Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01123/13.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/24/2017
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; LIMITES; LEI Nº 35/2004;
Sumário:1. O Fundo de Garantia Salarial tem uma finalidade social que justifica que sejam adotados limites à sua intervenção, não só temporais que decorrem do enquadramento comunitário que lhe está subjacente (Directiva 80/987/CC, de 20.10), como também, limites ao montante global pago.
2. O Fundo apenas garante aquele montante, duplamente limitado, conforme resulta do disposto nos artigos 319º e 320º da Lei 35/2004 de 29.07, que o legislador entendeu ser adequado e justo para, por um lado, proteger o trabalhador numa situação de perda de rendimentos que não lhe é imputável, com complemento do sistema de segurança social e, por outro, garantir a sustentabilidade do próprio Fundo.
3. Daí que os créditos fora do período de referência a que alude o n.º 2 do artigo 319º da Lei 35/2004, de 29.07, ainda que existam e estejam reconhecidos, não podem ser pagos pelo Fundo de Garantia Salarial.
4. O FGS assegurará pois ao trabalhador, em caso de incumprimento pelo empregador judicialmente declarado insolvente, o pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho, desde que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação de declaração de insolvência ou após o referido período de referência, nos casos pontuais e com os limites enunciados no n.° 2 do citado artigo 319.°
Assim, é cumulativamente exigível o preenchimento dos seguintes requisitos:
(i) a prévia instauração da ação de insolvência e
(ii) o vencimento dos créditos reclamados, nos seis meses anteriores à data da instauração da ação de insolvência.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:JOM
Recorrido 1:o Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
JOM no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada contra o Fundo de Garantia Salarial, tendente a obter à impugnação da decisão proferida, em 18 de Março de 2013, pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial que indeferiu o pagamento dos reclamados créditos emergentes de contrato de trabalho, inconformado com a Sentença proferida no TAF de Braga em 22 de maio de 2014, que julgou a Ação totalmente improcedente, veio interpor recurso jurisdicional do mesmo.
Refira-se já ter sido anteriormente apresentado Recurso para este TCAN em resultado de indeferimento de Reclamação para a Conferencia, tendo este tribunal proferido acórdão em 15 de julho de 2015, revogando o acórdão que indeferiu a reclamação para a Conferência, mais tendo ordenando que fosse proferida decisão relativamente ao objeto da Ação (Cfr. fls. 188 a 189v Procº físico).
Em qualquer caso, mercê da modificação legislativa que determinou a alteração, designadamente, do CPTA, em 6 de setembro de 2016 foi no TAF de Braga proferido Despacho, julgando extinta a reclamação para a Conferência, mais se facultando a possibilidade de Recurso da decisão originariamente objeto de reclamação (Cfr. fls. 204, 204v e 205 Procº físico).

Assim, no referido Recurso jurisdicional interposto pelo Autor em 13 de outubro de 2016, para este TCAN da Sentença do TAF de Braga, de 22 de maio de 2014, foram formuladas as seguintes conclusões (Cfr. fls. 217 a 222 Procº físico):

“Primeira: Todos os créditos reclamados pelo interessado existem (o que pressupõe incumprimento pelo empregador) e são créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação.

Segunda: Tal existência e natureza dos créditos não foi, aliás, colocada em causa na decisão administrativa.

Terceira: Por outro lado, também não existem dúvidas que os referidos créditos são créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação.

Quarta: Efetivamente, como resulta da referida certidão e da cópia da “reclamação de créditos” apresentada pelo recorrente nos referidos autos de insolvência de pessoa coletiva (requerida), que também foi junta pelo recorrente com o seu requerimento de pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho – fundo de garantia salarial – ao recorrente foram reconhecidos os seguintes créditos laborais:

a) retribuição correspondente às férias referentes ao trabalho prestado em 2008, quantia que deveria ter sido paga em 1 de Julho de 2009 – EUR 454,00;

b) retribuição correspondente ao subsídio de férias referente ao trabalho prestado em 2008, quantia que deveria ter sido paga em 1 de Agosto de 2009 – EUR 454,00;

c) retribuição correspondente a férias referente ao trabalho prestado em 2009, quantia que deveria ter sido paga em 1 de Setembro de 2009 – EUR 113,50;

d) retribuição correspondente a subsídio de férias referente ao trabalho prestado em 2009, quantia que deveria ter sido paga em 1 de Outubro de 2009 – EUR 113,50;

e) retribuição correspondente a subsídio de Natal referente ao trabalho prestado em 2009, quantia que deveria ter sido paga em 1 de Novembro de 2009 – EUR 113,50;

f) EUR 7.808,80, a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho, quantia essa que deveria ter sido paga em dezassete prestações, no valor de EUR 459,34, cada uma, sendo certo que a primeira prestação deveria ter sido paga no dia 30 de Novembro de 2009 e as restantes no último dia dos meses subsequentes:

g) EUR 11.713,20, a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho, crédito este que se venceu com a declaração judicial de insolvência.

Quinta: Assim, na referida reclamação de créditos, o recorrente reclamou o montante global de EUR 20.770,50, a título de créditos emergentes de contrato de trabalho e da sua violação ou cessação.

Sexta: Créditos esses que, como se demonstrou, foram reconhecidos nesse montante e com a referida natureza.

Sétima: Ora, salvo melhor opinião, o Fundo de Garantia Salarial é responsável pelo pagamento de parte dos créditos requeridos.

Oitava: Atenta a redação do referido artigo 317.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, e o conteúdo da própria decisão do Fundo de Garantia Salarial, julgamos não haver lugar a qualquer restrição interpretativa quanto à fonte ou origem dos créditos por que o Fundo de Garantia Salarial é responsável.

Nona: Esta responsabilidade abrange os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, tanto previstos na lei, como decorrentes de contrato.

Décima-primeira: De facto, não faria sentido que por via da garantia de pagamento dada pelo Fundo, o legislador protegesse, por exemplo, a compensação decorrente de despedimento coletivo e já não a devida por efeito de acordo revogatório do contrato de trabalho.

Décima-segunda: Ou que incluísse os créditos de férias ou de subsídios de férias, mas já não o valor de prémio discricionariamente atribuído pelo empregador, mas não pago.

Décima-terceira: Assim e numa primeira conclusão, o crédito relativo à compensação pecuniária de natureza global prevista no acordo de pagamento celebrado entre empresa e o autor é um dos que deve ser pago pelo Fundo de Garantia Salarial, caso se verifiquem os demais requisitos legais para o efeito.

Décima-quarta: É certo que, em regra, o Fundo de Garantia Salarial só responde pelos créditos vencidos nos seis meses imediatamente anteriores à propositura da ação de insolvência, falência, recuperação de empresa ou outra.

Décima-quinta: Esta condição deixa de fora as prestações previstas nas alíneas a) a e) supra, pois o último deles venceu-se mais de seis meses antes da propositura da referida ação.

Décima-sexta: Ficam em causa, por isso, apenas os valores compensatórios previstos nas alíneas f) e g) 19.º supra, cujas datas de vencimento não se afastam, pelo menos parcialmente, mais de seis meses da data de propositura da ação de insolvência.

Décima-sétima: Quanto ao crédito previsto na primeira daquelas alíneas, atento o pagamento em prestações mensais e sucessivas, a posição do Fundo de Garantia Salarial apenas tem fundamento caso haja lugar à aplicação da regra do artigo 781.º do Código Civil, nos termos da qual “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.

Décima-oitava: Caso esta regra seja aplicável, a omissão do pagamento da primeira prestação, devida em 30 de Novembro de 2009, terá importado o vencimento imediato, nessa data, e antecipado de todas as demais prestações, caso em que todas tinham antiguidade superior a seis meses à data da propositura da ação.

Décima-nona: Cumpre porém ter presente que a regra transcrita é supletiva e se destina a proteger os interesses do credor, pelo que cabe a este, e só a ele, avaliar se nessa data deve exigir a totalidade da dívida ou continuar a respeitar o calendário de pagamento acordado.

Vigésima: Se não existe evidência nos autos de que foi efetivamente reclamada a totalidade da dívida – EUR 7.808,80 logo em 30 de Novembro de 2009, por efeito do incumprimento do dever de pagamento da primeira prestação, não parece possível ao Fundo de Garantia Salarial invocar em seu benefício o vencimento antecipado da obrigação. Manter-se-ia, por isso, a sua responsabilidade pelas prestações devidas entre 31 de Janeiro e 30 de Junho de 2010.

Vigésima-primeira: A posição do Fundo de Garantia Salarial parece fazer ainda menos sentido quanto à compensação sujeita a condição, prevista na última das referidas alíneas.

Vigésima-segunda: A razão que o leva a excluir aquele crédito da garantia proporcionada pelo Fundo de Garantia Salarial parece ser a circunstância de, tratando-se de “compensação pela cessação do contrato de trabalho”, se vencer na data desta.

Vigésima-terceira: Mas isso não corresponde, pura e simplesmente, à verdade, já que o crédito em causa não foi exigível aquando do termo do contrato, mas apenas com a declaração de insolvência do empregador.

Vigésima-quarta: Em rigor, o problema não é apenas de vencimento ou de exigibilidade do crédito, mas mesmo da sua existência, já que o contrato de trabalho cessou em 31 de Março de 2009, mas as contrapartidas pecuniárias só foram acordadas – e, por isso, só se constituíram – em 1 de Abril de 2009.

Vigésima-quinta: A questão é, de novo, a referida supra: se os créditos por que responde o Fundo de Garantia Salarial podem resultar de contrato e não apenas da lei, então é o acordo das partes – e não a cessação do contrato de trabalho ou outro evento – que regula os termos da sua exigibilidade.

Vigésima-sexta: De resto, não se compreende que o Fundo de Garantia Salarial entenda que o valor previsto na última das referidas alíneas seja devido desde a data da cessação do contrato de trabalho e já considere que o crédito referido na outra alínea é exigível (apenas) em 30 de Novembro de 2009.

Vigésima-sétima: Sendo ambos créditos emergentes do contrato de trabalho e respeitantes à cessação deste, o regime deveria ser unitário.

Vigésima-oitava: Acresce que é da própria natureza do ato que o pagamento em causa só possa ser exigido à data da verificação da condição – sem esta, não existe crédito.

Vigésima-nona: Por outro lado, podendo o Fundo de Garantia Salarial responder também pelos créditos vencidos depois dos seis meses anteriores ao requerimento da insolvência (Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, art.º 319.º/1), nem vale o argumento de que o valor da compensação não era devido antes da data da propositura da ação de insolvência.

Trigésima: Assim, o crédito em causa mostrou-se devido após aquele período de referência, o que vincula o Fundo de Garantia Salarial ao respetivo pagamento, caso não existissem – como é entendimento do Fundo de Garantia Salarial – outros créditos vencidos por que o mesmo seja responsável.

Trigésima-primeira: O referido despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, de 18 de Março de 2013, enferma do vício de violação da lei e, consequentemente, deve ser anulado e substituído por outro que determine o pagamento ao recorrente da quantia que tem direito a receber, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 320.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, ou seja, a quantia de EUR 8.730,00.

Trigésima-segunda: A sentença recorrida violou o disposto no n.º 1 do artigo 320.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho e o artigo 781.º do Código Civil.

Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, com todas as legais consequências.”

Não foram apresentadas Contra-alegações de Recurso por parte do Fundo de Garantia Salarial.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 10 de janeiro de 2017 (Cfr. fls. 235 Procº físico), veio a emitir Parecer em 23 de janeiro de 2017, no qual, a final, se pronuncia no sentido de dever “ser negado provimento ao recurso jurisdicional sub judice e, consequentemente, ser confirmada a douta sentença Recorrida” (Cfr. fls. 236 a 239 Procº físico).

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, designadamente verificando os suscitados erros de julgamento quanto à matéria de direito, sendo que o objeto dos Recursos se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada:
“A) O contrato de trabalho que o Autor mantinha com a empresa “JRC, Filhos, Lda” cessou em 31.03.2009, por resolução do contrato de trabalho, com justa causa, por iniciativa do trabalhador.

B) Em 19.07.2010 foi requerida a insolvência daquela empresa.

C) Nos autos de insolvência referidos em B), que correram termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Guimarães, sob o n.º2772/10.7TBGMR, o ora Autor reclamou um crédito global no montante de € 20.770,50.

D) Por sentença de 26.08.2010, foi decretada a insolvência da empresa referida em A) nos autos referidos em B).

E) A sentença referida em D) transitou em julgado.

F) Em 27.12.2010, o Autor requereu ao Fundo Garantia Salarial (adiante abreviadamente designado apenas por FGS), o pagamento de:
a)- retribuição de férias relativas ao trabalho prestado em 2008;
b)- subsídio de férias relativo ao trabalho prestado no ano de 2008;
c)- proporcionais de férias relativo ao trabalho prestado no ano de 2009;
d) - subsídio de férias relativo ao trabalho prestado no ano de 2009;
e)- proporcionais de subsídio de Natal relativo ao ano de 2009;
f)- uma compensação, de natureza global, pela cessação do contrato de trabalho;
g) uma compensação, subordinada à condição suspensiva de vir a ser declarada a insolvência da entidade empregadora, pela cessação do contrato de trabalho;

G) Por ofício, datado de 19.03.2013, o Autor foi notificado do despacho, proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, em 18 de Março de 2013, com o seguinte teor:
“(…) Os créditos reconhecidos não se encontram abrangidos pelo período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a propositura da ação (insolvência, falência, Recuperação de empresas ou PEC), nos termos do nº1 do artigo 319º da Lei 35/2004, de 29 de Julho, ou após a data da propositura da mesma ação, nos termos do nº 2 do mesmo artigo.
O que está em causa, é de facto, o que já tinha sido comunicado, i.e., atenta a data em que foi proposta a ação de insolvência 2010/07/19, o período de referência previsto no nº1, do artigo 319º, inicia-se em 2010/01/19 e atenta a data de cessação do contrato de trabalho registada no histórico no Sistema de Informação da Segurança Social (SISS) a qual determina o vencimento dos créditos, verifica-se que os créditos requeridos não se encontram abrangidos pelo referido período, em consequência, não são assegurados pelo FDGS, pelo que se mantém o indeferimento. (…)”;

H) No processo referido em B) foi ao Autor reconhecido um crédito no montante de €20.770,50 de carácter privilegiado;

I) Entre o Autor e a entidade patronal foi celebrado, em 1/04/2009, um acordo com o seguinte teor:
“ (…)

5ª-
1. Os aqui outorgantes acordam ainda no pagamento de uma compensação pecuniária de natureza global, no valor de € 11.713,20 (onze mil setecentos e treze euros e vinte cêntimos), a qual inclui todos os créditos vencidos à data da cessação do contrato de trabalho referido no presente contrato, ou exigíveis em virtude da sua cessação, e que não se mostrem ressalvados nas cláusulas anteriores.
2. A compensação será paga pela 1 a outorgante em 15 prestações, (…) vencendo-se a primeira em 30 de Novembro de 2009 e, as restantes no último dia dos meses subsequentes.
Mais acordam os outorgantes que em caso de declaração judicial de insolvência da outorgante, até ao cumprimento efetivo e integral do presente acordo, o 2° outorgante adquire um direito de crédito sobre a outorgante (…) o qual deverá ser graduado e reconhecido nesse processo. (…)”;

J) A entidade patronal não pagou ao Autor qualquer quantia a título dos créditos reclamados.”

IV – Do Direito
Inconformado com a decisão proferida pelo tribunal a quo, veio o Autor JOM interpor recurso jurisdicional da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a presente ação administrativa especial e, consequentemente, absolveu a Entidade Demandada do pedido.

Em função dos factos dados como provados importa analisar o suscitado.
Cumpre desde já sublinhar que a decisão de 1ª instância fez um lapidar e exemplar enquadramento do direito aplicável à factualidade dada como provada, aderindo, aliás, ao que tem sido a jurisprudência proferida pelos tribunais superiores, em face do que se mostraria despiciente, redundante e inútil proceder à sua reanálise, pelo que a este tribunal restará reproduzir e ratificar o preconizado, sem prejuízo da análise dos vícios suscitados, o que infra se fará.
Assim e desde logo e no que ao “direito” concerne, expendeu-se em 1ª instância:
“(…)
O regime normativo cogente de acesso ao Fundo de Garantia Salarial encontra-se estabelecido, desde logo, no próprio ordenamento comunitário. Neste âmbito, é aplicável a Diretiva n.º 80/987/CEE, na redação dada pela Diretiva n.º 2002/74/CE, porquanto o efeito direto decorrente desta última diretiva em caso da sua não transposição (cujo prazo expirou em 08.10.2005) se reporta face às insolvências ocorridas após 08.10.2005, o que ocorre no caso vertente [cf. pontos D) e E) dos factos apurados} — vide acórdãos do TJUE de 17.01.2008, nos seus n.ºs 27 a 29 («Velasco Navarro» — Proc. n.º C-246/06) e de 10.03.2011 no seu n.º 19 («Charles Defossez» — Proc. n.º C-477/09), ambos integralmente disponíveis para consulta em
<http://www.curia.europa.eu/juris/>.
Decorre do n.º 1 do artigo 1.º da Diretiva supra referida que a mesma se aplica «[…] aos créditos dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho existentes em relação a empregadores que se encontrem em estado de insolvência, na aceção do n.º 1 do artigo 2.º […]».
Deriva ainda do n.º 1 do artigo 2.º do mesmo diploma que, para «[…] efeitos do disposto na presente diretiva, considera-se que um empregador se encontra em estado de insolvência quando tenha sido requerida a abertura de um processo coletivo, com base na insolvência do empregador, previsto pelas disposições legislativas, regulamentares e administrativas de um Estado-Membro, que determine a inibição total ou parcial desse empregador da administração ou disposição de bens e a designação de um síndico, ou de uma pessoa que exerça uma função análoga, e quando a autoridade competente por força das referidas disposições tenha:
a) Decidido a abertura do processo; ou
b) Declarado o encerramento definitivo da empresa ou do estabelecimento do empregador, bem como a insuficiência do ativo disponível para justificar a abertura do processo […]».
E preceitua-se no seu artigo 3.º que os «[…] Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para que as instituições de garantia assegurem, sob reserva do artigo 4.º, o pagamento dos créditos em dívida dos trabalhadores assalariados emergentes de contratos de trabalho ou de relações de trabalho, incluindo, sempre que o direito nacional o estabeleça, as indemnizações pela cessação da relação de trabalho. Os créditos a cargo da instituição de garantia consistem em remunerações em dívida correspondentes a um período anterior e/ou, conforme os casos, posterior a uma data fixada pelos Estados-Membros […]».
Resulta ainda do artigo 4.º da aludida diretiva, no que interessa à economia da presente decisão, que os «[…] Estados-Membros têm a faculdade de limitar a obrigação de pagamento das instituições de garantia a que se refere o artigo 3.º […]» (n.º 1), que quando «[…] os Estados-Membros fizerem uso da faculdade a que se refere o n.º 1, devem determinar a duração do período que dá lugar ao pagamento dos créditos em dívida pela instituição de garantia.
Contudo, esta duração não pode ser inferior ao período relativo à remuneração dos três últimos meses da relação de trabalho anterior e/ou posterior à data a que se refere o artigo 3.º. Os Estados-Membros podem calcular este período mínimo de três meses com base num período de referência cuja duração não pode ser inferior a seis meses.
[…] Os Estados-Membros que fixarem um período de referência não inferior a 18 meses têm a possibilidade de reduzir a oito semanas o período que dá lugar ao pagamento dos créditos em dívida pela instituição de garantia. Neste caso, para o cálculo do período mínimo, são considerados os períodos mais favoráveis aos trabalhadores […]» (n.º 2), sendo que os «[…] Estados-Membros podem igualmente estabelecer limites máximos em relação aos pagamentos efetuados pela instituição de garantia.
Estes limites não devem ser inferiores a um limiar socialmente compatível com o objetivo social da presente diretiva. Quando os Estados-Membros fizerem uso desta faculdade, devem comunicar à Comissão os métodos através dos quais estabeleceram o referido limite máximo […]» (n.º 3).
Sobre o mecanismo de existência de um fundo que assegure os créditos laborais dos trabalhadores em caso de insolvência da entidade patronal, o Tribunal de Justiça da União Europeia já se pronunciou em diversas ocasiões, reforçando o papel de reforço da coesão social subjacente a tal medida.
Assim, tal como se sustentou no acórdão do TJUE de 17.11.2011 («J.C. van Ardennen» — Proc. n.º C-435/10, n.ºs 27, 28, 31, 32 e 34, consultável em <http://www.curia.europa.eu/juris>), «[…] importa recordar que os Estados-membros só a título excecional podem limitar, ao abrigo do artigo 4.º da Diretiva 80/987, a obrigação de pagamento visada no artigo 3.º desta. É possível proceder a esta limitação tanto no que respeita à duração do período que dá origem ao pagamento, em conformidade com o disposto no artigo 4.º, n.º 2, da referida diretiva, como no que respeita ao limite máximo desse pagamento, em conformidade com o disposto no artigo 4.º, n.º 3, da mesma diretiva. […] A Diretiva 80/987 impõe, neste mesmo artigo 4.º, n.º 3, que, quando um Estado-membro recorre a esta faculdade de fixar o referido limite máximo, deve comunicar este facto à Comissão».
Atento o quadro comunitário cogente, entre nós estabeleceu-se um regime legal de acesso ao Fundo de Garantia Salarial no artigo 380.º do Código de Trabalho e na Lei n.º 35/2004, de 29.07 (hoje de vigência condicionada), que regulamenta, nos seus artigos 316.º a 326.º, a Lei n.º 99/2003, de 27.08, que aprovara o Código de Trabalho, impondo a verificação cumulativa de determinados requisitos para que o Fundo de Garantia Salarial assegurasse o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, sua violação e cessação. Nesse sentido, dispõe o artigo 317.º da Lei n.º 35/2004, de 29/07, que «[o] Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes».
Um desses requisitos encontra-se estabelecido no artigo 318.º do mesmo diploma, segundo o qual «o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente» (n.º 1).
Todavia, considerando-se o disposto nos artigos 319.º e 320.º do mesmo diploma, verifica-se que o FGS não garante o pagamento de todos e quaisquer créditos — e, quanto aos que garante, apenas o faz até determinado montante.
Com efeito, o artigo 319.º da Lei n.º 35/2004, de 29.07, sob a epígrafe “Créditos abrangidos”, prescreve o seguinte: «o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior» (n.º 1), sendo ainda certo que, «caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência» (n.º 2).
Finalmente, estatui ainda o preceito em análise que «o Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respetiva prescrição» (n.º 3). Por seu turno, de harmonia com o disposto no artigo 320.º da Lei n.º 35/2004, «os créditos são pagos até ao montante equivalente a seis meses de retribuição, não podendo o montante desta exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida» (n.º 1), e, «se o trabalhador for titular de créditos correspondentes a prestações diversas, o pagamento é prioritariamente imputado à retribuição» (n.º 2).
Sem grande esforço interpretativo, resulta do disposto no artigo 319.º, no essencial, que o Fundo de Garantia Salarial assegura ao trabalhador, em caso de incumprimento pelo empregador, o pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho que:
1.º) Se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação de declaração de insolvência, até ao montante equivalente a seis meses de retribuição;
2.º) Se tenham vencido após o referido período de seis meses, desde que não haja créditos vencidos nesse período, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º 1 do artigo 320.º, ou seja, o Fundo de Garantia Salarial pode cobrir pagamentos que devessem ter sido feitos depois da data do início do processo de insolvência ou do procedimento extrajudicial de conciliação, até atingir o referido limite.
Por sua vez, decorre do disposto no artigo 320.º, n.º1 da Lei n.º 35/2004, que o legislador fixou dois tipos de limites quanto às quantias a assegurar pelo Fundo de Garantia Salarial, a saber:
a) Um limite mensal, correspondente ao montante requerido e vencido em determinado mês, que não pode exceder o triplo da retribuição mínima garantida — ou seja, por mês, o FGS pagará até 3 vezes o salário mínimo nacional que estava em vigor na data em que a entidade empregadora devia ter pago ao trabalhador;
b) Um limite global, que corresponde aos montantes requeridos e abrangidos na sua totalidade, que não podem ultrapassar 6 (seis) meses de retribuição, que tendo em conta o limite mensal, corresponde a 6 (seis) vezes o triplo da retribuição mínima garantida — ou seja, o limite global garantido é igual a 18 (dezoito) vezes o salário mínimo nacional que esteja em vigor na data em que são feitos os pagamentos pelo Fundo de Garantia Salarial, limite que é atualizado anualmente em função do salário mínimo que venha a ser fixado para cada ano.
Deste modo, para que o Fundo de Garantia Salarial proceda ao pagamento dos créditos reclamados pelo Autor é necessário:
(i) Que a ação de declaração de insolvência tenha sido proposta;
(ii) Que os créditos reclamados se tenham vencido nos seis meses anteriores à data da instauração da ação de insolvência, exceto para o caso das situações previstas no n.º 2 do artigo 319.º, ou se vencidos posteriormente, não haja créditos vencidos nesse período, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.º1 do artigo 320.º;
(iii) Que o montante reclamado a título de retribuição mensal não ultrapasse o correspondente a 3 salários mínimos mensais por cada mês;
(iv) Que o montante total dos créditos reclamados não ultrapasse o correspondente a 18 salários mínimos mensais.
Importa agora indagar se os pressupostos de procedibilidade da pretensão do Autor (de verificação cumulativa) se encontram preenchidos.
Relativamente ao primeiro requisito, enunciado e previsto no artigo 318.º da Lei n.º 35/2004, a resposta é positiva, posto que, conforme resulta da matéria apurada sob a alínea B), em 19.07.2010 foi instaurada no Tribunal Judicial de Guimarães ação de declaração de insolvência contra a sociedade “JRC, Filhos, Lda.”, que correu termos pelo 2.º Juízo daquele tribunal sob o n.º 2772/10.7TBGMR.
Mais se constata que, a final, nos anteditos autos, foi proferida, em 26.08.2010, decisão pela qual a predita entidade empregadora foi judicialmente declarada insolvente, tendo tal decisão transitado em julgado.
No que se refere ao período de garantia dos créditos reclamados pelo Autor, importa aqui deixar referidos dois pontos prévios.
Por um lado, conforme se retira dos factos assentes, a ação de insolvência da entidade empregadora da autora deu entrada no Tribunal Judicial de Guimarães no dia 19.07.2010. E, porque assim, o período de garantia referido no artigo 319.º, n.º 1 do diploma aludido situa-se entre 19.01.2010 e 19.07.2010. Daqui decorre que os créditos vencidos antes do dia 19.01.2010 não são assegurados pelo FGS.
Por outro lado, as datas de vencimento de cada crédito são distintas.

Assim, tendo em atenção o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27.08, vigente à data dos factos em análise nestes autos, atento o princípio tempus regit actum, podemos estabelecer os seguintes períodos de vencimento: — as retribuições e respetivo subsídio de alimentação vencem-se mensalmente (artigo 269.º, n.º 1); — o subsídio de Natal deve ser pago até 15.12 de cada ano (artigo 254.º, n.º 1); — as férias e subsídio de férias vencem-se no dia 01.01 de cada ano civil (artigo 212.º).
Dito isto, consideremos, em primeiro lugar, a situação do crédito correspondente ao subsídio de férias vencido no dia 01.01.2008.
A entidade demandada sustenta que esse crédito se venceu antes do período de referência a que se reporta o n.º 1 do artigo 319.º da Lei n.º 35/2004.
Decorre do disposto no artigo 212.º do Código do Trabalho vigente à data dos factos, que «o direito a férias adquire-se com a celebração do contrato de trabalho e vence-se no dia 01 de Janeiro de cada ano civil, salvo o disposto nos números seguintes» (n.º 1), salvaguardando que, «se o contrato cessar antes de gozado o período de férias vencido no início do ano da cessação, o trabalhador tem ainda direito a receber a retribuição e o subsídio correspondentes a esse período, o qual é sempre considerado para efeitos de antiguidade» (n.º 2).
Da conjugação das transcritas disposições legais resulta que o direito a férias, relativamente ao trabalho prestado no ano anterior, se vence no dia 1 de Janeiro de cada ano civil e que, caso o contrato de trabalho cesse antes de gozado esse período de férias, o trabalhador tem direito a receber a retribuição e o subsídio de férias correspondentes a esse período.
Sendo assim, o crédito reclamado pelo autor a título de férias e subsídio de férias venceu-se, como a própria o admite, no dia 01.01.2009.
Acontece que nada nos autos permite dizer que o Autor não gozou o respetivo período de férias.
Ora, realça este tribunal que o período de garantia fixado adrede se situa entre 19.01.2010 e 19.07.2010. Daqui decorre que, créditos vencidos antes do dia 19.01.2010 — como é o caso, reafirma-se, do direito a férias e subsídio de férias reclamados pelo Autor e vencidos no dia 01.01.2009 —, não são assegurados pelo Fundo de Garantia Salarial.
Em face do exposto, quanto a este crédito salarial forçoso é concluir que não assiste ao Autor o direito de ver o Fundo de Garantia Salarial condenado a pagar-lhe as importâncias reclamadas a título de férias e subsídio de férias vencidos em 01.01.2009.
O mesmo raciocínio se faz relativamente aos créditos reclamados a título férias, subsídio de férias e Natal vencidos, como o próprio o admite, no dia 01.01.2010.
Por conseguinte, quanto a estes pontos em concreto (férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, tudo reportado ao ano de 2009 e 2010), improcede a presente ação.
Quanto à indemnização a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho, prevista na cláusula 5ª do acordo celebrado entre o Autor e a entidade patronal, propugna-se na petição inicial que, esse crédito respeita a compensação pela cessação do contrato e é o acordo das partes, e não a cessação do contrato de trabalho ou outro evento, que regula os termos da sua exigibilidade, pelo que só se tomaram exigíveis na data acordada pelas partes para o seu vencimento. Desse modo, não é de aplicar o disposto no artº 781 ° do Cód. Civil no que respeita às prestações mensais do crédito previsto na cláusula 5ª, sendo devido pelo FGS o montante das prestações com vencimento no período de referência, isto é, com vencimento entre 19/01/2010 e 19/7/2010.
Mais, argumenta o A., que tais créditos foram reclamados no processo de falência e aí reconhecidos pelo administrador como créditos privilegiados.
Por seu turno, a entidade demandada sustenta que o pagamento desse crédito se encontra fora do período de referência, uma vez que o não pagamento da 1ª prestação, com vencimento em 30/11/2009, implica o vencimento das restantes nos termos do disposto no art° 781°, do Cód. Civil, sendo irrelevante o facto de tal crédito ter sido reconhecido pelo administrador da insolvência.
Sustenta ainda o FGS que o referido acordo é nulo por força do disposto no art° 294°, do Cód. Civil, conjugado com o art° 339° do Cód. do Trabalho, uma vez que o regime de cessação do contrato de trabalho tem natureza imperativa e os critérios respeitantes à definição de indemnizações e dos respetivos valores não podem ser regulados por acordo das partes. Acrescenta que, ainda que seja considerado válido tal acordo, deve considerar-se resolvido no dia seguinte ao da sua celebração uma vez que as partes subordinaram a produção de seus efeitos à condição de pagamento integral do crédito nas datas previstas e o incumprimento surgiu logo no dia seguinte com o não pagamento previsto da retribuição do mês de Janeiro.
De acordo com o sentido da jurisprudência nacional, que a este respeito vem sido uniformemente proferida pelos tribunais superiores, quer no anterior quadro normativo, quer no quadro acabado de reproduzir, consigna-se que o teor dos preceitos a que se vem reportando a presente decisão é inequívoco, no sentido de que, no caso da entidade empregadora vir a ser judicialmente declarada insolvente, o FGS garantirá os créditos salariais que se hajam vencido nos seis meses que antecederam a data de propositura da ação de insolvência ou da data de entrada do requerimento relativo ao procedimento de conciliação.
Isto porque o FGS, instituído pelo Decreto-Lei n.º 219/99, de 15.06 [diploma que entretanto veio a ser revogado pela Lei n.º 99/03 — cf. artigo 21.º, n.º 2, al. m)], assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecederam a data da propositura da ação de insolvência, sendo que para esse efeito, importa, apenas, a data do vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na ação intentada com vista ao seu reconhecimento judicial.
Hoc sensu, vide, inter alia, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 17.12.2008, de 04.02.2009, de 07.01.2009, de 10.02.2009, de 11.02.2009, de 25.02.2009, de 12.03.2009, de 25.03.2009, de 02.04.2009 e de 10.09.2009, proferidos, respetivamente, nos processos n.ºs 0705/08, 0704/08, 0780/08, 0920/08, 0703/08, 0728/08, 0712/08, 01110/08, 0858/08 e 01111/08, integralmente disponíveis para consulta em <http://www.dgsi.pt/jsta>.
No último dos arestos aludidos, o Supremo Tribunal Administrativo deixou consignado que «uma coisa é o direito que o credor tem, verificados determinados pressupostos, de exigir o pagamento de uma prestação; outra, de natureza bem diversa, é a possibilidade de, através da máquina judicial, procurar forçar o devedor a prestar-lha.
«A exigibilidade decorre do vencimento da obrigação (do momento em que a obrigação deve ser cumprida, GALVÃO TELES, Direito das Obrigações, 5.ª edição, pág. 217); a executoriedade (entre outras possibilidades) da sentença judicial transitada em julgado. «Ao prever que o FGS possa pagar os créditos laborais, o legislador bastou-se com a exigibilidade do crédito, considerando suficiente que se tenha vencido. «Não impôs, portanto, que sobre ele se haja constituído um título executivo. «E bem se compreende que assim seja.
«Com efeito […], a criação deste Fundo teve como objetivo fundamental garantir, essencialmente em tempo útil, o pagamento das prestações referidas na lei, bem sabendo o legislador que a habitual morosidade dos tribunais é incompatível com a liquidação célere dessas prestações.
«E não faria qualquer sentido que, por um lado, previsse o pagamento pelo Fundo, com o objetivo de garantir um rápido acesso às prestações devidas, e depois sujeitasse o interessado à prévia obrigação de obter uma sentença judicial transitada em julgado como sua condição, decisão que amiudadas vezes demora alguns pares de anos. «Por outro lado, ao prever a sub-rogação do Fundo nos direitos do trabalhador, o legislador contemplou, justamente, que pagando o Fundo num primeiro momento, na sequência do vencimento de algumas obrigações laborais, era possível que a entidade patronal viesse a conseguir pagar mais tarde, num segundo momento, voluntariamente, ou por via de ação no tribunal do trabalho, ou, ainda, por via do processo de falência (ou similar)».
Com base neste postulado básico, que contrapõe exigibilidade a executoriedade — postulado esse que ora se perfilha, integralmente e sem reservas —, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu que crucial para aferir do direito a que o FGS pague os créditos laborais é determinar, com rigor, o preciso momento em que vence o respetivo crédito à indemnização.
Como se viu, em todos os arestos citados a montante, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu, de forma uniforme (e unânime, não sendo registado qualquer voto de vencido) que a indemnização por rescisão unilateral com justa causa, por salários em atraso, vence-se, nos termos do artigo 3.º da Lei n.° 17/86, de 14.07 (alterada pelo Decreto-Lei n.º 402/91, de 16.10), na sequência da remessa da carta aí referida.
Invocou, para tanto, a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, que perfilha o entendimento de que o n.º 1 do artigo 3.º da Lei nº 17/86, de 14 de Junho, consagra um regime objetivo de justa causa de rescisão do contrato, por parte do trabalhador, sendo irrelevante a existência ou inexistência de culpa da entidade patronal na não satisfação tempestiva dos salários. Pelo que, de acordo com os arestos citados, o direito à indemnização por antiguidade nasce e subjetiva-se na esfera jurídica do respetivo titular no preciso momento em que se opera a rescisão do contrato, porquanto se trata de uma obrigação pura — isto é: que, por falta de disposição em contrário, é imediatamente exigível, sem dependência de qualquer prazo, vencendo-se logo que constituída (artigo 777.º, n.º 1 do Código Civil Português) — cf. ANTUNES VARELA, Das Obrigações Em Geral, II, 7.ª ed., Almedina, pág. 42.
É válido o postulado do Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos citados, tal como é igualmente válida a jurisprudência que a partir do mesmo postulado se extrai para a situações aí aludidas, e que se reportam aos créditos laborais referentes à indemnização por antiguidade decorrente da rescisão do contrato de trabalho pelo próprio trabalhador.
Assim, apesar de ter sido outorgado acordo sobre a forma de pagamento do crédito, este surgiu na esfera jurídica do Autor no momento de cessação do contrato de trabalho que ocorreu um ano e quatro meses antes da instauração da ação de insolvência da entidade patronal.
Pelo que, também relativamente a este crédito improcede a presente ação.
Analisemos agora o crédito resultante da cláusula 7ª do acordo celebrado entre o Autor e a entidade patronal e que tem o seguinte teor: “Mais acordam os outorgantes que em caso de declaração judicial de insolvência da 1ª outorgante, até ao cumprimento efetivo e integral do presente acordo, o 2º outorgante adquire um direito de crédito sobre a 1ª outorgante (…), o qual deverá ser graduado e reconhecido no processo”.
E, porque é assim, torna-se mister apurar se desta cláusula surgiu para o Autor um crédito laboral a ser assegurado pelo Réu.
Em matéria de interpretação, preceitua o nº 1 do art° 236º do Cód. Civil que "a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele". Tal regra sofre ainda a exceção enunciada no seu nº 2, nos termos da qual se o declaratário conhecer a vontade real do declarante é de acordo com ela que vale a declaração negocial.
Nos termos do nº 1 do art. 236°, de acordo com a teoria da impressão do destinatário, a declaração deve ser entendida de forma objetiva, isto é, com o sentido que uma pessoa medianamente instruída e diligente atribuiria à referida manifestação de vontade, com um sentido que tenha "um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso", ex vi art. 238° do diploma citado.
Ora, não restam dúvidas de que as partes quiseram atribuir ao crédito da cláusula 7ª uma natureza distinta do estabelecido na cláusula 5ª. A este denominaram de compensação pecuniária global em conformidade com o disposto no art° 349°, nº 5, do Cód. do Trabalho, que estabelece o seguinte "Se, no acordo ou conjuntamente com este, as partes estabelecerem uma compensação pecuniária global para o trabalhador, presume-se que esta inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta.".
Na cláusula 7ª estabeleceram um direito de crédito distinto da compensação pecuniária global para o trabalhador que tem apenas como fonte e condição expressamente referida a declaração de insolvência da entidade patronal antes do pagamento integral dos créditos laborais estabelecidos nas outras cláusulas.
Cremos que, na interpretação de um declaratário normal, os termos do acordo não podem ser lidos de outra forma que não seja a de se ter estabelecido na cláusula 7ª uma cláusula penal para a situação de incumprimento do acordo/transação.
De facto, o que as partes quiseram estabelecer no acordo foi os termos de cumprimento da obrigação principal de pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação e a fixação do montante exigível em caso de incumprimento da obrigação principal antes de ser declarada a insolvência da devedora, é o que se chama cláusula penal (art° 810° do Cód, Civil), tratando-se de uma cláusula penal compensatória que visa ressarcir os danos decorrentes do incumprimento, incumprimento esse considerado a título definitivo.
Não se tratando de todo de uma cláusula penal moratória não pode ser acionada face à simples mora efetivamente verificada.
Estando a cláusula penal fixada para uma situação de incumprimento, verificando-se este, o credor tem de optar entre exigir o cumprimento da obrigação ou acionar a cláusula penal.
Com efeito, nos termos do art° 811°, do C. Civil, o credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e a cláusula penal estabelecida, só lhe sendo legalmente permitido fazê-lo se a cláusula tiver sido fixada para a simples mora.
No caso, o que o A. pretende, ao reclamar, tanto no processo de insolvência como agora ao FGS, o pagamento de todos os créditos estabelecidos no acordo é que seja cumprida a obrigação principal e a cláusula penal estabelecida na cláusula 7ª do acordo/transação. É certo que nos termos em que o acordo foi redigido não restam dúvidas de que as partes estabeleceram a exigibilidade cumulativa dos créditos da obrigação principal e da cláusula penal mas essa estipulação das partes é nula, tal como preceitua o art° 811°, nº 1, do Cód. Civil.”

Aqui chegados, analisemos então os vícios imputados à decisão recorrida.

Dos erros de julgamento da matéria de direito
O Recorrente JOM imputa à decisão de que recorre a violação de um conjunto de normativos que indica.

Em qualquer caso, como decorre do já sublinhado, no que concerne à adesão expressa ao expendido pelo tribunal a quo, desde já se dirá que se não vislumbram os vícios invocados.

Tal como evidenciado pelo Ministério Público no seu Parecer, proferido nesta instância, o Recorrente, em bom rigor, alheou-se nas suas considerações da decisão recorrida, assentando o essencial da sua contestação no retomar as criticas imputadas à decisão contenciosamente impugnada.

Efetivamente, apenas na última conclusão formulada, o Recorrente veio enunciar as normas jurídicas que entende terem sido violadas, e ainda assim, sem que tenha cumprido, como é suposto, e sempre constituiria o seu ónus, os requisitos e pressupostos constantes do n.° 2 do artigo 639.° do CPC.
Aí se diz:

Artigo 639.º
Ónus de alegar e formular conclusões
1 – (…)
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
(…)”

Em qualquer caso, sempre se reafirmará que o regime legal vigente relativo ao acesso ao Fundo de Garantia Salarial encontra-se consagrado no artigo 336.° do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.° 7/2009, de 12 de fevereiro e, ainda, nos artigos 316.° a 326.° da Lei n.° 35/2004, de 29 de julho.

Como resulta da decisão recorrida, a lei exige a verificação cumulativa dos requisitos que enuncia, por forma a que possa haver lugar ao pagamento por parte do Fundo de Garantia Salarial de créditos resultantes da cessação do contrato de trabalho:

Efetivamente, dispõe o artigo 317.° da Lei n.° 35/2004, de 29/07, que:
"O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes".

Correspondentemente, refere-se no nº 1 do artigo 318.°, do mesmo diploma, que "O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente".

Em qualquer caso, o Fundo de Garantia Salarial não garante o pagamento de todos e quaisquer créditos, mas, tão-somente, os que se encontrem abrangidos na previsão do artigo 319.° da mesma Lei n.° 35/2004, no qual se refere que:
"1- O Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.° que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.
2- Caso não haja créditos vencidos no período de referência mencionado no número anterior, ou o seu montante seja inferior ao limite máximo definido no n.° 1 do artigo seguinte, o Fundo de Garantia Salarial assegura até este limite o pagamento de créditos vencidos após o referido período de referência.
3- O Fundo de Garantia Salarial só assegura o pagamento dos créditos que lhe sejam reclamados até três meses antes da respetiva prescrição."

Por outro lado, o artigo 320.° do mesmo diploma, já relativamente aos "Limites das importâncias pagas", estabelece no seu n.° 1, que "Os créditos são pagos até ao montante equivalente a seis meses de retribuição, não podendo o montante desta exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida".

Assim, o FGS assegurará ao trabalhador, em caso de incumprimento pelo empregador judicialmente declarado insolvente, o pagamento dos créditos emergentes de contrato de trabalho, desde que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação de declaração de insolvência ou após o referido período de referência, nos casos pontuais e com os limites enunciados no n.° 2 do citado artigo 319.°

É deste modo cumulativamente exigível o preenchimento dos seguintes requisitos:
(i) a prévia instauração da ação de insolvência e
(ii) o vencimento dos créditos reclamados, nos seis meses anteriores à data da instauração da ação de insolvência.

O preenchimento do primeiro requisito é inequívoco, na medida em que a ação de insolvência foi instaurada em 19/07/2010, tendo corrido no âmbito do Procº n.° 2772/10.7TBGMR, pelo 2.° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães, no qual foi decretada a insolvência do empregador, por sentença de 26/08/2010, transitada em julgado, no âmbito da qual o aqui Recorrente reclamou créditos salariais, os quais foram judicialmente reconhecidos e graduados como créditos privilegiados.

Preenchido que está o primeiro requisito, importa verificar se o mesmo ocorre igualmente face ao segundo, relativo ao circunstancialismo temporal imposto pelo referido artigo 319.° da Lei n.° 35/2004, sendo que o período de referência a atender se situa entre 19/01/2010 e 19/07/2010.
Há desde logo um facto que condiciona a pretensão do Recorrente e que se prende com o facto do vencimento dos créditos em causa ter ocorrido com a cessação do contrato de trabalho, por iniciativa do trabalhador, em 31/03/2009.

A este respeito, resulta claro do Acórdão do STA, de 10/09/2015, no Processo n.° 0147/15, que "O Fundo de Garantia Salarial, assegura o pagamento dos créditos emergentes de contratos de trabalho "que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referidos no artigo 2.° anterior " - art.° 319.°/1 da Lei 35/2004.
Para esse efeito importa, apenas, a data de vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na ação intentada com vista ao seu reconhecimento judicial e ao seu pagamento"

No mesmo sentido apontam diversos outros acórdãos do STA, designadamente o douto Acórdão de 10/09/2009, no Processo n.° 01111/08, no qual igualmente se refere que "O Fundo de Garantia Salarial, instituído pelo DL 219/99, de 15.6 (alterado pelo DL 139/01, de 24.4), assegura o pagamento dos "créditos emergentes de contratos de trabalho que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou da entrada do requerimento referidos no artigo 2.°".
Para esse efeito importa, apenas, a data de vencimento dos créditos laborais e não a do trânsito em julgado da sentença proferida na ação intentada com vista ao seu reconhecimento judicial".

Em função de tudo quanto ficou dito, é manifesto que a decisão recorrida assentou em entendimento sedimentado em jurisprudência, designadamente do STA, não tendo o Recorrente logrado contrariar a referida linha de raciocínio.

Acresce que, tal como sublinhado pelo Ministério Público, não obstante o Recorrente ter conclusivamente invocado a violação, quer o artigo 320.°, n.° 1, da Lei n.° 35/2004, de 29 de julho (entretanto revogado), quer o 781.° do Código Civil, o que é facto é que não se alcança em que se consubstanciará tal violação, até por não referido, sendo que os referidos normativos não foram sequer invocados pelo tribunal a quo.
Reitera-se, finalmente e como conclusão, que o que está aqui em causa e que determinou a improcedência da pretensão do aqui Recorrente foi o não preenchimento integral dos pressupostos de procedibilidade da pretensão, para que houvesse lugar ao recebimento da almejada quantia através do Fundo de Garantia Salarial, não merecendo assim censura a sentença objeto de impugnação.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao Recurso interposto, confirmando a Sentença objeto de Recurso.

Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Porto, 24 de março de 2017
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia