Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00630/13.0BEVIS |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 02/11/2015 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Luís Migueis Garcia |
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Descritores: | PRÉ-CONTRATUAL. ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS. |
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Sumário: | I) – É regra de princípio a proibição de fixação de especificações técnicas que façam referência a um fabricante ou uma proveniência determinados, a um processo específico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos e a uma dada origem ou produção, que tenha por efeito favorecer ou eliminar determinadas entidades ou determinados bens II) - Tendo de ir ao encontro de especiais exigências de segurança, justifica-se que o uso de marca “ou equivalente” possa ocorrer completando referência à complexidade técnica envolvida - muitas vezes com aspectos ou soluções que não são do domínio de conhecimento da entidade adjudicante ou só o são nos seus traços mais gerais (v.g. as patentes, o segredo industrial) -, em contraponto a uma singular descrição que, até precisa e inteligível, não se ofereça como suficientemente precisa e inteligível. III) - Se as especificações técnicas descritas são acompanhadas de referência a marca “ou equivalente” mas são suficientemente precisas e inteligíveis nesse descritivo de per se, essa menção não tem por efeito favorecer ou eliminar determinadas entidades ou determinados bens, pelo que não se pode ter por ilegal o seu uso.* *Sumário elaborado pelo relator. |
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Recorrente: | Instituto Politécnico |
Recorrido 1: | L - Soluções par Laboratórios, SA |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. |
1 | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: Instituto Politécnico de V..., com os sinais nos autos, inconformado, interpôs recurso jurisdicional de decisão proferida pelo TAF do Porto, que julgou procedente acção de contencioso pré-contratual contra si interposta por L – Soluções para Laboratórios, S.A. sendo contra-interessada H – Ar Condicionado e F… de Ar, Ldª, em que impugnou algumas das especificações técnicas inclusas no caderno de encargos relativo ao procedimento de formação do contrato para fornecimento, adaptação das instalações e montagem dos equipamentos para o laboratório de segurança biológica, nível BSL3, na Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de V..., impugnação ampliada à exclusão, adjudicação e celebração do contrato. O recorrente conclui: B – Sustentando-se, tal decisão, no facto de ter o R. violado o disposto no n.º 12 do art.º 49.º do CCP, pois que fixou as especificações técnicas por referência a uma marca (“Retan”), cujo efeito potencial poderia levar ao favorecimento da contra-interessada. C – E considerando, ainda que não pode o R. escudar-se no n.º 13 do art.º 49.º do CCP pois que “não se vislumbra uma situação excecional no presente caso. Na verdade não está aqui em causa um bem de tão elevada complexidade técnico científica que se imponha a sua especificação apenas por referência à marca para ser compreendido pelos destinatários do concurso.” D – Como considerou não estarem preenchidos os respetivos pressupostos – “impossibilidade de descrever, de forma suficientemente precisa e inteligível … as prestações objeto do contrato”. Ora, E – Com todo o respeito, que é muito, é nossa convicção que a douta decisão padece de um erro de julgamento, qual seja o de considerar não preenchidos os requisitos do n.º 13 do art.º 49.º do Código dos Contrato Públicos (CCP), julgamento que o Recorrente não pode aceitar. Vejamos: F – O n.º 13 do artº 49º do CCP pretende, efetivamente, garantir que, só excecionalmente, possa a entidade adjudicante definir especificações técnicas por referência a “marcas”, assegurando-se, com tal excecionalidade e com a obrigatoriedade da menção de “equivalente”, o afastamento dos efeitos discriminatório e redutor da concorrência, que aquela referência poderia conter. G – Mas a verdade é que essa excecionalidade foi prevista pelo legislador do CCP e pode ser verificada e demonstrada como o fez o Instituto Politécnico de V..., aqui Recorrente, com base nos fundamentos apresentados na sua contestação e nas suas alegações e não sopesados pelo douto acórdão recorrido. Com efeito: H – As especificações técnicas constantes da lista de quantidades anexa ao caderno de encargos foram fixadas em função do particular fim a que se destinava o equipamento a adquirir – instalação de um laboratório de segurança biológica para a realização de necropsias em cadáveres de animais com doenças infeciosas – e da sua localização – nas instalações da Escola, na proximidade de animais e em ambiente escolar com circulação de alunos, docentes e restantes trabalhadores. I – As especiais exigências de segurança de pessoas e bens constituem circunstâncias excecionais cuja satisfação não prescinde de um absoluto rigor e precisão na definição das especificações técnicas do equipamento a adquirir. J – E, como tal, e ao contrário do que se afirma no douto acórdão recorrido, a complexidade técnica e científica do equipamento a adquirir, com as características suscetíveis de responder àquelas exigências, tornou, efetivamente, impossível definir com a precisão e inteligibilidade requeridas (sem riscos) as especificações técnicas necessárias, a não ser pelo recurso a marcas que, por si só, definem, com exatidão o equipamento com a segurança que se pretende. L – Pior seria (e a nosso ver menos transparente), se tivesse o R. definido as especificações técnicas com todas as características de uma marca, omitindo a sua designação. M – A possibilidade de participação de concorrentes em condições de igualdade foi salvaguardada pelo facto de as referências a “marcas” na lista de quantidades do caderno de encargos estarem sempre precedidas da palavra “tipo” e por constar, como nota final da referida lista, a possibilidade de “inclusão, no fornecimento, de materiais ou equipamentos equivalentes aos referenciados, desde que cumpram os mesmos requisitos técnicos”. N – Acresce que a A. no presente processo apresentou a sua proposta com equipamento de características técnicas equivalentes (que, como tal, foi aceite pelo júri) e não com equipamento da “marca” a que nas cláusulas do caderno de encargos se faz referência. O - Sendo que a exclusão da sua proposta veio a assentar no tipo de porta apresentada para a autoclave – porta vertical deslizante em vez de porta com fecho mecânico radial (exigida pelas razões de segurança já referidas). P – Por outro lado, ficou demonstrada a existência de várias empresas fabricantes do equipamento com as características técnicas exigidas, para além da I..., representada em Portugal pela contra-interessada. Q – Estão, assim preenchidas as condições previstas no nº 13 do art.º 49º do CCP, por um lado, e fica demonstrado, por outro, que a introdução da referência a marcas no caderno de encargos, objetivamente, não teve os efeitos discriminatório e redutor da concorrência que, com o nº 12 do mesmo artigo se pretendeu afastar. R – E, assim é que, ao decidir em sentido contrário, o douto acórdão recorrido procedeu a uma errada interpretação e aplicação da Lei, incorrendo em erro de julgamento de direito.
* O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.* Com dispensa de vistos prévios, cumpre decidir.* O que se coloca em questão é a conformidade do decidido para com o regime previsto no art.º 49º do CCP, em particular na aplicação dos seus nºs 12 e 13.* Os factos, em que assentou a decisão recorrida:1.º - No DR, n.º 232, II série, parte L, o R. fez publicar o anúncio de procedimento n.º 5994/2013, visando um concurso público para a celebração de um contrato de “fornecimento, adaptação das instalações e montagem dos equipamentos para o laboratório de segurança biológica, nível BSL3, na Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de V...”, elegendo como critério de adjudicação o do “Mais baixo preço” (cf. fls. 15 e 16 dos autos); 2.º - Do artigo 9.º do programa do procedimento supra consta que “Não é admitida a apresentação de propostas variantes” e do artigo 11.º que “Os esclarecimentos sobre o programa de procedimento e o caderno de encargos podem ser solicitados, por escrito, no primeiro terço do prazo fixado para a apresentação das propostas, data até à qual podem igualmente ser efetuadas retificações às peças do procedimento” (cf. fl. 22 dos autos); 3.º - Das especificações técnicas anexas ao caderno de encargos consta, relativamente ao “AUTOCLAVE BSL-3” o seguinte: “Autoclave Horizontal Automático, de duas Portas para Laboratório a Vapor…com duas portas de fecho radial…” (cf. o verso da fl. 23 do PA - “Pasta verde”); 4.º - Da lista de quantidades anexa às especificações técnicas consta o seguinte: “1.1 Painel do tipo “Retan CRA-80” – Divisórias com 80mm de espessura a cor RAL 9002, incluindo remates verticais e horizontais em perfil côncavo em PVC ou em alumínio lacado a RAL 9002. Estes painéis vêm equipados com tubagem em PVC de 1” no interior para descida de cablagem elétrica no seu interior”; “1.2 Painel tipo “Retan ISSO-40” - Tetos com 40mm de espessura a cor RAL 9002, incluindo todos os acessórios de suspensão e fixação ao teto real”; “1.3 Janela bi-afurante de dimensões: 800x1200x80mm”; “2.1 Sistema interlock da marca tipo “Retan modelo DIS” para 6 portas, incluindo quadro elétrico de comando e controle, incluindo em cada porta sinalização luminosa, acústica, sensores de estado de porta e dispositivos de bloqueamento e desbloqueamento programável por exemplo em caso de falta de alimentação elétrica. Este sistema dispensa a instalação de botoneiras de emergência”; “3.1 Porta bi-afurante de uma folha de dimensões: 900x2200x80mm e kit de estanquicidade ao solo e equipada com mola de recuperação do tipo “Abloy DC 250” com sistema de paragem. Todas as ferragens são em aço inox”; “3.2 Porta bi-afurante de duas folhas de dimensões: (800+800)x2200x80mm e kit de estanquicidade ao solo e equipada com mola de recuperação do tipo “Abloy DC 250” com sistema de paragem. Todas as ferragens são em aço inox” (cf. o verso da fl. 25 do PA - “Pasta verde”); 5.º - Da lista de quantidades consta, no final, a seguinte “NOTA: A referência a marcas de equipamentos ou materiais serve unicamente como padrão de qualidade, e indicação de características gerais como obrigatoriedade de aplicação de produtos homologados, aceitando-se a inclusão no fornecimento de materiais ou equipamentos equivalentes aos referenciados, desde que cumpram os mesmos requisitos técnicos” (cf. o verso da fl. 26 do PA - “Pasta verde”); 6.º - Em 13/12/2013, a A. apresentou a sua proposta, propondo na lista de preços unitários o fornecimento de um “AUTOCLAVE BSL3” - “Autoclave horizontal automático tipo “BSL3”, de duas portas com câmara de esterilização com capacidade de 165 lts, incluindo gerador de vapor incorporado, compressor de ar, módulo de documentação e painéis de remate em aço inox” (cf. o verso da fl. 118 do PA); 7.º - A A. apresentou uma proposta no valor global de €144.008,85, emitindo uma declaração com o seguinte teor (por excerto): “… declara, sob compromisso de honra, que a sua representada se obriga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado Caderno de Encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as suas cláusulas” (cf. fl. 116 do PA); 8.º - A A. pediu ao júri do procedimento o seguinte esclarecimento: “No processo de concurso é referido o material seguinte: «Painel do tipo “Retan CRA-80” – Divisórias com 80mm de espessura a cor RAL 9002» - Pergunta-se se é aceitável propor «Painel com espessura de 60mm em vez de 80mm», sendo que as características técnicas são semelhantes e como tal não afetarão o desempenho da instalação, nem a qualidade da obra»” (cf. fl. 29 dos autos); 9.º - O júri do procedimento respondeu o seguinte: “O caderno de encargos refere um painel com espessura de 80mm e não 60mm. Conforme o programa de procedimento no seu artigo 9.º - Propostas variantes - Não é admitida a apresentação de propostas variantes” - Deste modo o júri do procedimento não aceita esta solução…” (cf. fl. 30 dos autos); 10.º - O júri do procedimento solicitou à A. o seguinte esclarecimento: “… que nos esclareçam quais são exatamente os equipamentos/materiais que se propõe fornecer na v/proposta, visto que a lista de quantidades a que se vinculam tem a seguinte nota de rodapé: “A referência a marcas de equipamentos ou materiais serve unicamente como padrão de qualidade…aceitando-se a inclusão no fornecimento de materiais ou equipamentos equivalentes aos referenciados, desde que cumpram os mesmos requisitos técnicos”. Agradecíamos igualmente o envio de catálogos, etc, para melhor apreciação da v/proposta…” (cf. fls. 20 e 21 do PA); 11.º - A A. respondeu que “1 - Nos capítulos 1 a 13 (mapa de equipamentos e anexos 1 a 12) encontram fichas técnicas dos equipamentos/materiais que nos propomos a fornecer (…) 2 - A nossa proposta cumpre todos os requisitos mencionados na vossa segunda questão conforme declaração apresentada no capítulo 14…” (cf. o verso da fl. 21 do PA); 12.º - A A. juntou ainda um “MAPA DE EQUIPAMENTO” com item da lista de quantidades e 12 anexos, respeitando o anexo 11 ao catálogo do “AUTOCLAVE BSL3”, constando, entre outras indicações “Doors Automatic vertical sliding doors…” (cf. fls. 23, 24 e verso da fl. 69, todas do PA); 13.º - Em 21/01/2014, o júri do procedimento elaborou o “Relatório final”, do mesmo constando o seguinte (por excerto): “A razão da exclusão da proposta da L foi porque esta não cumpre as especificações técnicas do Caderno de Encargos…verificou-se que, relativamente à autoclave BSL-3, os catálogos apresentados indicavam que as portas propostas não eram de fecho mecânico radial, mas sim vertical deslizante (…) (…) Com base na análise das especificações técnicas do catálogo correspondente, o júri verificou que, relativamente à autoclave, este equipamento proposto não reflete as exigências das especificações técnicas do Caderno de Encargos, logo esta proposta não poderia ser aceite. Aliás, a argumentação de que o catálogo é genérico não colhe, uma vez que sempre caberia ao concorrente apresentar com a suficiente e necessária clareza o equipamento que se propõe fornecer (…)” (cf. fls. 388 a 390 dos autos); 14.º - No relatório supra, o júri do procedimento propôs a adjudicação do fornecimento à proposta apresentada pela Contra-Interessada, no valor de €159.800,00+IVA (cf. fl. 390 dos autos); 15.º - A proposta de adjudicação foi aprovada pela decisão do Presidente do R., de 04/03/2014 (cf. fl. 388 dos autos); 16.º - O contrato de fornecimento foi outorgado entre o R. e a Contra-Interessada no dia 20/03/2014 (cf. fls. 345 a 350 dos autos). * O Direito:O tribunal “a quo” julgou procedente a acção, dando em estatuição: 1.º - Anulamos os pontos 1.1, 1.2 e 2.1 da lista de quantidades anexa às especificações técnicas do caderno de encargos do concurso público para o “fornecimento, adaptação das instalações e montagem dos equipamentos para o laboratório de segurança biológica, nível BSL3, na Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de V...”; 2.º - E condenamos o R. a reformular o caderno de encargos/especificações técnicas, expurgado dos vícios julgados procedentes. Chegou a tal conclusão após a seguinte reflexão: «(…) Com a presente ação a A. visa, em primeiro lugar, impugnar algumas das especificações técnicas inclusas no caderno de encargos, sobretudo, os pontos 1.1, 1.2, 1.3, 2.1, 3.1 e 3.2 da lista de quantidades anexa às preditas especificações. O artigo 100.º, n.º 2, do CPTA, permite a impugnação direta não só do programa do procedimento pré-contratual e do caderno de encargos, mas também de “qualquer outro documento conformador do procedimento de formação dos contratos…designadamente com fundamento na ilegalidade das especificações técnicas…que constem desses documentos” (destaques nossos). É precisamente a conformação das especificações técnicas indicadas no ponto 4.º do probatório com o previsto no CCP que aqui importa sindicar. Veja-se o teor das especificações técnicas que constam da lista de quantidades dos materiais a fornecer: “1.1 Painel do tipo “Retan CRA-80” – Divisórias com 80mm de espessura a cor RAL 9002, incluindo remates verticais e horizontais em perfil côncavo em PVC ou em alumínio lacado a RAL 9002. Estes painéis vêm equipados com tubagem em PVC de 1” no interior para descida de cablagem elétrica no seu interior”; “1.2 Painel tipo “Retan ISSO-40” Tetos com 40mm de espessura a cor RAL 9002, incluindo todos os acessórios de suspensão e fixação ao teto real”; “1.3 Janela bi-afurante de dimensões: 800x1200x80mm”; “2.1 Sistema interlock da marca tipo “Retan modelo DIS” para 6 portas, incluindo quadro elétrico de comando e controle, incluindo em cada porta sinalização luminosa, acústica, sensores de estado de porta e dispositivos de bloqueamento e desbloqueamento programável por exemplo em caso de falta de alimentação elétrica. Este sistema dispensa a instalação de botoneiras de emergência”; “3.1 Porta bi-afurante de uma folha de dimensões: 900x2200x80mm e kit de estanquicidade ao solo e equipada com mola de recuperação do tipo “Abloy DC 250” com sistema de paragem. Todas as ferragens são em aço inox”; “3.2 Porta bi-afurante de duas folhas de dimensões: (800+800)x2200x80mm e kit de estanquicidade ao solo e equipada com mola de recuperação do tipo “Abloy DC 250” com sistema de paragem. Todas as ferragens são em aço inox”. Como já dissemos no relatório deste acórdão, a A. entende que as especificações acabadas de transcrever violam o artigo 49.º, n.º s 12 e 13, do CCP e os princípios gerais da concorrência, igualdade e imparcialidade. Vejamos se assim é. O artigo 49.º do CCP, epigrafado de “Especificações técnicas”, preceitua logo no seu n.º 1 que “As especificações técnicas…devem constar do caderno de encargos e são fixadas por forma a permitir a participação dos concorrentes em condições de igualdade e a promoção da concorrência”. O n.º 2, alínea a), do mesmo preceito legal, prescreve o seguinte: “…as especificações técnicas devem ser fixadas no caderno de encargos: a) Por referência, por ordem de preferência, a normas nacionais que transponham normas europeias, a homologações técnicas europeias, a especificações técnicas comuns, a normas internacionais ou a qualquer outro referencial técnico elaborado pelos organismos europeus de normalização, acompanhadas da menção «ou equivalente»”. O n.º 12 dispõe o seguinte: “É proibida a fixação de especificações técnicas que façam referência a um fabricante ou uma proveniência determinados, a um processo específico de fabrico, a marcas, patentes ou modelos e a uma dada origem ou produção, que tenha por efeito favorecer ou eliminar determinadas entidades ou determinados bens”. Por último, o n.º 13 estipula que “É permitida, a título excecional, a fixação de especificações técnicas por referência, acompanhada da menção «ou equivalente», aos elementos referidos no número anterior quando haja impossibilidade de descrever, de forma suficientemente precisa e inteligível, nos termos dos n.º s 2 a 4, as prestações objeto do contrato a celebrar”. (destaques nossos) Do cotejo entre as normas atrás citadas dimana a ideia transversal do legislador: proteger, “prima facie”, o princípio da igualdade entre os concorrentes e promover entre estes a concorrência. Para garantir que tais princípios são respeitados pelas entidades adjudicantes, o CCP estabeleceu que, em regra, as especificações técnicas devem ser feitas por referência a normas nacionais que transponham normas europeias, homologações técnicas europeias, especificações técnicas comuns, a normas internacionais ou a qualquer outro referencial técnico elaborado pelos organismos europeus de normalização, acompanhadas da menção «ou equivalente». Portanto, as especificações técnicas devem conter uma padronização de cariz genérico e abstrato, socorrendo-se, sempre que possível, à estandardização que as normas nacionais ou internacionais contemplam, sem esquecer a cláusula que constantemente protege os aventados princípios da igualdade e da concorrência e que se traduz no uso da expressão «ou equivalente», precisamente, para garantir a liberdade de escolha no bem a fornecer pelos concorrentes, desde que, obviamente, o produto contenha características técnicas iguais às que se encontram normalizadas ou homologadas ao nível europeu. E assim se compreende que o n.º 12 do artigo 49.º do CCP proíba a fixação das especificações técnicas por referência direta, entre outros elementos, ao fabricante, às marcas, às patentes e aos modelos, que tenha por efeito favorecer ou eliminar determinados concorrentes ou bens. No fundo, tendo sempre presente aqueles princípios, o que se pretende é que as especificações técnicas sejam fixadas através de uma linguagem neutra, não sugestiva, nem indicativa, por forma a que, à partida, todos os concorrentes estejam em igualdade de condições. No caso vertente, está em causa o equipamento designado pela marca “Retan”. A tal marca se referem concretamente os pontos 1.1, 1.2 e 2.1 da lista de quantidades dos materiais a fornecer, tendo o R. fixado, respetivamente, as seguintes especificações: “1.1 Painel do tipo “Retan CRA-80…”; “1.2 Painel tipo “Retan ISSO-40…”; “2.1 Sistema interlock da marca tipo “Retan modelo DIS…” (destaques nossos). Ora, “Retan” é, como se disse, uma marca de equipamentos da “I...- RETAN” representada em Portugal pela Contra-Intreressada (a adjudicatária do concurso), conforme esta mesmo admite nos artigos 13.º e 19.º da sua contestação, não negando igualmente que os represente em exclusividade. Ademais, pode-se mesmo constatar que a Contra-Interessada exibe no seu papel timbrado as várias marcas que representa, ostentando, entre outras, a “Retan”, a “Hydronic” e a “Camfil” (cf. fls. 60 a 62 dos autos). Quer isto dizer, então, que o R. violou claramente o disposto no n.º 12 do artigo 49.º do CCP, pois, como vimos, fixou as especificações técnicas acima elencadas por referência a uma marca (“Retan”), cujo efeito potencial poderia levar ao favorecimento da Contra-Interessada, atenta a sua condição de representante em Portugal da referida marca, o que é bastante para colocar em crise os aventados princípios da concorrência, igualdade e imparcialidade. Acresce dizer que, “in casu”, o R. não pode escudar-se no n.º 13 do artigo 49.º do CCP. É que tal norma legal é de aplicação excecional, isto é, as entidades adjudicantes só poderão fixar as especificações técnicas por referência às marcas, patentes ou modelos “quando haja impossibilidade de descrever, de forma suficientemente precisa e inteligível…as prestações objeto do contrato a celebrar”. Não se vislumbra uma situação excecional no presente caso. Na verdade, não está aqui em causa um bem de tão elevada complexidade técnico-científica que se imponha a sua especificação apenas por referência à marca para ser compreendido pelos destinatários do concurso. Trata-se de painéis, divisórias, tetos e sistemas de fecho para um laboratório, que o R., aliás, descreveu de forma bem precisa e inteligível: “1.1 Painel…Divisórias com 80mm de espessura a cor RAL 9002, incluindo remates verticais e horizontais em perfil côncavo em PVC ou em alumínio lacado a RAL 9002. Estes painéis vêm equipados com tubagem em PVC de 1” no interior para descida de cablagem elétrica no seu interior”; “1.2 Painel…Tetos com 40mm de espessura a cor RAL 9002, incluindo todos os acessórios de suspensão e fixação ao teto real”; “2.1 Sistema interlock…para 6 portas, incluindo quadro elétrico de comando e controle, incluindo em cada porta sinalização luminosa, acústica, sensores de estado de porta e dispositivos de bloqueamento e desbloqueamento programável por exemplo em caso de falta de alimentação elétrica. Este sistema dispensa a instalação de botoneiras de emergência”. O excerto supra exposto, propositadamente por nós expurgado da referência à marca, demonstra que não foi impossível ao R. descrever as especificações técnicas dos bens a fornecer de forma precisa e inteligível, bastando que se tivesse abstido de colocar naquelas descrições as referências à marca “Retan”. Assim não tendo atuado, o R. fixou as especificações técnicas acima identificadas em contravenção ao disposto no artigo 49.º, n.º 12, do CCP, violando também os já aventados princípios gerais da concorrência, igualdade e imparcialidade, frisando-se que não se vê qualquer excecionalidade no caso em apreço que permita a aplicação do previsto no n.º 13 da citada norma legal. E a ilegalidade acima detetada não fica a salvo só pelo facto do R. ter colocado no final da lista de quantidades uma nota a dizer que aceitava o fornecimento de materiais ou equipamentos «equivalentes», porquanto, já antes havia fixado naquele documento um referencial inadmissível, a marca, quando os pressupostos legalmente fixados para tal alusão não se encontravam preenchidos (a impossibilidade de descrever, de forma suficientemente precisa e inteligível…as prestações objeto do contrato a celebrar). Veja-se o que diz uma parte da anotação ao artigo 49.º do CCP, que consta da obra o “Código dos Contratos Públicos”, 2013, 4.ª Edição, revista e atualizada, Almedina, de Jorge Andrade e Silva, a página 179, “A liberalização pretendida no acesso aos procedimentos de formação dos contratos públicos e o consequente livre jogo da concorrência podiam ser prejudicados pela verificação de certa práticas que, não traduzindo discriminações formais e jurídicas, acabavam, de facto, por conduzir a resultados discriminatórios, pois que, em última análise, têm efeitos impeditivos da adjudicação em termos de concorrência (…). Através da introdução de requisitos de ordem técnica, é possível à entidade adjudicante dificultar ou mesmo afastar, por via indireta, a possibilidade de participação no concurso e consequente eventual adjudicação do contrato a determinados interessados que se sabe não poderem obedecer a tais requisitos (…)”. Em suma, os pontos 1.1, 1.2 e 2.1 da lista de quantidades anexa às especificações técnicas serão anulados pelo Tribunal. O ponto 1.3. mantém-se, pois dele nenhuma referência se encontra quanto a marca, mantendo-se também os pontos 3.1 e 3.2 por deles não se constatar uma referência direta à marca representada pela Contra-Interessada (“Retan”). A anulação de um documento conformador do procedimento de formação do contrato e o dever que impende sobre a Administração de reconstituir a situação que existiria se o documento anulado não tivesse sido praticado, com a necessária reformulação e retomada do procedimento desde o ponto em que o vício foi cometido, prejudica e torna inútil a sindicância dos atos de exclusão e de adjudicação atrás referidos e do próprio contrato (cf. o artigo 95.º, n.º 1, do CPTA, aplicável “ex vi” artigo 102.º, n.º 1, do mesmo Código). (…)». * Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e julgando improcedente a acção.Custas: pela recorrida. Registe e notifique. Porto, 11 de Fevereiro de 2015. |