Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03347/12.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/17/2013
Tribunal:TAF do Porto
Relator:José Augusto Araújo Veloso
Descritores:PROVIDÊNCIA ANTECIPATÓRIA
DIREITO AO DESCANSO
PONDERAÇÃO DE INTERESSES E DANOS
Sumário:I. O «direito ao descanso», enquanto direito integrado no direito fundamental à saúde, realiza-se, além do mais, pela criação de condições ambientais que não prejudiquem esta, e pela protecção ou tutela geral da personalidade do lesado;
II. A «ponderação exigida pelo nº2 do artigo 120º do CPTA», que começa por ser uma ponderação de interesses, tanto públicos como privados, acaba sendo, verdadeiramente, uma ponderação de danos, pois a interpretação do texto da norma deverá ir no sentido de que a ponderação dos interesses públicos e privados em presença visa delimitar o âmbito dos danos relevantes a ponderar.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério da Educação e Ciência
Recorrido 1:MBOC(...) e Outro(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar para Adopção duma Conduta (CPTA) - Rec. Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser dado provimento parcial ao recurso.
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
Relatório
O Ministério da Educação e Ciência [MEC] interpõe recurso jurisdicional da sentença que foi proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [TAF] em 28.02.2013 – e na qual se decidiu deferir a providência cautelar solicitada pelos requerentes MBOC(...) e AMSF(...)a sentença recorrida foi proferida no âmbito de processo cautelar em que os ora recorridos demandam o MEC pedindo ao TAF que decrete o encerramento provisório do Pavilhão Gimnodesportivo existente na Escola EB 2/3 de G(...) para a prática comercial de que tem sido objecto.
Conclui assim as suas alegações:
1- Entende a recorrente que a sentença recorrida não procedeu ao enquadramento do regime jurídico à situação de facto apresentada, padecendo, pois, de erro de julgamento;
2- A presente providência não preenche os requisitos exigidos pelo artigo 120º CPTA;
3- O comportamento da Administração objecto desta providência evidencia perfeito enquadramento no âmbito do preceituado no regime jurídico do Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo DL nº9/2007, de 17.01 [adiante designado por RGR];
4- Desde há vários anos que o pavilhão desportivo da EB 2,3 de G(...) é, de facto, utilizado, não só para actividades escolares, como também para outro tipo de actividades, que não as escolares - de 2ª a 6ª feira das 20H00 até às 24H00, ao sábado até às 22H00 e ao domingo de manhã, sendo que, durante os períodos referidos também decorrem, por vezes, eventos no âmbito do Programa do Desporto Escolar;
5- Perante o descontentamento manifestado pelos requerentes, a direcção do Agrupamento de Escolas, em articulação com o Pelouro do Ambiente da Câmara Municipal de G(...), tratou de proceder à medição da incomodidade acústica, que ficou a cargo do Laboratório de Acústica do Instituto da Construção, da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto;
6- Partindo do pressuposto de que se está perante uma actividade ruidosa permanente [artigo 13º do RGR] foi realizada a análise técnica de avaliação do ruído ambiente, da qual resultou a seguinte conclusão: «somos de parecer que não se verificaram à data das medições valores medidos susceptíveis de provocar incumprimento tanto no período de entardecer como no período nocturno»;
7- Ora, para a verificação deste requisito, a sentença recorrida fundamenta-se na perturbação do descanso dos requerentes e, igualmente, nos valores obtidos pela análise técnica que «são mais elevados no período nocturno [após as 23H00]»ver folha 127;
8- Contudo, ignora a conclusão final da referida análise técnica;
9- Sendo certo que, não restringe o encerramento ao período nocturno, indo mais além, abrangendo também o período diurno de sábado e domingo;
10- Nesta medida, embora não o refira expressamente, o TAF acaba por enquadrar o exercício das actividades em causa como sendo temporárias e, assim, sujeitas à proibição praticamente igual à prevista na alínea a) do artigo 14º do RGR;
11- Mas – e o que não se compreende – apoiada em recomendações e referências constantes de uma análise técnica de ruído elaborada com base no pressuposto de se estar perante uma actividade ruidosa permanente do artigo 13º do RGR;
12- Exige-se para preenchimento do dito requisito a existência de um perigo de inutilidade, total ou parcial, resultante do decurso do tempo e, especialmente, da adopção ou abstenção [ou da execução ou não execução] de uma pronúncia administrativa;
13- Balizado o dito critério, a articular com o fumus boni iuris resulta evidente o não preenchimento do mesmo, concluindo-se pela improcedência da pretensão dos requerentes, no processo principal, não resultando automaticamente da actuação do requerido a produção de um prejuízo imediato e de irremediável reparação para aqueles, nem tendo os requerentes procedido a prova suficiente da verificação deste critério;
14- Na presente situação, a autoridade requerida invocou que a concessão da presente providência cautelar é susceptível de causar grave lesão ao interesse público, em particular, no que se refere às actividades que decorrem fora do período lectivo, mas ainda assim escolares, e que se prendem com o Programa do Desporto Escolar - cuja missão é a de «Contribuir para o combate ao insucesso e abandono escolar e promover a inclusão, a aquisição de hábitos de vida saudável e a formação integral dos jovens em idade escolar, através da prática de actividades físicas e desportivas», assim como, «Proporcionar a todos os alunos acesso à prática de actividade física e desportiva como contributo essencial para a formação integral dos jovens e para o desenvolvimento desportivo Nacional»;
15- Isto porque o interesse público que aqui se patenteia se encontra ínsito no superior interesse da comunidade educativa afectada, nomeadamente no superior interesse dos alunos que se encontram afectados ao serem privados, nesta data, de participarem nas actividades do referido programa;
16- E, se um dos fundamentos da decisão recorrida foi o ruído provocado pela utilização nocturna do pavilhão desportivo;
17- Então, no caso das actividades desportivas do Programa do Desporto Escolar, tal não sucede, pois decorrem durante o período diurno, até ao final da tarde, ao fim de semana;
18- Para além disso, o TAF, na análise deste requisito considerou o uso do pavilhão no âmbito do Programa do Desporto Escolar, como se tratando de actividades desportivas por pessoas alheias à actividade escolar [folha 129];
19- Ora, tal não é verdade, dado que as funções do Estado em matéria de Educação não se restringem às actividades lectivas - leccionação de aulas - pelo que o Programa do Desporto Escolar pretende promover a prática desportiva para além do período lectivo, nos termos descritos em 14º das presentes conclusões.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e o indeferimento da pretensão cautelar.
Os requerentes cautelares, ora recorridos, contra-alegaram formulando as seguintes conclusões:
1- Vem este recurso interposto da sentença recorrida que determinou o encerramento provisório do pavilhão gimnodesportivo da Escola EB 2,3 do G(...) «no período pós-aulas de segunda-feira a sexta-feira até às 24H00, ao sábado até às 22H00 e ao domingo até às 12H00»;
2- Tal decisão aplicou devidamente a lei à factualidade assente, e não merece qualquer reparo;
3- Efectivamente, a análise critica dos critérios de que a lei faz depender a concessão de uma providência cautelar antecipatória, como a que está em causa nos presentes autos, enunciados nos nº1 e 2 do artigo 120º do CPTA, é inabalável, com uma única excepção, como se exporá;
4- Na sua fundamentação a sentença recorrida opta, e bem, pela sistematização dos referidos critérios de acordo com a explanada naquele normativo legal, começando, então, pelo exposto na sua alínea a) do nº1, ou seja, pelo critério da evidência da procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, sendo logo aqui que reside a única excepção quanto à concordância dos recorridos com a fundamentação;
5- Como explanado na sentença recorrida, com base neste critério, resultando evidente a procedência da pretensão formulada, ou a formular, no processo principal, a providência é concedida sem mais, mormente sem necessidade de qualquer outra verificação quanto aos restantes critérios formulados naquele normativo legal, mas, do mesmo modo, a providência será recusada sempre que resulte evidente e manifesta a improcedência da pretensão em causa;
6- Foi entendimento na sentença recorrida que «considerando os factos constante do probatório e feita uma análise sumária da situação … não ser evidente a procedência da pretensão formulada na acção principal», entendendo-se que «… através do juízo perfunctório que caracteriza o julgamento cautelar … as ilegalidades invocadas pelos requerentes não apresentam as características de evidência» enunciada no referido AC STA de 25.08.2010, Rº637/10];
7- Mas, foi também entendimento de que, apesar de se entender não resultar evidente uma situação de manifesta procedência da acção principal, «…também não é notório o seu contrário, ou seja, que a pretensão a deduzir padeça de patente falta de fundamento»;
8- É com o entendimento de que não resulta evidente a procedência da pretensão a formular na acção principal que os recorridos não podem concordar;
9- Como os recorridos alegaram na petição inicial a análise técnica ao ruído produzido durante a utilização do pavilhão baseou-se no entendimento de que a fonte do ruído provem de actividade ruidosa permanente, nos conceitos legais estabelecidos pelo Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo DL nº9/2007, de 17.01 [RGR];
10- É entendimento dos recorridos de que assim efectivamente seria se o ruído provocado tivesse proveniência no normal funcionamento do pavilhão, o que não é o caso, pois o normal funcionamento do pavilhão ocorre no decurso do período das aulas, pelos respectivos alunos e seus professores, mas o que está em causa é o ruído provocado pela utilização do pavilhão no período pós aulas, de segunda a sexta até à meia noite, ao sábado todo o dia até à meia noite e ao domingo de manhã até ao meio dia, o que, de todo, não pode ser considerado normal;
11- O que está em causa não é o ruído provocado pela utilização normal do pavilhão, durante o período lectivo, mas sim o provocado pela utilização do pavilhão em consequência de pratica comercial, após aquele período lectivo, que por si só exigia licenciamento;
12- É este o erro, notório, de que padece o relatório ora apresentado: o de considerar normal esta utilização do pavilhão e como tal caracterizar o ruído como proveniente de actividade ruidosa permanente, fazendo, consequentemente, o enquadramento legal nos termos do artigo 13º, nº1, do RGR;
13- Correcto, e evidente, é, face ao exposto, caracterizar o ruído em causa como proveniente de actividade ruidosa temporária nos termos do RGR, o que tem como consequência as proibições estabelecidas no artigo 14º do RGR e a exigência de licença prevista no artigo 15º do RGR, sendo certo que a mesma não existe;
14- No entendimento dos recorridos estes factos são de tal modo evidentes que, evidentemente, só podem conduzir a uma evidente procedência da pretensão a formular na acção principal, o que levaria, desde logo, a concluir pelo preenchimento do primeiro critério estabelecido no artigo 120º do CPTA para a concessão da providência cautelar requerida;
15- Quanto ao mais nada há, no entendimento dos recorridos, a apontar à sentença ora recorrida;
16- Não tendo sido entendimento do preenchimento daquele primeiro critério de concessão da providência cautelar requerida, passou à análise dos restantes, considerando-os plenamente preenchidos;
17- Os dois seguintes critérios de concessão da providência cautelar requerida, previstos na alínea c) do nº1 do artigo 120º do CPTA são de verificação cumulativa: periculum in mora e fumus boni iuris;
18- Da análise crítica feita ao último destes critérios concluiu-se pela sua verificação na medida em que, atendendo à factualidade considerada como provada, mormente os pontos 4) e 5) da matéria de facto assente e os valores obtidos no período nocturno pela análise técnica realizada, se considera estar «…em causa a violação de direitos de personalidade, designadamente o direito ao sono, ao descanso, à tranquilidade e à saúde, os quais estão constitucionalmente consagrados, são directamente aplicáveis e vinculam entidades públicas e privadas», protegendo-se legalmente [artigo 70º do Código Civil] «… os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral [nº1], podendo a pessoa ameaçada ou ofendida requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar essas situações [nº2]», para além de que, no próprio relatório técnico, reconhecendo o incómodo provocado pelo ruído, são indicadas soluções que devem ser adoptadas de modo à obtenção de uma melhoria no isolamento sonoro;
19- Estando, com base no critério do fumus boni iuris, em causa mera probabilidade, e não já evidência, de procedência da acção principal, foi entendimento explanado na douta sentença recorrida de que tal critério se encontra preenchido, relativamente ao qual os recorridos nada têm a opor, compartilhando esse mesmo entendimento, até pelo exposto quanto ao primeiro dos critérios e pelo que foi alegado nos artigos 10º a 20º da petição inicial, para os quais aqui se remete por mera economia processual, não surgem quaisquer dúvidas de tal probabilidade;
20- Quanto ao critério do periculum in mora, com a mesma fundamentação utilizada para o critério do fumus boni iuris, é evidente que a não concessão da providência requerida causará para requerentes prejuízos de difícil reparação, não sendo possível relevar o facto de que ambos se encontram a ser seguidos por médico em virtude do ruído provocado pela actividade exercida no pavilhão, no período em causa [ver pontos nº4 e nº5 da matéria de facto assente], estando em causa «… o direito ao sossego, à tranquilidade e à saúde dos requerentes, direitos fundamentais que importa observar e que se violados acarretam prejuízos de difícil reparação»;
21- Deste modo, bem esteve o TAF ao considerar tal critério igualmente verificado;
22- Importa, agora, a análise crítica quanto à verificação do último dos critérios necessários para a procedência da providência cautelar requerida: «ponderação de interesses segundo critérios de proporcionalidade» - ponderação de todos os interesses em presença [públicos e/ou privados];
23- Relativamente ao critério da ponderação de interesses, diga-se que, também aqui bem esteve a sentença recorrida ao considerá-lo preenchido;
24- A este respeito alega a entidade recorrente que a concessão da providência é susceptível de causar grave lesão ao interesse público, em particular no que se refere às actividades que decorrem fora do período lectivo e que se prendem com o «Programa do Desporto Escolar»;
25- Diga-se, como ponto prévio, que ao contrário do alegado pela recorrente nas suas alegações de recurso não se encontra apenas posta em causa a utilização do pavilhão no período nocturno, mas igualmente aos sábados, até às 24H00, e aos domingos até às 12H00;
26- E, para concluir, que bem esteve a sentença recorrida, na análise desta ponderação de interesses, ao considerar que os direitos dos requerentes se sobrepõem aos benefícios que resultam do desporto escolar, pois, e nunca é demais repetir este aspecto, aqueles são direitos fundamentais que se relacionam com a saúde, devidamente protegidos por lei, como supra se referiu, sendo inclusivamente, a sua violação punível criminalmente [artigos 279º e 280º do Código Penal], estando os requerentes já a ser seguidos por médico, sofrendo já de perturbações provocadas pelo ruído provocado pela actividade em causa, no período em causa;
27- Relembra-se que não está em causa a utilização do pavilhão no horário normal do período escolar, no período de aulas, pelos alunos da escola e no âmbito das actividades lectivas, mas antes o seu uso fora desse horário escolar para a prática de actividades desportivas por pessoas alheias à actividade escolar, recebendo a escola contra-prestação monetária pela autorização de tal utilização, tratando-se, pois, de uma actividade económica, de uma prática comercial, sendo com referência a estes circunstancialismos que é pedido o seu encerramento provisório;
28- Para concluir, apenas uma referência ao que é evidente tratar-se de mero erro de escrita, pois, na sentença recorrida, precisamente na sua decisão, a folha 129, mas que já vem do ponto nº2) da matéria de facto dada como assente, indicar-se o período de sábado até às 22H00, quando o que certamente se pretendia escrever, até pelo alegado na petição inicial e que não foi impugnado, era sábado até às 24H00, solicitando-se a sua correcção;
29- Pelo que em nada se deve alterar a sentença recorrida, mantendo-se a decisão de encerramento provisório do pavilhão no período aí consignado.
Terminam pedindo a manutenção da sentença recorrida.
O Ministério Público pronunciou-se pelo provimento parcial do recurso com base na alteração do juízo sobre a ponderação de interesses e danos [146º, nº1, do CPTA].
Os recorridos reagiram a esta pronúncia, por com ela não concordarem.
De Facto
São estes os factos que a sentença recorrida considerou indiciariamente provados:
1- Os requerentes vivem em união de facto numa moradia situada defronte ao pavilhão gimnodesportivo da Escola EB 2/3 de G(...) [facto admitido por acordo – não impugnado];
2- A Escola EB 2/3 de G(...) autoriza a utilização do pavilhão gimnodesportivo no período pós aulas de segunda-feira a sexta-feira até às 24H00, ao sábado até às 22H00 e ao domingo até às 12H00, para a prática de actividades desportivas por pessoas alheias à actividade escolar, recebendo uma contra-prestação monetária [facto admitido por acordo - não impugnado];
3- A Escola EB 2/3 de G(...) providenciou pela realização de uma análise técnica ao ruído produzido pela actividade referida em 2) supra, a qual foi feita pelo Laboratório de Acústica do Instituto da Construção da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e deu origem ao Parecer Técnico e ao Relatório juntos como documento 1 com o requerimento inicial [cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - facto admitido por acordo - não impugnado];
4- A requerente é seguida por médico em virtude de perturbação do sono provocada pelo ruído produzido pela actividade desportiva referida em 2) supra [ver documento 2 junto com o requerimento inicial e facto admitido por acordo - não impugnado];
5- O requerente é seguido por médico e sofre de doença bipolar grave [ver documento 3 junto com o requerimento inicial e facto admitido por acordo - não impugnado].
Nada mais foi considerado como pertinente e provado para efeitos desta providência cautelar.
De Direito
I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para o efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 685º-A nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA.
II. Os requerentes, que vivem numa moradia situada mesmo em frente do «Pavilhão Gimnodesportivo da Escola EB 2/3 de G(...)», depois de diversas participações registadas na «Polícia Municipal de G(...)», e de uma avaliação de incomodidade acústica levada a cabo, a solicitação da Direcção do respectivo «Agrupamento de Escolas», pelo «Laboratório de Acústica do Instituto da Construção da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto», vieram, como preliminar de processo principal que vão intentar, pedir ao TAF que, a título cautelar, proteja o seu direito ao descanso decretando o encerramento provisório desse referido pavilhão à prática comercial de que tem vindo a ser objecto.
O TAF deu-lhes razão, e após ter fixado os factos que achou pertinentes e sumariamente provados, determinou o encerramento provisório do pavilhão no período pós aulas «de segunda-feira a sexta-feira até às 24H00, ao sábado até às 22h00, e ao domingo até às 12H00, sendo o mesmo utilizado para a prática de actividades desportivas por pessoas alheias à actividade escolar».
Desta decisão cautelar discorda o requerido MEC, que, como recorrente, lhe vem imputar erro de julgamento de direito no juízo que fez relativamente ao fumus boni juris, ao periculum in mora, e à ponderação de interesses e danos.
À apreciação deste alegado erro de julgamento de direito, nas suas três vertentes, se reduz o objecto do recurso jurisdicional.
III. O TAF, na sentença recorrida, começa por sublinhar que os pedidos cautelares se justificam sobretudo como prevenção contra a demora da acção principal, cuja utilidade visam salvaguardar, e que, como processos urgentes e instrumentais que são, se bastam com uma apreciação sumária da situação de facto e de direito.
De seguida, enumera, designa e define os pressupostos da concessão das providência cautelares antecipatórias, entre as quais integrou a presente, o que faz de forma perfeitamente correcta e que por isso nos dispensamos de repetir.
Assim situado, a nível factual e jurídico, o TAF fez o seguinte julgamento sobre o «bom direito», primeiro enquanto exigência do manifesto fumus bonus da alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA, e, depois, na versão positiva imposta pela alínea c) da mesma norma: […]
Alegam os requerentes cautelares que a análise técnica efectuada concluiu que o ruído ultrapassa o legalmente admitido, pese embora a situação não tenha sido correctamente enquadrada pelo técnico que a efectuou, pois que o mesmo entendeu estar em causa uma actividade ruidosa permanente, quando a verdade é que se trata de uma actividade ruidosa temporária, pelo que o exercício da actividade deveria ser autorizado através de emissão de licença, nos termos do artigo 15º do Regulamento Geral do Ruído, o que não sucede.
Diversa é a posição da entidade requerida, a qual sustenta que a situação foi correctamente enquadrada pelo técnico que efectuou a análise ao ruído, donde não ser necessária qualquer licença para a actividade desenvolvida no pavilhão gimnodesportivo da Escola EB 2/3 de G(...), acrescendo que, a conclusão a que o dito técnico chegou foi a de que não se verifica qualquer incumprimento das regras relativas ao ruído.
Considerando os factos do probatório, e feita uma análise sumária da situação, concluímos não ser evidente a procedência da pretensão formulada na acção principal.
Na verdade, as ilegalidades invocadas pelos requerentes colocam questões jurídicas controversas - basta atentar na posição que as partes tomaram sobre as mesmas - cuja apreciação e solução pressupõe uma análise mais profunda e detalhada que não se compadece com a situação de evidência exigida na alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA.
[…]
Assim sendo, cumpre agora averiguar se na presente situação ocorrem os requisitos enunciados na alínea c) do mesmo preceito legal, dado estar em causa a adopção de providência antecipatória, como já atrás referimos.
[…]
Isto posto, e tendo presente que [1] o ruído proveniente da utilização do pavilhão gimnodesportivo da Escola EB 2/3 de G(...) perturba o descanso dos requerentes – a requerente é seguida por médico em virtude de perturbação do sono provocada pelo ruído produzido pela actividade desportiva realizada nesse pavilhão fora dos períodos lectivos e o requerente é seguido por médico e sofre de doença bipolar grave [ver pontos 4) e 5) da matéria de facto assente] – e que [2] na análise técnica realizada se verificou que «os valores obtidos nos dias das visitas são mais elevados no período nocturno [após as 23 horas], sendo perfeitamente audível, quando ocorrem, os ruídos resultantes do bater da bola nas paredes, das vozes, dos gritos, assobios e dos aplausos das assistências, principalmente em momentos onde o ruído de fundo [residual] na envolvente é mais baixo, o que pode ser susceptível de incómodo sonoro para pessoas mais sensíveis», concluímos pela verificação do juízo de probabilidade à luz da alínea c) do nº1 do artigo 120º do CPTA.
Está em causa a violação de direitos de personalidade, designadamente o direito ao sono, ao descanso, à tranquilidade e à saúde, os quais estão constitucionalmente consagrados, são directamente aplicáveis e vinculam entidades públicas e privadas.
Na lei ordinária, o artigo 70º do Código Civil estipula que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral [nº1], podendo a pessoa ameaçada ou ofendida requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar essas situações [nº2].
Está aqui em causa a própria saúde dos requerentes, sendo que os direitos a ela ligados são direitos absolutos que visam tutelar a integridade física e moral do indivíduo, impondo a todos o dever de se absterem de praticar actos que os ofendam por violação do direito de personalidade que lhes assiste.
Aliás, reconhecendo o incómodo que a situação provoca, no relatório do «Instituto da Construção» são apresentadas soluções que devem ser adoptadas com vista a obter uma melhoria do isolamento sonoro.
Em suma, efectuada uma apreciação necessariamente perfunctória da viabilidade da pretensão dos requerentes, dado estarmos no âmbito de um procedimento cautelar, entendemos ser provável que a mesma venha ser julgada procedente no processo principal, pelo que se mostra verificado o fumus boni iuris.
[…]
O recorrente, MEC, defende que este julgamento de direito, sobre o fumus boni juris está errado, porque salta à vista que a Administração, no tratamento que fez das participações e das reclamações deduzidas pelos ora recorrentes cumpriu com rigor o regime decorrente do «Regulamento Geral do Ruído» [RGR – que foi aprovado pelo DL 9/2007, de 17.01], motivo pelo qual as suas pretensões indemnizatória e condenatória, a deduzir, segundo dizem, no processo principal, estão votadas ao insucesso.
Mas esta vertente do alegado erro de julgamento de direito não pode ser julgada procedente.
De facto, como se depreende do que é dito pelos requerentes cautelares, a providência antecipatória por eles pretendida visa assegurar utilidade a uma futura, e eventual, decisão a proferir no processo principal, que responsabilize a entidade requerida pelos danos morais neles causados pelos ruídos que alegam perturbar o seu direito ao descanso, e a condene a adoptar as medidas que se mostrem necessárias a evitá-los.
A eventual procedência desse processo principal passará, e além do mais, pela prova de conduta ilícita e culposa por parte da Administração, ou seja, pela prova de que a laboração do pavilhão gimnodesportivo em causa, e em sede de exploração comercial, produz ruídos que violam as normas pertinentes do RGR, e com isso, ou independentemente disso, violam o direito ao descanso dos aí autores.
O apuramento desse ilícito passará, naturalmente, pela apreciação e pela decisão de algumas questões jurídicas tais como a de saber se ao caso devem ser aplicados os «valores limites» previstos no RGR para «actividades ruidosas permanentes» [artigo 13º do RGR] ou para «actividades ruidosas temporárias» [artigos 14º e 15º do RGR], neste último caso com exigência de emissão de «licença especial de ruído», e a de saber se a violação do direito ao descanso daqueles concretos cidadãos, os aí autores, pode acontecer independentemente da violação ou não das normas legais sobre o ruído, isto é, se mesmo na observância dos «valores limites» aplicáveis a Administração pode ser condenada a indemnizar os danos morais reclamados.
Temos para nós que estas questões, a par de outras que surgirão, devem ser abordadas com mais profundidade no âmbito da «acção principal», sendo certo que a sua decisão não se ostenta, neste âmbito cautelar, com a evidência que é prevista na alínea a) do nº1 do artigo 120º do CPTA, evidência essa que, como vem insistindo a jurisprudência dos tribunais administrativos, não surge de uma «demonstração argumentativa» mas de uma «constatação».
De qualquer forma, os ora recorrentes irão esgrimir no processo principal, enquanto autores, as repercussões nocivas dos ruídos provindos da actividade comercial do pavilhão gimnodesportivo no seu «direito ao descanso», enquanto direito integrado no seu «direito fundamental à saúde», que se realiza além do mais pela criação de condições ambientais que não a prejudiquem [artigo 64º, nº1, e nº2 alínea b), da CRP], e pela protecção ou tutela geral da sua personalidade [artigo 70º do CC].
Este tipo de pretensão, cremos, está longe de surgir como ostensivamente votada ao fracasso, antes se apresenta como de «provável procedência», o que significa preencher o requisito positivo do «bom direito» exigido na alínea c) do nº1 do artigo 120º do CPTA.
Ponderado assim, de uma forma perfunctória, e sintética, como é próprio do juízo cautelar, o alegado erro de julgamento de direito relativo à vertente da discordância do recorrente com a procedência do fumus boni juris, não nos resta senão julgá-lo improcedente.
No tocante ao requisito, cumulativo, do periculum in mora, realizou o TAF este julgamento concreto:
[…]
Em face do que acima referimos, e tendo presente a factualidade provada, entendemos que o requisito do periculum in mora também se mostra preenchido, na medida em que o não decretamento da providência requerida originará para os requerentes prejuízos de difícil reparação. É que, como referimos, está em causa o direito ao sossego, à tranquilidade e à saúde dos requerentes, direitos fundamentais que importa observar e que se violados acarretam prejuízos de difícil reparação.
[…]
O recorrente, MEC, discorda deste julgamento de direito, alegando que os prejuízos não decorrem automaticamente da actuação da Administração, e que sempre poderão ser ressarcíveis.
Para além do que consta da matéria de facto sumariamente provada, os autos dão-nos a conhecer, e de forma pacífica, que pelo ora recorrido Márcio foram feitas três participações à Polícia Municipal de G(...): em 05.01.2012, em 04.01.2013 e em 10.01.2013. Nessas participações o dito recorrido queixava-se dos «constantes ruídos provenientes do pavilhão gimnodesportivo», e das três vezes se deslocaram ao local agentes daquela polícia que «constataram os factos descritos pelo queixoso, ou seja, era audível do exterior o ruído resultante de bolas a embater em paredes e palavras de ordem, provenientes do pavilhão», «era audível o som de correr atrás da bola, o chiar das sapatilhas no piso, e bem assim o diálogo entre os intervenientes do jogo». Da segunda vez os agentes de autoridade permaneceram no local cerca de 30 minutos, «e o ruído foi contínuo».
O «relatório» referido no ponto 3 do provado refere, além do mais, que no pavilhão gimnodesportivo «há vários vidros rachados e partidos, e locais onde não existe qualquer vidro na caixilharia», «há painéis de revestimento rachados, partidos ou em falta, alguns suspensos e em risco de queda», «as paredes do fundo do pavilhão não têm qualquer elemento de protecção, e a cobertura do pavilhão não tem qualquer material de revestimento acústico…».
Por sua vez, no «parecer técnico» referido no mesmo ponto 3 do provado concluiu-se assim: «De acordo com as avaliações expressas no relatório de caracterização do ruído ambiente na envolvente ao Pavilhão Gimnodesportivo do Agrupamento de Escolas EB 2/3 de G(...), somos de parecer que não se verificam à data das medições, valores medidos susceptíveis de provocar incumprimento tanto no período de entardecer como no período nocturno. Contudo verificou-se que os valores obtidos nos dias das visitas são elevados no período nocturno [após as 23 horas], sendo perfeitamente audível, quando ocorrem, os ruídos resultantes do bater da bola nas paredes, das vozes, dos gritos, assobios e aplausos das assistências, principalmente em momentos onde o ruído de fundo [residual] na envolvente é mais baixo, o que pode ser susceptível de incómodo sonoro para pessoas mais sensíveis».
Da matéria de facto sumariamente provada consta que «A requerente é seguida por médico em virtude de perturbação do sono provocada pelo ruído produzido pela actividade desportiva referida…» [ponto 4], e que «O requerente é seguido por médico e sofre de doença bipolar grave» [ponto 5].
Ora, os interesses que os requerentes cautelares querem ver reconhecidos no processo principal são os da protecção da sua personalidade, integrada pelo seu direito à saúde física e mental, ambos na vertente do direito ao sossego, ao descanso e à tranquilidade, indispensáveis para o bem estar físico e anímico em que a «saúde» se traduz.
Naturalmente que a demora na decisão final do processo principal, mesmo que inteiramente normal ao «tempo judiciário», é susceptível de causar fundado receio de produção de «prejuízos de difícil reparação» para os requerentes, pois que, na medida em que prolonga no tempo as incomodidades do presente, com as consequências gravosas que vêm produzindo, geram danos incapazes de ser ressarcíveis pelo dinheiro, por uma indemnização. A indemnização, provocando muito embora um conforto actual, compensatório do mal-estar passado, nunca poderá sanar as repercussões negativas na saúde física e anímica dos lesados, cujas sequelas sempre poderão sobrar para o futuro.
Mostra-se, assim, perfeitamente correcto o julgamento proferido pelo TAF quanto ao preenchimento do pressuposto de concessão da providência cautelar designado de periculum in mora.
Por fim, quanto à ponderação de interesses e danos prevista e exigida no nº2 do artigo 120º do CPTA, fez-se na sentença recorrida a seguinte apreciação:
[…]
Aqui chegados, importa agora indagar da verificação do requisito constante no nº2 do artigo 120º do CPTA, nos termos do qual «… a adopção da providência ou das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados, pela adopção de outras providências …».
[…]
Alega a entidade requerida que a concessão da providência é susceptível de causar grave lesão ao interesse público, em particular no que se refere às actividades que decorrem fora do período lectivo e que se prendem com o Programa do Desporto Escolar.
Sem pretender questionar o mérito e os benefícios que resultam do desporto escolar, entendemos que os direitos dos requerentes que estão em causa se lhes sobrepõem, pois que se trata de direitos fundamentais que se relacionam com a sua saúde, a qual está já a ser afectada, já que os mesmos são seguidos clinicamente, sendo que a requerente sofre até de perturbações do sono provocadas pela situação aqui em discussão.
Aliás, note-se que não está em causa a utilização do pavilhão pelos alunos da escola e no âmbito das actividades lectivas, mas antes o uso que é feito do mesmo fora do horário escolar para a prática de actividades desportivas por pessoas alheias à actividade escolar, sendo com referência a essa utilização que é pedido o seu encerramento provisório.
Concluímos, assim, que o prejuízo que os requerentes pretendem evitar com a concessão da presente providência cautelar, mostra-se superior aos prejuízos que a entidade requerida tem de suportar com a mesma.
E foi com base no preenchimento do fumus boni juris e do periculum in mora previstos na alínea c), e com base nesta ponderação de interesses e danos, que é exigida pelo nº2, tudo do artigo 120º do CPTA, que o julgador cautelar decidiu assim:
[…]
Nestes termos… julgo a presente providência cautelar procedente e, em consequência, determino o encerramento provisório do pavilhão gimnodesportivo da Escola EB 2/3 de G(...) no período pós aulas de segunda-feira a sexta-feira até às 24H00, ao sábado até às 22H00, e ao domingo até às 12H00, sendo o mesmo utilizado para a prática de actividades desportivas por pessoas alheias à actividade escolar.
[…]
Antes de mais, importa apreciar um erro material cuja correcção é pedida pelos recorridos em sede das suas contra-alegações. Consistirá ele em ter sido referido, quer no ponto 2 do sumariamente provado quer na «decisão» acabada de transcrever, o limite temporal de 22H00 ao sábado, quando é verdade que o limite temporal que foi invocado por eles, enquanto requerentes cautelares, foi o das 24H00.
Na verdade, a sentença recorrida fundamenta o conteúdo factual do ponto 2 no acordo das partes, por tal facto «não ter sido impugnado». Isto é pacífico, nos autos.
Ora, se assim é, constatamos que tanto no artigo como no artigo 14º do seu requerimento cautelar os ora recorridos referiram o limite temporal do sábado como sendo «a meia-noite», isto é, as 24H00.
Estaremos, pois, perante um erro material, ostensivo, praticado de forma inadvertida pelo julgador a quo, e que importa corrigir ao abrigo do artigo 249º do CC, de tal forma que tanto no «ponto da matéria de facto provado como no texto da «decisão», onde se diz «ao sábado até às 22H00», passe a ler-se «ao sábado até às 24H00».
A ponderação exigida pelo nº2 do artigo 120º do CPTA, que começa por ser uma ponderação de interesses, tanto públicos como privados, acaba sendo, verdadeiramente, uma ponderação de danos. Expliquemo-nos: a interpretação do texto da norma deverá ir no sentido de que a «ponderação dos interesses públicos e privados, em presença» visa delimitar o âmbito dos danos relevantes a ponderar [artigo 9º do CC].
O «interesse» privado, que sobressai da tese dos requerentes cautelares, ora recorridos, é o da salvaguarda do seu direito ao sossego, à tranquilidade, ao descanso, que se vê afectado pelo ruído da dita exploração comercial do pavilhão gimnodesportivo. Mas este interesse «privado» encontra também eco no interesse «público» da protecção da saúde, mediante a implementação de medidas que evitem a sua agressão.
Assim, ao mesmo tempo que, legitimamente, buscam a protecção judicial para salvaguarda do seu direito ao descanso, no fundo, da sua saúde, os agora recorridos reflexamente visam proteger, também, um interesse que pertence e abarca toda a comunidade, e que é um dos pilares do nosso Estado de direito democrático enquanto baseado «no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais» [artigo 2º da CRP].
Por seu lado, a entidade requerida e ora recorrente, o MEC, ao defender a continuidade, sem restrições, da utilização que vem sendo dada ao pavilhão em causa, mais não visa do que prosseguir a exploração das potencialidades desse pavilhão gimnodesportivo através da realização de «actividades desportivas por pessoas alheias à actividade escolar, recebendo, por isso, uma contra-prestação monetária». Pelo menos é o que resulta, pacificamente, do ponto 2 do provado. Mas também aqui, ao lado deste interesse económico-financeiro em rentabilizar a dita infra-estrutura, se anicha o «interesse público» de promover a actividade desportiva, com tudo o que isso significa ao nível da promoção de uma vivência física e mentalmente sadia.
Os «danos» que a recusa da providência antecipatória causará, no âmbito daquele interesse privado dos requerentes, sabemos que se consubstanciam na violação do seu direito ao descanso, ao sossego, com consequente repercussão na sua saúde. E incluirão ainda o dano público, não despiciendo, da imagem de uma Administração indiferente aos interesses legítimos dos seus administrados, e relapsa na falta de implementação de medidas protectoras de um ambiente sonoro equilibrado, não agressivo.
Os «danos» que o deferimento da providência antecipatória causará aos interesses do requerido cautelar, ora recorrente, situam-se ao nível da perda, ou eventual perda, de verbas, auferidas com a abertura do pavilhão a pessoas «alheias à actividade escolar», e com o encerramento de uma possibilidade de incrementar uma vida mais sadia a quem usufruía da mesma.
Não é difícil concluir que a dimensão qualitativa, pessoal, constitucional e legal, dos danos que resultam da recusa da providência, para a esfera jurídica dos requerentes cautelares, superam os que provavelmente resultam, para os interesses da entidade requerida, da sua concessão.
Deste jeito, o decidido pelo tribunal de primeira instância deverá, cremos, ser confirmado por este tribunal de recurso.
Mas chamamos a atenção para o facto de o encerramento provisório que foi decretado, e que entendemos confirmar, ter duas limitações, uma temporal e outra pessoal. A primeira, porque se aplica, apenas, de segunda a sexta-feira, no período que vai desde o termo das aulas até às 24H00, na totalidade do dia de sábado, e no domingo até às 12H00. E a segunda porque se aplica, apenas, à prática de actividades desportivas por «pessoas alheias à actividade escolar».
Destas limitações resulta o não impedimento da prática de actividades de carácter desportivo que tenham a ver com «Programa de Desporto Escolar» desde que levadas a cabo pelos alunos ou outras pessoas ligadas à actividade escolar.
Aliás, dentro desses precisos limites se situa a pretensão cautelar que foi deduzida pelos requerentes.
Deve, portanto, ser negado provimento ao recurso jurisdicional, e mantida na sua totalidade a sentença recorrida, apenas com a correcção que acima foi deferida.
Neste sentido se decidirá.
DECISÃO
Nestes termos, decidem, em conferência, os Juízes deste Tribunal Central, negar provimento ao recurso jurisdicional, e manter a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, – artigos 446º do CPC, 189º do CPTA e regras do RCP [alterado pela Lei nº7/2012 de 13.02] com Tabela I-B a ele anexa.
D.N.
Porto, 17.05.2013
Ass.: José Veloso
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Isabel Soeiro