Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00145/14.0BEVIS-A |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 08/12/2014 |
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Tribunal: | TAF de Viseu |
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Relator: | Luís Migueis Garcia |
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Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR. TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA. INIDONEIDADE DA ACÇÃO PRINCIPAL |
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Sumário: | I) – O direito a uma tutela jurisdicional efectiva, como, de resto, outros direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, não é um direito absoluto ou ilimitado, colocado à margem das restantes normas processuais. I) – Não podendo o procedimento cautelar ter prestável instrumentalidade a uma inadequada acção comum, claudica a tutela cautelar.* *Sumário elaborado pelo Relator. |
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Recorrente: | RJNL.. |
Recorrido 1: | IMTT... |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Procedimento Cautelar para Adopção duma Conduta (CPTA) - Rec. Jurisdicional |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: RJNL, com os sinais nos autos, inconformado, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo TAF DE VISEU, em 30.04.2014, que indeferiu a providência cautelar por si interposta contra IMTT, por verificada a caducidade do direito de acção. No seu recurso, formula o autor as seguintes conclusões: a. A douta sentença, ao indeferir a presente providência, privilegiando a forma sobre o mérito, faz uma incorrecta interpretação dos factos e errónea aplicação do direito. b. A garantia da tutela jurisdicional efectiva consagrada no art.º 264.º da CRP impõe que se privilegie a realização da justiça substantiva em detrimento da justiça formal. c. No caso, o tribunal a quo, para fugir de tal desiderato acaba mesmo por modificar o pedido formulado pelo Recorrente. d. O invocado acto do IMT, IP de 22 de Junho de 2012 que a douta sentença quis valorizar mais não representa que uma operação material. e. A instrumentalidade de tal operação resulta ainda do facto de em causa estar a indevida caducidade do título de condução, essa invocada há mais tempo, em 22-07-2009, data em que o Requerente ficou fisicamente privado da carta de condução, pese embora os processos que serviram para sustentar essa caducidade ainda nem sequer se mostram transitados em julgado. f. O Recorrente não impugnou nenhum acto; pediu, além da devolução carta de condução, que o IMT, IP reconheça que o Recorrente é titular de carta de condução e que restabeleça a legalidade – é o que resulta da acção principal. g. Em causa não está pois nenhum acto administrativo que tenha de ser atacado no prazo de três meses; em causa não está nenhuma acção administrativa especial. Está – tal como alegado e fundamentado - uma acção comum, intentada ao abrigo do disposto no artigo 37.º, n.º 2, als. a), b) e d) do CPTA. h. De todo o modo, caso se pudesse sustentar que em causa está o acto apontado na douta sentença, o que apenas por dever de patrocínio se alega, sempre este seria, ao contrário de quanto decidido, um acto nulo, aliás já assim qualificado por sentença judicial, sentença que decidiu que a decisão de considerar a carta de condução do Requerente caducada “é juridicamente errada manifesta e ostensivamente ilegal, impondo-se que a entidade legalmente competente para a emissão da carta de condução (o I.M.T.T.) – e, bem assim, a A.N.S.R. – reconstituam a legalidade que se impõe, emitindo e entregando a carta de condução supra identificada, que habilita o arguido à condução daquela categoria (B) e subcategoria de veículos (A1 e B1) e declarando nula e ilegal a decisão que declarou a caducidade de tal título de condução”; sentença que não foi objecto de recurso e, como tal, transitou em julgado. i. O prazo para atacar actos nulos não é de três meses nem pode ficar confinado ao exíguo prazo das acções administrativas especiais. A nulidade pode ser atacada a todo o tempo. j. No resto, “a tutela cautelar deve abordar de uma forma perfunctória o bom direito invocado, bastando-se com uma prova sumária dos factos integradores do periculum in mora, não tendo que se ocupar de tratar de forma aprofundada as questões que dizem diretamente respeito ao processo principal. Mesmo quando estejam em causa questões como a legitimidade passiva ou da caducidade do direito de ação, o juiz cautelar apenas deverá emitir, sobre as mesmas, o juízo perfunctório que é próprio da tutela cautelar, acerca da sua não manifesta ocorrência, no caso das providências conservatórias, ou da sua provável improcedência, no tocante às antecipatórias. Assim, a sentença recorrida, na medida em que julgou extinta a instância cautelar por impossibilidade superveniente da lide, por caducidade do direito de instaurar o processo principal, mas sem a necessária consideração dos regimes jurídicos chamados à colação para resolver a questão, que exigirá do julgador abordagem aprofundada, errou no seu julgamento de direito, pois os elementos fácticos e jurídicos presentes não permitiam, em sede cautelar, emitir esse tipo de pronúncia” - Tribunal Central Administrativo Norte, Acórdão de 5 Abr. 2013, Processo 00223/12, in www.dgsi.pt. k. A douta sentença violou pois o artigo 264.º da Lei Fundamental e os artigos 37.º e art.º 58.º CPTA. * O recorrido IMTT, I.P., não apresentou contra-alegações.* O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.* Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.* A factualidade, tida em prova indiciária pela 1ª instância e agora também ponderada:1 - O Requerente obteve em 20/08/2003 a carta de condução n.º VS – (...), habilitado à condução de motociclos, da classe A1 – cfr. doc. 1 junto com o requerimento inicial. 2 - Em 21/12/2005 obteve a habilitação para conduzir veículos da categoria B da subcategoria B1 – cfr. doc. 1 junto com o requerimento inicial. 3 - O requerente foi absolvido em sentença datada de 14/05/2012, já transitada, proferida no âmbito do processo n.º 123/10.8GTVIS, “da prática de (1) crime de condução ilegal (sem habilitação legal), previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 3.º/1/2 do Dec.-Lei n.º 2/98, de 3/1, 122.º/4/5 e 130.º/1, a) do Código da Estrada, mandando-o em PAZ” – cfr. doc. 4 junto com o requerimento inicial. 4 - Em 30/05/2012, no âmbito do processo n.º 123/10.8GTVIS foi proferido despacho judicial, do qual consta o seguinte: “… De todo o modo dir-se-á que a sentença não determinou que a entidade administrativa entregue (devolva) o titulo de condução ao arguido (nem tal consta da decisão final), uma vez que não era esse o objecto do processo (nem o poderá ser, por incompetência material do Tribunal, competência essa que pertence ao foro administrativo), antes se limitando a apreciar a sua responsabilidade criminal pela prática do imputado crime de condução ilegal, crime esse que – como se refere na fundamentação da sentença – não foi cometido, visto a decisão administrativa que determinou a caducidade da carta ser, no entendimento deste Tribunal, manifestamente ilegal. Assim, face à decisão deste Tribunal, a entidade administrativa poderá, se assim o entender, proceder à entrega/devolução do título ou, poderá, se assim o não entender, não proceder à entrega/devolução do título, sendo que está última decisão está sujeita a impugnação judicial (nos Tribunais Administrativos). Notifique.” – cfr. doc. 5 junto com o requerimento inicial. 5 - Em 22/6/2008 foi-lhe instaurado procedimento de contra-ordenação n.º 262152070, pela prática de contra-ordenação muito grave e foi condenado na inibição de conduzir por 120 dias, por conduzir o veículo de matrícula …-…-QB com uma taxa de álcool no sangue no valor de 1,19 g/l, tendo o requerente apresentado impugnação judicial - cfr. doc. 5 junto com a oposição . 6 - Em 22/7/2008, no âmbito do procedimento de contra-ordenação n.º 358414628, na sequência da prática de contra-ordenação grave (conduzia o citado veículo sem ser titular de seguro de responsabilidade civil), foi condenado na inibição de conduzir por 60 dias, tendo o requerente apresentado impugnação judicial – cfr. doc. 5 junto com a oposição. 7 - Mediante despacho datado de 22/06/2012 do IMTT, IP o pedido do requerente apresentado a 17/05/2012 na Delegação Distrital de Viação, dirigida ao Senhor Presidente do IMTT, IP, a requerer a devolução da carta de condução VS – (...), com base nos termos e fundamentos constantes da sentença absolutória proferida no âmbito do processo n.º 123/10.8GTVIS, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Viseu e transitada em julgado foi objecto de indeferimento – cfr. doc. 1 junto com a oposição. 8 - O Requerente foi notificado da decisão de indeferimento em 11/07/2012 – cfr. doc. 2 junto com a oposição. 9 - O Requerente em 7 de Maio de 2013 intentou Intimação para defesa de direitos, liberdade e garantias que tramitou sob o n.º 231/13.3BEVIS – cfr. consulta no SITAF. 10 - A presente acção foi intentada em 13/03/2014 – cfr. fls. 2 dos autos. * O Direito:De harmonia com o disposto no art. 112.º, n.º 1, do CPTA, «quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo». O art.º 120º do CPTA consagra os critérios gerais de decisão das providências cautelares: Artigo 120.° 1 — Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas: Critérios de decisão a) Quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente; b) Quando, estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito; c) Quando, estando em causa a adopção de uma providência antecipatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente. 2— Nas situações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior, a adopção da providência ou das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências. 3— As providências cautelares a adoptar devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente, podendo o tribunal, ouvidas as partes, adoptar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses, públicos ou privados, em presença. 4 — Se os potenciais prejuízos para os interesses, públicos ou privados, em conflito com os do requerente forem integralmente reparáveis mediante indemnização pecuniária, o tribunal pode, para efeitos do disposto no número anterior, impor ao requerente a prestação de garantia por uma das formas previstas na lei tributária. 5 — Na falta de contestação da autoridade requerida ou da alegação de que a adopção das providências cautelares pedidas prejudica o interesse público, o tribunal julga verificada a inexistência de tal lesão, salvo quando esta seja manifesta ou ostensiva. 6 — Quando no processo principal esteja apenas em causa o pagamento da quantia certa, sem natureza sancionatória, as providências cautelares são adoptadas, independentemente da verificação dos requisitos previstos no n.° 1, se tiver sido prestada garantia por uma das formas previstas na lei tributária. O requerente, sem identificação de qualquer tutela cautelar típica, vem a juízo, por apenso a acção comum, solicitando as seguintes providências judiciárias: a) o IMTT, IP a proceder à devolução do título de condução n.º VS - (...) ao requerente, que o habilita a conduzir veículos a motor das categorias A e B, assim respeitando as decisões dos tribunais e, bem assim, reconhecendo que a caducidade da carta de condução por via da prática de contra-ordenações rodoviárias só opera depois de estas se tornarem definitivas ou transitarem em julgado, o que no caso ainda não se verificou. b) o presidente do IMT,IP, a pagar ao Requerente até à entrega efectiva e incondicional da carta de condução o valor diário de € 40,00 (quarenta euros) a título de sanção pecuniária compulsória. O tribunal “a quo” indeferiu estes pedidos com base no seguinte (sic): (…) Ora, na verdade o IMTT emitiu um acto administrativo, mediante despacho datado de 22/06/2012 do IMTT, IP foi objecto de indeferimento o pedido do requerente apresentado a 17/05/2012 na Delegação Distrital de Viação, dirigida ao Senhor Presidente do IMTT, IP, a requerer a devolução da carta de condução VS – (...), com base nos termos e fundamentos constantes da sentença absolutória proferida no âmbito do processo n.º 123/10.8GTVIS, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Viseu e transitada em julgado, que carecia de impugnação. Sendo esse acto lesivo cabia reagir a esse acto, no prazo legal e impugnar o acto e eventualmente, deduzir providência cautelar. Não restam dúvidas em como o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento em 11 de Julho de 2012, aliás, é disso dado conta no processo n.º 231/13.3BEVIS, no qual o Requerente demostra inequivocamente que foi notificado dessa decisão. O Requerente nos presentes autos peticiona que seja a presente providência decretada, devendo em consequência ser intimado o IMTT, IP a proceder à devolução do título de condução n.º VS - (...) ao requerente, que o habilita a conduzir veículos a motor das categorias A e B, assim respeitando as decisões dos tribunais e, bem assim, reconhecendo que a caducidade da carta de condução por via da prática de contra-ordenações rodoviárias só opera depois de estas se tornarem definitivas ou transitarem em julgado, o que no caso ainda não se verificou. Ora, não restam dúvidas em como a acção principal de que a presente providência cautelar depende, se configura como uma acção especial para a prática de acto legalmente devido, na medida em o que o requerente pretende é que a entidade requerida IMT, IP, pratique o acto de entrega ao mesmo requerente da carta de condução apreendida em função das contra-ordenações que o mesmo lhe instaurou e, também, pelo facto de o mesmo requerente ter sido acusado e julgado pelo crime de condução sem habilitação legal. Em face da absolvição que obteve no processo n.º 123/10.8CTVIS que correu no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, crime de condução sem habilitação legal, por alegadamente o mencionado título de habilitação que refere o habilitar a conduzir, a referida apreensão desse título de condução ser ilegal e, bem assim, sendo ilegal a retenção que a Entidade requerida faz desse seu título de condução, recusando-se a devolver-lho e/ou a emitir outro em sua substituição. Vem, assim o Requerente, com a presente providência cautelar peticionar a devolução da referida carta de condução que a Entidade requerida lhe mantém apreendida e/ou a emitir-lhe uma outra carta de condução em substituição daquela, tudo em função de ter obtido uma decisão absolutória pelo crime de condução de veículos a motor sem habilitação legal. Como refere, apesar dessa absolvição, na qual está ou estará implícita de que aquele título de condução apreendido é válido e, consequentemente lhe deve ser entregue e/ou a que lhe seja emitido outro título de condução que substitua aquele, a Entidade requerida recusa a devolver-lhe esse título de condução e/ou a emitir outro que o substitua, por, como afirma, a mesma entidade requerida o considerar já caducado. Ora, configura-se a acção principal como condenação da entidade requerida à prática do acto legalmente devido pois que o requerente pretende, embora tenha omitido no seu requerimento inicial o acto praticado, mas dado a conhecer no âmbito do processo n.º 231/13.3BEVIS, impugnar a decisão proferida pela entidade requerida que lhe indeferiu expressamente a sua pretensão de devolução de devolução da referida carta de condução VS - (...), conforme consta do referido documento e que a data de 6 de Julho de 2012 notificado a 11 de Julho de 2012. Veio o Requerente intentar Acção Administrativa Comum, à qual se encontra apensa a presente providência. Ora, resulta evidente que a forma de processo intentada pelo requerente como acção principal e de que esta providência cautelar depende, não pode jamais ser uma acção administrativa comum mas antes uma acção administrativa especial, e previsivelmente na modalidade de acção administrativa especial de condenação à prática de acto legalmente devido e regulada nos artigos 66.º e segs. do CPTA. Assim, como resulta do disposto no artigo 69.º, n.º 2, do CPTA, este tipo ou modalidade de acção administrativa especial deve ou deverá ser proposta no prazo de três (3) meses, naturalmente a contar da data da comunicação do indeferimento ao interessado, como resulta evidenciado que é o caso dos presentes autos, pois tal acto de indeferimento foi expressamente proferido pela Entidade requerida. Considerando que o acto de indeferimento foi notificado ao Requerente em 11 de Julho de 2012, tal significa estar já ultrapassado o prazo de três meses para o requerente intentar a respectiva acção especial de condenação da Entidade requerida à prática do acto legalmente devido. O que significa, por outro lado, dada a instrumentalidade da providência cautelar, como é a presente, daquela acção administrativa especial a intentar mas que evidencia ter a mesma já há muito caducado, por extemporânea, tal conduzirá inexoravelmente também à caducidade desta providência. Ora, não é pelo facto de o requerente ter intendo acção administrativa comum, que é possível intentar a todo o tempo, que pode obviar àquela caducidade da acção administrativa especial, que é o único meio idóneo. Não restam quaisquer dúvidas que a pretensão do requerente visa o acto administrativo de indeferimento da entidade requerida em devolver-lhe o referido título de condução. Assim, a acção administrativa comum já intentada como acção principal de que esta providência cautelar depende, é incompatível com aquele acto administrativo dela emergente e, por isso, não pode ser utilizada para obter a invalidade do acto e, bem assim, para a condenação da Entidade requerida à prática do acto administrativo legalmente devido, nos termos do disposto nos artigos 37.º, n.º 2, alínea e), 46.º, n.º 2, alínea b) e 66.º e segs., todos do CPTA ou, ainda, para o efeito que resultaria da anulação do referido acto administrativo, nos termos do disposto no artigo 38.º, n.º 2, do CPTA. Acresce que, só a título excepcional é que na referida acção administrativa comum é que seria possível a apreciação da ilegalidade do acto em causa, no quadro previsto no artigo 38.º, n.º 1, do CPTA e assim, como acção principal a já intentada acção administrativa comum, verificando-se a extemporaneidade da acção administrativa especial, aferida em relação à data da notificação do acto administrativo questionado e a data da entrada da petição neste tribunal em 13 de Março de 2014, não se poderá jamais operar a convolação da acção administrativa comum anunciada em acção administrativa especial - cfr. Ac. do TCAN, proc.º n.º 00499/10.7BEVIS, em que foi titular a signatária nesta instância. Veio o Requerente ainda defender que mesmo que se pudesse tratar de um acto administrativo, que se impusesse o recurso a acção administrativa especial, a lei diz que os actos administrativos nulos não estão sujeitos a prazo. Actos praticados na sequência de actos nulos são também actos nulos, Daí fica afastado o formalismo dos três meses. Pretende o Requerente que o IMTT, IP seja condenado a proceder à devolução do título de condução n.º VS - (...) ao requerente, que o habilita a conduzir veículos a motor das categorias A e B, assim respeitando as decisões dos tribunais e, bem assim, reconhecendo que a caducidade da carta de condução por via da prática de contra-ordenações rodoviárias só opera depois de estas se tornarem definitivas ou transitarem em julgado, o que no caso ainda não se verificou. Ora, relativamente ao incumprimento por parte do IMTT da decisão proferida no processo n.º 123/10.8GTVIS, não se verifica porquanto como aliás, consta no despacho judicial de 30/05/2012: “De todo o modo dir-se-á que a sentença não determinou que a entidade administrativa entregue (devolva) o título de condução ao arguido (nem tal consta da decisão final), uma vez que não era esse o objecto do processo (nem o poderá ser, por incompetência material do Tribunal, competência essa que pertence ao foro administrativo), antes se limitando a apreciar a sua responsabilidade criminal pela prática do imputado crime de condução ilegal, crime esse que – como se refere na fundamentação da sentença – não foi cometido, visto a decisão administrativa que determinou a caducidade da carta ser, no entendimento deste Tribunal, manifestamente ilegal. Assim, face à decisão deste Tribunal, a entidade administrativa poderá, se assim o entender, proceder à entrega/devolução do título ou, poderá, se assim o não entender, não proceder à entrega/devolução do título, sendo que está última decisão está sujeita a impugnação judicial (nos Tribunais Administrativos).” É certo que nos termos do artigo 205.º da CRP que define que as decisões dos tribunais órgãos de soberania, com obrigatórias para as entidades públicas e privadas, prevalecendo sobre as de quaisquer outras autoridades. Porém, a decisão proferida no âmbito do processo n.º 123/10.8GTVIS, não é violada porquanto a devolução do título de condução ao arguido não era o objecto do processo, nem o poderia ser, por incompetência material do Tribunal, competência essa que pertence ao foro administrativo, antes se limitou a apreciar a sua responsabilidade criminal pela prática do imputado crime de condução ilegal. Assim, não se vislumbra qualquer nulidade, não se verifica qualquer ofensa a uma decisão judicial. Pelo exposto, o prazo que cabia para a impugnação do acto é o prazo de três meses, o que não sucedeu. Nesta conformidade, verifica-se caducidade do direito de acção, o que obsta ao conhecimento de mérito. Sempre se dirá ainda que o Requerente veio intentar a presente providência cautelar depois de ter intentado mais duas providências e duas intimações para defesa de direitos liberdades e garantias, começando apenas em Maio de 2013 e não quando a decisão do processo n.º 123/10.8GTVIS, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Viseu proferida em 14 de Maio de 2012 e a decisão administrativa de 22 de Junho de 2012, posterior à decisão judicial e em que foi indeferido o pedido formulado e não rebatendo a ilegalidade da decisão que declarou a caducidade do título de condução, em devido tempo, como necessário e até lhe foi indicado no despacho de 30/05/2012, proferido no âmbito do processo n.º 123/10.8GTVIS. (…)» Sinais de evidência naquilo que está subjacente às pretensões do requerente não existem. Há desde logo um ponto fundamental que o acervo probatório deixa titubeante: a definitividade, ou não, das condenações administrativas. Alega o requerente que as impugnou, correndo termos (art.º 13º da p. i.), juntando cópias dos ofícios que as encaminharam para tribunal (já em 2013) e promoção e despacho judicial relativo à apensação (com o seu req. de resposta à oposição); todavia no proc. nº 123/10.8GTVIS, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Viseu proferida em 14 de Maio de 2012, em que o requerente ancora benefício, e de que com a p. i. junta cópia, cujos termos aqui se têm presentes, dão-se como “transitadas” tais decisões. E este é ponto decisivo para afirmar ou não a caducidade do título de condução à luz dos artºs. 122º, nºs. 4, 5, 7, e 130º, nº 1, a), do Código da Estrada (redacção do DL nº 44/2005, de 23/02; que com a redacção do DL nº 138/2012, de 5/07, é matéria tratada como “cancelamento” do título), pois que é isto que de direito está fundamentalmente em causa. As situações a enquadrar no artº 120º, nº 1, a) do CPTA, designadamente no conceito de acto manifestamente ilegal, não devem oferecer quaisquer dúvidas quanto a essa ilegalidade que, assim, deve poder ser facilmente detectada, face aos elementos constantes do processo e pela simples leitura e interpretação elementar da lei aplicável, sem necessidade de outras averiguações ou ponderações. Na verdade, o que é manifesto, é líquido, salta à vista, não oferece dúvida. O que, já se viu, não é o caso. Afastada a solução do caso segundo critério de evidência do art.º 120º, nº 1, a), do CPTA, logra êxito a peticionada suspensão de eficácia à luz do art.º 120º, nº 1, b), do CPTA [dando de barato que a providência em causa merece epíteto de conservatória]? Detectou o tribunal obstáculo que não permitiu aprofundar razões quanto ao mérito. Se bem damos síntese: o indeferimento da devolução da carta de condução, por despacho datado de 22/06/2012 do IMTT, IP, encarado como acto administrativo, e que o requerente deveria ter impugnado, por acção administrativa especial, em prazo já ultrapassado, não detendo a presente tutela prestável instrumentalidade a uma acção comum que não ultrapassa aquela consolidação de efeitos. Tem o recorrente razão ao apontar que não vem a juízo em demanda, sequer cautelar, de impugnação de qualquer acto. O que vem em pedido, e por apenso à respectiva acção comum, não tem qualquer imediata feição desse tipo. [Recordam-se os pedidos da acção principal: a. Reconhecer que os Tribunais são Órgãos de Soberania, senda as suas decisões obrigatórias para as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades, inclusive sobre as próprias decisões do lMT,IP; b. Reconhecer que a recusa em devolver a carta de condução ao Autor configura um comportamento que enferma de nulidade, afrontando mesmo a Lei Fundamental; c. Reconhecer que o Autor é tituLar da carta de condução nº VS - (...), obtida em 20-08-2003, título que o habilita a conduzir motociclos e veículos Ligeiros, categorias A e B1 d. Restabelecer a legalidade devolvendo o título de condução n.° VS – (...) ao Autor, que o habilita a conduzir veículos a motor das categonas A e B, assim respeitando a lei, as decisões dos tribunais e, bem assim, reconhecendo que a alegada caducidade da carta de condução por via da prática de contra-ordenações rodoviárias só opera depois de estas se tornarem definitivas ou transitarem em julgado o que no caso ainda não se verificou. e. Reconhecer que a privação da carta de condução tem causado prejuízos ao Autor que, neste momento não é possível contabilizar, relegando-se o :u cômputo em sede de execução de sentença.] Pelo que não há que “transmutar” o objecto, ora afirmando que “não restam dúvidas em como a acção principal de que a presente providência cautelar depende, se configura como uma acção especial para a prática de acto legalmente devido”, ora, afinal, reconhecendo que “Veio o Requerente intentar Acção Administrativa Comum, à qual se encontra apensa a presente providência”. Mas, ainda assim, naquilo que o tribunal intuiu e de que também teve perspectiva, embora sob diferente ângulo em que agora se discorre, julga-se, não se encontra comprometida a tutela jurisdicional efectiva. O artº 268º, nº 4, da CRP, dispõe que «É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas». Em explicitação deste último preceito constitucional, veio o artº 2º, nº 1 do CPTA a dispor que «O princípio da tutela jurisdicional efectiva compreende o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão.». E o nº 2 deste preceito veio reafirmar que «a todo o direito corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos», exemplificando algumas das pretensões que hoje podem ser formuladas junto destes tribunais, designadamente «a adopção das providências cautelares adequadas para assegurar o efeito útil da decisão» (alínea m)). Portanto, não restam hoje quaisquer dúvidas que o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, genericamente consagrado no artº 20º e, em especial para o contencioso administrativo, no artº 268º, nº 4, inclui também o direito a uma tutela cautelar adequada a assegurar o efeito útil da decisão a proferir no processo principal, de que a providência cautelar é dependência. Tem sido entendimento do STA e também do Tribunal Constitucional, que o direito a uma tutela judicial efectiva, como, de resto, outros direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, não é um direito absoluto ou ilimitado, susceptível de ser exercido em qualquer caso e à margem do processo legalmente estabelecido, antes devendo ser exercitado com observância dos pressupostos acolhidos na lei ordinária, desde que, como é óbvio, tais pressupostos não se traduzam, na prática, em denegação de justiça, mediante a criação de obstáculos de tal monta que se reconduzam na supressão, ou restrição desnecessária ou desproporcional do direito de acesso à via judiciária (cfr. p. ex., os Acs. do STA de 03.04.03, rec. 1531/02, e 09-05-2000, proc.º n.º 701/02, e os Acs. do TC nº 43/92, confirmado em Plenário pelo acórdão do TC nº 366/92, ambos publicados no DR II nº45, de 23.02.1993, e ac. nº 450/91, nº 299/95, de 07.06, nº491/07, de 02.07, nº 247/02, de 04.06, nº 467/03, de 14.10, entre outros). E deste fio condutor não se alheou o raciocínio encetado pelo tribunal “a quo” : (i) coloca em atenção que a acção administrativa comum é o processo comum do contencioso administrativo, a qual recebe no seu âmbito todos os litígios excluídos pela incidência típica dos restantes meios processuais (cf. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2010, 3ª ed.ª, pág. 227; Sérvulo Correia, “Unidade ou pluralidade de meios principais no contencioso administrativo, in “O debate Universitário”, págs. 519-520); (ii) apercebeu-se que, de permeio, em causa estava um acto administrativo; e com razão; o dito acto de indeferimento – seja aquele que o tribunal reconheceu como tal, seja o que o requerente dá como existente a montante -, é um acto administrativo (de modo algum, como aduz o requerente, mera operação material); e é ele que opera obstáculo à devolução a carta de condução ao requerente; a sua valia e subsistência de efeitos discute-se em acção administrativa especial. Contrapõe o requerente, sem prescindir quanto à definição do objecto em causa, que o acto administrativo de indeferimento é um acto nulo, portanto não sujeito a prazo de impugnação; mas, como o próprio tem por alicerce, não é esse acto visado na acção e na providência. Como dita em conclusão “Em causa não está pois nenhum acto administrativo que tenha de ser atacado no prazo de três meses; em causa não está nenhuma acção administrativa especial. Está – tal como alegado e fundamentado - uma acção comum, intentada ao abrigo do disposto no artigo 37.º, n.º 2, als. a), b) e d) do CPTA.” [itálico e sublinhado nossos] Ora, «O reconhecimento de direitos ou interesses legítimos (e de qualidades ou de preenchimento de condições), previsto nas alíneas a) e b), corresponde tipicamente a uma acção de simples apreciação, destinando-se a obter uma sentença que torne certo o direito ou interesse que está em causa» (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, revista, pág. 205), o que, manifestamente não é o caso. Não há indefinição quando há um (claro) indeferimento. Também «uma acção dirigida ao próprio restabelecimento dos direitos ou interesses postos em causa por um acto administrativo ilegal, que, embora também siga os termos da acção administrativa comum (cfr. artigo 37.º, n.º 2, alínea d)), como se dirige à reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, pressupõe necessariamente a prévia anulação desse acto, como resulta do n.º 2 do artigo 38º» (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição, revista, pág. 230). Enquanto não anulado, vigora na ordem jurídica. E nulo não é por desrespeito de caso julgado, como objecta o requerente, pois que (mais propriamente) autoridade de julgado (derivada do decidido no proc. nº 123/10.8GTVIS) obtida (como se imporia) a título principal, a propósito da sua valia, não emerge. Assim, não podendo o procedimento cautelar ter prestável instrumentalidade a uma inadequada acção comum, que a ordem jurídica não admite, claudica - prejudicando averiguação de “periculum in mora” e ponderação de interesses - a tutela cautelar. * Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo o decidido, ainda que sob diferente fundamentação.Custas: pelo requerente (sem prejuízo do apoio judiciário). Porto, 12 de Agosto de 2014. Ass.: Luís Migueis Garcia Ass.: Helena Ribeiro Ass.: Mário Rebelo |