Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
Os Recorrentes, J... e M..., melhor identificados nestes autos, interpuseram recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação de Imposto Municipal de Sisa n.º 231/2000 de 27.06.2000, no valor de € 12 469,95.
Os Recorrentes não se conformaram com a decisão tendo interposto o presente recurso formularam nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: “(...) 1ª O Meritíssimo Juiz a quo, salvo o devido respeito, fez uma análise menos cuidada dos documentos existentes nos autos.2ª Na verdade, a matéria alegada no artigo 15º da PI, no qual se demonstra documentalmente que a escritura de compra e venda realizada entre os ora Recorrentes a “J…– Construções, Lda.”, não foi objecto de registo.3ª Conclui-se assim que a escritura de compra e venda não teve como contraprestação o pagamento de um preço, assim como o distrate da referida escritura não teve a correspondente devolução do preço percebido.4ª É verdade que a transmissão da propriedade na compra e venda se dá em princípio por mero efeito de contrato. Todavia,5ª A mesma pode estar dependente de um facto futuro sendo que tal presunção pode ser ilidida. 6ª Os factos dados como provados demonstram que a transmissão através da compra e venda foi meramente com o intuito de conseguir financiamento bancário não tendo havido uma contraprestação por parte do adquirente.7ª Ora, a compra e venda tem como efeitos essenciais: a transmissão da propriedade ou titularidade da coisa, a obrigação de entregar a coisa e a obrigação do pagamento do preço.8ª Não tendo havido o pagamento de um preço, verifica-se que a “transmissão” operada não foi onerosa, como não foi o distrate.9ª Com o distrate os ora Recorrentes não têm qualquer acréscimo de rendimento ou património, porquanto por um lado o prédio em causa nunca saiu da esfera jurídica dos ora recorrentes e por outro corresponde à entrega do prédio pela restituição do bem.10ª Além disso, os efeitos económicos da compra e venda apenas devem ser tributados, desde que estejam dentro da previsão de uma norma tributária.11ª Nesse sentido há que ter em atenção se a norma tributa a realidade económica ou jurídica. Nos termos do art. 38º, n.º1 da LGT a tributação só ocorrerá se, e na medida em que tais efeitos económicos existam e recaia na previsão de um tipo legal de imposto.12ª Ora não tendo havido uma verdadeira transmissão onerosa na compra e venda, também no distrate não se pode falar num acto onerosa e assim susceptível de tributação no âmbito do imposto municipal de sai.13ª Cumpre referir que o distrate é uma figura autónoma não confundível com as figuras de invalidade, resolução ou extinção por mútuo acordo.14ª A extinção da relação contratual decorre do cumprimento do negócio ou por situações novas que fazem cessar o seu efeito.15ª O distrate é a revogação da relação contratual.16ª Por outro lado caso o legislador fiscal pretende-se que o distrate fosse objecto do imposto municipal de sisa tê-lo-ia expressamente consagrado como o fez para a doação.17ª Ora, não estando consagrado e tentando a sua aplicação por via analógica tal facto colido com o princípio constitucional da taxatividade dos impostos, inserto no princípio da legalidade.18ª Do exposto resulta claro que só a verificação de uma verdadeira tradição poderá dar lugar ao pagamento do tributo.19ª Ao decidir como decidiu o Meritíssimo Juiz a quo violou as normas constantes do artigo 879º do CC, 38º da LGT, 2º e 8º, n.º16 do CIMSISSD, e ainda 103º. n.º 3 da Constituição da Republica
Nestes Termos
Dignem-se Venerandos Desembargadores darem provimento ao presente recurso revogando-se a Sentença proferida pelo Tribunal a quo substituindo a mesma por outra que julgue a Impugnação procedente por provada revogando o Despacho que ordena o pagamento do imposto municipal de sisa por via do distrate realizado em 5 de Março de 2001 e assim se fará JUSTIÇA. .(…)”
1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.
A Exma. Procuradora - Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo a sentença recorrida.
Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber (i) se a sentença incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito por violação dos artigos 879.º do Código Civil, 38.º da LGT, 2º e 8.º, n.º 16 do CIMSISSD, e ainda 103º. n.º 3 da Constituição da Republica.
3. JULGAMENTO DE FACTO
3.1 Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…)1 Por escritura de 27 de Agosto de 2000, exarada a fls. 81 e SS. Do livro de notas para escrituras diversas número 29 - C, do Cartório Notarial de Vila Nova de Poiares, os Impugnantes, marido e mulher, declararam vender à firma “J…, Construções,
Lda.”, pessoa colectiva número 5…, com sede no lugar…, freguesia de concelho da Lousã, pelo preço de 25 000 000$00, os prédios urbanos inscritos na matriz predial respectiva da freguesia de Poiares/Santo André sob os artigos 3…° e 3…º. (Doc. n°1).
2
A “J…, Lda.” Pretendia, ao adquirir tais artigos, ai construir um imóvel para habitação e serviços, cujo processo de arquitectura já havia entrado na Câmara Municipal de Vila Nova de Poiares em nome dos ora impugnantes.
3
A liquidação prévia do imposto municipal de Sisa atingiu o montante de 2.500.000$00, o equivalente a 12.469,95 euros, liquidação essa realizada através do conhecimento número 231/2000, de 27 de Junho de 2000.
4
Conforme acordo verbal entre os outorgantes a referida sociedade não pagou a mencionada quantia do preço, isto é, os 25.000.000$00.
5
Com efeito, haviam os outorgantes acordado verbalmente que, em lugar disso, a sociedade em causa, após a aprovação camarária do licenciamento da construção urbana e a sua realização cederia aqueles cinco fracções do prédio a edificar, no valor global de 25.000.000$00.
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Entretanto os prédios em causa, pelo facto de terem sido objecto de rectificação de área, sofreram nova avaliação, a qual elevou os valores patrimoniais, passando os prédios a estarem inscritos sob os artigos 4…° e 4…º da matriz urbana de Poiares (Santo André), com os valores de 10 912 000$00 e 10 071 750$00, respectivamente.
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No dia 5 de Março de 2001, no sobredito cartório notarial, os Impugnantes, e a “J…, Construções, Lda” outorgaram nova escritura que intitularam como “Distrate” na qual, além do mais que consta do doc. Nº 9, cujo teor aqui se dá como reproduzido, declararam o seguinte:
“Tendo-se verificado posteriormente circunstancias não previstas no momento da negociação do contrato que agora o inviabilizaram, e estando de comum acordo em cessar lodos os efeitos jurídicos desta compra e venda, vêm pela presente escritura proceder ao seu distrate, ficando a mesma ineficaz entre eles e perante terceiros, tendo os primeiros já devolvido ao segundo a importância anteriormente recebida.”
8
Todavia não foi devolvida qualquer quantia pois também não tinha sido recebida, como já se referiu.
9
Também não fora ainda construído, nos prédios, o preconizado edifício.
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Em 19 de Março de 2001, no serviço de Finanças de Vª Nª de Polares, foi emitida e sujeita a despacho do respectivo chefe a informação cuja cópia é fs. 58 dos autos (doc. 15 da PI) cujo teor aqui se da como reproduzido, destacando o seguinte:
3. Por Escritura de Distrate, de 2001.MAR.05, exarada no mesmo Cartório Notarial, de fls. 123 a 124 do livro 36-O, os intervenientes na escritura referida no ponto 1., por mútuo acordo das partes, tomaram ineficaz e sem qualquer efeito jurídico o contrato a que se refere a escritura de compra e venda supra referida. Embora, nos termos do nº 16 do Art° 8º do CIMSISSD, se tratasse de uma operação sujeita a sisa a mesma não foi liquidada e cobrada, conforme atesta o of. n° 99, de 2001.MAR. 16, do Cart. Notarial de Vila Nova de Poiares, expedido em resposta à consulta formulada por estes Serviços, pelo ofº n° 05437, de 2001.MAR.16;
4. A sisa devida importa na seguinte quantia:
a) Valor devolvido, sujeito a sisa 25.000000$00
Deste montante:
13.000.000$00 correspondente ao Art° n°3.630; e
12.000.000$00, correspondente ao Art° n°3.629
b) Valores patrimoniais dos prédios supra identificados:
Art° 3.630: 1.627.500$00
Artº 3.629: 1.496.250$00 3.123.750$00
c) Liquidação (§ 2° do Art° 19° e art. 33º n° 1 do CIMSISSD):
25.000.000$00 x 10% = 2.500.000$00
Em face do exposto, propõe-se:
a) O levantamento nesta data de auto de noticia pela infracção cometida e notificação do sujeito passivo para pagamento do imposto Municipal de Sisa em falta, referido em 4., no prazo de 10 dias conforme determina o Art.1 16° do CIMSISSD, no montante de 2.500.000$00, e pagamento, no mesmo prazo, dos Juros compensatórios liquidados, nos termos do Art° 113° do mesmo código.
11
Sobre esta informação incidiu a decisão impugnada, proferida na mesma data pelo Sr. Chefe do serviço de Finanças, que a seguir se transcreve:
Despacho
Concordo.
Dispensado de audiência prévia nos termos do artigo art. 60° da LGT, por ter agido no âmbito de poderes vinculados.
Notifique-se.
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Notificados por carta registada com AR pelo oficio 0616 de 20/3/2001, recebido em 22/3/01 (cfr. fs. 38 a 40 do PA), os impugnantes apresentaram em 4/4 seguinte a reclamação graciosa cujo teor a fs. 30 a 32 do PA aqui dou como reproduzida.
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Sobre a reclamação incidiu a informação do órgão reclamado, cujo teor a fs. 47 a 49 do PA aqui se dá como reproduzido, destacando os seguintes segmentos:
4 - Por escritura de Distrate, de 05/03/2001, celebrada no mesmo cartório notarial, exarada de fls. 123 a 124 do Livro 36-C, os intervenientes do contrato referido no ponto que antecede, por mutuo acordo, procederam (à) resolução daquele contrato. Foi mencionado, na referida escritura, que foi devolvida a importância de 25.000.000$00, anteriormente recebida - ver cópia da escritura em causa de fls. 5 a 8 do p.p.
5 - Este último facto translativo, é igualmente sujeito a sisa, nos termos do n.° 16 do artigo 8º do CIMSISSD. Dos elementos constantes destes serviços verifiquei que a mesma não foi liquidada e paga antes do acto, o que igualmente é comprovado pelo oficio n.° 99, de 16/03/2001, do C.N. de Vila Nova de Poiares (ver fls. 13 do p.p.), pelo que, nos termos do artigo 116° do C.I.M.Sisa, foi em 19/03/2001 instaurado o competente processo de contra-ordenação e efectuada a liquidação do Imposto em falta, a qual notificado ao s. p. em 22/03/2001. Decorrido o prazo voluntário de pagamento sem que o mesmo fosse efectuado, foi extraída certidão de divida que originou o processo de Execução Fiscal n.° 103.5/2001 destes Serviços.
Alega o sujeito passivo que tendo a anulação de negócio, anteriormente efectuado, sido operada por Escritura de Distrate, tal facto não se encontra previsto nas regras de incidência do Imposto Municipal de Sisa, pelo que não era devido aquele imposto. Baseia a sua pretensão na definição de Distrate, explanada no n.° 10 da petição, o qual reza o seguinte: O distrate é um acordo revogatório pelo qual as partes voluntariamente destroem a relação contratual. Terá sido este - destruição da re1ação contratual por vontade das panes - o efeito obtido e pretendido com a rea1ização da Escritura em causa.
Em nosso entender a classificação, muito embora errada, como de seguida se explicará, atribuída ao contrato pelo Cartório Notarial, não tem qualquer relevância para a tipificação do acto aqui em apreço e à consequente determinação do Imposto de Sisa a pagar. O que releva é a situação de facto.
É que, a fls. 192, ponto 2.1, do Código de Imposto Sobre as Sucessões e Doações, edição da Imprensa Nacional Casa da Moeda de Junho de 1983, anotado e comentado por Francisco Pinto Fernandes e José Cardoso das Santos, se retira uma definição de distrate bastante diferente da apresentada pelo sujeito passivo, a saber: No distrate as relações contratuais extinguem-se por acordo das partes” e no mesmo comentário, imediatamente a seguir, é apresentada uma definição de Resolução, em tudo idêntica à oferecida pelo sujeito passivo para o distrate, que passo a citar: “na resolução destrói-se a relação contratual por vontade das partes
Sendo esta última a definição aplicável aos efeitos pretendidos com o contrato efectuado, que alias o articulado da petição só vem confirmar, conclui-se estar perante um Contrato de Resolução, e como tal sujeito a sisa por força do n.° 16º do corpo do artigo 8° do CIMSISSD. De qualquer forma, mesmo que encarado como Distrate, dada a definição do mesmo - extinção por mútuo consenso da relação contratual - encontra-se igualmente previsto no normativo antes citado.
Assim, face ao exposto, (…):
- No acto translativo original não existe qualquer condição resolutiva - n°s 1 a 3 da presente informação e,
- A anulação de negócio foi de comum acordo - ver n.° 4 da presente,
- O acto translativo aqui reclamado, não enfermar de qualquer nulidade, estando de facto sujeito a sisa no termos do n.° 16° do artigo 8° do C1MSISSD
Proponho, em cumprimento do nº 1 do artigo 75º do CPPT conjugado com alínea f) do artigo 27° do DL, 366/99 de 18/09, o indeferimento da presente reclamação.
14
Ouvidos os impugnantes em audiência prévia sobre a antecedente proposta (cfr. Articulado de fl. 51, que aqui se dá como reproduzido), foi elaborada nova informação, desta feita em, 29 de Abril, por um técnico de Administração Tributária da Direcção de Finanças de Coimbra, que reiterou a acima transcrita.
15
Em 21 de Maio seguinte, pelo Sr. Director de Finanças de Coimbra foi proferido despacho homologando tais informações. .(…)”
3.2. Os Recorrentes imputam à sentença recorrida erro de julgamento de facto por não ter dado por provado o facto alegado no ponto 15.º da petição inicial .
Tendo os Recorrentes dado cumprimento mínimo ao art.º 685º-B.º do CPC cumpre apreciar se a sentença incorre em erro de julgamento de facto na medida em que não deu como provado que a compra e venda titulada pela escritura publica de 27.08.2000, de dois imóveis foi registado na Conservatória do Registo Predial.
Com efeito, dos autos consta certidão da Conservatória do Registo Predial de Poiares, relativo às fichas n.ºs 14411/051192 e 02933/290595, emitida em 08.10.2004, da qual não consta qualquer averbamento relativamente à sociedade J…, Construções, Lda.
Nesta conformidade importa aditar ao probatório o seguinte facto:
16. Das descrições inscrições das fichas n.º 14411/051192 e n.º 02933/290595, e constante da certidão da Conservatória do Registo Predial de Poiares emitida em 08.10.2004 não consta qualquer averbamento ou registo relativamente à sociedade J…, Construções, Lda. (cfr. fls. 30 a 34 dos autos).
4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. A questão principal é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito por violação dos artigos 879.º do CC, 38.º da LGT, 2º e 8º, n.º 16 do CIMSISSD, e ainda 103º. n.º 3 da Constituição da Republica.
A questão fundamental é a de saber se o contrato apelidado de “distrate de compra e venda” está sujeito ao pagamento de imposto de sisa, nos termos do n.º 16 do art.º 8.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações ( CIMSISSD).
Vejamos:
os Recorrentes, por escritura de 27.08.2000, exarada no Cartório Notarial de Vila Nova de Poiares, declararam vender à sociedade J…, Construções, Lda, pelo preço de 25 000 000$00, os prédios urbanos inscritos na matriz predial respetiva da freguesia de Poiares/Santo André sob os artigos 3629° e 3630º.
Por escritura de 05.03.2001, no mesmo cartório notarial, que intitularam como “Distrate” os Recorrentes e a J…, Construções, Lda , por mútuo acordo convencionaram que:
“Tendo-se verificado posteriormente circunstâncias não previstas no momento da negociação do contrato que agora o inviabilizaram, e estando de comum acordo em cessar todos os efeitos jurídicos desta compra e venda, vêm pela presente escritura proceder ao seu distrate, ficando a mesma ineficaz entre eles e perante terceiros, tendo os primeiros já devolvido ao segundo a importância anteriormente recebida.” (destacado nosso)
Os Recorrentes entendem que este ato não tem enquadramento no n.º 16 do art.º 8 do CIMSISSD, uma vez que o “distrate, não é uma a extinção da resolução contratual, mas antes a revogação da mesma.”
Assim, o distrate visa apenas revogar o documento assinado.
Nem se trata de devolver a propriedade, pois esta sempre esteve na posse dos ora recorrentes, mas antes dar sem efeito o documento que tinham assinado.
Ora, o distrate não se conduz a qualquer das figuras jurídicas insertas no artigo 8º, nº 16 do CIMSISSD.”
O artigo 2.º do CIMSISSD previa que “A sisa incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito, sobre os bens imóveis.”
Por sua vez, o art.º 8 preceituava que “ Em virtude do disposto no artigo 2.º são sujeitas a sisa, nomeadamente:
1-(…)
16 - A resolução, invalidade ou extinção, por mútuo consenso, do contrato de compra e venda ou troca de bens imóveis, e do respectivo contrato-promessa, quando, neste último, ocorrerem depois de passados 10 anos sobre a tradição ou posse.”
Decorre da matéria assente que em 27.08.2000, os Recorrentes venderam à sociedade J…, Construções, Lda, pelo preço de 25 000 000$00, os prédios urbanos inscritos na matriz predial respetiva da freguesia de Poiares/Santo e cujo o preço receberam.
E sobre esse negócio foi paga a sisa devida através do conhecimento 231/2000 de 27.07.2000.
Decorre do artigo 874.º do Código Civil (CC) que a compra e venda é um contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa ou outro direito, mediante um preço.
E por sua vez, o art.º 879.º do CC estabelece que a compra e venda tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa ou a titularidade do direito, a obrigação de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço.
Pelo contrato compra e venda celebrado em 27.08.2000, os Recorrentes transmitiram a propriedade daqueles prédios à sociedade J…, Construções, Lda., ficando despojados da mesma.
Alegam os Recorrentes que aquele negócio não corresponde à realidade na medida em que não houve entrega de qualquer quantia em dinheiro, embora se tenha declarado na mencionada escritura de compra e venda que os ora Recorrentes tivessem recebido 25.000.000$00, o que não aconteceu pois não tinha havido qualquer entrega da citada firma no momento prévio à escritura de compra e venda, nem posteriormente.
Alegam na petição inicial – 5.º - o que ambas as partes pretendiam era realizar uma permuta e que para isso após a construção lhe seriam cedidas 5 frações do prédio no valor global de 25 000.000$00 e recorreram a este expediente para obterem financiamento bancário.
Alegam que em virtude de vicissitudes do negócio volvidos alguns meses efetuaram uma escritura distrate e esta teve por finalidade revogar o documento assinado, ou seja a escritura.
Determina o art. 432.º do Código Civil (CC) que nos negócios é admitida a resolução dos contratos fundados na lei ou em convenções.
A resolução do negócio caracteriza-se pela destruição da relação contratual operada por um dos contraentes, ou por ambos por comum acordo, com base num facto posterior à celebração do contrato (cfr Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., 275.)
Como refere J. Baptista Machado, in Pressupostos da Resolução por Incumprimento, em Obra Dispersa, Vol. I, 130, "o direito de resolução é um direito potestativo extintivo, dependente de um fundamento. O que significa que precisa de se verificar um facto que crie esse direito – melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (ou surgimento) desse direito potestativo".
No caso em apreço a escritura apelidada de “Distrate” teve como efeito destruir a situação operada pela escritura de 27.08.2001, e o regresso ao status quo antes da transmissão da propriedade.
Pretenderam os Recorrentes e a sociedade compradora de comum acordo “ cessar lodos os efeitos jurídicos desta compra e venda, vêm pela presente escritura proceder ao seu distrate, ficando a mesma ineficaz entre eles e perante terceiros, tendo os primeiros já devolvido ao segundo a importância anteriormente recebida.”
O principio da liberdade contratual, prevista nos artigos 405.º e seguintes do CC, permite ao contribuinte, escolher os contratos e instrumentos jurídicos postos à sua disposição e aqueles que mais lhe convém, no entanto os efeitos desse contrato, produzem efeitos relativamente às partes envolvidas e perante terceiro, mas por vezes, não são oponíveis ao Estado.
Resulta da conjugação do art.º 2 e n.º 16.º do art.º 8.º do CIMSISSD que o legislador fiscal considerou que os contratos de revogação, invalidade e extinção por mútuo consenso, da compra e venda de imóveis estão sujeitos ao pagamento de sisa.
A norma de incidência elegeu como facto tributário os contratos de resolução, invalidade ou extinção, por mútuo consenso, do contrato de compra e venda ou troca de bens imóveis.
Esta norma de incidência tributária não contempla, o pagamento de sisa pela transmissão de bens como prevê expressamente o artigo 2.º do CIMSISSD, mas sim os contratos que destroem os negócios previamente efetuados de compra e venda de imóveis.
O contrato celebrado entre os Recorrentes e a empresa, quer lhe chame distrate ou revogação ou extinção do negócio, a essência do negócio titulado pela escritura pública é resolver, extinguir um negócio que tinha sido efetuado anteriormente relativamente aos prédios supra identificados.
Dispõem o n.º 1 do art.º 36.º da LGT que a relação jurídica tributária constitui-se com o facto tributário.
E por isso os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes. ( n.º 2 do art. º36.º da LGT).
E a qualificação do negócio jurídico efetuado pelas partes, mesmo em documento autêntico não vincula a administração fiscal, como decorre do n.º 4 do mesmo preceito.
Nesta conformidade a norma de incidência tributária contempla os contratos e não transmissão dos bens.
E em abono da tese dos Recorrentes, não podem vingar os argumentos que o prédio, em causa nunca foi objeto de registo na Conservatória do registo predial, em nome da compradora, sendo certo, que este não é constitutivo do direito de propriedade nem mesmo - conclusão 11.º do recurso - e que há que ter em atenção se a norma tributa a realidade económica ou jurídica, e que nos termos do art.º 38º, n.º 1 da LGT a tributação só ocorrerá se, e na medida em que tais efeitos económicos existam e recaia na previsão de um tipo legal de imposto.
O n.º 1 do art.º 38.º da LGT, é uma norma anti-abuso que pretende a tributação dos efeitos económicos dos atos e negócios jurídicos, independentemente da sua eficácia ou validade ou negócios jurídicos que visaram.
A ineficácia do negócio jurídico é uma questão, que é colocada pelos Recorrentes pela primeira vez, em sede de recurso e como tal não foi apreciada pela sentença recorrida, ficando este TCAN impedido de a apreciar, por se tratar de uma questão nova.
Alegam ainda os Recorrentes sem sustentarem, factualmente, que a sentença recorrida violou o n.º 3 do art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa, porém sem razão, na medida em que aí se impõe que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.
A liquidação da sisa, objeto do presente recurso, tem enquadramento no n.º 16.º do artigo 18.º da CIMSISSD pelo que não verifica qualquer violação do referido preceito constitucional.
Nesta conformidade a liquidação de sisa efetuada não violou as normas legais, nem mesmo a sentença recorrida, embora dela nos distanciamos em termos de interpretação e fundamentação.
4.2. E assim formulamos as seguintes conclusões /Sumário:
I. Determina o art. 432.º do Código Civil (CC) que nos negócios é admitida a resolução dos contratos fundados na lei ou em convenções.
II. A resolução do negócio caracteriza-se pela destruição da relação contratual operada por um dos contraentes, ou por ambos por comum acordo, com base num facto posterior à celebração do contrato
III. Resulta da conjugação do art.º 2 e n.º 16.º do art.º 8.º do CIMSISSD que o legislador fiscal considerou que os contratos de revogação, invalidade e extinção por mútuo consenso, da compra e venda de imóveis estão sujeitos ao pagamento de sisa.
5. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso, manter a sentença recorrida embora com fundamentação diversa.
Custas pelos Recorrentes.
Porto, 1 de junho de 2017
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento |