Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 01138/13.0BEBRG |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 03/10/2017 |
| Tribunal: | TAF de Braga |
| Relator: | Hélder Vieira |
| Descritores: | ACTO ADMINISTRATIVO INIMPUGNÁVEL; INTEMPESTIVIDADE DA INTERPOSIÇÃO DA ACÇÃO; ALTERAÇÃO DA INSTÂNCIA |
| Sumário: | I - Terminado o prazo de decisão da impugnação administrativa facultativa e constituída a situação de inércia, o acto primário objecto daquela impugnação converte-se em acto final do procedimento, iniciando-se o decurso do prazo para a utilização do meio contencioso, tendo em conta a redacção dada ao nº 3 do art. 175º do CPA, sob pena de caducidade do direito de acção, nos termos do regime dos arts. 171º, nº 1, 172º, nº 1, e 175º, nº 3, do CPA, conjugado com os arts. 58º, nº 2, alínea b), e nº 4 do artº 59º do CPTA. II - É a partir do termo do prazo legal de 15 dias, para o autor do acto se pronunciar e o remeter ao órgão competente para conhecer do recurso (arts. 171º, nº 1, e 172º, nº 1, do CPA), que se conta o prazo, de 30 dias, fixado no questionado nº 1 do art. 175º CPA, para decisão do recurso hierárquico, sempre que não seja respeitado o prazo legalmente estabelecido, para a remessa do processo ao órgão competente para decidir. III - Se, nos termos do disposto no art. 59º, nº 4, do CPTA, a impugnação administrativa suspende e, na medida da respectiva duração, inutiliza o prazo da impugnação contenciosa, então, sob pena de se eternizar a indefinição acerca da situação jurídica das partes, é forçoso, em nome da segurança jurídica, impor um limite à duração da suspensão, de modo a conciliar de forma equilibrada estes princípios com o da tutela judicial efectiva. IV - É admissível a alteração da instância nos termos do nº 1 do artigo 70º do CPTA quando a pretensão do interessado seja indeferida pela Administração na pendência do processo ou, sendo anterior, só tenha sido notificado ao autor após a propositura da acção.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
| Recorrente: | APMCS |
| Recorrido 1: | Instituto da Segurança Social, IP (ISS,IP) |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso. |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – RELATÓRIO Recorrente: APMCS Recorrido: Instituto da Segurança Social, IP (ISS,IP) Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou verificada a caducidade do direito de acção e absolveu a entidade demandada da instância, na qual, intentada como “Acção Administrativa Especial (conexa com acto administrativo)”, foi pedido, entre o mais, a anulação do acto impugnado. O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação(1): “1- O tribunal a quo lavrou em erro ao apreciar e decidir a ação intentada pela recorrente como ação de impugnação de acto administrativo 2- Como resulta da Petição Inicial e da Resposta à matéria de excepção (de 4/06/2014), a ação pretendida é a ação de condenação à prática de ato legalmente devido, uma das modalidades da ação administrativa especial 3- Porquanto, no dia 18.02.2013, a Autora interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação sem que o Instituto da Segurança Social, IP, o tenha apreciado e decidido. 4- A ação de condenação à prática de ato legalmente devido, encontra-se prevista nos artigos 66º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos 5- E nos termos do artigo 71.º, n.º1 do CPTA, “o tribunal não se limita a devolver a questão ao órgão competente, anulando ou declarando nulo ou inexistente o eventual ato de indeferimento, mas pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a pratica do ato devido” 6- Se dúvidas houvesse, em caso de conflito de pedidos, sempre prevaleceria o pedido de condenação, uma vez que o objeto de apreciação jurisdicional é o próprio direito do particular à conduta devida. 7- Ora, o prazo - de três meses ou um ano a que se reporta o artº 69º CPTA - para a Autora intentar a ação de condenação à prática de ato devido só se iniciou em “19 de Abril de 2013”. 8- A Autora deu entrada da ação em 25.06.2013; Assim, não havia excutido qualquer dos referidos prazos, entrando a ação em juízo perfeitamente em tempo. 9- O douto tribunal a quo descurou, pois, o pedido de condenação à prática do ato devido. 10- Pelo que a sentença ora em crise padece do vício de nulidade por violação do artigo 615.º/1- d) e e) do CPC ex vi do artigo 140.º, nº 3 do CPTA; NESTES TERMOS, o Tribunal ad quem sempre terá de revogar a decisão recorrida, e substituída por douto acórdão que julgue verificada a nulidade invocada e ordene a apreciação do pedido de condenação à prática do ato devido, como de Justiça.”. O Recorrido não contra-alegou. O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, e pronunciou-se fundamentadamente no sentido do não provimento do recurso, em termos que se dão por reproduzidos. Após a subida o presente recurso, a Recorrente apresentou um “articulado para modificação objectiva da instância”, com junção de documentos que ficam nos autos, com a formulação dos seguintes pedidos: “Termos em que deve a presente Acção ser julgada procedente por provada e pelas razões de direito atrás deduzidas e, em consequência: a) Anulados os actos administrativos que indeferem a pretensão da A., notificados em 5/7/2016, praticados pelo Instituto da Segurança Social, I.P., Centro Distrital de Braga, na sequência da Reclamação apresentada às Notas de Reposição nº 5095371 e 4920033 e ordena a restituição das respectivas quantias; b) Declarada a inexigibilidade das quantias peticionadas nas Notas de Reposição nº 509 5371 e nº 4920033 e, em consequência, anuladas as Notas de Reposição em apreço; c) Declarado nulo o acto administrativo que ordenou a dedução/compensação efectuada nas prestações do Subsídio de Desemprego atribuído à A., nos meses de Setembro, Outubro e Novembro de 2012 d) Ordenada a devolução à A. das deduções operadas, no montante de 829,23€.”. Notificada (artigos 221º e 255º, ambos do CPC), a parte contrária nada disse. De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, as questões suscitadas(2) e a decidir(3), se a tal nada obstar, resumem-se em determinar se a decisão recorrida padece dos imputados nulidade e erros de julgamento, comportados pelas conclusões das alegações de recurso, adiante pontualmente identificados. Cumpre decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA Matéria de facto fixada pela instância a quo relativamente à excepção da inimpugnabilidade do acto impugnado: “Com interesse para a decisão da presente excepção, importa a seguinte factualidade apurada, tendo em consideração os documentos insertos nos presentes autos: 1. Por ofício n.º 195444, datado de 05.09.2007, foi a Autora notificada da decisão do requerimento de prestações de desemprego por si apresentado, nos seguintes termos: “Informa-se V. Ex.ª de que o requerimento acima indicado foi deferido nos termos a seguir indicados: - Foi-lhe atribuído Subsídio Social de Desemprego Inicial para Docentes em Estabelecimentos de Educação e Ensino Público no montante diário de € 10,61 (dez euros de sessenta e um cêntimos) e será concedido por um período de 600 dias, com início em 03/09/2007. Dado que tem uma prestação suspensa de montante de € 39,79 (trinta e nove euros e setenta e nove cêntimos), valor mais favorável, com período de 169 dias por atribuir, vai ser reiniciado o pagamento desta prestação até perfazer a atribuição na totalidade, sendo-lhe deduzido este período ao período de concessão da nova prestação” – cfr. fls. 129 dos autos. 2. Por ofício com a referência DGF – NP – RS, datado de 22.12.2010, proveniente do UPISPP – Núcleo de Prestações, do Departamento de Gestão Financeira do Instituto da Segurança Social, I.P., foi a Autora notificada, em 05.01.2011, que tinha um saldo devedor acumulado de € 14.296,54 (catorze mil duzentos e noventa e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos), decorrente das notas de reposição n.ºs 4433311 e 5095371 – cfr. fls. 161 e 162 dos autos. 3. A Autora respondeu ao referido ofício em 13.01.2011, na parte que ora importa, nos seguintes termos: “Desde logo, refere-se o Ofício a – sic – «Nota(s) de Reposição emitidas oportunamente, sobre as quais na devida altura na devida altura terá sido V. Exa.ª informado(a)». Porém, ainda que tenham sido emitidas, tais Notas de Reposição não foram notificadas à Signatária, motivo pelo qual delas não teve, como não podia ter, conhecimento! Só agora se vê surpreendida com a questão em referência. (...)” – cfr. fls. 126 e 127 dos autos. 4. Por ofício n.º 267097, datado de 05.09.2012, foi a Autora notificada da decisão do requerimento de prestações de desemprego por si apresentado, nos seguintes termos: “Informa-se V. Ex.ª de que o requerimento acima indicado foi deferido nos termos a seguir indicados: - Foi-lhe atribuído Subsídio Social de Desemprego no montante diário de € 28,27 (vinte e oito euros e vinte e sete cêntimos) e será concedido por um período de 810 dias, com início em 2012-09-03, o que corresponde à data de apresentação do requerimento da prestação.” – cfr. fls. 176 dos autos. 5. Por missiva datada de 21.09.2012 a instituição bancária “Millenium BCP” remeteu à Autora o cheque n.º 40021426, no valor de € 527,71 (quinhentos e vinte e sete euros e setenta e um cêntimos), correspondente ao período decorrido entre 03 e 30 de Setembro de 2012, com a menção “Deduções”, no montante de € 263,85 (duzentos e sessenta e três euros e oitenta e cinco cêntimos) – cfr. fls. 177 dos autos. 6. Em 24.10.2012, a Autora apresentou reclamação da dedução/compensação efectuada no subsídio de desemprego que lhe foi atribuído e referido no ponto 4. – cfr. fls. 144 a 154 dos autos. 7. Por ofício datado de 20.12.2012, proferido pelo Director do Centro Distrital do Porto do Instituto de Segurança Social, foi indeferida a reclamação apresentada pela Autora – cfr. fls. 192 e 193 dos autos.”. A matéria de facto atinente à excepção da caducidade do direito de acção: “Com interesse para a decisão da presente excepção dilatória, mostram-se apurados os seguintes factos, tendo em consideração os documentos insertos nos presentes autos e a posição assumida pelas partes: 1. O ofício datado de 20.12.2012, proferido pelo Director do Centro Distrital do Porto do Instituto de Segurança Social, que indeferiu a reclamação apresentada pela Autora, tem menção de expedição à sua mandatária no dia 21 de Dezembro de 2012 – cfr. fls. 192 dos autos. 2. A Autora recebeu o referido ofício em data não posterior a 28.12.2012. 3. No dia 18.02.2013, a Autora interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação – cfr. fls. 121 e 124 a 210 dos autos. 4. A petição inicial que deu origem à presente acção foi apresentada, via fax, a 21.06.2013 – cfr. fls. 2 e ss. dos autos.”. II.2 – DO MÉRITO DO RECURSO Entende a Recorrente que a sentença “crise padece do vício de nulidade por violação do artigo 615.º/1- d) e e) do CPC ex vi do artigo 140.º, nº 3 do CPTA”, querendo seguramente dizer que a sentença padece da nulidade prevista naquele normativo, já que o seu fundamento, em síntese, é o de que “O douto tribunal a quo descurou, pois, o pedido de condenação à prática do ato devido”. Porque interconexionados, vejamos também o erro de julgamento que a Recorrente assaca à decisão recorrida. Entende, em síntese, que “O tribunal a quo lavrou em erro ao apreciar e decidir a ação intentada pela recorrente como ação de impugnação de acto administrativo”; e que “Se dúvidas houvesse, em caso de conflito de pedidos, sempre prevaleceria o pedido de condenação, uma vez que o objeto de apreciação jurisdicional é o próprio direito do particular à conduta devida. 7- Ora, o prazo - de três meses ou um ano a que se reporta o artº 69º CPTA - para a Autora intentar a ação de condenação à prática de ato devido só se iniciou em “19 de Abril de 2013”. 8- A Autora deu entrada da ação em 25.06.2013; Assim, não havia excutido qualquer dos referidos prazos, entrando a ação em juízo perfeitamente em tempo.”. Vejamos. A acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido destina-se a obter a condenação da entidade competente à prática de um acto administrativo ilegalmente omitido ou recusado (nº 1 do artigo 66º do CPTA, na versão anterior à introduzida pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 02 de Outubro. A Autora ora Recorrente não intentou acção desse tipo, nem formulou pedidos condenatórios subsumíveis àquela previsão normativa nem a do nº 1 do artigo 67º do mesmo CPTA. A acção foi intentada — e correctamente — como “Acção Administrativa Especial (conexa com actos administrativos)”. Na petição inicial, os pedidos foram formulados em 3 alíneas: — Na alínea a) o pedido de anulação do acto impugnado, como ali se identifica como o acto que indeferiu a reclamação que apresentou nos termos do artigo 9º do Decreto-Lei nº 133/88, de 20 de Abril, da dedução/compensação efectuada no subsídio de desemprego que à Autora havia sido atribuído. Na verdade, no procedimento de restituição de prestações indevidamente pagas, mediante compensação por prestações, pode o devedor opor-se mediante reclamação, caso em que fica suspenso o recurso à compensação até que seja decidida a reclamação, como dispõe o referido artigo 9º. — Por outro lado, o pedido que a Autora formulou na alínea b) do petitório consubstancia pedido inútil, pois pede que o Réu seja condenado a reconhecer que o acto impugnado é inválido porque enferma dos vícios que ali enumera, em absoluta inutilidade face ao pedido de anulação do acto formulado na alínea a) em conjugação com o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa e artigos 157º a 179º do CPTA. — O pedido formulado na alínea c) do petitório — que o Réu seja “condenado à prática de acto que defira o pedido de reconhecimento da invalidade/ilegalidade do acto administrativo que ordena a dedução/compensação …” — não se subsume à previsão normativa do nº 1 do artigo 66º e nº 1 do artigo 67º do CPTA, nem se coaduna com o contencioso administrativo que, no respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes (artigos 2º, 11º e 288º, alínea j), da CRP e 3º, nº 1, do CPTA), está cometido aos tribunais administrativos e fiscais (artigos 209º, nº 1, alínea b), 212º, ambos da CRP, segundo um processo próprio (artigo 1º do CPTA) e forma específica (artigo 46º e seguintes do CPTA), garantindo aos administrados a tutela jurisdicional efectiva (artigo 268º, nº 4, da CRP) e sem esquecer o regime da invalidade dos actos administrativos ínsito no Código do Procedimento Administrativo. Em qualquer caso, a inimpugnabilidade de um acto administrativo não é contornável através de um pedido de condenação da entidade pública a reconhecer uma alegada ilegalidade desse acto, pois apenas nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por actos administrativos ilegais, é que o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um acto administrativo que já não possa ser impugnado, como determina o nº 1 do artigo 38º do CPTA, não sendo esse, manifestamente, o caso presente. Ademais, a decisão recorrida apreciou duas excepções. A primeira, a inimpugnabilidade do acto impugnado, tendo concluído: “O acto impugnado – a decisão de indeferimento da reclamação apresentada pela Autora (incidente sobre a compensação efectuada em finais de Setembro de 2012, no seu subsídio de desemprego) - constitui um acto de execução daquele despacho de 22.12.2010. A operação material consubstanciada na dedução de compensação operada (e a decisão de indeferimento da reclamação por si apresentada da dedução/compensação efectuada no subsídio de desemprego que lhe foi atribuído) não possui qualquer efeito inovatório, já que o dever de restituir tinha sido determinado à Autora em Dezembro de 2010 e notificado em 05 Janeiro de 2011. Foi essa decisão que operou na esfera jurídica da Autora o direito de lançar mão dos meios graciosos e contenciosos que tanto a lei procedimental como processual coloca à sua disposição. Tendo-se escusado a fazê-lo nos prazos legais, tal acto administrativo consolidou-se, tornando-se inimpugnável, nos termos “supra” enunciados. Com excepção do vício de falta de fundamentação, os vícios que a Autora imputa ao acto impugnado não são vícios próprios daquele, mas antes do referido acto que este vi sa executar. O alegado vício de falta de fundamentação ter-se-á de considerar como sendo próprio do acto impugnado. A Autora pretende que o Tribunal emita uma pronúncia sobre a fundamentação ou não daquele específico acto. Resulta do exposto, que o acto impugnado é impugnável quanto aos vícios próprios, no caso, o vício de falta de fundamentação e inimpugnável quanto aos demais.”. A segunda excepção, a da caducidade do direito de acção, com o seguinte discurso dirimente: “Atento o objecto dos autos, estamos em presença de uma acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, cujo prazo para o exercício do direito de acção, se encontra disciplinado nos arts.º 58º e 59º do C.P.T.A. Começaremos por referir que, ao caso concreto, não é de aplicar o disposto no artigo 58º, nº 1 do CPTA, segundo o qual “A impugnação de actos nulos ou inexistentes não está sujeito a prazo”. Ao contrário do alegado pela Autora em sede de resposta à matéria de excepção, o vício de falta de fundamentação, como vem sento entendido de modo uniforme pela jurisprudência, tem como consequência a anulação do acto e não a nulidade do acto – cfr. arts. 133º e 135º do CPA. Assim sendo, o prazo aplicável para o exercício do direito de acção é o prazo de três meses previsto no art. 58º, nº 2, al. a) do CPTA. No que concerne ao modo de contagem do prazo em causa, cumpre realçar que estamos em presença de um prazo contínuo (art.º 144º do C.P.C.), cuja contagem se suspende durante o período de férias judiciais, o que implica, no caso de existir suspensão da contagem do prazo, a conversão do prazo de 3 meses legalmente previsto, num prazo de 90 dias (neste sentido, e como é, aliás, tem entendido pela doutrina e jurisprudência, veja-se, Almeida, Mário Aroso, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, Outubro de 2010, págs. 310 e 311). De salientar também que, não obstante a remissão para o regime de contagem previsto no C.P.C., não tem aqui aplicabilidade a possibilidade conferida pelo art.º 145º, n.º5, do C.P.C., de o acto poder ser praticado nos três dias úteis posteriores, desde que paga a respectiva multa, posto estar em causa um prazo de propositura de acção, verdadeiro prazo de natureza peremptória e de caducidade. Desta forma, na aferição da tempestividade da presente impugnação, relevará, apenas, o prazo de 3 meses (ou 90 dias), sem possibilidade de atender a qualquer dilação. No presente caso, mostra-se apurado que a Autora foi notificada do acto impugnado em dia não concretamente apurado mas sempre em dia não posterior a 28.12.2012, conforme alegado pela Entidade Demandada e que não mereceu qualquer oposição por parte da Autora. Atendendo a que as férias judiciais no período de referência decorreram de 22 de Dezembro de 2012 a 03 de Janeiro de 2013 (art. 12.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro), o prazo iniciou-se no dia 04 de Janeiro de 2013. Pelo que, entre o início do seu cômputo e o dia 18 de Fevereiro de 2013, data em que a Autora interpôs recurso hierárquico da decisão impugnada, decorreram 45 (quarenta e cinco dias). A apresentação pela Autora de recurso hierárquico contra o acto administrativo impugnado determina, nos termos do art.º 59º, n.º4, do C.P.T.A, a suspensão do prazo do exercício do direito de acção, até ser proferida decisão sobre o recurso ou até que decorra o prazo legal fixado para a decisão. A questão referente ao termo a quo da retoma da contagem do prazo de caducidade suspenso por causa da utilização de impugnação graciosa encontra solução jurisprudencial a que aderimos. Como se lê no Acórdão do TCA Norte de 01.04.2011 (proc. nº 249/10), disponível para consulta em www.dgsi.pt, perante a alternativa estabelecida na 2ª parte do nº4 do artigo 59º do CPTA, que legitimamente dá azo a dúvidas sobre se consagra uma prioridade igualitária e mutuamente excludente (pela qual a suspensão do prazo da impugnação contenciosa cessa com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar) ou se, existindo notificação de decisão expressa, esta terá de ser sempre prevalente (pode entender-se, efectivamente, a 2ª parte do nº4 do artigo 59º CPTA como determinando que sempre que venha a existir decisão expressa, mesmo que para além do prazo legal de decisão do recurso gracioso, se retoma o prazo da impugnação contenciosa), o STA tem vindo a adoptar a primeira opção, por considerar ser a mais próxima da letra da lei, e por entender que a segunda opção comprometerá a segurança jurídica, um dos fins da norma do artigo 59º nº4 do CPTA - ver, como paradigmático desta posição, AC STA de 27.02.2008, Rº0848/06). No caso, não foi proferida decisão sobre o recurso. Importa pois saber em que data findou o prazo legal para ser proferida decisão. Nos termos do artigo 175º do CPA, quando a lei não fixe prazo diferente, o recurso hierárquico deve ser decidido no prazo de 30 dias contado a partir da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer. Tem vindo a ser assumida de forma significativa e maioritária pela jurisprudência do STA a tese de que o prazo de 30 dias, previsto no artigo 175º do CPA, deverá ser contado acrescido do prazo de 15 dias previsto no artigo 172º do CPA, que é concedido ao autor do acto recorrido para se poder pronunciar sobre o recurso hierárquico, e durante o qual ele pode, inclusivamente, revogar, modificar ou substituir o seu acto - AC STA de 16.01.97, Rº040486; AC STA de 01.07.97, Rº041245; AC STA de 17.12.98, Rº043277; e AC STA de 25.02.2010, Rº0320/08. Assim, a data a partir da qual deverá ser retomada a contagem do prazo de caducidade em causa tem de ser encontrada mediante a contagem de 45 dias [15+30], feita nos termos do artigo 72º do CPA, a partir do dia da interposição do recurso gracioso. No caso, 19 de Abril de 2013, data em que findou o prazo legal fixado para a decisão do recurso. Para que a presente acção fosse tempestiva, teria o Autor que a ter intentado nos restantes 45 dias, uma vez que havia já esgotado 45 dias do prazo legal de 90 dias. Ora, a presente apenas acção foi instaurada em 25.06.2012, ou seja, depois de esgotado o prazo legal. Aqui chegados, é forçoso concluir pela intempestividade da presente acção. * A caducidade do direito de acção consubstancia uma excepção dilatória no âmbito do CPTA, que obsta ao prosseguimento do processo e determina a absolvição do Réu da instância, nos termos do art. 89.º, n.º 1, alínea h) e n.º 2 do CPTA. * Pelo exposto, e nos termos das disposições legais invocadas, julgo verificada a excepção dilatória de caducidade do direito de acção e, em consequência, absolvo a Entidade Demandada da instância.”. Ora, a tese defendida na decisão recorrida mostra-se alinhada com a jurisprudência das instâncias superiores, designadamente do Supremo Tribunal Administrativo, tal como, desde logo, a invocada na própria decisão. A este propósito, vejam-se, entre outros, os recentes acórdãos de 19-06-2014, processo nº 01954/13, de 03-02-2015, processo nº 01470/14. Sumariou-se no primeiro dos referidos acórdãos: I - Terminado o prazo de decisão da impugnação administrativa facultativa e constituída a situação de inércia, o acto primário objecto daquela impugnação converte-se em acto final do procedimento, iniciando-se o decurso do prazo para a utilização do meio contencioso, tendo em conta a redacção dada ao nº 3 do art. 175º do CPA, sob pena de caducidade do direito de acção, nos termos do regime dos arts. 171º, nº 1, 172º, nº 1, e 175º, nº 3, do CPA, conjugado com os arts. 58º, nº 2, alínea b), e nº 4 do artº 59º do CPTA. II - É a partir do termo do prazo legal de 15 dias, para o autor do acto se pronunciar e o remeter ao órgão competente para conhecer do recurso (arts. 171º, nº 1, e 172º, nº 1, do CPA), que se conta o prazo, de 30 dias, fixado no questionado nº 1 do art. 175º CPA, para decisão do recurso hierárquico, sempre que não seja respeitado o prazo legalmente estabelecido, para a remessa do processo ao órgão competente para decidir. III - Se, nos termos do disposto no art. 59º, nº 4, do CPTA, a impugnação administrativa suspende e, na medida da respectiva duração, inutiliza o prazo da impugnação contenciosa, então, sob pena de se eternizar a indefinição acerca da situação jurídica das partes, é forçoso, em nome da segurança jurídica, impor um limite à duração da suspensão, de modo a conciliar de forma equilibrada estes princípios com o da tutela judicial efectiva. Pelo seu lado, o Tribunal Constitucional, por acórdão nº 81/2015, de 10 de Março, publicado no DR II, nº 48/2015, de 10-03-2015, sumariou: Não julga inconstitucional a norma do artigo 59º, nº 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, segundo a qual a suspensão do prazo de impugnação contenciosa cessa com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal, com forme o facto que ocorrer em primeiro lugar. A decisão recorrida mostra-se, assim, alinhada com a jurisprudência, sem as apontadas máculas na apreciação de direito, e com correcta contabilidade dos termos “a quo” e “ad quem” dos atinentes prazos, apenas com a rectificação da menção, no discurso dirimente, da data de “25.06.2012” como sendo a data da instauração da acção, mero lapsus calami, já que na matéria assente se mostra correctamente indicada a data de 21-06-2013 como a da apresentação, via fax, da petição inicial em juízo, o que fls. 2 dos autos em suporte de papel confirma, com registo no SITAF em 25-06-2013. Improcedem totalmente os fundamentos do recurso. II.3. — Da alteração objectiva da instância Como acima referimos, a Recorrente, a coberto do disposto no artigo 70º, nº 3, do CPTA, ou, caso assim não se entendesse, ao abrigo do disposto no artigo 64º, nº 3, do mesmo CPTA, apresentou um “articulado para modificação objectiva da instância”, formulando os seguintes pedidos: “Termos em que deve a presente Acção ser julgada procedente por provada e pelas razões de direito atrás deduzidas e, em consequência: a) Anulados os actos administrativos que indeferem a pretensão da A., notificados em 5/7/2016, praticados pelo Instituto da Segurança Social, I.P., Centro Distrital de Braga, na sequência da Reclamação apresentada às Notas de Reposição nº 5095371 e 4920033 e ordena a restituição das respectivas quantias; b) Declarada a inexigibilidade das quantias peticionadas nas Notas de Reposição nº 509 5371 e nº 4920033 e, em consequência, anuladas as Notas de Reposição em apreço; c) Declarado nulo o acto administrativo que ordenou a dedução/compensação efectuada nas prestações do Subsídio de Desemprego atribuído à A., nos meses de Setembro, Outubro e Novembro de 2012 d) Ordenada a devolução à A. das deduções operadas, no montante de 829,23€.”. Os factos alegados, que os documentos juntos provam, com pertinência para a apreciação da matéria, são os seguintes: a) Pelo ofício datado de 21-06-2016, subordinado ao assunto “restituição de prestações de desemprego”, o ISS,IP notificou a ora Recorrente de que “Na sequência da Reclamação apresentada por v. Exª, relativamente à Nota de Reposição nº 5095371 no valor de 13353,24€, informa-se que não foi atendida a fundamentação invocada, pelo(s) motivo(s) a seguir indicado(s): Recebeu prestações de Desemprego no período de 2005/09/01 a 2006/09/11, tendo a prestação sido suspensa por exercício de actividade como independente a partir de 2005/09/01. Assim, mantém-se a dívida no valor indicado na referida Nota de Reposição (…)” — doc. 1-A junto com o requerimento do incidente, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; b) Pelo ofício datado de 21-06-2016, subordinado ao assunto “restituição de prestações indevidamente pagas”, o ISS,IP notificou a ora Recorrente de que “Na sequência da Reclamação apresentada por v. Exª, relativamente à Nota de Reposição acima indicada [Nota de Reposição nº 4433311, data 21-10-2006] no valor de 733,21€, informa-se que não foi atendida a fundamentação invocada, pelo(s) motivo(s) a seguir indicado(s): O débito é referente ao período de 2006/09/12 a 2006/09/30, quando recebeu prestações de Desemprego, tendo as mesmas sido suspensas por exercício de trabalho por conta de outrem a partir de 2006/09/12. (…)” — doc. 1-B junto com o requerimento do incidente, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; c) Pelo ofício datado de 21-06-2016, subordinado ao assunto “restituição de prestações indevidamente pagas”, o ISS,IP notificou a ora Recorrente de que “Na sequência da Reclamação apresentada por v. Exª, relativamente à Nota de Reposição acima indicada [Nota de Reposição nº 4920033, data 2012/12/04] no valor de 114,05€, informa-se que não foi atendida a fundamentação invocada, pelo(s) motivo(s) a seguir indicado(s): Recebeu prestações de Desemprego no período de 2007/09/12 a 2007/09/30, tendo a prestação sido suspensa por exercício de trabalho por conta de outrem a partir de 2007/09/12. (…)” — doc. 1-B junto com o requerimento do incidente, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. Constata-se que as notas de reposição acima identificadas — nºs 5095371, 4433311 e 4920033 — são exactamente as mesmas que a petição inicial identifica, assim como as quantias em causa e sobre a matéria, por via de excepção, se debruçou a decisão sob recurso e acima apreciada (veja-se o ofício do ISSP, IP, datado de 2012-12-20, que a Autora reproduz no artigo 4º da petição inicial). As decisões do ISS,IP veiculadas pelos ofícios acima identificados desatenderam a fundamentação invocada nas reclamações facultativas apresentadas pela ora Recorrente, confirmando, assim, os atinentes originários actos administrativos. Aqui chegados, importa retirar conclusões do exposto. É admissível a alteração da instância nos termos do nº 1 do artigo 70º do CPTA quando a pretensão do interessado seja indeferida pela Administração na pendência do processo ou, sendo anterior, só tenha sido notificado ao autor após a propositura da acção. No caso, já acima concluímos não estar perante acção de condenação à prática de acto devido, sendo que, em todo o caso, os pedidos de condenação que a Autora ora Recorrente havia formulado eram de que o Réu fosse condenado a reconhecer que o acto impugnado é inválido porque enferma dos vícios que ali enumera, e ainda de que o Réu fosse “condenado à prática de acto que defira o pedido de reconhecimento da invalidade/ilegalidade do acto administrativo que ordena a dedução/compensação”, pelo que os actos ora em crise — que constituem decisões tomadas em sede de reiterada reclamação administrativa apresentada pelo interessado junto da entidade ré — não se subsumem à previsão normativa do nº 1 do artigo 70º do CPTA. Por essa via, a alteração pedida é inadmissível e, como tal, indefere-se a mesma. Subsidiariamente, a Recorrente pede a sua admissão com base no disposto no artigo 64º, nº 3, do CPTA, que, sob a epígrafe “revogação do acto impugnado com efeitos retroactivos”, dispõe: 1 - Quando, na pendência do processo, seja proferido acto revogatório com efeitos retroactivos do acto impugnado, acompanhado de nova regulação da situação, pode o autor requerer que o processo prossiga contra o novo acto, com a faculdade de alegação de novos fundamentos e do oferecimento de diferentes meios de prova. 2 - O requerimento a que se refere o número anterior deve ser apresentado no prazo de impugnação do acto revogatório e antes do trânsito em julgado da decisão que julgue extinta a instância. 3 - O disposto no n.º 1 é aplicável a todos os casos em que o acto impugnado seja, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro com os mesmos efeitos, e ainda no caso de o acto revogatório já ter sido praticado no momento em que o processo foi intentado, sem que o autor disso tivesse ou devesse ter conhecimento. Ora, no caso presente não sobreveio acto revogatório ou que tivesse alterado ou substituído o acto impugnado, qual seja, tal como identificado pela Autora, a “Decisão do Exmº Sr. Director de Segurança Social do Centro Distrital do Porto que indeferiu a reclamação formulada pela aqui A. nos termos do artigo 9º do D.L. nº 133/88, de 20 de Abril, da Dedução/Compensação efectuada no Subsídio de Desemprego que lhe foi atribuído (Melhor identificada em 4º desta petição)”. Donde, a inadmissibilidade do pedido que aquele artigo 64º, nº 3, pressupõe, o que se decide. III.DECISÃO Porto, 10 de Março de 2017 |