Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00426/04.0BECBR |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 02/22/2007 |
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Tribunal: | TAF de Coimbra |
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Relator: | Drº Carlos Luís Medeiros de Carvalho |
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Descritores: | APOSENTAÇÃO LEI APLICÁVEL CGA DL N.º 116/85 - LEI N.º 01/2004 |
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Sumário: | I. Formulada pretensão junto da Administração ao abrigo de determinado quadro legal é de entender que o regime aplicável será o existente na data em que o pedido é apresentado, devendo ser à sua luz, dos seus requisitos, que a pretensão terá de ser analisada, deferindo-a ou indeferindo-a. II. A assim não ser considerado poder-se-á estar perante uma violação dos princípios sagrados da confiança e da segurança jurídica, os quais são pilares basilares dum Estado que se reclama de Direito e respeitador do indivíduo. III. Um regime transitório como o consagrado na Lei n.º 01/04 que se abstrai por completo da data em que é formulado o requerimento contendo pedido de aposentação antecipada ao abrigo do DL n.º 116/85, que se limita a atender apenas à data em que o processo deu entrada ou tinha de ter dado entrada na CGA, penalizando e prejudicando os administrados cujos processos apenas deram entrada na CGA após a entrada em vigor e por motivos a que os mesmos são absolutamente alheios não pode ter-se como respeitador dos princípios em referência. IV. Não é minimamente aceitável à luz dos mesmos princípios que um diploma com este alcance e com os efeitos negativos ao mesmo conexos na esfera jurídica dos interessados venha a ser publicado apenas no dia 15/01/2004 reportando retroactivamente seus efeitos a 01/01/2004 e fazendo com que os processos de aposentação remetidos à CGA, ao abrigo dum determinado regime legal vigente por devido, regular e legitimamente publicado e publicitado (DL n.º 116/85) no qual se confiava e se depositavam expectativas, ficassem destituídos de fundamento legal. V. Pese embora o interessado não dispusesse, nem à data de apresentação do requerimento (11/11/2003) nem à data da publicação da Lei n.º 1/04, de um direito subjectivo à aposentação consolidado na sua esfera jurídica, o mesmo era, todavia, detentor de uma expectativa legítima, juridicamente criada, de que o seu pedido de aposentação iria ser apreciado e decidido à luz do regime legal vertido no DL n.º 116/85. VI. A CGA ao devolver o processo de aposentação antecipada fundando-a na aplicação da Lei n.º 01/2004 fez ou uma errada aplicação da lei decorrente duma incorrecta interpretação dos seus arts. 01.º e 02.º, ou, então, estribou-se em quadro legal que, em concreto, padece de inconstitucionalidade material porquanto as normas vertidas nos arts. 01.º, n.º 6 e 02.º daquele diploma quando entendidas no sentido de que não é aplicável o regime do DL n.º 116/85 aos processos que se iniciaram antes de 31/12/2003 pelo simples facto de não terem dado entrada na CGA até à data da entrada em vigor daquela Lei violam o disposto nos arts. 02.º e 266.º da CRP - princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica inerentes ao princípio do Estado de Direito.* * Sumário elaborado pelo Relator |
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Data de Entrada: | 10/19/2006 |
Recorrente: | Caixa Geral de Aposentações |
Recorrido 1: | S. |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Negar provimento ao recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Coimbra, datada de 21/03/2006, que julgou procedente a acção administrativa especial contra a mesma deduzida pelo “S…”, devidamente identificado nos autos, e consequentemente a condenou nos seguintes termos “(…)a, através do órgão competente e no prazo legal, em cumprimento das disposições conjugadas do n.º 6 do artigo 1.º e do artigo 2.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro - e em conformidade com a interpretação segundo a qual não é aplicável o disposto nos números 1 a 5 do artigo 1.º da Lei n.º 1/2004 aos subscritores cujos processos de aposentação tenham sido iniciados junto dos respectivos serviços antes de 01-01-2004 e que tenham sido enviados à Caixa Geral de Aposentações pelos respectivos serviços ou entidades até a data do inicio da sua vigência (entendida no sentido dado pelo artigo 2.º da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro) desde que os interessados reunissem em 01-01-2004 as condições legalmente exigidas para a concessão da aposentação - apreciar o processo de aposentação do interessado C... M... N... D... S..., pronunciando-se quanto ao pedido de aposentação antecipada por ele formulado em 11-11-2003, nos termos em que o mesmo a formulou – artigos 1.º n.º 6 e 2.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro; artigo 2.º da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro e artigo 71.º do CPTA (…)”. Formula, nas respectivas alegações (cfr. fls. 100 e segs. - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), conclusões nos termos seguintes: “(…) A) A douta sentença recorrida deve ser revogada, por, apesar de o artigo 2.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, conter norma de efeitos retroactivos, não existe qualquer fundamento legal para que seja considerada ilegal, muito menos inconstitucional. B) O artigo 3.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, dispõe que a validade das leis do Estado depende da sua conformidade com a Constituição, mas apenas a lei criminal não pode ser retroactiva nos termos definidos no artigo 29.º, n.º1 a 4, da mesma lei. C) O princípio da não retroactividade da lei não tem actualmente, entre nós (salvo quanto à lei criminal o artigo 29.º da CRP), assento na Constituição e, daí, que o preceito do artigo 12.º do Código Civil não se impõe ao legislador. D) Assim, as disposições do artigo 12.º do Código Civil não têm mais força vinculativa que as de outras leis ordinárias, pelo que elas não prevalecem sobre o resultado da interpretação destas (Vaz Serra, RLJ, n.º 110, página 272). E) O artigo 2.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, por ter norma de efeitos retroactivos, não padece da inconstitucionalidade ou da ilegalidade que lhe é imputada, por não atingir, de forma inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente as legítimas expectativas daqueles que podiam requerer a pensão de aposentação, de características excepcionais, prevista no regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 116/85, de 14 de Abril. F) Na verdade, tratando-se de regime que anunciava, em primeira linha como medida conjuntural "de descongestionamento da Administração Pública", dependente de não haver "prejuízo para o serviço" e não como o reconhecimento incondicional de um direito dos funcionários à aposentação antecipada, era expectável a sua alteração quando se modificassem as circunstâncias da adopção da medida legislativa, (o sublinhado é nosso). G) É à CGA que compete verificar se estão reunidas, ou não, todas as condições para a aposentação antecipada e não ao representado, pelo que, atento o estrito cumprimento do prazo peremptório estabelecido pela referida norma a que os interessados se encontram vinculados e que esta Caixa tem de observar, o pedido foi considerado extemporâneo e a sua pretensão não podia ser atendida, pelo que só restaria proceder à devolução do processo ao respectivo Serviço, tal como foi feito. H) Assim, o M.º Juiz "a quo", por entender que o pedido de aposentação devia ter sido deferido, ainda que não tivesse sido enviado, pelo respectivo Serviço, dentro do prazo estabelecido no n.º 6 do artigo 1.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, a esta Caixa, isto é, até 1 de Janeiro de 2004, fez errada interpretação e aplicação da lei. (…).” Conclui no sentido do provimento do recurso jurisdicional e revogação Do acórdão recorrido com as legais consequências. O aqui ora recorrido apresentou contra-alegações (cfr. fls. 112 e segs.) nas quais, em suma, pugna pela manutenção do julgado, formulando as seguintes conclusões: “(…) a) As doutas alegações de recurso da Recorrente deixam claro que o objecto do presente recurso reconduz-se à interpretação e aplicação da Lei n.º 1/2004, mais especificamente do seu art. 2.º. Ora, b) Para o Recorrido não está em causa a faculdade que porventura assista ao legislador de, no âmbito do funcionalismo público alterar os estatutos dos funcionários, embora tal fosse questionável face ao Acórdão do Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, n.º 141/2002, publicado no DR Iª Série-A, de 9/5/2002; c) Também não está em causa a disposição retroactiva das leis do direito administrativo no âmbito do funcionalismo público, embora tal conclusão não se possa retirar sem mais do facto de o texto constitucional vedar expressamente a retroactividade das leis penais e fiscais, porque então qualquer retroactividade de outras leis nunca abalaria o princípio da confiança. Igualmente porque, se a orientação subjacente aos arts. 128.º, 140.º e 141.º do CPA impõe limites à retroactividade dos actos administrativos, porque razão o processo legislativo não conheceria limites; d) O que está em causa é a forma/processo legislativos concretos. O que constitui violação dos princípios, designadamente, do da confiança e de outros estruturantes ou integrantes do Estado de Direito Democrático, como o da certeza e seguranças jurídicas, é o modo como a lei n.º 1/2004 dispõe sobre a respectiva entrada em vigor e sobre a sua eficácia jurídica (confronte-se o respectivo art. 2.º); e) O que está em causa é que a vigência e eficácia jurídica das leis obedecem a regras; f) Regras estas constantes de uma lei que, necessariamente, terá de se considerar como uma lei de valor reforçado porque consagra normas a serem respeitadas por outras leis, conforme o comando do n.º 3, do art. 112.º da CRP. g) Pelo que o art. 2.º da Lei n.º 1/2004 está ferido de inconstitucionalidade e bem andou o douto aresto recorrido não o aplicando; h) Tal lei a respeitar é a lei n.º 74/98, esta, sim, depositária dos princípios do Estado de Direito Democrático acima enunciados; i) A qual nem sequer admite que o início da vigência possa ter lugar no próprio dia da publicação, muito menos 14 dias antes; j) A questão é que a Lei n.º 74/98, estatui que a eficácia jurídica dos actos legislativos depende da publicação; l) O problema está no facto de, quando a Recorrente recebe o processo não pode invocar uma lei que inexiste no ordenamento jurídico; m) O problema está, muito sinteticamente, no facto de que mesmo que o Estado não possa estar inibido de alterar as regras estatutárias, e até as possa alterar com retroactividade, tem de ser recto na forma como dá a conhecer o processo legislativo de alteração dessas regras; n) Só restava então à Recorrente admitir todos os processos enviados até 15/1/04 inclusive aplicando-lhe a lei que ainda não tinha deixado de vigorar. o) Por isso bem andou o douto aresto sob recurso ao considerar que a lei n.º 1/2004 não era aplicável, até porque não podia aplicar normas inconstitucionais como acima se demonstrou, por violação de uma lei de valor reforçado. (…).” O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do improvimento do recurso jurisdicional (cfr. fls. 131 a 133), parecer esse que uma vez notificado não mereceu qualquer resposta ou oposição [cfr. fls. 134 e segs.]. Colhidos os vistos legais junto dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, pelo que os recursos jurisdicionais são “recursos de ‘reexame’ e não meros recursos de ‘revisão’” (cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 8ª edição, págs. 459 e segs.; Prof. M. Aroso de Almeida e Juiz Cons. C. A. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 737, nota 1; Dr.ª Catarina Sarmento e Castro em “Organização e competência dos tribunais administrativos” - “Reforma da Justiça Administrativa” – in: “Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra - Stvdia ivridica 86”, págs. 69/71). As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se na situação vertente a decisão recorrida ao julgar procedente a acção administrativa especial fez errado julgamento do disposto nos arts. 01.º, n.ºs 6 e 8 e 02.º da Lei n.º 1/04, de 15/01, 12.º CC, 03.º e 29.º da CRP [cfr. alegações e conclusões supra reproduzidas]. 3.1. DE FACTO Da decisão recorrida resultaram provados os seguintes factos: I) O representado C… formulou pedido de aposentação através do formulário “Requerimento/Nota Biográfica” do qual consta, do “campo a preencher obrigatoriamente pelo interessado” o nome e restante identificação, com a indicação na quadrícula de finalidade de “Aposentação ordinária com sessenta anos de idade e 36 anos de serviço (ou situação equivalente).” - Doc. n.º 3 - fls. 3 junto com a PI de fls. 12 dos autos; II) Do mesmo formulário, no campo “A PREENCHER PELO SERVIÇO/UNIDADE” consta indicado “Ministério: das Cidades, ambiente e Ordenamento do Território” e “Serviço/Unidade: Câmara Municipal da Figueira da Foz” -Doc. n.º 3 - fls. 3 junto com a PI de fls. 12 dos autos; III) O representado C… dirigiu ainda ao Presidente da CÂMARA MUNICIPAL DA FIGUEIRA DA FOZ requerimento datado de 11/11/2003 com o seguinte teor: “C… (...) pretende aposentar-se nos termos do n.º 1 do art. 1º do DL n.º 116/85, de 16 de Abril, conjugado com o Decreto Lei n.º 241/89 de 3 de Agosto (Estatuto Social do Bombeiro) conforme documentos anexos, em virtude de ter completado 36 anos de serviço, solicita a Vª Ex.ª se digne promover que o referido requerimento seja remetido à Caixa Geral de Aposentações de que sou subscritor n.º 668643/00 para os devidos efeitos e depois de informado por esta Câmara Municipal” - Doc. n.º 3 - fls. 1 junto com a PI , a fls. 10 dos autos; IV) O MUNICÍPIO DA FIGUEIRA DA FOZ remeteu o pedido de aposentação do representado C… à CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES em 12/01/2004, pelo ofício com o assunto “Aposentação antecipada nos termos do DL n.º 116/85, de 19 de Abril”, subscrito pela Vereadora da respectiva Câmara Municipal, com delegação de competência, Anabela Almeida Marques e Gaspar, acompanhado dos documentos nele mencionados, e com o seguinte teor: “Para efeitos de pedido de aposentação ao abrigo do n.º 1 do art.1.° do DL 116/85 de 19.04 e para cumprimento do n.º 1 do Despacho n. ° 867/03/MEF, de 05.08.2003, proferido pela Sua Excelência a Ministra de Estado e das Finanças, remetem-se em anexo os elementos necessários de acordo com o indicado nas respectivas alíneas: a) Declaração (em anexo 1); b) Mapas comparativos do número de novas admissões e de aposentações nos últimos dois anos: (anexos II e III) c) A saída do funcionário não afecta a continuidade permanente do serviço; Informação do Comandante dos Bombeiros e despacho da Sr.ª Vereadora de (Anexo IV) d) Mapa 3 - (Anexo V) e) Classificações de Serviço nos últimos três anos: Bom Data da última promoção: 31/07/81 Acções de Formação: Não tem acções de formação f) A especificidade da função de bombeiro, o facto de ser uma profissão de risco e de desgaste rápido, e ainda, o facto do funcionário ter atingido 36 anos de serviço, são factores que não permitem um desempenho cabal e completo das funções inerentes à categoria de bombeiro. Remete-se ainda requerimento do funcionário, Requerimento/Nota Biográfica, Boletim de inscrição da CGA, BI. N1B, doc. e Declaração dos Bombeiros” - Doc. n.º 4 - fls. 1 e 2 junto com a PI, a fls. 19 e 20 dos autos; V) Do processo de aposentação constava, como anexo I, a “Declaração” datada de 05/01/2004, subscrita pela Vereadora com competências delegadas, A... A... M... e G..., com o seguinte teor: “Para cumprimento do disposto no n.º 1, alínea a) do Despacho n.º 867/03/MEF, de Sua Ex.ª a Ministra de Estado e das Finanças se declara que não houve nos últimos dois anos um aumento de pessoal na área funcional do Bombeiro de 3ª classe, C.... M... N... d... S....” - Doc. n.º 4 - fls. 3 junto com a PI, a fls. 21 dos autos; VI) Do processo de aposentação constavam como Anexos II, III e V, respectivamente, Mapa (identificado como Mapa 1) dos Funcionários que ingressaram no Quadro de Pessoal da Câmara Municipal da Figueira da Foz nos anos de 2002 e 2003; Mapa (identificado como Mapa 2) dos Funcionários do Quadro de Pessoal da Câmara Municipal da Figueira da Foz aposentados nos anos de 2002 e 2003; e Mapa (identificado como Mapa 3) com informação relativa aos funcionários em processo de aposentação - Doc. n.º 4 - fls. 4 a 6 junto com a PI, a fls. 22 a 24 dos autos; VII) Do processo de aposentação constava como Anexo IV Informação datada de 20/11/2003, do Departamento Administrativo, Jurídico e Recursos Humanos da CÂMARA MUNICIPAL DA FIGUEIRA DA FOZ subscrita pela Assistente Administrativa Especialista, F... M..., com o seguinte teor: “O funcionário C... M... N... d... S..., Bombeiro de 3ª Classe, apresentou um requerimento onde solicita a sua aposentação por já ter completado 36 anos de serviço prestados ao Estado, conforme documentos constantes do seu processo individual. Nos termos do n.º 1 do DL 116/85, de 19 de Abril, pode aposentar-se com direito à pensão completa independentemente da apresentação à Junta Médica, desde que não haja prejuízo para o serviço qualquer que seja a idade e reúna 36 anos de serviço. O funcionário em questão presta serviço nesta Câmara Municipal desde 02 de Dezembro de 1976, até à presente data sem qualquer interrupção de serviço. Solicita-se informação sobre a conveniência para o serviço do presente pedido a fim do mesmo ser remetido à Caixa Geral de Aposentações” - Doc. n.º 3 - fls. 2 junto com a PI, a fls. 11 dos autos; VIII) Sobre aquela Informação foi aposto Parecer do Comandante dos Bombeiros com o seguinte teor: “O funcionário em causa já conta com 36 anos de serviço prestados ao Estado. Desde que o seu processo se encontre devidamente elaborado, não se vê inconveniente no seu pedido de aposentação” - Doc. n.º 3 - fls. 2 junto com a PI, a fls. 11 dos autos; IX) E sobre aquela mesma Informação [mencionada em VIII) supra] foi aposto Despacho pela Vereadora dos Recursos Humanos, A... A... M... e G..., com o seguinte teor: “Não se vê inconveniente no pedido de aposentação do funcionário C…” - Doc. n.º 3 - fls. 2 junto com a PI, a fls. 11 dos autos; X) O processo de aposentação mencionado em IV) supra foi recebido na CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES em 14/01/2004 - Doc. n.º 4 - fls. 1 e 2 junto com a PI, a fls. 19 e 20 dos autos; XI) A CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES devolveu o processo de aposentação à CÂMARA MUNICIPAL DA FIGUEIRA DA FOZ por ofício datado de 29/01/2004 subscrito pelo Chefe de Serviço, J... G... G..., com o seguinte teor: “O Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril foi revogado pelo n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro. Tendo presente que o pedido de aposentação não foi enviado a esta Caixa dentro do prazo estabelecido no n.º 6 do art. 1.º da citada Lei, junto se devolve por falta de fundamento legal” - Doc. n.º 5 junto com a PI, a fls. 25 dos autos; XII) O representado C… é funcionário da Câmara Municipal da Figueira da Foz desde 02/12/1976, e à data em que pediu a sua aposentação tinha a categoria profissional de Bombeiro de 3ª - Docs. n.º 3 - fls. 2, 3, n.º 4 - fls. 1 e 3 junto com a PI de fls. 11 a 21 dos autos; XIII) O processo de aposentação antecipada nos termos do DL n.º 116/85, do sub-chefe dos bombeiros J… foi remetido à CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES em 12/01/2004 pelo MUNICÍPIO DA FIGUEIRA DA FOZ, tendo sido deferido por despacho da Ré de 07/05/2004 e sido fixada pensão de acordo com a situação existente em 01/01/2004, nos termos do disposto nos números 6 e 8 do artigo 1.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro - Docs. n.º 6 - fls. 1, n.º 7 - fls.1 e 2 junto com a PI de fls. 26 a 28 dos autos. Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise das questões suscitadas pela recorrente para se concluir pela sua procedência ou improcedência. A recorrente argumenta em defesa da sua tese que a decisão judicial recorrida incorreu em erro no julgamento de direito quando considerou procedente a presente acção administrativa especial já que o fez com errada interpretação do disposto nos arts. 01.º, n.ºs 6 e 8 e 02.º da Lei n.º 1/04, 12.º CC, 03.º e 29.º da CRP. Analisemos, fazendo um prévio cotejo dos normativos a considerar para esse efeito. Assim e desde logo decorria do art. 01.º do DL n.º 116/85, de 19/04, que: “1- Os funcionários e agentes da administração central, regional e local, institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos e organismos de coordenação económica, seja qual for a carreira ou categoria em que se integrem, poderão aposentar-se, com direito à pensão completa, independentemente de apresentação a junta médica e desde que não haja prejuízo para o serviço, qualquer que seja a sua idade, quando reúnam 36 anos de serviço. 2- O disposto no número anterior é aplicável aos pedidos de aposentação que, enquadrando-se naquelas condições e tendo sido requeridos pelos interessados, se encontrem à data da entrada em vigor do presente decreto-lei pendentes de conclusão na Caixa Geral de Aposentações.” Por sua vez prescrevia-se no art. 03.º do mesmo diploma que: “1- Os requerimentos solicitando a aposentação nos termos do n.º 1 do artigo 1.º devem dar entrada nos departamentos onde os funcionários e agentes prestam serviço, acompanhados dos necessários documentos comprovativos do tempo de serviço prestado. 2- No prazo de 30 dias a contar da data da entrada, os processos serão informados pelo respectivo departamento, designadamente quanto a inexistência de prejuízo para o serviço, e submetidos a despacho do membro do Governo competente, o qual, concordando, determinará o seu envio para a Caixa Geral de Aposentações. 3- No prazo de 30 dias a contar da data de entrada na Caixa Geral de Aposentações, os processos deverão ser submetidos a despacho, para efeitos de desligação para aposentação e fixação de pensão provisória. (…).” Nos termos do n.º 3 do art. 01.º da Lei n.º 01/04, de 15/01 o regime legal consagrado no citado e reproduzido DL n.º 116/85 foi revogado, prevendo-se ainda nos n.ºs 6 a 8 do mesmo normativo o seguinte regime transitório: “6 - O disposto nos números anteriores não se aplica aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações cujos processos de aposentação sejam enviados a essa Caixa, pelos respectivos serviços ou entidades, até à data de entrada em vigor deste diploma, desde que os interessados reúnam, nessa data, as condições legalmente exigidas para a concessão da aposentação, incluindo aqueles cuja aposentação depende da incapacidade dos interessados e esta venha a ser declarada pela competente junta médica após aquela data. 7 - Tratando-se de antigos subscritores da Caixa Geral de Aposentações, o disposto no número anterior aplica-se aos requerimentos recebidos nessa Caixa até à data de entrada em vigor desta lei. 8 - Nos casos referidos nos n.ºs 6 e 7, quando o despacho a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, ou a declaração prevista na alínea b) do mesmo normativo legal sejam posteriores à data de entrada em vigor desta lei, a situação relevante para efeitos de fixação da aposentação é a existente nesta data.” E no art. 02.º daquela Lei, sob a epígrafe de “Entrada em vigor”, estipula-se ainda que: “A presente lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004.” Resulta do art. 112.º da CRP, sob a epígrafe “Actos normativos”, que: “1- São actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais. 2- As leis e os decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa e dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos. 3- Têm valor reforçado, além das leis orgânicas, as leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas. 4- Os decretos legislativos têm âmbito regional e versam sobre matérias enunciadas no estatuto político-administrativo da respectiva região autónoma que não estejam reservadas aos órgãos de soberania, sem prejuízo do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 227.º. 5- Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos. 6- Os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso de regulamentos independentes. 7- Os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão; 8- A transposição de actos jurídicos da União Europeia para a ordem jurídica interna assume a forma de lei, decreto-lei ou, nos termos do disposto no n.º 4, decreto legislativo regional.” Decorre, por sua vez, do art. 119.º da Lei Fundamental com a epígrafe de “Publicidade dos actos” que: “1. São publicados no jornal oficial, Diário da República: a) As leis constitucionais; b) As convenções internacionais e os respectivos avisos de ratificação, bem como os restantes avisos a elas respeitantes; c) As leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais; d) Os decretos do Presidente da República; e) As resoluções da Assembleia da República e das Assembleias Legislativas das regiões autónomas; f) Os regimentos da Assembleia da República, do Conselho de Estado e das Assembleias Legislativas das regiões autónomas; g) As decisões do Tribunal Constitucional, bem como as dos outros tribunais a que a lei confira força obrigatória geral; h) Os decretos regulamentares e os demais decretos e regulamentos do Governo, bem como os decretos dos Representantes da República para as regiões autónomas e os decretos regulamentares regionais; i) Os resultados de eleições para os órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local, bem como para o Parlamento Europeu e ainda os resultados de referendos de âmbito nacional e regional. 2 - A falta de publicidade dos actos previstos nas alíneas a) a h) do número anterior e de qualquer acto de conteúdo genérico dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local implica a sua ineficácia jurídica. 3. A lei determina as formas de publicidade dos demais actos e as consequências da sua falta.” Disciplina-se no art. 05.º do Código Civil (vulgo CC) que “a lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial” sendo ainda que entre “… a publicação e a vigência da lei decorrerá o tempo que a própria lei fixar ou, na falta de fixação, o que for determinado em legislação especial”. Por outro lado, temos que no art. 01.º da Lei n.º 74/98, de 11/11 na redacção à data vigente (diploma alterado pela Lei n.º 2/05, de 24/01 e entretanto pela Lei n.º 26/06, de 30/06), sob a epígrafe de “Publicação”, definiu-se que: “1 - A eficácia jurídica dos actos a que se refere a presente lei depende da publicação. 2 - A data do diploma é a da sua publicação. 3 - O Diário da República é distribuído no dia correspondente ao da sua data.” Por fim, no art. 02.º do mesmo diploma com a epígrafe de “Vigência” fixou-se o seguinte regime: “1 - Os actos legislativos e os outros actos de conteúdo genérico entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início da vigência verificar-se no próprio dia da publicação. 2 - Na falta de fixação do dia, os diplomas referidos no número anterior entram em vigor no 5.º dia após a publicação. 3 - A entrada em vigor dos mesmos diplomas ocorrerá, nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, no 15.º dia após a publicação e, em Macau e no estrangeiro, no 30.º dia. 4 - Os prazos referidos nos números anteriores contam-se a partir do dia imediato ao da publicação do diploma, ou da sua efectiva distribuição, se esta tiver sido posterior.” Reproduzido o quadro legal a considerar passemos, agora, ao enquadramento jurídico da questão. Resulta claro da análise do quadro legal transcrito que a lei, enquanto fonte imediata de direito (cfr. art. 01.º, n.º 1 do CC), só se torna obrigatória e dotada de eficácia jurídica com a sua publicação no jornal oficial (o Diário da República), sendo que a data do diploma corresponde, face ao regime à data vigente, ao dia da sua publicação. Por outro lado, temos que pese embora o ora afirmado não está, em absoluto, o legislador ordinário impedido de conferir eficácia retroactiva a um determinado diploma legal. Não existe uma proibição geral de retroactividade. De facto, a retroactividade da lei só é expressamente decretada na Constituição como excepcional (cfr. arts. 18.º, n.º 3, 29.º, n.º 4 e 103.º, n.º 3 da CRP) e mesmo a lei constitucional só determina a produção de efeitos da declaração de inconstitucionalidade de normas anteriores a partir do seu início de vigência (vide art. 282.º, n.º 2 da CRP). A retroactividade é uma solução legislativa que necessita de se compatibilizar com os valores constitucionais e nunca uma solução absolutamente disponível pelo legislador ordinário. Nessa medida, as limitações constitucionais à retroactividade hão-de ser compreendidas a partir da prevalência, em certas situações e circunstâncias, dos valores da segurança, da igualdade e da protecção dos direitos fundamentais, relativamente aos interesses prosseguidos pelas normas retroactivas [cfr., entre outros, Acs. do Tribunal Constitucional n.ºs 786/96 (Proc. n.º 445/92 de 19/06/1996), n.º 408/99 (Proc. n.º 590/98 de 29/06/1999), n.º 269/01 (Proc. n.º 149/95 de 20/06/2001), n.º 306/01 (Proc. n.º 762/00 de 27/06/2001), n.º 467/03 (Proc. n.º 125/03 de 14/10/2003), in: «www.tribunalconstitucional.pt/acordaos»]. Domina na doutrina jurídica nacional, que se atém à concepção de retroactividade emanada do CC (cfr. art. 12.º), a ideia de que a retroactividade de qualquer lei, em sentido próprio, é apenas a que pretende atingir os factos anteriores à sua entrada em vigor, de modo que as leis que regulam apenas o conteúdo das situações jurídicas já constituídas, abstraindo dos factos que as originaram, não serão verdadeiramente retroactivas (cfr., por todos, Prof. J. Baptista Machado in: “Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil”, 1968, págs. 213 e segs. e 306 e segs., e “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 1990, págs. 231 e segs.). Sustenta o Prof. J. J. Gomes Canotilho que “(…) Retroactividade consiste basicamente numa ficção: (1) decretar a validade e vigência de uma norma a partir de um marco temporal (data) anterior à data da sua entrada em vigor; (2) ligar os efeitos jurídicos de uma norma a situações de facto existentes antes da sua entrada em vigor. No primeiro caso (1), fala-se em retroactividade em sentido restrito (efeito retroactivo); no caso (2) alude-se a conexão retroactiva quanto a efeitos jurídicos. … Diferentemente, fala-se de retroactividade inautêntica quando uma norma jurídica incide sobre situações ou relações jurídicas já existentes embora a nova disciplina jurídica pretenda ter efeitos para o futuro. Os casos de retroactividade autêntica em que uma norma pretende ter efeitos sobre o passado (eficácia ex tunc) devem distinguir-se dos casos em que uma lei, pretendendo vigorar para o futuro (eficácia ex nunc), acaba por «tocar» em situações, direitos ou relações jurídicas desenvolvidos no passado mas ainda existentes. Podem apontar-se vários exemplos: normas modificadoras dos pressupostos do exercício de uma profissão; regras de promoção nas carreiras públicas; normas que regulam, de forma inovadora, relações jurídicas contratuais tendencialmente duradouras (…); normas reguladoras dos regimes pensionísticos da segurança social. Nestes casos, a nova regulação jurídica não pretende substituir ex tunc a disciplina normativa existente, mas ela acaba por atingir situações, posições jurídicas e garantias «geradas» no passado e relativamente às quais os cidadãos tem a legítima expectativa de não serem perturbados pelos novos preceitos jurídicos. … Nestas hipóteses pode ou não ser invocado, para a obtenção de uma norma de decisão, o princípio da confiança? A resposta, em geral, aponta para uma menor intensidade normativa do princípio nas hipóteses de «retroactividade inautêntica» (também chamada retrospectividade) do que nos casos de verdadeira retroactividade. O problema que se coloca é o de delimitar com rigor a valores negativos da retroactividade. Em primeiro lugar, devem trazer-se à colação os direitos fundamentais: saber se a nova normação jurídica tocou desproporcionada, desadequada e desnecessariamente dimensões importantes dos direitos fundamentais (…) ou se o legislador teve o cuidado de prever uma disciplina transitória justa para as situações em causa. (…)” (in: “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 7.ª edição, págs. 261 e 262). Ora o princípio do Estado de Direito Democrático garante seguramente um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas suas expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica. Daí não deriva que toda a norma retroactiva deva reputar-se inconstitucional, mas só aquela que viola de forma intolerável a segurança jurídica e a confiança que as pessoas e a comunidade têm obrigação (e também o direito) de depositar na ordem jurídica que as rege. Ou seja, só quando a retroactividade não for arbitrária ou opressiva e a nova situação jurídica não for de todo imprevisível ou improvável, se poderá dizer não saírem aqueles princípios violados Tal como se pode ler no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 559/98 “… pouco importa que a norma sub iudicio, com a interpretação apontada, seja retroactiva ou apenas retrospectiva. Tratando-se de um domínio em que a retroactividade da lei não está constitucionalmente vedada (ela é apenas proibida no domínio penal, e, ainda assim se a retroactividade não for in melius; no domínio fiscal e no das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias), quer a lei seja retroactiva, quer seja retrospectiva, ela só é inconstitucional, se violar princípios constitucionais autónomos. E isso é o que sucede, quando a lei afecta, de forma ‘inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa’, direitos ou expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos. Num tal caso, com efeito, a lei viola aquele mínimo de certeza e de segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito. A este impõe-se, na verdade, que organize a ’protecção da confiança na previsibilidade do direito, como forma de orientação de vida’ …. Por conseguinte, apenas uma retroactividade intolerável, que afecte, de forma inadmissível e arbitrária, os direitos ou as expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos, viola o princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito, consagrado no artigo 2º da Constituição da República …”. Ora, se é certo que o art. 12.º do CC não tem que condicionar o sentido da retroactividade utilizado pelo legislador constitucional em todas as manifestações de proibição de retroactividade, nomeadamente quanto à chamada retroactividade inautêntica ou retrospectividade, temos, por outro lado, que não é de excluir, em certos casos, por razões garantísticas, uma concepção mais ampla de retroactividade. Todavia, onde não existirem especiais razões para afastar o conceito de retroactividade adoptado pelo CC ele será constitucionalmente adequado, por exprimir uma linguagem jurídica comum, tendencialmente válida em todos os sectores do nosso ordenamento jurídico (vide, a este propósito, Prof. A. Menezes Cordeiro em “Problemas de Aplicação da Lei no Tempo. Disposições Transitórias”, A Feitura das Leis, II, 1986, págs. 374 e segs. – sustentando que o art. 12.º do CC, embora não estando inserido na CRP funciona como uma autêntica bitola profunda da ordem jurídica). Por outro lado, temos que a conduta da Administração deve ser consentânea com a situação de facto e com o quadro legal vigente (normas e princípios) à data da sua actuação, em obediência ao chamado princípio “tempus regit actum”. Daí que, por regra e em conformidade com o citado art. 12.º do CC, as normas de direito administrativo aplicam-se a todos os factos e situações que ocorram no período da sua vigência. Nessa medida, se a lei nova nada dispuser em contrário temos que se aplica também e imediatamente às situações que, tendo-se iniciado antes da sua entrada em vigor ainda subsistam e projectem a sua existência no futuro. Contudo, a aplicação do regime geral de eficácia temporal decorrente da lei nova pode ser afastado por normas transitórias, normas essas que, igualmente, devem observar os princípios e comandos constitucionais, mormente, o principio do Estado de Direito Democrático e os princípios dele decorrentes da confiança e da segurança jurídica. O princípio do Estado de Direito Democrático garante seguramente um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas suas expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica. Não podemos deixar de ter sempre como presente que o homem para além de liberdade carece de segurança para poder conduzir, planificar, estruturar e conformar de forma autónoma e responsável a sua vida. Nessa medida, a vida num Estado de Direito Democrático terá de estar ancorada necessariamente nos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança. O princípio da segurança jurídica, enquanto implicado no princípio do Estado de Direito Democrático, comporta duas ideias basilares. Uma, a de estabilidade, no sentido de que as decisões estatais, incluindo as leis, «não devem poder ser arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável a alteração das mesmas quando ocorram pressupostos materiais particularmente relevantes». Outra ideia é a da previsibilidade que, no essencial se «reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos». Daí que a realização e efectivação do princípio do Estado de Direito, no nosso quadro constitucional, impõe que seja assegurado um certo grau de calculabilidade e previsibilidade dos cidadãos sobre as suas situações jurídicas, ou seja, que se mostre garantida a confiança na actuação dos entes públicos. É, assim, que o princípio da protecção da confiança e segurança jurídica pressupõe um mínimo de previsibilidade em relação aos actos do poder, por forma a que a cada pessoa seja garantida e assegurada a continuidade das relações em que intervém e dos efeitos jurídicos dos actos que pratica. Assiste às pessoas o direito de poderem confiar que as decisões sobre os seus direitos ou relações/posições jurídicas tenham os efeitos previstos nas normas que os regulam e disciplinam. Sobre isto a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional tem-se pronunciado no sentido de que ‘… apenas uma retroactividade intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos, viola o princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático …”, sendo que o “… direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados. Ao legislador não está vedado alterar o regime do casamento, do arrendamento, do funcionalismo ou das pensões, por exemplo (…). Cabe saber se se justifica ou não na hipótese da parte dos sujeitos de direito ou dos agentes um ‘investimento na confiança’ na manutenção do regime legal (…)” (cfr. acórdão n.º 287/90). Ou seja, não será consentânea com tal princípio a aplicação de uma lei nova a efeitos decorrentes de factos anteriores se “a confiança do cidadão na manutenção da situação jurídica com base na qual tomou as suas decisões for violada de forma intolerável, opressiva ou demasiado acentuada. Num tal caso, com efeito, a confiança na situação jurídica preexistente haverá de prevalecer sobre a medida legislativa que veio agravar a posição do cidadão. E isso porque, tendo tal confiança, nesse caso, maior ‘peso’ ou ‘relevo’ constitucional do que o interesse público subjacente à alteração legislativa em causa, é justo que o conflito se resolva daquela maneira” (cfr. acórdão n.º 232/91). Por outras palavras, será inconstitucional se “atingir de forma inadmissível, intolerável, arbitrária ou desproporcionadamente onerosa aqueles mínimos de segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar” (acórdão n.º 486/97). E no citado acórdão TC n.º 287/90 (reiterado no acórdão n.º 285/92) sustentou-se ainda que depois de se apurar se foram afectadas expectativas legitimamente fundadas havia ainda que averiguar se essa afectação é inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa, ou seja, a “ideia geral de inadmissibilidade” deveria ser, no seu entender, aferida pelo recurso a dois critérios: “… a) Afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição desde a 1ª revisão). Pelo primeiro critério, a afectação de expectativas será extraordinariamente onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária …”. A propósito da “segurança jurídica” e da “protecção da confiança” refere o Prof. J. J. Gomes Canotilho que “(…) a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica – garantia da estabilidade jurídica, segurança de orientação e de realização do direito – enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder – legislativo, executivo e judicial. O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo têm do direito poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas por esses actos jurídicos deixado pelas autoridades com base nessas normas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico (…)” (in: ob. cit., pág. 257). E mais à frente pode ler-se na lição do citado Professor que “(…) A mudança ou alteração frequente das leis (de normas jurídicas) pode perturbar a confiança das pessoas, sobretudo quando as mudanças implicam efeitos negativos na esfera jurídica dessas mesmas pessoas. O princípio do estado de direito, densificado pelos princípios da segurança e da confiança jurídica, implica, por um lado, na qualidade de elemento objectivo da ordem jurídica, a durabilidade e permanência da própria ordem jurídica, da paz jurídico-social e das situações jurídicas; por outro lado, como dimensão garantística jurídico-subjectiva dos cidadãos, legitima a confiança na permanência das respectivas situações jurídicas. Daqui a ideia de uma certa medida de confiança na actuação dos entes públicos dentro das leis vigentes e de uma certa protecção dos cidadãos no caso de mudança legal necessária para o desenvolvimento da actividade dos poderes públicos. … princípios, como o princípio da segurança jurídica e o princípio da confiança do cidadão, podem ser tópicos ou pontos de vista importantes para a questão da retroactividade, mas apenas na qualidade de princípios densificadores do princípio do estado de direito eles servem de pressuposto material à proibição da retroactividade das leis. Não é pela simples razão de o cidadão ter confiado na não-retroactividade das leis que a retroactividade é juridicamente inadmissível; mas o cidadão pode confiar na não-retroactividade quando ela se revelar ostensivamente inconstitucional perante certas normas ou princípios jurídico-constitucionais. (…) (in: ob. cit., págs. 259 a 261). Revertendo ao caso vertente temos que a Lei n.º 1/04 consagrou normas transitórias (cfr. arts. 01.º, n.ºs 6 a 8 e 02.º), normas essas que, no entendimento da recorrente, conduzem à rejeição da pretensão do associado do recorrido entendimento que não teve acolhimento na decisão judicial recorrida. Cremos que esta ajuizou bem a situação vertente e, nessa medida, o presente recurso jurisdicional deverá improceder. Explicitemos o nosso posicionamento. O associado do recorrido, tal como deriva da factualidade apurada, formulou a sua pretensão de aposentação antecipada ao abrigo e nos termos do regime legal decorrente do DL n.º 116/85 em 11/11/2003 [cfr. n.ºs I), II) e III)] nos serviços competentes da Câmara Municipal da Figueira da Foz e que esta, após instrução, remeteu o respectivo processo à CGA em 12/01/2004 e ali foi recebido em 14/01/2004 (cfr. n.ºs IV) e X) dos factos assentes]. Mais se infere da factualidade apurada que aquele requerimento apenas foi objecto de pronúncia por parte da CGA, através de ofício datado de 29/01/2004, determinando a devolução do processo de aposentação porquanto o DL n.º 116/85 havia sido revogado pelo n.º 3 do art. 01.º da Lei n.º 1/04 e que não tendo o pedido de aposentação sido enviado à CGA dentro do prazo estabelecido no n.º 6 do citado art. 01.º o mesmo não tem fundamento legal (cfr. n.º XI)). Ora por força do n.º 3 do art. 01.º da Lei n.º 1/04 o regime especial de aposentação antecipada previsto no DL n.º 116/85, ao abrigo do qual se iniciou o procedimento administrativo em crise, foi expressamente revogado. Assim, no caso “sub judice” compreende-se que a eliminação daquele regime especial previsto no DL n.º 116/85 por parte do legislador afecte expectativas dos destinatários da prescrição legal. Não havia razão específica para os destinatários que haviam formulado os seus requerimentos tendentes à sua aposentação ao abrigo daquele DL tivessem de antecipar aquela mutação da ordem jurídica, mormente, a imposição dum limite temporal e modo de definição ou aferição daquele momento findo o qual aquele direito se extinguia. Cientes dos considerandos anteriormente tecidos importa saber se tais expectativas, no caso do associado do recorrido, eram legítimas, no sentido de merecerem a tutela do Direito, ou se o legislador, através do quadro transitório definido, acautelou a possibilidade de formação de tais expectativas, advertindo os destinatários da impossibilidade de manterem aquele regime de aposentação. Tal como se aludiu a impossibilidade de previsão de uma mudança só frustra expectativas legítimas dos destinatários da norma em causa se estes não devessem razoavelmente contar com a possibilidade da mudança e, em particular, quando já haviam formulado pretensão substantiva junto da Administração nos termos ou fundada num regime normativo que lhe conferia um direito à aposentação antecipada. A este propósito atente-se no entendimento sustentado pelo Dr. J. Cândido Pinho, que aqui se sufraga, quando afirma que o “… regime da aposentação determina-se em função do momento em que certos factos jurídicos se verificarem (factos determinativos da aposentação e da reforma). Na aposentação exclusivamente voluntária (…), o facto a considerar é a data do despacho a reconhecer o direito à aposentação (…). Não releva, deste modo, a data da entrada do requerimento, até porque entre ela e a da resolução final a reconhecer o direito pode decorrer um período mais ou menos longo, no seio do qual possam advir alterações estatutárias ou legais que possam favorecer o requerente. É o que ‘de jure constituto’ está definido. Porém, mal e em desrespeito constitucional, em nossa opinião. Efectivamente, cremos que sempre deverá relevar a data em que é apresentado o requerimento nos casos em que à época o interessado já reúna em si os pressupostos efectivos para a concessão da aposentação. Na verdade, se na data em que a aposentação for pedida já o funcionário dispuser das condições factuais para a aposentação, não faz sentido submeter o regime desta ao universo jurídico existente no momento em que a resolução definitiva vier a ser tomada uma vez que no momento em que faz o pedido já o direito se encontra adquirido. Pode entre a apresentação do requerimento e a decisão final interpor-se um intervalo de tempo mais ou menos prolongado que se reflicta negativamente sobre a esfera do requerente. Imagine-se, por exemplo, que na data em que a aposentação vem a ser decidida já os requisitos legais se alteraram (v.g., de 65 anos o limite subiu para 70; ou da verificação exclusiva do tempo de 36 anos de serviço para a obtenção da reforma ‘por inteiro’, a lei nova passou a exigir um novo factor adicional de 65 anos de idade). Nos exemplos apontados, o requerente quando efectua o pedido já atingiu os 65 anos de idade ou já tinha perfeito os 36 anos de serviço. Tinha nesse instante uma séria, fortíssima e legítima expectativa de que a reforma lhe seria concedida nos moldes legais existentes e já conhecidos, nunca em função de requisitos futuros totalmente ignorados. Assim, é de entender que o regime aplicável é o existente na data em que o pedido é apresentado se estiverem já reunidos os pressupostos factuais de acordo com a lei vigente nessa ocasião. Se assim não se entender, estar-se-á a violar os princípios sagrados da boa fé e da confiança (art. 6.º-A do CPA), de consagração constitucional (art. 266.º, n.º 2 da CRP) e que, enquanto corolários da segurança jurídica, se apresentam como pilares infra-estruturantes de um verdadeiro estado de direito, respeitador do indivíduo, das relações inter-individuais e administrativas e dos princípios jurídico-normativos que em cada momento as disciplinam (…).” (in: “Estatuto da Aposentação - Anotado - Comentado - Jurisprudência”, 2003, pág. 161). E a propósito da alteração legislativa introduzida pelo art. 09.º da Lei n.º 32-B/02, de 30/12, entretanto julgada inconstitucional, conclui o citado Autor “… Alterações legais que, por conseguinte, venham a ocorrer posteriormente à data do requerimento somente serão de relevar nos casos em que se repercutam positivamente na esfera dos interessados, ou seja, quando se mostrem mais favoráveis aos interesses dos visados. Se o interessado manifesta a sua vontade e exercita o seu direito num dado momento, mostrando que quer ver a sua situação resolvida ao abrigo do regime vigente nessa altura, não poderá o caso ser resolvido senão pela lei desse momento. A lei nova não pode, assim, retroagir os seus efeitos sobre uma situação de facto consolidada anteriormente (cfr. art. 13.º do CC). É um pouco essa preocupação que subjaz ao art. 09.º, n.º 6 da Lei n.º 32-B/2002, de 30/12, na medida em que garante a aplicação da lei anterior aos subscritores cujos processos sejam enviados à CGA (não apenas recebidos) até 31/12/2002. Mas, ainda assim, esta salvaguarda está aquém da garantia plena que tem que ser reconhecida a quem em 31/12/2002 reunisse as condições para a aposentação mais favorável segundo o regime anterior. Cremos na verdade, que o que importa é a data da verificação dos pressupostos, não a data do envio, que até pode, e nalguns casos, até terá mesmo que ser posterior (basta pensar nas situações em que os pressupostos se reúnem apenas no final do ano; é bom de ver que nesses casos, os serviços não terão tempo de enviar o processo devidamente instruído até 31/12). Essa inquietação, porém, é sossegada pelo n.º 8 do mesmo art. 09.º, ao firmar o postulado de que relevante é, afinal, a situação material existente em 31/12/2002 (…)” (in: ob. cit., pág. 162). Transpondo para a situação em análise os considerandos ora reproduzidos temos que no quadro fáctico-jurídico vertente não poderá deixar de se considerar que a actuação da CGA, tal como foi considerado pela decisão judicial recorrida, é claramente violadora dos valores e princípios da protecção da confiança, da boa fé e da segurança jurídica que devem nortear e pautar um Estado de Direito Democrático. É certo que numa interpretação estritamente literal das disposições conjugadas do n.º 6 do art. 01.º e do art. 02.º da Lei n.º 1/04 o regime de aposentação antecipada previsto e regulado no DL n.º 116/85 não se aplicaria aos processos de aposentação que tivessem sido enviados à CGA em data posterior a 01/01/2004, já que atendendo à data em que o processo de aposentação do associado do recorrido foi enviado à CGA, no caso, 12/01/2004, e nela recepcionado em 14/01/2004, a ele não seria aplicável aquele DL mas ao invés o regime previsto no art. 37.º-A EA (ora aditado n.º 2 do art. 01.º da Lei n.º 1/04). Contudo, pensamos não ser ou dever ser essa a correcta interpretação do quadro legal. Na verdade, a Lei n.º 1/04 foi aprovada pela Assembleia da República em 04/12/2003 e só veio a ser publicada, gozando de força de lei e de eficácia, em 15/01/2004 quando o associado do recorrido havia formulado a sua pretensão substantiva de aposentação antecipada em 11/11/2003 e fundado num quadro legal no qual confiava legitimamente e do qual poderia esperar, nos termos do art. 03.º, n.º 1 do DL n.º 116/85, um prazo de 30 dias contado da data da entrada do seu requerimento, para o processo ser informado pelo respectivo departamento, designadamente quanto a inexistência de prejuízo para o serviço, para a sua submissão a despacho de concordância por quem tiver poderes para esse efeito e obtido esse à sua remessa ou envio para a CGA. Aquele interessado uma vez formulada a sua pretensão deixa por completo de controlar o procedimento administrativo tendente à análise do pedido de aposentação. Assim, não pode o mesmo ser responsabilizado ou prejudicado pela demora na actuação dos serviços da Administração, não sendo legítimo que o mesmo, confiando no regular e normal andamento dos processos e no respeito escrupuloso dos prazos, venha a ser confrontado com o incumprimento daqueles prazos e penalizado na sua esfera jurídica por motivos aos quais é alheio e que apenas são assacáveis a omissão da Administração. Sob pena de enfermar de inconstitucionalidade pensamos que tanto a letra como o sentido da norma transitória inserta no n.º 6 do art. 01.º na sua concatenação com o n.º 8 do mesmo normativo vão no sentido de não aplicar o disposto nos n.ºs 1 a 5 aos subscritores cujos processos de aposentação tenham sido formulados e enviados à CGA pelos respectivos serviços ou entidades até a data da entrada em vigor daquela Lei aqui entendida no sentido dado pelo art. 02.º da Lei n.º 74/98, ou seja, até à data da sua publicação (15/01/2004) e desde que os interessados reunissem até 31/12/2003 as condições legalmente exigidas para a concessão da aposentação. O que o legislador ordinário pretendeu foi salvaguardar as situações dos subscritores cujos processos de aposentação se haviam iniciado antes de 31/12/2003, que entraram na CGA até à data da entrada em vigor da lei nova, aposentando-os de harmonia com a lei antiga desde que os mesmos reunissem, àquela data, os respectivos requisitos. Atente-se, aliás, para o efeito o regime vertido no n.º 8 do art. 01.º da citada Lei. A assim se não interpretar este quadro legal, num esforço para o compatibilizar com a Lei Fundamental, temos que outra solução não nos resta que não seja a de que considerar tal regime transitório definido na Lei n.º 01/04 como violador dos princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica estruturantes dum Estado de Direito Democrático (arts. 02.º, 03.º e 266.º, n.º 2 da CRP) e como tal inconstitucional. De facto, o requerente, associado do ora recorrido, quando efectuou o pedido de aposentação antecipada (em 11/11/2003) teria de ter completado os 36 anos de serviço, sendo que, para obter o deferimento da sua pretensão, impunha-se conseguir informação e despacho concordante quanto ao outro requisito cumulativo, o da “inexistência de prejuízo para o serviço”. Tinha, pois, nesse momento uma séria, uma fortíssima e legítima expectativa de que a reforma lhe seria concedida nos moldes legalmente existentes e ao abrigo dos quais formulou a sua pretensão, mas nunca em função de requisitos futuros totalmente ignorados e que vieram a ser introduzidos pela Lei n.º 01/04. Formulada pretensão junto da Administração ao abrigo de determinado quadro legal é de entender que o regime aplicável será o existente na data em que o pedido é apresentado, devendo ser à sua luz, dos seus requisitos, que a pretensão terá de ser analisada, deferindo-a ou indeferindo-a. A assim não ser considerado estar-se-á perante uma violação dos princípios sagrados da confiança e da segurança jurídica, os quais se apresentam como pilares basilares dum Estado que se reclama de direito e respeitador do indivíduo. A lei nova não pode legitimamente retroagir os seus efeitos sobre uma situação de facto consolidada anteriormente (dedução de requerimento contendo pretensão de aposentação ao abrigo de determinado regime legal) quando a confiança do cidadão na manutenção da situação jurídica com base na qual tomou a sua decisão foi violada duma forma que se reputa de intolerável por efeito duma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, não podia contar e sem que a necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos se devam considerar prevalecentes. Um regime transitório como o consagrado na Lei n.º 01/04 que se abstrai por completo da data em que é formulado o requerimento contendo pedido de aposentação antecipada ao abrigo do DL n.º 116/85, que se limita a atender apenas à data em que o processo deu entrada ou tinha de ter dado entrada na CGA, penalizando e prejudicando os administrados cujos processos apenas deram entrada na CGA após a entrada em vigor e por motivos a que os mesmos são absolutamente alheios não pode ter-se como respeitador dos princípios em referência. Não é minimamente aceitável à luz dos mesmos princípios que um diploma com este alcance e com os efeitos negativos ao mesmo conexos na esfera jurídica dos interessados venha a ser publicado apenas no dia 15/01/2004 reportando retroactivamente seus efeitos a 01/01/2004 e fazendo com que os processos de aposentação remetidos à CGA, ao abrigo dum determinado regime legal vigente por devido, regular e legitimamente publicado e publicitado (DL n.º 116/85) no qual se confiava e se depositavam expectativas, ficassem destituídos de fundamento legal. Cremos, por conseguinte, que o que importa para assegurar no caso os princípios constitucionais em referência é a data da dedução da pretensão e não a data do envio a qual até pode, e nalguns casos, até terá mesmo que ser posterior. Aliás, essa inquietação preside ao próprio teor da solução consagrada no n.º 8 do mesmo art. 01.º quando ali se firma o postulado de que o que é relevante é, afinal, a situação material existente em 31/12/2003. As regras basilares dum Estado de Direito Democrático (art. 02.º da CRP) reclamam que no caso a confiança e segurança na situação jurídica preexistente haverá de prevalecer sobre a medida legislativa que veio agravar a posição do cidadão e isso porque, tendo tal confiança, nesse caso, maior ‘peso’ ou ‘relevo’ constitucional do que o interesse público subjacente à alteração legislativa em causa, é justo que o conflito se resolva daquela maneira postulando um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia razoavelmente contar. Pese embora no caso em apreço o interessado não dispusesse, nem à data de apresentação do requerimento (11/11/2003) nem à data da publicação da Lei n.º 1/04, de um direito subjectivo à aposentação consolidado na sua esfera jurídica, era, todavia, detentor de uma expectativa legítima, juridicamente criada, de que o seu pedido de aposentação iria ser apreciado e decidido à luz do regime legal vertido no DL n.º 116/85. Ressuma de tudo o atrás exposto que a CGA ao devolver o processo de aposentação antecipada deduzido pelo associado do recorrido através do ofício datado de 29/01/2004 com a fundamentação no mesmo veiculada fez ou uma errada aplicação da lei decorrente duma incorrecta interpretação dos arts. 01.º e 02.º da Lei n.º 1/04, ou, então, estribou-se em quadro legal que em concreto padece de inconstitucionalidade por ofensa aos princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica porquanto definiu regime transitório cujo lapso temporal limite imposto como condição de apreciação da pretensão de aposentação ao abrigo dum determinado regime legal (no caso o vertido no DL n.º 116/85) ofende e põe claramente em causa aqueles princípios, subvertendo as regras num Estado de Direito. Refira-se, ainda, que se é certo que o art. 43.º do EA incorpora uma previsão genérica de possibilidade de mudança de regimes, ao determinar que o regime da aposentação se fixa com base na lei em vigor e na situação existente à data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação, tal não significa, sob pena também de inconstitucionalidade do normativo, que perante um pedido de aposentação formulado ao abrigo dum determinado quadro legal, no qual se consagrava a possibilidade de aposentação antecipada, o mesmo venha a ser rejeitado ou devolvido pelo simples facto de entretanto se ter publicado novo quadro legal que eliminou aquela forma de aposentação e que fez aplicação desse novo regime legal a procedimentos administrativos que estavam já em curso e que se haviam legitimamente fundado num quadro legal que à data da sua interposição vigorava. Como justificar ou considerar adequada e respeitadora da Lei Fundamental uma solução legal transitória que permite que dois interessados que hajam formulado a mesma pretensão (aposentação antecipada ao abrigo do DL n.º 116/85) num mesmo dia (v.g., 01/09/2003 ou outra qualquer data até 31/12/2003) possam ver a Administração decidir em sentidos diametralmente opostos pelo simples facto de quanto a um dos indivíduos o processo se haver desenvolvido com respeito dos prazos e o processo ter dado entrada na CGA antes de 31/12/2003 e quanto ao outro por omissão da Administração o processo só ter dado entrada após aquela data. Não é jurídica e eticamente sustentável e defensável uma tal solução. Não está aqui em causa a constituição ou não dum direito adquirido por parte dos interessados à aposentação antecipada mas apenas a tutela legítima do interesse na confiança e na segurança jurídicas de todos aqueles que já haviam formulado pretensão invocando um quadro legal de referência e que confiadamente esperavam uma decisão ao abrigo do mesmo quadro legal pretensivo. Note-se que nesta sede não se está a tutelar posições ou eventuais direitos de cidadãos que à data da entrada em vigor da nova lei ainda não haviam formulado qualquer pretensão pois relativamente a estes é legítimo o operar e a aplicabilidade do novo regime legal visto os mesmos não deterem posição ou situação substantiva merecedora de protecção da confiança e da segurança jurídica. Já o mesmo não pode ser entendido quanto a todos aqueles que tinham formulado requerimento segundo regime legal que à data vigorava e visando um determinado objectivo. Deve, assim, concluir-se pela inconstitucionalidade material das normas vertidas no n.º 6 do art. 01.º e do art. 02.º da Lei n.º 01/04 quando entendidas no sentido de que não é aplicável o regime do DL n.º 116/85 aos processos que se iniciaram antes de 31/12/2003 pelo simples facto de não terem dado entrada na CGA até à data da entrada em vigor daquela Lei, por violação conjugada do dispostos nos arts. 02.º e 266.º da CRP (princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica inerentes ao princípio do Estado de Direito). Nessa medida, a decisão da CGA objecto de apreciação na presente acção administrativa, assentando os seus pressupostos nos citados normativos, cuja aplicação este tribunal se recusa a fazê-lo por os mesmos contrariarem a CRP, padece de ilegalidade que a invalida, conclusão a que se chegou igualmente na decisão judicial recorrida, sendo certo que no mais esta não se mostra impugnada no presente recurso jurisdicional e como tal dela não cumpre cuidar nesta sede. Improcede, por conseguinte, na totalidade o presente recurso jurisdicional. Nestes termos, acordam em conferência os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando-se, assim, com a fundamentação antecedente a decisão judicial recorrida. Custas a cargo da R., aqui ora recorrente, com redução a metade da taxa de justiça [cfr. arts. 73.º-A, n.º 1, 73.º-E, n.º 1, al. a), 18.º, n.º 2 todos do CCJ e 189.º do CPTA]. Notifique-se. DN. Ass.) Carlos Luís Medeiros Carvalho Ass.) José Augusto Araújo Veloso Ass.) Jorge Miguel Barroso Aragão Seia |