa nos presentes autos constituindo um património cultural para os Negrelenses.”. E considerou violado o princípio da proporcionalidade, pois “os Réus decidiram alterar o nome da estação para Vila das Aves, por não terem recebido resposta da C.M. de Santo Tirso onde se solicitava informação sobre o nome que se deveria adoptar para a estação acima mencionada e por motivos relacionados com a delimitação geográfica e administrativa das freguesias de Vila das Aves e de S. Tomé de Negrelos dado o edifício da estação se encontrar implantado em terrenos pertencentes, exclusivamente, à freguesia de Vila das Aves e o traçado do caminho de ferro, naquela zona, atravessar apenas terrenos pertencentes aquela freguesia.”. [é perceptível, no contexto – pelo que se fixou em matéria de facto e pelo mais que vem escrito - que quando se escreve “por não terem recebido resposta da C.M. de Santo Tirso” se quer aludir, não ao motivo determinante, mas simplesmente a que essa consulta foi feita e não obteve resposta] Desde já se diga que esta última proposição, enquanto assente nas sobreditas razões, e no seu plano estático, não se afigura procedente, não saindo ferido o princípio da proporcionalidade nas suas vertentes da adequação, da exigibilidade ou necessidade e da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito. Mas, a equação é até outra. O confronto de causa não é o do melhor exercício do direito por banda de que o exerce, é não admitir seu exercício que não por única forma. Não se colocando óbice quanto à pertença da estação e a quem incumbe o baptismo, o tribunal “a quo”, indo de encontro ao brandido pela autora, teve como pertença do património cultural imaterial daquela (na economia da causa e da presente decisão, se verdadeiramente de titularidade – e legitimidade - “ad domino” ou “difusa”, é questão que não reflecte relevo) a designação da estação com o nome “Vila das Aves/Negrelos”. Todavia, a matéria de facto não lhe dá força. Não basta um simples relevo, nem essa definição se poderá atingir sem mais. Com certeza que a importância histórica da estação poderá ser afirmada, pelo que recolhe do passado, pelo que proporciona no presente, e pelo que possa projectar a futuro. Mas, mais que isso, é na imaterialidade do seu nome que vem o litígio. O conceito e protecção do património cultural teve reforço com a 2ª revisão constitucional da CRP 76 (Lei Constitucional n.º 1/82, de 30/09), a modos de no seu contexto normativo a tutela merecer já ser erigida sob designação de “Constituição cultural” (Jorge Miranda, “O Património Cultural e a Constituição – tópicos”, in “Direito do Património Cultural”, INA, 1996, págs. 256 e ss.). A Lei n.º 107/2001 de 8/9 (Lei de Bases do Património Cultural) dá expressão ao nível da lei ordinária. Escreve Casalta Nabais que “[d]e um lado, não é apenas uma lei de bases do regime jurídico do património cultural, mas também, e antes de mais, uma lei de bases da política do património cultural. Do outro lado, procura conter as bases do regime não apenas da proteção mas igualmente da valorização dos bens culturais” (in “Introdução ao Direito do Património Cultural, 2.ª ed.ª, Almedina, 2010, pág. 101). Como situou a sentença, a lei estabelece que «Integram o património cultural todos os bens que, sendo testemunhos com valor de civilização ou de cultura portadores de interesse cultural relevante, devam ser objecto de especial protecção e valorização» (art.º 2º, nº 1). Mais, «Integram, igualmente, o património cultural aqueles bens imateriais que constituam parcelas estruturantes da identidade e da memória colectiva portuguesas» (art.º 2º, nº 4). Particularizando a lei, a propósito dos bens imateriais: Artigo 91.º 1 - Para efeitos da presente lei, integram o património cultural as realidades que, tendo ou não suporte em coisas móveis ou imóveis, representem testemunhos etnográficos ou antropológicos com valor de civilização ou de cultura com significado para a identidade e memória colectivas. Âmbito e regime de protecção 2 - Especial protecção devem merecer as expressões orais de transmissão cultural e os modos tradicionais de fazer, nomeadamente as técnicas tradicionais de construção e de fabrico e os modos de preparar os alimentos. 3 - Tratando-se de realidades com suporte em bens móveis ou imóveis que revelem especial interesse etnográfico ou antropológico, serão as mesmas objecto das formas de protecção previstas nos títulos IV e V. 4 - Sempre que se trate de realidades que não possuam suporte material, deve promover-se o respectivo registo gráfico, sonoro, áudio-visual ou outro para efeitos de conhecimento, preservação e valorização através da constituição programada de colectâneas que viabilizem a sua salvaguarda e fruição. 5 - Sempre que se trate de realidades que associem, também, suportes materiais diferenciados, deve promover-se o seu registo adequado para efeitos de conhecimento, preservação, valorização e de certificação. Artigo 92.º 1 - Constitui especial dever do Estado e das Regiões Autónomas apoiar iniciativas de terceiros e mobilizar todos os instrumentos de valorização necessários à salvaguarda dos bens imateriais referidos no artigo anterior. Deveres das entidades públicas 2 - Constitui especial dever das autarquias locais promover e apoiar o conhecimento, a defesa e a valorização dos bens imateriais mais representativos das comunidades respectivas, incluindo os próprios das minorias étnicas que as integram. Mas o regime legal não queda por aqui. Veio o DL nº 139/2009, de 15 de Junho (alterado pelo DL 149/2015, de 09/08), a estabelecer o regime jurídico de salvaguarda do património cultural imaterial, compreendendo as medidas de salvaguarda e o procedimento de protecção legal, em desenvolvimento do disposto na Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro. Assenta a protecção legal num registo patrimonial de «inventário», através de um tipificado procedimento que afere o merecimento de alcance a tal “status”. [«Uma das dimensões mais inovadoras do regime jurídico para o PCI relativamente ao paradigma clássico da proteção do património – fundado no trauma da perda e nas pretensões de restituição à autenticidade e de preservação ad aeternum – consiste igualmente no reconhecimento dos próprios limites que se colocam à sua salvaguarda e de que o paradigma de “proteção” a aplicar a este tipo de expressões culturais deve ser inteiramente distinto do tradicionalmente aplicável aos bens materiais. O PCI é reconhecido, antes de mais, como realidade em mudança permanente, como resultado das condições e circunstâncias (sociais, económicas, políticas, etc.) que as sustentam e lhes conferem sentido, elas também em permanente mudança. Como tal, é implicitamente reconhecido que uma manifestação registada no INPCI possa, a prazo, vir a desaparecer, caso no futuro não sejam reunidas as condições indispensáveis para a sua transmissão e reprodução social.» - Paulo Ferreira da Costa, “O Inventário nacional do Património Cultural Imaterial: da prática etnográfica à voz das Comunidades”, in “Actas do Colóquio “Políticas Públicas para o Património Imaterial da Europa do Sul: percursos, concretizações e perspectivas”, Lisboa, 2013, Direção-Geral do Património Cultural, pág, 99] Supondo, pois, esse primeiro “dictum”, em primeira linha de exercício da função administrativa; constitutivo ao/no ordenamento jurídico. Ora, sem demonstração que esteja abrangida nessa inventariação o objecto a que na presente acção se pretende dar garantia de tutela, não verte no caso atingido o suposto património imaterial. Sem óbice, pois, ao exercício da competência legalmente prevista na mudança de nome da estação. * Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, na procedência do recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a acção improcedente, absolvendo dos pedidos.Custas: pela recorrente. Porto, 4 de Outubro de 2017.  |