Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00423/06.1BEVIS |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 04/28/2017 |
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Tribunal: | TAF de Viseu |
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Relator: | Frederico Macedo Branco |
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Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO ILÍCITO; FACTO CONCLUSIVO; DL Nº 48.051; PRESUNÇÃO DE CULPA |
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Sumário: | 1 – A responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos regia-se à data dos factos relevantes, pelo disposto no DL 48.051, de 21/11/67, pelo que aqueles serão responsáveis quando for de concluir que os seus órgãos ou agentes praticaram, por ação ou omissão, atos ilícitos e culposos, no exercício das suas funções e por causa desse exercício, e que daí resultou um dano para terceiro. 2 - Para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano. 3 - A fixação na matéria de provada de um facto conclusivo que se integre na matéria do thema decidendum, por se consubstanciar num juízo de valor, deverá ser excluído, uma vez que a factualidade provada deverá extrair-se de factos concretos objeto de alegação e prova, ao invés de serem singelamente afirmados. 4 – Se é certo que se tem admitido que a presunção constante do art. 493º, 2 do CC, relativamente a uma atividade perigosa, não é aplicável à responsabilidade civil do Estado e demais entes públicos, tal facto não obsta, naturalmente, à aplicação do regime da responsabilidade Civil, nos termos gerais, desde que se prove a culpa, sem recurso à referida presunção. 5 - Provado o Facto ilícito, decorrente do incumprimento por parte do Município dos normativos referidos, o que correspondentemente determinou a sua culpa, uma vez que poderia e deveria ter atuado de modo diferente, verificando-se manifestamente dano, consubstanciado, designadamente, na morte do trabalhador, importa reconhecer que se encontra provado o nexo de causalidade adequado entre o facto ilícito e a morte verificada, enquanto dano ressarcível, pois que cumpridos que tivessem sido os comandos normativos aplicáveis, não se teria certamente verificado a morte ocorrida, nas condições em que ocorreu.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
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Recorrente: | MFMA e PJMS |
Recorrido 1: | Município da Mealhada |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório MFMA e PJMS, devidamente identificados nos autos, no âmbito da ação administrativa comum, intentada contra o Município da Mealhada e Companhia de Seguros A..., na qual peticionaram uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais “em quantia não inferior a 69.990€”, em resultado do falecimento do seu marido e pai, respetivamente, “quando prestava um serviço … num coletor de esgotos na localidade de Silvã” em 7 de fevereiro de 2002, inconformados com a Sentença proferida em 28 de setembro de 2016, no TAF de Viseu, na qual a ação foi julgada “improcedente”, vieram interpor recurso jurisdicional da mesma, em 15 de novembro de 2016 (Cfr. fls. 619 a 633 Procº físico). Formulam os aqui Recorrentes nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões (Cfr. fls. 630v a 633 Procº físico). “1 — O objeto do litígio prende-se com a verificação dos pressupostos determinantes da efetivação da responsabilidade civil extracontratual que os AA. assacam aos RR. e da ocorrência do correspondente dever destes indemnizarem aqueles pelos montantes reclamados, a título de danos não patrimoniais. 2 — O Tribunal a quo errou na análise que fez do acidente, porquanto o Relatório da douta sentença ora recorrida, sem qualquer justificação aderiu, acriticamente, à "tese" do Recorrido Município, na medida em que a expressão "contrariando normas de segurança em vigor no departamento" consta quer do artigo 6.° da contestação, quer do 12) dos factos assentes daquela; 3 — A decisão recorrida acha-se praticamente arredada de quaisquer factos ou motivações do ato praticado, apenas contendo aquela conclusão, o que equivale, só por si, a falta de fundamentação e levaria à nulidade da sentença. 4 — Não olvidemos a presunção de culpa que ao caso cabe. Desde logo, o Tribunal a quo não aplicou à responsabilidade civil extracontratual do Município, por ato ilícito, a presunção de culpa prevista no art.° 493.° do Código Civil. 5 — A "culpa pela morte" ficou a dever-se, em síntese: (1) à inexistência de acompanhamento dos trabalhos por mais trabalhadores e (2) à inexistência dos equipamentos de proteção individual: nunca por culpa do falecido! 6 — A "culpa" de uma pessoa coletiva como o Município não se esgota na imputação de uma culpa psicológica aos agentes que atuaram em seu nome, pois o facto ilícito gerador dos danos pode resultar de um conjunto, ainda que imperfeitamente definido, de fatores próprios da deficiente organização ou falta de controlo, de vigilância ou fiscalização exigíveis em determinadas funções. 7 — A conduta lesiva do Recorrido Município deveria ter sido considerada, no mínimo, a título de negligência, ilícita, porque violadora de normas regulamentares, causadora de um dano não patrimonial aos AA. 8 — Não podem coexistir dois factos assentes que se anulam entre si, por contraditórios, designadamente a existência do nexo de causalidade entre o acidente e a inexistência de proteção coletiva, de proteção individual e formação e informação constantes do Relatório da Inspeção e que, concomitantemente, o falecido tenha contrariado normas de segurança em vigor no departamento. 9 — A prova daquele facto terá necessariamente que conduzir à conclusão de que a conduta do falecido se guiou em consonância com os usuais hábitos de trabalho naquele tipo de atividades/situações, face à inexistência provada, até porque não ilidida, de outras. 10 — Para além disso, do depoimento da testemunha IMSC resulta clara e indubitavelmente a necessidade dos equipamentos de proteção individual para evitar acidentes, pois é perentório ao afirmar que se tais equipamentos fossem usados, todos eles (adiantando ainda a necessidade do capacete para levar a cabo este tipo de atividades), o acidente não se tinha verificado, equipamentos esses que não eram usados porque, na realidade, eles nem sequer existiam. 11 — A "asfixia mecânica", causa de morte (...), é suscetível de ser evitada se a proteção existir! Ainda que não seja aqui relevante apurar-se da concreta causa da morte: se o falecido caiu, não devia ter caído se tivesse proteção; e, mesmo a admitir que tivesse caído, se tivesse proteção, não asfixiava! 12 — Deixou-se à margem e desconsiderou-se matéria, produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, que conduziria à procedência da ação e ao preenchimento do requisito da culpa. 13 — A douta sentença valorou incompreensivelmente as declarações prestadas por determinadas testemunhas em detrimento de outras, não obstante ter concluído pela credibilidade de todas elas, não obstante a hesitação, incoerência e incongruência daquelas, designadamente da testemunha AAGP. 14 — A testemunha rodeia e contorna as questões formuladas, não respondendo de forma direta e, ademais, firme e segura. 15 — A douta sentença considerou que o depoimento da testemunha APGS foi prestado de forma imparcial, não obstante desconsiderar a revelação de aspetos determinantes, concludentes e convincentes da clara conduta culposa do Município, na produção do dano da morte, ainda que a título meramente negligente. 16 — A douta sentença refere que as testemunhas APGS e AMND referiram "... não poderia nenhum deles descer à caixa sozinho e sem autorização do Eng. AAGP, tinham equipamento... ", sendo que certamente o Tribunal a quo não estaria a reportar-se a este processo, a estes factos e à testemunha APGS, supra mencionada. 17 — A expressão "desenrascar" traduz-se na necessidade de levar a cabo alguma ação, algum procedimento por forma a resolver, ou pelo menos, remediar o problema em causa, sendo que resolver e remediar pressupunha, no caso concreto, a descida à caixa de visita, pois que, como bem refere a testemunha, "de cima, não dava para ver" . 18 — Se os funcionários desciam às caixas de visita, é inultrapassavelmente verdade, confrontando as declarações do Sr. Eng. AAGP, que o mesmo, posteriormente, tomava conhecimento da resolução do problema e, concluía, claramente, pela descida dos seus subordinados às referidas caixas. 19 — Da prova testemunhal resultou que o Sr. Eng. nunca estava presente e que nunca saíam do local sem resolver o problema, pois que "era esse o costume, era quase diário". 20 — Da prova também resultou que o equipamento que existia nunca foi utilizado pela impossibilidade de o levar para o interior do coletor, ou seja, não era prático e funcional. 21 — Resultou igualmente da prova que, após o acidente "muita coisa mudou e nunca mais lá foi ninguém". 22 — Do teor da sentença resulta claramente a contradição entre a matéria de facto dada como provada, pois que o facto assente em 12) na parte que refere "contrariando normas de segurança em vigor no departamento" colide e não está em consonância tanto com a prova documental, designadamente o facto assente em 6) como com a prova testemunhal. 23 — A lei estabelece, nestes casos, uma presunção de culpa, no n.º 2 do art. 493.° do Código Civil, ao referir que "Quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir". 24 — Daqui resulta a inversão do ónus da prova, que no "in casu" se impõe sendo que é o lesante que tem de provar, para se eximir à responsabilidade, que não teve culpa na produção do facto danoso, designadamente provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar, presunção essa que não logrou a Recorrida ilidir, nem, muito menos, a douta sentença lhe faz qualquer alusão. 25 — Nestas situações, é imposto um dever especial de diligência e não um dever de diligência qualquer: "afasta-se indireta, mas concludentemente, a possibilidade do responsável se eximir à obrigação de indemnizar, com a alegação de que os danos se teriam verificado por uma outra causa ... mesmo que ele tivesse adotado todas aquelas providências" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/09/2012, Processo n.º 498/08.9TBSTS.P1.S, Relator Gregório Silva Jesus, in www.dgsi.pt). 26 — Deve dar-se como não assente parte do facto assente em 12) - "contrariando normas de segurança em vigor no departamento", pois que se verifica uma contradição entre a matéria de facto dada como provada, como também entre a fundamentação probatória da matéria de facto e entre a fundamentação e a decisão, a qual, a não existir, levaria o Tribunal a quo a decidir e sentido diverso, designadamente por concluir pelo preenchimento de todos os requisitos a responsabilidade extracontratual do Estado, designadamente a culpa. 27 — Deverá, assim, declarar-se a sentença do Tribunal a quo NULA por violação do disposto no art. 615.°, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, ex vi, art. 140.°, n.º 3 do CPTA, revogando-se aquela sentença e substituindo-a por outra que contemple o preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil, designadamente o requisito da culpa, dando como não assente parte do facto assente em 12), "contrariando normas de segurança em vigor no departamento", e, condenando, assim, o Recorrido Município nos termos peticionados. Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Excias. doutamente suprirão, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!” O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 17 de novembro de 2016 (Cfr. fls. 637 Procº físico). “a) Considerou, e bem, o tribunal a quo, na sua douta sentença que ora se assaca pelos recorrentes, de entre o mais, que o acidente de que foi vítima o malogrado JASB aconteceu, única e exclusivamente, porque o mesmo o sinistrado desrespeitou as expressas ordens e procedimentos (de segurança) que existiam na Divisão de Saneamento, uma vez que jamais podia ou sequer devia ter descido ao coletor de esgotos sozinho e sem equipamento. Ora, tal foi, e corretamente, suficiente para excluir a culpa da recorrida na produção do acidente, porquanto jamais cometeu qualquer omissão ou contribuiu para a produção do acidente. b) Todavia, não satisfeitos, vieram os recorrentes, numa tentativa, quiçá derradeira, e salvo o mui merecido respeito, sem razão, interpor o competente recurso de apelação com fundamento na alegada nulidade da douta sentença aqui proferida, alegadamente, por existir contradição entre os factos dados como provados e a decisão final, ou seja, erro na apreciação da matéria de facto e, ainda, erro na aplicação do direito aos factos dados como provados. c) Sustentam os recorrentes que, em face da prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento e, ainda, considerando a prova documental carreada aos autos, designadamente, e no que aqui cuida, o Relatório do Instituto de Desenvolvimento e Inspeção das Condições de Trabalho da Delegação de Aveiro no Âmbito do Inquérito de Acidente de Trabalho levantado pela aludida Delegação, a decisão que assacam teria que ser, inevitavelmente, outra. d) Isto porque, alegadamente, existe contradição entre os factos dados como provados na sentença do Tribunal a quo e a decisão, porquanto, sufragam os recorrentes que o facto assente sob o n.º 6 se encontra diametralmente em oposição com o facto assente sob o n.º 12, e que por tal motivo, a sentença é nula atendendo a que os fundamentos que a sustentam se encontram em oposição com a decisão. e) O Relatório do Instituto de Desenvolvimento e Inspeção das Condições de Trabalho da Delegação de Aveiro, foi elaborado de forma algo singela porquanto na respetiva elaboração e instrução do procedimento conducente à apresentação de um relatório apto a apurar as causas do acidente, nem sequer, e sublinhe-se, foram ouvidas quaisquer testemunhas, não se apreendendo as circunstâncias da malograda ocorrência, ouvindo-se, apenas e só, e de forma informal, o Chefe de Divisão. f) Encontrando-se em plena e patente contradição com o relatório de autópsia efetuado pela Delegação de Coimbra do Instituto Nacional de Medicina Legal que, e em termos conclusivos e não com base em presunções (como faz o relatório de inspeção da ACT) refere, expressamente, que “A morte de JASB foi devida a asfixia mecânica por intromissão de partículas de terra para as vias aéreas”. g) O facto assente sob o n.º 6 giza é que “Resulta do inquérito (….), o seguinte teor”. Mas como já observámos, a debilidade das suas “não” conclusões, aliada aos princípios que norteiam o juiz em audiência de discussão e julgamento, designadamente, e a título meramente exemplar, o princípio da livre apreciação da prova, a sua contradição com o relatório de autópsia e o amplo e alargado conjunto de falta de concreta e devida instrução apta a redigir um relatório de acidente de trabalho (note-se que inexistiu a tomada de declarações a quaisquer testemunhas, havendo apenas uma conversa informal com o Chefe da Divisão, apenas conduziu, e bem o Tribunal a desconsiderar o seu teor e conteúdo. É que o referido relatório não se pode substituir ao Tribunal e à apreciação do julgador que aprecia em termos totalmente contrários aos estatuídos no relatório. h) Colocam os recorrentes em causa a douta sentença proferida porquanto, e segunda aqueles, a prova testemunhal suficiente seria para conduzir à constatação da contradição entre a matéria de facto dada como provada. i) Com efeito, importa relembrar os recorrentes que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre (art. 655.º do CPC), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação quando à natureza delas, j) A este mesmo propósito jamais podemos esquecer o doutamente ajuizado Acórdão do Tribunal Constitucional de 3 de outubro de 2001 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 51.º, pp. 206 e ss.) que “(…) a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas”, e “não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador “entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação das provas”, de tal modo que a função do Tribunal que funciona em 2.ª Instância deverá circunscreve-se a “apurar da razoabilidade da convicção probatória do 1.º grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos.” k) Parece ficar mais que claro que, e contrariamente ao que pretendem os recorrentes fazer convencer o douto Tribunal, as declarações prestadas pela testemunha IMSC, em sede de audiência de discussão e julgamento, na sessão do dia 22 de outubro de 2016, entre o minuto 36:20 a 40:41, da testemunha AAGP, em sede de audiência de discussão e julgamento, na sessão do dia 2 de junho de 2016, entre o minuto 25:08 a 40:41, e da testemunha APGS, em sede audiência de discussão e julgamento, no dia 2 de junho de 2016, entre o minuto 41:43 a 57:39 e entre o minuto 57:45 a 01:07:38, não ressaltam quaisquer elementos que permitam modificar a decisão da matéria de facto no que concerne, e como pretendem os recorrentes, a parte do ponto 12 da decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada, pois o que ficou amplamente provado, foi que, o falecido contribuiu em exclusivo para o malogrado acidente que o vitimizou mortalmente ao contrariar as normas de segurança emanadas e em vigor no respetivo departamento, não se alcançado o preenchimento dos requisitos que subjazem para que possa ser assacada qualquer responsabilidade ao Município da Mealhada. l) Tendo a douta sentença ora recorrida fundamentado a sua convicção probatória de forma sensata face à atividade instrutória realizada. E não tendo sido apresentado pelos ora Apelantes qualquer fundamento concreto e atendível que demonstre a inadequação ou não razoabilidade da convicção atingida pela instância recorrida (cuja motivação se acompanha na íntegra e se dá como reproduzida para os devidos efeitos nas presentes contra-alegações), deve o presente recurso ser julgado improcedente no que toca à modificação da decisão atinente à matéria de facto ora recorrida pretendida nos pontos 22 a 27 das conclusões apresentadas pelos recorrentes e, consequentemente, ser mantida a respetiva decisão prolatada em primeira instância. m) Ademais, e quanto à questão de direito erguida pelos recorrentes, é importante relembrar que a aplicação do art. 493.º, n.º 2 do Código Civil à responsabilidade civil do estado e demais entes públicos é bastante controversa e alvo de ampla problematização. n) MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, por exemplo, consideram que não ser aplicáveis as presunções de culpa na responsabilidade civil do Estado e demais entes Públicos, pelo menos nos casos em que não existem “normas que determinem aplicação de tais presunções – cfr. Responsabilidade Civil Administrativa, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Lisboa, 2008, pág. 28. o) E, neste mesmo sentido, temos o Acórdão do Alto Supremo Tribunal Administrativo de 15 de maio de 2014, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro São Pedro que no seu sumário assim giza: “I - O art. 493º, 2 do CC não é aplicável à responsabilidade civil do Estado e demais entes públicos.” p) É inegável que inexiste qualquer contradição entre os fundamentos de facto e a decisão. q) O ponto assente sob o n.º 6 não se encontra em oposição com o ponto assente sob o n.º 12, porquanto o que refere o ponto n.º 6 é o que consta do teor e conteúdo do relatório da ACT e não o que ficou provado em audiência de discussão e julgamento, isso constante do ponto n.º 12. r) O falecido, contrariando as normas de segurança em vigor, e bem assim, as instruções conferidas, por sua iniciativa, conta e risco, desceu sozinho àquela caixa de esgotos e sem qualquer equipamento. s) Não pode ser assacada qualquer responsabilidade ao Município da Mealhada uma vez que nenhuma omissão cometeu o mesmo, inexistindo qualquer vício apto a declarar a sentença do Tribunal a quo nula por alegada contradição entre os factos dados com provados e a decisão. t) Motivo pelo qual terá, necessariamente, que improceder o recurso intentado pelos recorrentes uma vez que a sentença do Tribunal a quo não tem qual vício que a possa enfermar de nulidade. Termos pelos quais deverão os Meritíssimos Desembargadores julgar totalmente improcedente o presente Recurso, mantendo-se, assim, integralmente a sentença recorrida, só assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA!” O juiz do Tribunal a quo proferiu Despacho em 10 de fevereiro de 2017, no qual, designadamente, entende inverificar-se qualquer das suscitadas nulidades da decisão recorrida (Cfr. fls. 674 e 674v Procº físico). O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 21 de fevereiro de 2017 (Cfr. fls. 684 Procº físico), veio a emitir Parecer em 2 de março de 2017, concluindo que “deverá ser negado provimento ao presente Recurso Jurisdicional e, por conseguinte, ser inteiramente mantida a douta sentença recorrida” (Cfr. fls. 686 a 688v Procº físico). Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento. II - Questões a apreciar As principais questões a apreciar resultam da invocada nulidade resultante da oposição entre os fundamentos e a decisão, mais se suscitando erros de julgamento, no que concerne à decisão da matéria de facto, e quanto ao enquadramento legal e subsunção jurídica dos factos dados como provados, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA. III – Fundamentação de Facto “1) A autora é viúva de JASB, que foi funcionário da Câmara Municipal da Mealhada e mãe do filho de ambos, o autor PJMS, que nasceu em 18/03/1987 – cfr. certidão de casamento e de óbito. 2) JASB nascera em 20/08/1963, na Mealhada e era funcionário municipal a prestar serviço na Câmara Municipal da Mealhada, no setor de Saneamento da Divisão de Saneamento, sendo chefe de setor e aí desempenhando funções de limpa coletores. IV – Do Direito No que ao direito concerne, e no que aqui releva, sumariamente expendeu-se em 1ª instância: Vem imputada a decisão recorrida a sua nulidade resultante da oposição entre os respetivos fundamentos e a decisão, prevista no artigo 615.°, n.º 1, alínea c), do CPC de 2013. Mais se invocam erros de julgamento, no que concerne à decisão da matéria de facto e quanto ao enquadramento legal e subsunção jurídica dos factos dados como provados, designadamente, no que concerne à culpabilidade na produção do evento, com o que se mostraria violado o artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil. Da nulidade por contradição entre os fundamentos de facto e a decisão No que respeita à referida alínea c), resulta da mesma que “(…) o vício de nulidade a que se reporta a alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º e o n.º 1 do artigo 716.º do Código de Processo Civil é o que ocorre quando os fundamentos de facto e de direito invocados conduzirem logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respetivo segmento decisório. Isso significa que os fundamentos de facto e de direito do acórdão devem ser logicamente harmónicos com a pertinente conclusão ou decisão, como corolário do princípio de que o acórdão deve ser fundamentado de facto e de direito, e que tal se não verifica quando haja contradição entre esses fundamentos e a decisão nos quais assenta. Mas uma coisa é a contradição lógica entre os fundamentos e a decisão da sentença ou do acórdão, e outra, essencialmente diversa, o erro de interpretação dos factos ou do direito ou a aplicação deste, que não raro se confunde com aquela contradição (…).” (cfr. Acórdão do STJ de 30/09/2004, no Processo n.º 04B2894). No mesmo sentido aponta o Acórdão deste TCAN, de 11/11/2011, no Processo n.º 03097/10.4BEPRT, onde se referiu que: Refira-se desde já que se não vislumbra a referida contradição entre os fundamentos de facto e a decisão final, mormente em função da supressão que se fez da expressão conclusiva que constava do facto 12 (“contrariando normas de segurança em vigor no departamento”), que aí não poderia permanecer, exatamente pela sua natureza de conclusividade. O que está em causa não é pois o teor da transcrição feita do referido documento, mas a interpretação e relevância que em momento adequado, se dará ao mesmo. Se for caso disso, estar-se-á pois perante um erro de julgamento na apreciação do material probatório recolhido e já não de qualquer invalidade que fulmine a subsequente decisão. Dos erros de julgamento da matéria de facto Trata-se do Relatório do Inquérito de acidente de Trabalho efetuado pelo Instituto de Desenvolvimento e Inspeção das Condições de Trabalho — Inspeção Geral de Trabalho — delegação de Aveiro, cujo teor é sintomático, e que relevará predominantemente face à análise de direito que se fará em momento ulterior. Aí se refere, designadamente (Facto 6 da matéria Provada): Em qualquer caso, tal como relativamente à questão precedentemente tratada, suprimida que foi a expressão conclusiva “contrariando normas de segurança em vigor no departamento”, constante do originário facto 12 dos Factos Provados, entende-se não ocorrerem quaisquer outros erros de julgamento na fixação da matéria de facto, suscetíveis de influenciar a decisão a proferir. Dos erros de julgamento de direito Importa pois verificar se estaremos perante um ato ilícito e culposo do qual dimane a responsabilidade civil dos Recorridos, da qual possa resultar a atribuição de indemnização. Aqui chegados, importa analisar e decidir o suscitado. Determina o seu art.º 2º, nº1, que: São assim pressupostos deste tipo de responsabilidade civil: Esta responsabilidade corresponde pois, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que tem consagração legal no artigo 483º, do Código Civil (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10.10.2000, recurso n.º 40576, de 12.12.2002, recurso n.º 1226/02 e de 06.11.2002, recurso n.º 1311/02). Efetivamente, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos, pressupõe a existência de um facto ilícito, imputável a um órgão ou agente e a existência de danos que tenham resultado como consequência direta e necessária daquele. Desde logo, o ato ilícito pode integrar quer um ato jurídico quer um ato material, podendo consistir num comportamento ativo ou omissivo, sendo que, neste último caso, a ilicitude apenas se verifica quando exista, por parte da Administração, a obrigação, o dever de praticar o ato que foi omitido. De qualquer forma, a verificação de um facto ilícito pressupõe sempre uma ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos. In casu, importará verificar o cumprimento por parte do Município da Mealhada dos seus deveres de promover as condições de segurança e formação dos trabalhadores afetos à limpeza dos coletores de saneamento subterrâneos. O conceito de ilicitude consagrado naquele preceito é pois, mais amplo que o consagrado na lei civil (vd. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10º ed., vol. II, p. 1125; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.05.1987, in Ac. Dout. 310, p. 1243 e segs.). A propósito do requisito da ilicitude refere aquele Professor na citada obra que: “É necessário, em primeiro lugar, que tenha sido praticado um facto ilícito. Este facto tanto pode ter consistido num ato jurídico, nomeadamente um ato administrativo, como num facto material, simples conduta despida do carácter de ato jurídico. O ato jurídico provém por via de regra de um órgão que exprime a vontade imputável à pessoa coletiva de que é elemento essencial. O facto material é normalmente obra dos agentes que executam ordens ou fazem trabalhos ao serviço da Administração. O artigo 6º do Decreto-lei n.º 48 051 contém, para os efeitos de que trata o diploma, uma noção de ilicitude. Quanto aos atos jurídicos, incluindo portanto os atos administrativos, consideram-se ilícitos “os que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis”: quer dizer, a ilicitude coincide com a ilegalidade do ato e apura-se nos termos gerais em que se analisam os respetivos vícios. Quanto aos factos materiais, por isso mesmo que correspondem tantas vezes ao desempenho de funções técnicas, que escapam às malhas da ilegalidade estrita e se exercem de acordo com as regras de certa ciência ou arte, dispõe a lei que serão ilícitos, não apenas quando infrinjam as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis, mas ainda quando violem as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”. No mesmo sentido Jean Rivero, Direito Administrativo, pág. 320, e Margarida Cortez, Responsabilidade Civil da Administração por Atos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa do Lesado, página 96. No que toca à culpa "Agir com culpa significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo" – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6ª edição, p. 531). Em linha com o referido no recente Acórdão do STA nº 01356/14 de 22.03.2017, “No que respeita às Autarquias Locais, para além deste diploma (Decreto-lei n.º 48 051), era ainda aplicável a Lei nº 169/99, de 18/9 (em vigor à data dos factos) - cfr. respetivos arts. 96º e 97º, tendo o art. 96º (responsabilidade funcional) uma redação em tudo idêntica à do art. 2º, nº 1 do DL nº 48051 quanto à responsabilidade das autarquias locais e prevendo o art. 97º a responsabilidade pessoal dos titulares dos órgãos e dos agentes. Em qualquer caso, na análise que se fará, dar-se-á por adquirido o entendimento adotado pelo STA segundo o qual o art. 493º, 2 do Código Civil não é aplicável à responsabilidade civil do Estado e demais entes públicos, no que respeita à responsabilização decorrente do exercício de uma atividade perigosa, que é o que aqui está em causa. Mais se refere no identificado Acórdão que “é verdade que este Supremo Tribunal Administrativo tem admitido, sem qualquer dúvida, a aplicação das presunções de culpa previstas no art. 493º, n.º 1, do C. Civil, admitindo assim que a regulamentação do Dec. Lei 48.051 não é exaustiva e que a remissão do art. 4º não é restritiva aos artigos ali referidos (art. 487º e 497º do C. Civil) – cfr. acórdão, de 29.4.98, do Pleno desta 1ª Secção e de 3.10.02 (Rº 45 160) e de 20.3.02 (Rº 45 831). O referido não afasta, no entanto, a possibilidade de aplicação do regime da responsabilidade Civil à situação em apreciação, nos termos gerais, desde que se prove a culpa, sem recurso à presunção do art. 493º, 2 do C. Civil. Assim, e sem prejuízo do já referido, concretizemos então: Por outro lado, e em linha com o Acórdão do STA nº 0903/03 de 03-07-2003, "para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano" Acórdão STA de 9.5.02 no recurso 48077. O facto ilícito consiste numa ação (ou omissão) praticada por órgãos ou agentes estaduais (em sentido lato) violadora das "normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis" ou "as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração" (art.º 6 do DL 48051, de 21.11.67). O nexo causal existirá quando o facto ilícito for a causa adequada do dano. De acordo com o preceituado no art.º 563 do CC «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão». Relativamente ao nexo de causalidade vigora, como se disse, a teoria da causalidade adequada na formulação consagrada no art°563° do CC. Verifica-se pois em concreto o necessário nexo de causalidade, uma vez que a conduta omissiva do Município foi adequada a produzir o acidente que determinou a morte que justificou a presente Ação. Finalmente, o dano traduz-se no prejuízo causado pelo facto ilícito (art.º 564º do CC). É patente nos presentes autos que se mostra verificado dano, mormente o dano morte, ainda que se não mostre adequadamente provado todo o conjunto de danos reclamados. Em qualquer caso, como se refere no Acórdão do STA de 2002.10.02 in Recurso 1690/02: Com efeito, resulta da conjugação do artº 6° do DL 48.051, de 21.11.1967, com os artºs 2° e 3° do mesmo diploma, que não é qualquer ilegalidade que determina o surgimento de um ato ilícito gerador de responsabilidade. Para haver ilicitude responsabilizante, é necessário que a Administração tenha lesado direitos ou interesses legalmente protegidos do particular, fora dos limites consentidos pelo ordenamento jurídico, por isso, segundo alguma jurisprudência e doutrina, é necessário que a norma violada revele a intenção normativa de proteção do interesse material do particular, não bastando uma proteção meramente reflexa ou ocasional. Ou seja, é necessário existir “conexão de ilicitude” entre a norma ou princípio violado e a posição jurídica protegida do particular, o que deve ser apreciado caso a caso (cf. Prof. Gomes Canotilho, em anotação ao Ac. STA de 12.12.89 RLJ, Ano 125° p.84 e AC. STA de 31.05.2000, recº 41201). A fim de facilitar a concretização e visualização da controvertida questão do ponto de vista normativo, infra se transcrevem, parcialmente, os Artigos 3º e 6º do DL nº 48.051, então aplicável: Artº 6º De tudo quanto se expendeu, resulta estarem presentes todos os pressupostos que determinam a verificação de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, ainda que, como se disse, não sejam os danos mensuráveis, por falta de prova, sendo que aos Autores caberia a sua demonstração. O juízo de ilicitude é um juízo objetivo que incide sobre a conduta do agente no qual se constata que este violou as regras que devia observar. Como resulta do Acórdão nº 0226/09 do STA, de 04-02-2010 “… face à definição ampla de ilicitude constante do art. 6° do DL n° 48.051/67, de 21 de Novembro, estando em causa a violação do dever de boa administração, a culpa assume o aspeto subjetivo da ilicitude, que se traduz na culpabilidade do agente por ter violado regras jurídicas ou de prudência que tinha obrigação de conhecer e de adotar. Com referência à culpa, como ensina ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, agir com culpa, significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E essa conduta será reprovável quando o lesante em face das circunstâncias concretas da situação “podia e devia ter agido de outro modo”. O nexo de causalidade, pressuposto da responsabilidade civil, consiste na interação causa/efeito, de ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquele, a ponto de poder afirmar-se que o lesado não teria sofrido tal dano se não fosse a lesão (art. 563º do C.Civil).” A culpa é o nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto ilícito à vontade do agente, envolvendo um juízo de censura, face à ação ou omissão, segundo a diligência de um bom pai de família (art.º 4, n.º 1). Como se disse já, o dano traduz-se no prejuízo causado pelo facto ilícito (art.º 564º do CC Em função de tudo quanto ficou já assente, mostram-se preenchidos todos os requisitos da Responsabilidade Civil, a saber: No que respeita ao facto ilícito, pela sua relevância, importa aludir a alguns dos normativos entendidos como violados, e que constavam já do relatório da Inspeção do Trabalho. Refere-se desde logo no Decreto-lei nº 441/91, de 14 de novembro com alterações do DL nº 133/99, de 21 de abril e pela Lei n.º 118/99 de 11 de Agosto Artigo 8.º 1 - O empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho.Obrigações gerais do empregador 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o empregador deve aplicar as medidas necessárias, tendo em conta os seguintes princípios de prevenção: a) Proceder, na conceção das instalações, dos locais e processos de trabalho, à identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, por forma a garantir um nível eficaz de proteção; b) Integrar no conjunto das atividades da empresa, estabelecimento ou serviço e a todos os níveis a avaliação dos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores, com a adoção de convenientes medidas de prevenção; c) Assegurar que as exposições aos agentes químicos, físicos e biológicos nos locais de trabalho não constituam risco para a saúde dos trabalhadores; d) Planificar a prevenção na empresa, estabelecimento ou serviço num sistema coerente que tenha em conta a componente técnica, a organização do trabalho, as relações sociais e os fatores materiais inerentes do trabalho; e) Ter em conta, na organização dos meios, não só os trabalhadores, como também terceiros suscetíveis de serem abrangidos pelos riscos e a realização dos trabalhos, quer nas instalações, quer no exterior; (…) h) Assegurar a vigilância adequada da saúde dos trabalhadores em função dos riscos a que se encontram expostos no local de trabalho; i) Estabelecer, em matéria de primeiros socorros, de combate a incêndios e de evacuação de trabalhadores, as medidas que devem ser adotadas e a identificação dos trabalhadores responsáveis pela sua aplicação; j) Permitir unicamente a trabalhadores com aptidão e formação adequadas, e apenas quando e durante o tempo necessário, o acesso a zonas de risco grave; l) Adotar medidas e dar instruções que permitam aos trabalhadores, em caso de perigo grave e iminente que não possa ser evitado, cessar a sua atividade ou afastar-se imediatamente do local de trabalho, sem que possam retomar a atividade enquanto persistir esse perigo, salvo em casos excecionais e desde que assegurada a proteção adequada. 3 - Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação e da informação, e os serviços adequados, internos ou exteriores à empresa, estabelecimento ou serviço, bem como o equipamento de proteção que se torne necessário utilizar, tendo em conta, em qualquer caso, a evolução da técnica. (…)” Artigo 9.º 1 - Os trabalhadores, assim como os seus representantes na empresa, estabelecimento ou serviço, devem dispor de informação atualizada sobre:Informação e consulta dos trabalhadores a) Os riscos para a segurança e saúde, bem como as medidas de proteção e de prevenção e a forma como se aplicam, relativos quer ao posto de trabalho ou função, quer, em geral, à empresa, estabelecimento ou serviço; b) As medidas e as instruções a adotar em caso de perigo grave e iminente; c) As medidas de primeiros socorros, de combate a incêndios e de evacuação dos trabalhadores em caso de sinistro, bem como os trabalhadores ou serviços encarregados de as pôr em prática. (…)” Já o Decreto-lei nº 488/99 de 17 de novembro define as formas de aplicação do Decreto-Lei 441/91, de 14 de Novembro, à Administração Pública. Artigo 15.º 1 - O empregador ou entidade empregadora é responsável disciplinarmente pelo não cumprimento das normas legais sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.Responsabilização 2 - A responsabilidade disciplinar não afasta a responsabilidade civil ou criminal, se for caso disso. 3 - O incumprimento grave e reiterado das normas referidas no n.º 1 pode constituir fundamento para a cessação da comissão de serviço prevista na lei para o pessoal dirigente, independentemente da instauração de processo disciplinar. 4 - Na administração local, o empregador ou entidade empregadora, para além de estar sujeito ao regime jurídico da respetiva tutela, é responsável civil e criminalmente pelo incumprimento das normas referidas no n.º 1, se for caso disso.” Face ao supra explanado, dúvidas não subsistem de que no caso em apreciação nos autos e face à matéria factual dada como provada, e ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, em função dos normativos precedentemente transcritos, estão verificados factos que permitem concluir que foi, por omissão, praticado um facto ilícito e danoso e que esse facto ilícito foi a causa adequada da morte do familiar dos Autores, aqui Recorrentes. O facto do Município ter confessadamente alterado o rigor e as práticas conexas com o acesso às condutas, depois do sinistro que determinou a presente Ação, denuncia só por si, que a prática anterior se mostraria inadequada e insuficiente. Dos factos provados não resulta que o Município tenha cumprido todas as regras de prudência exigíveis face à segurança dos trabalhadores que tinham a incumbência de aceder às suas condutas de saneamento subterrâneas, designadamente ministrando-lhes formação adequada, de modo a minorar as hipóteses de se verificarem acidentes. Em concreto, o Recorrido Município, não põe em causa que tenha o dever de assegurar as condições de segurança e formação dos trabalhadores que atuam nas condutas subterrâneas, imputando, no entanto a responsabilidade do ocorrido, ao malogrado trabalhador que veio a falecer. Como se viu, independentemente do resultado da Autópsia, é incontornável o afirmado no Relatório do Inquérito de acidente de Trabalho efetuado pelo Instituto de Desenvolvimento e Inspeção das Condições de Trabalho, ao referir, designadamente, que “ Os trabalhadores neste tipo de operação deveriam estar dotados de equipamentos de proteção individual, tais como máscaras, botijas de oxigénio, capacetes, etc. O facto da autópsia apontar como causa de morte “asfixia mecânica por intromissão de partículas de terra para as vias aéreas”, não se mostra necessariamente contraditório com o referido no Relatório da Inspeção do Trabalho, quando afirma que o acidente ocorreu “presumivelmente pela inalação de gases”, na medida em que sempre poderá ter sido essa inalação que tenha determinado a queda do trabalhador, da qual resultou a sua asfixia em contacto com o solo. Por outro lado, e em qualquer caso, e como referiu ainda a Inspeção do Trabalho, o acidente ficou a dever-se “(…) à inexistência de proteção coletiva adequada (linha de segurança e acompanhamento dos trabalhos por mais trabalhadores), bem como à inexistência dos equipamentos de proteção individual …”. Provado que está o Facto ilícito, decorrente do incumprimento dos normativos referidos, o que correspondentemente determina a culpa do Município, uma vez que poderia e deveria ter atuado de modo diferente, verificando-se manifestamente dano, consubstanciado, designadamente, na morte do trabalhador, importa igualmente confirmar que se encontra provado o nexo de causalidade adequado entre o facto ilícito e a morte verificada, enquanto dano ressarcível, pois que cumpridos que tivessem sido os comandos normativos aplicáveis, não se teria certamente verificado a morte ocorrida, nas condições em que ocorreu. No que concerne à Culpa, por se tratar do pressuposto que não foi dado provado pelo tribunal a quo, importa sublinhar e reafirmar que o Município agiu com culpa, pois que tendo atuado em desconformidade com o enunciado direito aplicável, a sua conduta mostrou-se reprovável, pois que em face das circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de modo diverso, quer em termos de prestação de formação, quer em termos de segurança e antecipação do sinistro. Pelo exposto, impõe-se revogar a decisão da 1ª instância, por, ao contrário do aí decidido, não terem sido demonstrados factos suscetíveis de determinar a inverificação de culpa por parte do Município. Do Valor da Indemnização Nos termos do artigo 562º do Código Civil, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Tal obrigação só existe em relação aos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão (artigo 563º do Código Civil), compreendendo o “prejuízo causado” e “benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” – nº 1 do artigo 564º do Código Civil. Na fixação da indemnização o tribunal pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis (artigo 564º nº 2 do Código Civil). Em princípio a indemnização visaria a reconstituição natural, sendo fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (nº 1 do artigo 566º do Código Civil). A indemnização em dinheiro terá como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e que a que teria nessa data se não existissem danos (nº 2 do artigo 566º). Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (nº 3 do artigo 566º). Foi originariamente peticionada a atribuição de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a dividir por ambos os Autores, no valor global não inferior a 69.990€, sem que se objetive o modo como se chegou à referida quantia. Com efeito, a escassez de elementos inculca no sentido da condenação do que se vier a liquidado em incidente próprio, recaindo sobre os aqui Recorrentes o ónus da prova do montante dos prejuízos decorrentes do acidente sub judice - artº 342º/1 do C.C. * * * Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao Recurso, revogando-se a Sentença recorrida, mais se condenando as Rés a pagar aos Autores o montante indemnizatório que vier a ser apurado em incidente próprio.
Custas pela Recorrida/Município |