Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00291/11.1BEPRT-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/27/2012
Tribunal:TCAN
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
Sumário:1 . A intervenção acessória (provocada) destina-se aos casos em que ocorre a existência de uma relação jurídica material conexa com aquela que é objecto da acção
2 . O juiz deve desconsiderar as normas puramente adjectivas e promover a procura do julgamento do fundo da pretensão material apresentada, se a aplicação literal da norma processual conduzir a solução formal grosseiramente injusta, por não se fundar de todo num interesse digno de protecção.
3 . A admissibilidade da intervenção provocada acessória de terceiro ao lado do réu depende forçosamente da articulação de factos que relevem a existência de uma relação jurídica material conexa com a que é objecto da respectiva acção, envolvente do réu e de um terceiro, bem como de factos reveladores de que, perdida a demanda, o réu tem direito de regresso contra o terceiro.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:09/20/2011
Recorrente:F. ..., S.A. e outra
Recorrido 1:Município de Vila do Conde
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Concede provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Deverá ser julgado procedente o recurso jurisdicional
1
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:
I
RELATÓRIO

1 . "F. …, SA" e" A. …, SA", identif. nos autos, inconformadas, vieram interpor o presente recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 2 de Abril de 2011, que, no âmbito da acção administrativa comum, sob forma ordinária, instaurada por M. … (e outro) contra o MUNICÍPIO de VILA do CONDE e as ora recorrentes (associadas em consórcio), com vista a obterem indemnização por danos decorrentes de obras realizadas no âmbito de empreitada de obras públicas --- arranjo urbanístico da Praça …, com prévia concepção e construção de parque de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras ---, indeferiu o incidente de intervenção principal provocada deduzido pelas RR., ora recorrentes, quanto à "A. … - Companhia de Seguros, SA".
*
As recorrentes apresentaram alegações que concluíram do seguinte modo:
"1 . Em sede de contestação e para efeitos de intervenção provocada a título principal, as rés/recorrentes alegaram ter celebrado com a seguradora A. … contrato de seguro titulado por apólice que juntaram, mais tendo alegado o respectivo objecto do seguro, o local de risco convencionado e o facto de que por força de tal contrato de seguro a seguradora garantiu aos segurados, até ao limite de quinhentos mil euros, o pagamento das indemnizações legalmente exigíveis a título de responsabilidade civil extracontratual, em consequência de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros directamente relacionados com a execução dos trabalhos objecto do seguro e ocorridos no local de risco ou nos locais imediatamente contíguos.
2 . A capacidade de terceiro para intervir a título principal, do lado passivo, afere-se fundamentalmente pela possibilidade de essa parte poder ser directamente demandada pelo autor (circunstância que já não sucede com a intervenção acessória), independentemente da demanda do co-réu.
3. No caso dos autos, os autores podiam – caso assim o tivessem pretendido – ter demandado directamente a seguradora (invocando a apólice em apreço), podendo ainda fazê-lo sem demandar as próprias seguradas (aqui recorrentes).
4. A seguradora não surge nos autos apenas para acautelar um eventual regresso das recorrentes, surgindo sim (ou assim podendo surgir) em situação de paridade com as rés, porquanto perante os mesmos autores todos podem ser demandados nos mesmos termos, substituindo-se a seguradora na obrigação de indemnizar por força da transferência de responsabilidade resultante do contrato de seguro.
5. A intervenção da seguradora a título principal obtém sustentação nos Acórdãos da Relação do Porto de 14/06/2010 (in dgsi, processo nº 9506/08.2TBMAI-A.P1) e de 10/10/2002 (in dgsi processo 0231062).
6. Reconhecendo as recorrentes que a posição jurisprudencial dominante vai no sentido da qualificar a intervenção provocada de seguradora (com excepção dos casos de seguro automóvel obrigatório) como acessória, conformar-se-iam com tal entendimento desde que a intervenção requerida fosse convolada para acessória.
7. É inequívoco o interesse das recorrentes em trazer ao pleito a companhia seguradora para quem transferiram a responsabilidade civil extracontratual e a concomitante obrigação de indemnizar.
8. A convolação em acessória de intervenção provocada qualificada pela parte como principal não constitui uma liberalidade ou manifestação de boa vontade do julgador, mas sim o exercício de uma actuação que lhe é imposta por lei, mormente pelos princípios do inquisitório, da adequação formal e da cooperação consagrados nos artigos 265º, 265º-A e 266º do CPC.
9. O poder-dever da convolação de intervenção principal em acessória obtém sustentação em jurisprudência claramente maioritária, mormente nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 22/04/2004 (in dgsi, processo nº 745/2004-6) e de 31/10/2007 (in dgsi proc. nº 7889/2007-4) e no Acórdão da Relação do Porto de 15/10/2007 (in dgsi, processo 0733398), desde que dos factos alegados para sustentar a intervenção principal se possa extrair a conclusão de que a qualificação jurídica adequada é a da intervenção provocada acessória.
10. No caso dos autos os factos alegados para sustentar a requerida intervenção a título principal são os únicos que as recorrentes poderão alegar para sustentar uma intervenção a título acessório.
11. Constituindo a mera qualificação jurídica o ponto de divergência entre o requerido pelas partes e o aceite pelo juiz do processo, nada justifica que a decisão recorrida não tenha convolado a intervenção principal em acessória, sendo que, ao não fazê-lo, violou as disposições constantes dos artºs 265º, 265º-A, 266º e 664º, todos do CPC.
12. Mesmo que a alegação das recorrentes com vista à intervenção principal fosse deficitária para sustentar uma intervenção acessória, sempre a parte deveria ser convidada a corrigir o requerimento, com base no mesmo princípio da cooperação (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 19/10/1999, in dgsi processo 9921088)".
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Notificados das alegações, apresentadas pelas recorrentes nada disseram as demais partes processuais.
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2 . O Digno Procurador Geral Adjunto, neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, pronunciou-se pelo provimento do recurso.
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3 . Dispensados os vistos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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4 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelas recorrentes, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO

Com interesse para a decisão dos autos, importa reter os seguintes factos:
1 . M. … (e outro) instauraram acção administrativa comum, sob forma ordinária, contra o Município de Vila do Conde e as ora recorrentes (associadas em consórcio), com vista a obterem indemnização por danos decorrentes de obras realizadas no âmbito de empreitada de obras públicas --- arranjo urbanístico da Praça …, com prévia concepção e construção de parque de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras.
2 . Na contestação apresentada, as co-RR./Recorrentes "F. …, SA" e" A. …, SA", requereram a intervenção principal provocada da "A. … - Companhia de Seguros, SA"., para a qual haviam transferido a responsabilidade referente à empreitada, dita em 1, nos termos do contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 74/07/390, até ao limite de 500.000,00 € por sinistro, bem como o pagamento das indemnizações legalmente exigíveis a título de responsabilidade civil extra contratual, em consequência de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros directamente relacionados com a execução dos trabalhos objecto do seguro e ocorridos no local de risco ou nos locais imediatamente contíguos.
3 . O TAF do Porto proferiu a seguinte decisão, em apreciação do requerimento dito em 2:
"O Réu “F. …, S.A e A. …, S.A”, na sua contestação de fls. 92 e seguintes (processo físico) vem requerer a intervenção principal provocada da companhia seguradora “A. …-COMPANHIA DE SEGUROS, S.A”, invocando como fundamento para o referido pedido de intervenção, que celebrou um contrato de seguro com a dita seguradora, tendo por objecto a empreitada de arranjo urbanístico da Praça …, com prévia concepção e construção de parque de estacionamento subterrâneo para viaturas ligeiras;
Que sendo tomador do seguro as consorciadas F. … e A. …, por força do aludido contrato de seguro são segurados as empresas consorciadas, na qualidade de empreiteiro geral, a Câmara Municipal de Vila de Conde, na qualidade de dono da obra, bem como de todos os subempreiteiros na obra objecto do seguro e nos locais da sua realização;
Que nos termos do referido contrato, a A. … (Companhia de Seguros) garantiu aos segurados, até ao limite de €500.000,00 por sinistro, o pagamento das indemnizações legalmente exigíveis a título de responsabilidade civil extracontratual, em consequência de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros relacionados com a execução dos trabalhos objecto do seguro e ocorridos no local de risco ou nos imediatamente contíguos, o que justifica a sua intervenção nos presentes autos, a título principal, figurando como associada das Rés.
Notificados da contestação apresentada e do pedido de intervenção principal provocada deduzido pelo sobredito Réu, os Autores pronunciarem-se contra a admissão da referida intervenção principal provocada, alegando, em síntese, desconhecerem a existência da mencionada apólice de seguro, razão pela qual não demandaram a referida seguradora, não vendo utilidade no seu chamamento, por desconhecerem se a referida apólice corresponde à verdade.
Apreciando e decidindo:
Nos presentes autos está em causa uma acção administrativa comum, cuja tramitação remete de forma directa, nuns casos, e de forma supletiva, noutros casos, para as normas do processo civil – cfr. artigos 35º nº1 e 1º do CPTA
O instituto jurídico da intervenção principal provocada está regulado no Código de Processo Civil, nos artigos 325.º e seguintes, e visa constituir como parte processual principal pessoas entre as quais a instância originariamente não se constituiu, através do seu chamamento quer por iniciativa do autor, quer por iniciativa do réu, constituindo, assim, uma manifestação do princípio da economia processual, passando por via dessa intervenção o chamado a assumir a posição jurídica de autor ou de réu.
Nos termos do preceituado no artigo 325.º do CPC: «1-Qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2- Nos casos previstos no artigo 31.º - B, pode ainda o autor chamar a intervir como réu o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido.
3- O autor do chamamento alega a causa do chamamento e justifica o interesse que, através dele, pretende acautelar».
Por sua vez, consigna-se no artigo 31.º - B do CPC que: «É admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução de pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida».
Assim, a intervenção provocada pressupõe que o chamado e a parte, à qual se deve associar, tenham um interesse igual na causa, desenhando-se uma situação de litisconsórcio sucessivo, seja necessário, seja voluntário, ou então, de coligação ou ainda que se esteja perante um dos casos previstos no artigo 31.º-B do CPC.
Acresce que, nos termos do disposto no artigo 321.º do CPC, o interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu.
Na situação sub judice não se está perante um caso de litisconsórcio necessário ou voluntário, na medida em que a relação que intercede entre o réu e o chamado não é a mesma relação jurídica, posto que a relação que intercede entre o Réu e o chamado deriva dum contrato de seguro celebrado entre ambos e não da relação jurídica de que deriva a responsabilidade civil extracontratual que é imputada ao Réu nestes autos e que neles está em causa.
Acresce que, também não se está perante uma situação de coligação na medida em que esta pressupõe uma diversidade de relações jurídicas materiais mas nos termos do disposto no art.º 30.º a causa de pedir naquelas é a mesma e única, os pedidos estão entre si numa relação de prejudicialidade ou dependência ou embora sendo diferentes a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais depende, essencialmente, da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas.
Outrossim, conforme flui do requerimento de intervenção principal provocada apresentado, em que se verifica que o incidente é apresentado pelo Réu, que o caso não se subsume ao art.º 31.º-B do CPC, uma vez que aí o que se prevê ser admitida é a dedução subsidiária do mesmo pedido, ou a dedução do pedido subsidiário por Autor ou contra Réu diverso do que demanda ou é demandado a título principal no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida, o que significa que é uma norma que se aplica ao Autor e não ao Réu – é o autor que perante uma situação de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida pode lançar mão do expediente legal previsto neste normativo. O art.º 325.º, n.º2 do CPC é expresso no sentido que o incidente de intervenção principal provocada com fundamento no apontado artigo 31.º-B apenas pode ser deduzido pelo Autor e não também pelo Réu ao estatuir que, “nos casos previstos no art.º 31.º-B pode ainda o autor chamar a intervir como réu o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido”.
No caso presente, o que sucede é que tendo sido demandadas as Rés com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, a Ré Consórcio F. … invocando a celebração com a chamada de um contrato de seguro, deduziu o incidente da intervenção principal provocada contra essa seguradora pretendendo, pois, com isso, que a interveniente assuma a posição de Ré nos presentes autos para no caso de procedência da acção, esta ser condenada no pedido em vez dela própria, de onde flui que a deferir-se o incidente da intervenção principal provocada o interveniente jamais iria fazer valer neste processo um direito próprio paralelo ao dos réus, mas um antagónico, o que tudo significa, não se encontrarem preenchidos os pressupostos de que depende o deferimento do presente incidente de intervenção principal provocada.
Diferente seria, se o aqui Réu tivesse deduzido o incidente de intervenção principal acessória previsto artigo 330.º do CPC.
Na verdade, esse incidente funda-se na existência de uma eventual acção de regresso do Réu em caso de procedência da acção visando aquele com esse chamamento fazer intervir nos autos o chamado como auxiliar na sua defesa, sempre que este careça de legitimidade para intervir como parte principal na acção, visando o Réu com esse chamamento salvaguardar-se na acção de regresso, que eventualmente venha a ser, posteriormente, instaurada, para que nela o chamado não possa questionar o resultado da acção anterior onde foi proferida condenação que serve de base à acção de regresso.
Tal incidente não interfere com a delimitação do objecto da acção, mantendo-se inalterada as questões submetidas à apreciação do tribunal, sendo o chamado admitido a discuti-las na medida em que nisso possa ter interesse, sendo-lhe estendido, a final, o efeito do caso julgado a formar com a decisão que vier a recair sobre o objecto da acção – Ac. Rel.Lisboa de 08/03/07, processo 1064/06.2, in base de dados da DGSI.
Sucede que a intervenção acessória provocada pressupõe que o Réu, além de ter que formular pedido nesse sentido sob pena de ser postergado o art.º 661.º, n.º1 do CPC , que aquele deduza ainda factos de onde resulte que aquele tem um direito de regresso contra o interveniente e funde o incidente nesse direito de modo a que convença o juiz da viabilidade da acção de regresso e da sua conexão com a causa principal – art.º 331.º, n.º2 do CPC.
Acontece que na situação vertente o Réu não deduz o incidente da intervenção acessória provocada (mas o da intervenção principal provocada) e não funda a sua pretensão no direito de regresso, que não invoca, tanto assim que o que pretende é que a interveniente seja condenada em vez dele, o que tudo impede que se converta ex oficio o presente incidente de intervenção principal provocada em intervenção acessória, deferindo-se, com isso algo que não foi pedido.
Nessa conformidade, julgo improcedente o incidente de intervenção principal provocada de terceiros deduzido pelo Réu e, em consequência, indefiro o mesmo" - despacho recorrido.

2 . MATÉRIA de DIREITO

Assente a factualidade apurada, cumpre, agora, entrar na análise do objecto do recurso jurisdicional o qual se objectiva unicamente em avaliar se, no caso concreto dos autos, a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento ao não ter admitido a intervenção principal provocada da seguradora "A. … - Companhia de Seguros, SA", ou não ter convolado esse pedido em intervenção acessória, sendo que, se necessário, sempre poderia solicitar o aperfeiçoamento do requerimento com vista obter-se este desiderato.
*
No caso dos autos, os AA./recorridos M. … (e outro) instauraram, junto do Tribunal Judicial de Vila do Conde, acção para exercitar a responsabilidade civil extracontratual do R./Recorrido Município de Vila do Conde, por alegados danos na sua habitação, demandando igualmente as ora recorrentes como co-rés, na qualidade de empreiteiro das obras concursadas pelo Município de Vila do Conde.
Na contestação, as ora recorrentes, depois de excepcionarem a competência material dos tribunais comuns, requereram, a intervenção principal provocada da "A. … - Companhia de Seguros, SA", para a qual haviam transferido a responsabilidade referente à empreitada em causa, nos termos do contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 74/07/390, até ao limite de 500.000,00 € por sinistro, bem como o pagamento das indemnizações legalmente exigíveis a título de responsabilidade civil extra contratual, em consequência de lesões corporais e/ou materiais causados a terceiros directamente relacionados com a execução dos trabalhos objecto do seguro e ocorridos no local de risco ou nos locais imediatamente contíguos.
E foi com base nesta alegação que requereram a intervenção da seguradora.
Excepcionada a competência material dos tribunais comuns, no TAF do Porto, a Sr.ª Juíza, nos termos do despacho transcrito no ponto 3 dos factos dados como provados, apesar de entender que não se verificavam preenchidos os requisitos ou pressupostos para o deferimento do incidente, tal como foi pedido - intervenção principal provocada - entendeu que se poderia admitir a intervenção acessória da seguradora, mas porque se encontrava limitada pelo pedido, não se invocando o direito de regresso, não se podia admitir também esta intervenção acessória.
Presentes as normas legais - arts. 325.º e ss. contrapostos com os arts. 330.º e ss., todos do Cód. Proc. Civil, aplicáveis ex vi arts. 1.º e 42,.º do CPTA -, vejamos!
A intervenção principal (provocada) destina-se às situações em que está exclusivamente em causa a própria relação jurídica invocada pelo autor ou em que os terceiros sejam garantes da obrigação a que se reporta a causa.
A intervenção acessória (provocada) destina-se aos casos em que ocorre a existência de uma relação jurídica material conexa com aquela que é objecto da acção. A intervenção principal tem, pois, a ver com a sanação da ilegitimidade plural (arts. 320.º e ss.) e a acessória tem a ver com outra acção (de regresso) do réu perdedor contra terceiro por causa de ter perdido a acção em que foi demandado (art.º 330.º CPC).
Ainda que concordemos com a tese sufragada na decisão judicial recorrida no sentido de não poder ser admitida a intervenção principal provocada da seguradora, por inverificação dos respectivos requisitos - pois que só poderia intervir como parte principal se ocorresse alguma das circunstâncias referidas no art.º 320.º do CPC, isto é, se as co- Rés, como empreiteiras, tivessem, em relação ao objecto da causa, interesses iguais ao da seguradora, nos termos dos arts. 27.º e 28.º desse Código ou se ambas pudessem coligar-se; não se apresentando como sujeito passivo da relação material controvertida, mas sim de outra relação conexa com aquela, que tem como sujeito activo as co-Rés/ora recorrentes e na parta passiva, a seguradora, que, em relação ao objecto da causa, não tem um interesse igual ao das recorrentes, nos termos dos artigos 27° e 28°, al. a) do art.º 320.º do CPC, além de que essa intervenção violaria as regras sobre competência em razão da matéria dos tribunais administrativos -, o certo é que se verificam todos os requisitos necessários para a admissão da chamada a título de intervenção acessória provocada da seguradora - arts. 330.º e ss. do Cód. Proc. Civil, ex vi arts. 1.º e 42.º, ambos do CPTA - para quem os recorrentes haviam transferido a responsabilidade por danos decorrentes da empreitada que lhes foi adjudicada e às obras nela executadas que na tese dos AA./Recorridos lhes causaram os danos reclamados.
E contra esta solução não se podem aceitar os argumentos da decisão judicial recorrida.
Como se refere no Ac. do TCA-Sul, de 13/1/2011, Proc. 1643/06, em situação semelhante, "Temos por certo que sim, porque a isso nos conduzem 3 princípios processuais, ligados entre si: o da tutela jurisdicional efectiva (art. 20º CRP), o da economia de processos (deduzido de normas como as dos arts. 265º-A, 269º, 272º, 273º, 274º, 275º, 320º SS e 470º CPC) e o do “favor do processo” (que não “favor do pedido”, claro; v. arts. 7º e 89º-2-3 CPTA). Com efeito, dali decorre que o juiz deve desconsiderar as normas puramente adjectivas e promover a procura do julgamento do fundo da pretensão material apresentada, se a aplicação literal da norma processual conduzir a solução formal grosseiramente injusta, por não se fundar de todo num interesse digno de protecção.
Ora, assim entendendo, as normas dos arts. 264º, 272º e 273º-2 CPC não são obstáculos minimamente válidos a que aqui o tribunal considere a IAP quando o requerente pediu a IPP; com efeito,
× o tipo de incidente é o mesmo;
× a tramitação do incidente é a adequada;
× os factos pertinentes estão invocados;
× o pedido apresentado (IPP) só se diferencia do adequado (IAP) por motivos qualificativos que nada têm a ver com a defesa da parte contrária, até porque, na verdade, a IAP é uma sub-espécie da IP (SALVADOR DA COSTA, Os Incidentes…, 2ª ed., p. 120);
× não há nenhum interesse relevante violado com a decretação de IAP em vez da IPP;
× não o poder fazer, seria irracional e excessivo.
...
Cfr. Ac. do STA de 9-11-2000, proc. nº 45390, Ac. do STA de 13-5-2004, proc. nº 186-04, Ac. do STA-P de 17-6-2004, proc. nº 40280,
...
Como se refere no preâmbulo do Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, «a fisionomia atribuída a este incidente traduz-se, nesta perspectiva, numa intervenção acessória ou subordinada, suscitada pelo réu, na altura em que deduz a sua defesa, visando colocar o terceiro em condições de o auxiliar na defesa, relativamente à discussão das questões que possam ter repercussão na acção de regresso ou indemnização invocada como fundamento do chamamento. Procurou, por outro lado, operar-se uma ponderação adequada entre os interesses do autor (que normalmente não terá qualquer vantagem em ver a linearidade e celeridade da acção que intentou perturbada com a dedução de um incidente que lhe não aproveita, já que o chamado não é devedor no seu confronto, nunca podendo ser condenado mesmo que a acção proceda) e do réu, que pretende tornar, desde logo, indiscutíveis certos pressupostos de uma futura e eventual acção de regresso contra o terceiro, nele repercutindo o prejuízo que lhe cause a perda da demanda».
Na estrutura do incidente há, pois, a considerar duas relações jurídicas distintas:
a) A relação material controvertida na lide, de que é sujeito activo o autor e passivo o réu;
b) E a relação jurídica de regresso ou indemnização, que tem como titular activo o réu da causa principal (de uma pretensão que o réu pode formular no seu confronto, conexa com o objecto da lide) e passivo o terceiro por aquele chamado a intervir.
A relação de regresso só é apreciada pelo tribunal para efeitos de admissibilidade do incidente de intervenção acessória, pois que o chamado não é condenado nem absolvido na acção onde aquele foi deduzido.
O interveniente apenas fica vinculado, em regra, a aceitar os factos de que derivou a condenação do primitivo réu propriamente dito, isto é, o que implementou o chamamento – cfr. SALVADOR DA COSTA, in Os Incidentes da Instância, 4ª edição, págs. 138 e 144. O chamamento visa, assim, impor-lhe os efeitos do caso julgado, de modo a que não seja possível nem necessário que na subsequente acção de indemnização proposta pelo réu contra o chamado se voltem a discutir as questões já decididas no anterior processo (enquanto elemento condicionante ou prejudicial da existência do direito de regresso ou indemnização), ou seja, os pressupostos concernentes à existência e ao conteúdo do direito a indemnização da titularidade do autor. “Esta circunscrição do âmbito objectivo do caso julgado no âmbito da causa prejudicial (relativamente ao direito de regresso) constituída pelo primeiro processo mantém-se inteiramente: para a acção de indemnização fica em aberto a discussão sobre todos os outros pontos de que depende o direito de regresso (sublinhado nosso); assentes ficam só os pressupostos desse direito que, por respeitarem à relação jurídica existente entre o autor e o réu, condicionam a relação (dependente) entre este e o chamado” – cfr. LEBRE DE FREITAS, CPC Anotado, vol. I, págs. 590 e 591.
Como sustenta LOPES DO REGO (in Comentários ao Código de Processo Civil, pp. 252 e segs.), a posição processual que deve corresponder ao sujeito passivo da relação de regresso, conexo com a controvertida – e invocada pelo réu como causa do chamamento – é a de mero auxiliar da defesa, tendo em vista o seu interesse indirecto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor, pondo-se, consequentemente, a coberto de ulterior e eventual acção de regresso ou de indemnização contra ele movida pelo réu da causa principal. Este garante contra o chamado o caso julgado sobre a verificação da existência do direito de regresso.
O auxílio na defesa que o chamado vai prestar ao chamante limita-se à discussão das questões que possam ter repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento, ou seja, a questões respeitantes ao pedido ou à causa de pedir com repercussão na existência e no conteúdo do direito de regresso. Isso mesmo deriva do disposto no art. 332º, n.º 4, do CPC.
O interveniente acessório provocado não é sujeito da relação material controvertida no processo, pelo que, a proceder a acção, é o réu, e não o chamado, que deve ser condenado.
Face ao cit. art. 330º CPC, temos, pois, de saber se a eventual acção de regresso (que não direito de regresso) é conexa com esta e se é viável. É que a admissibilidade da intervenção provocada acessória (que substituiu o antigo incidente do chamamento à autoria, inspirado na romana litis denuntiatio) de terceiro ao lado do réu, depende forçosamente da articulação de factos que relevem
a) a existência de uma relação jurídica material conexa com a que é objecto da respectiva acção, envolvente do réu e de um terceiro,
b) bem como de factos reveladores de que, perdida a demanda, o réu tem direito de regresso contra o terceiro, visando a indemnização pelo prejuízo derivado da perda da acção.
...
Deste modo, tal como já sucedia com o incidente de chamamento à autoria, só pode ser demandado como interventor acessório o terceiro que careça de legitimidade para intervir no processo como parte principal, ou seja, que não seja titular ou contitular da relação material controvertida (mas tão-somente sujeito passivo de uma eventual acção de regresso ou indemnização configurada pelo chamante) e que, em nenhuma circunstância, poderá ser condenado caso a acção proceda (ficando tão-somente vinculado, em termos reflexos, pelo caso julgado relativamente a certos pressupostos daquela acção de regresso, a efectivar em demanda ulterior).
Quer isto dizer que, tal como sucedia no chamamento à autoria, é necessário que pelo dano resultante da sucumbência do Réu, deva responder o chamado, em virtude de relação conexa com a relação jurídica controvertida, tal podendo resultar da lei, de contrato, ou de qualquer outro facto, mesmo ilícito, que envolva essa responsabilidade, devendo nesse chamamento alegar-se uma situação de facto donde possa resultar essa responsabilidade do chamado".
*
Importa ainda referir que tal como resulta do disposto no n.º 2, do art.º 331.º do CPC, a questão da existência do direito de regresso apenas poderá ser decidida em ulterior acção de regresso que as chamantes venham a intentar contra a chamanda, e, isto, uma vez que o deferimento do chamamento radica, unicamente, no convencimento, por parte do Juiz, “da viabilidade da acção de regresso e da sua conexão com a causa principal”, não lhe competindo, assim, emitir qualquer pronúncia no sentido do reconhecimento da efectiva existência do direito de regresso.
*
Impõe-se assim e sem necessidade de outras considerações, em consequência do provimento do recurso, a revogação da despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que admita a intervenção acessória da " A. … - Companhia de Seguros, SA" e observados os demais trâmites legais (art.º 332.º do CPCivil).
III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em:
- conceder provimento ao recurso;
- revogar o despacho recorrido; e,
- ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância, devendo admitir-se a intervenção acessória da "A. … - Companhia de Seguros, SA", continuando os autos a sua tramitação, se entretanto nada mais obstar.
*
Sem custas.
*
Notifique-se.
DN.
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Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art.º 138.º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil, “ex vi” do art.º 1.º do CPTA).
Porto, 27 de Abril de 2012
Ass. Antero Pires Salvador
Ass. Rogério Martins
Ass. João Beato Oliveira Sousa