Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00295/12.7BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/20/2015
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Joaquim Cruzeiro
Descritores:LICENÇA SEM VENCIMENTO
DECRETO-LEI N.º 15/92, DE 15 DE JANEIRO
Sumário:O que está proibido pelo disposto no artigo 22º do Decreto-Lei n.º 15/92, de 15 de Janeiro é que a renovação da licença sem vencimento possa ultrapassar os dez anos. No entanto não se pode concluir que esta terminada não se possa solicitar uma nova licença. Torna-se é necessário que estejam preenchidos os pressupostos para o efeito.
Recorrente:Caixa Geral de Aposentações
Recorrido 1:JMAEB
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
Caixa Geral de Aposentações vem interpor recurso do Acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferido em 9 de Julho de 2013, e que julgou procedente a acção administrativa especial intentada por JMAEB, no âmbito da acção administrativa especial onde solicitava que fosse:
a) Declarada nula ou anulada a decisão impugnada;
b) Condenada a entidade demandada a considerar, para efeitos de cômputo da pensão de aposentação do A., o tempo de serviço e os descontos efectuados desde 1 de Setembro de 2009 até à data da aposentação,
Subsidiariamente, e para a hipótese de assim não se entender,
c) Condenada a entidade demandada a restituir ao A. o valor da totalidade das quotas por ele pagas desde 1 de Setembro de 2009, acrescidas de juros de mora à taxa legal.

Em alegações o recorrente concluiu assim:
A - Salvo o devido respeito, não pode a ora Recorrente conformar-se com tal decisão, a qual padece de erro de julgamento e não interpreta nem aplica correctamente o disposto no n.º 2 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro.

B - Mantém a CGA, ora Recorrente, o entendimento de que o despacho impugnado não padece de qualquer ilegalidade, pois, a licença sem vencimento do Autor era uma modalidade especial que tinha condições específicas para a sua atribuição e uma duração máxima não renovável, de 10 anos.

C - Em 1999-08-02, ao ora Recorrido foi concedida autorização de licença sem vencimento ao abrigo do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro, que solicitou a entrega directa de quotas à CGA.

D – Em 2011-03-04, o ora Recorrido veio a requerer a aposentação ao abrigo do n.º 1 do artigo 37.º-A do Estatuto da Aposentação, verificando a CGA então, que a licença sem vencimento havia terminado em 2009-08-01.

E - Por não existir fundamento legal que permitisse que o tempo de licença sem vencimento revelasse para efeitos de aposentação a CGA restituiu as quotas pagas ao ora Recorrido após a referida data.

F - Não obstante, concluiu a sentença recorrida que a licença sem vencimento concedida ao Autor – por deliberação datada de 9 de Junho de 2009 – não constitui uma renovação da inicialmente autorizada, mas sim uma nova licença, esta por um período de cinco anos.

G - Porém, salvo o devido respeito, não pode a ora Recorrente concordar com o argumento de que uma nova licença sem vencimento de longa duração ao abrigo do artigo 22.º do Estatuto do SNS, regularizou a situação do ora Recorrido, uma vez que já se encontrava esgotado o tempo máximo de duração daquela licença e a sua renovação só era admitida nos casos em que tinha sido autorizada por um período inferior a 10 anos como expressamente decorre do n.º 2 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro.

H - Por outro lado, não há qualquer dúvida de que o legislador quis, deliberadamente, manter as especificidades do regime destas licenças sem vencimento, designadamente, no que respeita à sua duração máxima (10 anos), nas alterações efectuadas ao diploma pela legislação publicada posteriormente, pois, os artigos 21.º e 22.º do Estatuto do SNS não sofreram qualquer alteração, mantendo a sua redacção original.

I - Por essa razão, é manifesto que não poderá ser considerado para efeitos de aposentação o tempo de licença sem vencimento posterior a 1 de agosto de 2009.

O Recorrido, notificado para o efeito, apresentou contra-alegações tendo concluído assim:

1ª Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido não merece qualquer censura, tendo efectuado uma correctíssima interpretação do direito ao julgar procedente a presente acção e ao anular a deliberação proferida pela entidade recorrente no segmento em que esta não considerou, para efeitos de aposentação, o tempo de serviço prestado pelo Recorrido ao abrigo da sua segunda licença sem vencimento.

2ª Entende o Recorrente precisamente o contrário: que o aresto incorreu em erro de julgamento ao anular o referido segmento, uma vez que a segunda licença concedida ao Recorrido é ilegal e, como tal, não pode relevar para efeitos de aposentação, pelo que todo o tempo de licença gozado a partir dos 10 anos de licença não poderia ser contabilizado – cessando, por isso, em 1 de Agosto de 2009.

3ª Contudo, a verdade é que não assiste razão ao Recorrente, precisamente porque a premissa de que parte está errada: é que o Recorrente esquece-se que o que está verdadeiramente em causa nos presentes autos não é UMA só licença, mas sim DUAS licenças: uma de 10 anos, e uma outra licença de 5 anos (v. factos A) e C) provados no Acórdão recorrido); uma pedida em 1999, outra em 2009, perfeitamente distintas e autónomas uma da outra, cada qual com o seu pedido individual, conteúdo específico e autorização própria.

4ª Por isso mesmo, não é a renovação de uma licença que aqui está em causa, mas antes a concessão de uma nova licença, absolutamente autónoma e distinta da anterior.

5ª Pelo que, não impedindo a lei que esgotada uma primeira licença, possa ser concedida uma outra (e nova) licença, é por demais manifesto que mal andou a deliberação recorrida ao não contabilizar o tempo de serviço do Recorrido correspondente à segunda licença, não merecendo, como tal, o acórdão recorrido qualquer reparo;

6ª Na verdade, os únicos requisitos que o art.º 22º do Decreto-Lei nº 11/93 impunha eram que a licença sem vencimento tivesse a duração máxima de 10 anos; que terminasse quando cessasse os pressupostos da sua concessão; que pudesse ser renovada até ao limite máximo fixado (10 anos); que a duração da mesma relevasse para todos os efeitos legais, podendo o funcionário optar por continuar a efectuar descontos, nomeadamente para aposentação; e ainda que semelhante licença determinasse a abertura de vaga.

7ª Ou seja, em lado algum a lei determina a impossibilidade de concessão de mais do que uma licença sem vencimento, antes se limitando a definir os termos e condições de cada licença, pelo que a interpretação sufragada pelo Tribunal a quo é a única que corresponde ao espírito e letra da lei;

8ª Tanto mais que, sendo certo que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, a verdade é que se efectivamente quisesse que um funcionário só tivesse direito a gozar uma única licença sem vencimento (e com uma duração máxima de 10 anos) ao longo de toda a sua carreira profissional, com certeza o teria referido expressamente – o que, como se sabe, não fez.

9ª Consequentemente, é por demais manifesto que a interpretação sufragada pelo Tribunal não enferma de qualquer erro de julgamento, pois a lei não impede que, esgotado o prazo de 10 anos de uma licença, possa ser concedida uma nova licença, não constituindo esta segunda licença uma renovação da inicialmente autorizada, mas sim uma nova licença, pelo que bem andou o aresto em recurso ao julgar procedente a acção e em anular a deliberação impugnada no segmento em que não considerou o tempo de serviço prestado pelo Recorrido durante a sua segunda licença;

10ª Este é, aliás, o entendimento do próprio Secretário-Geral do Ministério da Saúde que defende que o prazo máximo de dez anos fixado na lei “…não constitui, contudo, um limite subjectivo em função de determinado funcionário…”, razão pela qual “…o pessoal que tenha beneficiado de uma licença sem vencimento por dez anos não ficará impedido de beneficiar de nova licença se, de novo, viera a concluir-se pela verificação do interesse público…” – (cfr. doc. nº 4 junto com a p.i.).

11ª Para além disso, sempre se diga que o provimento da presente acção era o único desfecho legalmente possível, tendo em conta os vários vícios de que padecia aquele segmento do acto impugnado;

12ª Em primeiro lugar, porque as únicas entidades com competência e legitimidade para conceder a referida licença (o Ministro da Saúde e a Administração Regional de Saúde) entenderam estarem reunidos os pressupostos para a sua concessão, pelo que não faz sentido que seja a Caixa Geral de Aposentações a não “aceitar” que assim seja, e a querer aferir da legalidade das decisões de outras entidades públicas com as quais nada tem a ver, como se de um verdadeiro Tribunal se tratasse e tivesse por missão aferir da legalidade dos actos praticados pelos diversos órgãos que integram a Administração Pública;

13ª Pelo que sempre a deliberação recorrida enfermaria de usurpação de poderes no segmento em que não contabiliza os descontos efectuados durante a segunda licença, pois a apreciação e declaração da ilegalidade de um acto administrativo é matéria que compete exclusivamente aos tribunais administrativos (v. neste sentido, a alínea d) do nº 2 do artº 2º do CPTA),

14ª Para além disso, a Recorrente não poderia ter eliminado os efeitos que decorrem de um acto que já há muito formara caso resolvido - o acto a conceder a segunda licença - e que, portanto, não poderia ver a sua legalidade questionada (pois já haviam passado mais de dois anos sob a sua prática), antes tendo que acatar o acto como produtor de todos os efeitos a quem tende ou que dele decorrem (v. ROGÉRIO SOARES, in Interesse Público, Legalidade e Mérito, 1955, pág. 277), pelo que sempre teriam de se produzir todos os efeitos dele decorrentes, designadamente o direito de opção pela manutenção dos descontos para efeitos de aposentação (v. nº 3 do artº 22º do DL nº 11/93),

15ª Pelo que bem andou o aresto em recurso ao anular o acto impugnado, sob pena de se manter no ordenamento jurídico um acto atentatório da força de caso resolvido.

16ª Por fim, sempre se diga que o acto que concedeu ao Recorrido a segunda licença sem vencimento - e aquela que o acto impugnado insiste em não contabilizar - assume inquestionavelmente a natureza de acto constitutivo de direitos, pelo que nem a Caixa Geral de Aposentações tinha competência para revogar um acto proferido pela Administração Regional de Saúde, como seguramente tal revogação ocorreu muito depois de decorrido um ano sobre a publicação de tal acto - quando a verdade é que os actos constitutivos de direitos só podem ser revogados pelo seu autor, superior hierárquico ou delegante (v. artº 142º do CPA) e, ainda que ilegais, apenas no prazo máximo de um ano após a sua prática (v. artº 141º do CPA),

17ª Pelo que é manifesto o acerto do aresto em recurso ao determinar a anulação da deliberação impugnada, não padecendo como tal, de qualquer erro de julgamento.

O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso.

As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:
— se ocorre erro de julgamento de direito pelo Tribunal a quo quando refere que esgotado o prazo máximo de dez anos constante do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 22º do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro, nada obsta a que não se possa conceder uma nova licença sem vencimento.
Cumpre decidir.


2– FUNDAMENTAÇÃO
2.1 – DE FACTO
No Acórdão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:

A)
Em 1 de Agosto de 1999 foi concedida ao A. licença sem vencimento por dez anos, ao abrigo do artº 22º do D.L. nº 11/93, de 15 de Janeiro – facto não impugnado;
B)
O A. optou por continuar a efectuar os descontos para a Caixa Geral de Aposentações – facto não impugnado;
C)
O A., em 16 de Março de 2009, requereu ao Presidente do Conselho Directivo da Administração Regional de Saúde do Centro, I.P. fosse autorizada “…nova licença sem vencimento, pelo período de mais 5 anos” – cfr. fls. 64 dos autos;
D)
O Conselho Directivo da referida Administração Regional de Saúde deliberou, em 9 de Junho de 2009 autorizar a referida licença – cfr. fls. 63 do P.A.;
E)
O A. continuou a efectuar descontos para a Caixa Geral de Aposentações nos anos de 2009, 2010 e 2011 – facto não impugnado;
F)
Foi elaborado parecer por jurista da Ré do qual se extrai o seguinte:
(…)
“No caso em apreço, verifica-se que o interessado em 2009-08-01 deixou de estar em condições para continuar de licença sem vencimento de longa duração nos termos da Lei nº 11/93, de 15 de Janeiro.
A licença sem vencimento de JMAEB era uma mobilidade especial que tinha condições específicas para a sua atribuição (existência de interesse público e o fim de contratação por entidades privadas pertencentes ao sistema de saúde) e uma duração máxima não renovável, de 10 anos.
Os artigos 20º a 22º do Estatuto do SNS, aprovado em anexo à Lei nº 11/93, de 15 de Janeiro, foram revogados pelo Decreto-Lei nº 177/2009, de 4 de Agosto (regime da carreira especial médica, bem como os respectivos requisitos de habilitação profissional).
Ora, não podia o Conselho Directivo da Administração Regional de Saúde do Centro, I.P., em 2009-08-01, regularizar a situação de Júlio Manuel Almeida D’ Eça Batista perante a CGA, concedendo uma nova licença sem vencimento de longa duração ao abrigo do artigo 22º do Estatuto do SNS uma vez que já estava esgotado o tempo máximo de duração daquela licença. Aliás, a renovação da licença, só era admitida nos casos em que a licença tinha sido autorizada por um período inferior a 10 anos como expressamente decorre do nº 2 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 11/93, de 15 de Janeiro.
Assim, somos de parecer não haver fundamento legal que permita que o tempo de licença sem vencimento posterior a 2009-08-01 possa relevar para efeitos de aposentação, pelo que se afigura que se deverá proceder à restituição ao interessado dos descontos efectuados após aquela data.” – cfr. fls. 96/99 do P.A.;
G)
A Direcção da Ré, por deliberação datada de 10 de Fevereiro de 2012, decidiu reconhecer o direito do A. à aposentação, sem contabilizar os descontos efectuados desde 1 de Agosto de 2009 a 30 de Abril de 2011 (acto impugnado) – cfr. fls. 115/116 do P.A..


2.2 – DE DIREITO
Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.

Vejamos então.

No caso dos autos o recorrido solicitou, em 1 de Agosto de 1999, licença sem vencimento, por dez anos, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro.
Em 16 de Março de 2009 solicitou à Administração Regional de Saúde do Centro IP que lhe fosse concedida nova licença, agora pelo período de cinco anos, o que lhe foi deferido.
A questão a decidir no presente processo prende-se com a necessidade de saber se, nos termos do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro, nomeadamente no disposto nos seus artigos 21º e 22º, se pode concluir que, concedida uma licença sem vencimento, pelo período de 10 anos, e esgotado esse prazo, se pode ou não vir a solicitar a concessão de uma nova licença sem vencimento, como refere a decisão recorrida.
O recorrente vem alegar que a licença sem vencimento, nos termos do disposto no artigo 22º do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro, apenas pode ser concedida por um período máximo de dez anos.
A decisão recorrida, quanto a este aspecto, refere:
“A questão que se coloca face ao disposto nos nºs 1 e 2 do artº 22º supra transcrito é se dos mesmos é legítimo retirar que esgotado o período máximo de 10 anos não pode ser concedida nova licença – como se considerou na deliberação impugnada - constituindo entendimento do Tribunal que assim não é. Com efeito, o nº 1 do preceito em análise apenas refere que a “…licença sem vencimento tem a duração máxima de 10 anos e termina, independentemente do prazo por que tenha sido concedida, logo que cessem os pressupostos da sua concessão”, nada dizendo quanto à possibilidade de, esgotados os 10 anos, ser vedada a concessão de nova licença; por sua vez o nº 2 apenas refere que a licença sem vencimento pode ser renovada até ao limite máximo fixado.

A segunda licença sem vencimento concedida ao A. – por deliberação datada de 9 de Junho de 2009 - não constitui uma renovação da inicialmente autorizada, ma sim uma nova licença, esta por um período de cinco anos. A questão que subjaz aos presentes autos foi tratada em informação prestada pelo Secretário Geral do Ministério da Saúde, junta aos autos pelo A. – cfr. fls. 20/22– informação que, por se concordar com o respectivo teor, parcialmente se transcreve:
(…)
“4 – É o interesse público o factor determinante da concessão da licença prevista no Estatuto dos Serviço Nacional de Saúde, sendo a aferição desse interesse que, em cada caso, a determina e condiciona.
5 – O interesse público, que advém da complementaridade dos diversos segmentos que compõem o sistema de saúde, e do objectivo de concorrerem harmoniosamente para a boa prestação dos cuidados, foi delimitado na lei a um prazo máximo de dez anos, considerado adequado à relativa estabilidade das situações contratuais decorrentes da autorização para o efeito concedida.
6 – Este prazo não constitui, contudo, um limite subjectivo em função de determinado funcionário ou agente, mas sim a delimitação de um período razoável para a realização de um certo interesse público, reconhecido para aquela finalidade, e para a ponderação de uma situação concreta e determinada.
O que acontece é que, esgotado este prazo, a situação que lhe deu origem deixa de estar “protegida” pela autorização inicial que a consolidou porquanto, de outro modo, a licença prolongar-se-ia sem qualquer controlo ou juízo de valor e, principalmente, sem a valoração daquele interesse público.
7 – Assim, o pessoal que tenha beneficiado de uma licença sem vencimento por dez anos não ficará impedido de beneficiar de nova licença se, de novo, vier a concluir-se pela verificação do interesse público.”

A argumentação aduzida na informação supra parcialmente transcrita mostra-se correcta face ao disposto no nºs 1 e 2 do artº 22º do D.L. 11/93, não impedindo a lei – em vigor a 9 de Junho de 2009 - que esgotado o prazo de 10 anos possa ser concedida nova licença, pelo que a Direcção da Ré, na medida em que não considerou o tempo de serviço e os descontos efectuados pelo A. a partir de 1 de Agosto de 2009, padece do invocado vício de violação de lei.

Diga-se, desde já, que é para manter o assim decidido.
Referem os artigos 21º e 22 do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro que:

“Artigo 21.º
Mobilidade profissional
1 - O Ministro da Saúde pode autorizar, com fundamento em razões de interesse público, que o pessoal com relação jurídica de emprego na Administração Pública que confira a qualidade de funcionário ou agente seja contratado por entidades privadas pertencentes ao sistema de saúde, sem perda de vínculo.
(…)
Artigo 22.º
Licença sem vencimento
1 - A licença sem vencimento tem a duração máxima de 10 anos e termina, independentemente do prazo por que tenha sido concedida, logo que cessem os pressupostos da sua concessão.
2 - No caso de a licença sem vencimento ser autorizada por período inferior a 10 anos, pode ser sucessivamente renovada até ao limite máximo fixado.
3 - O tempo da licença sem vencimento releva para todos os efeitos legais, podendo o funcionário ou agente optar por continuar a efectuar descontos para a aposentação ou reforma, sobrevivência e ADSE.
4 - A licença sem vencimento determina a abertura de vaga, podendo o funcionário reingressar na função pública na qualidade de excedente no caso de preenchimento ou extinção do lugar.”

Estamos, conforme decorre dos normativos referidos, perante um sistema de mobilidade especial, que tem como fundamento razões de interesse público, em que os trabalhadores com uma relação jurídica de emprego pública podem, mediante licença sem vencimento, prestar serviço em entidades privadas pertencente aos sistemas de saúde, e sem perda de vínculo. Foi uma opção do legislador, nesta altura, como decorre do preâmbulo do referido Decreto-Lei, que refere: “ a flexibilidade na gestão de recursos impõe não apenas aa adopção de mecanismos especiais de mobilidade e de contratação de pessoal com o incentivo a métodos e práticas concorrenciais, no respeito pela relevância social do direito à saúde e com estrita observância das obrigações que ao Estado competem nesta matéria”.
Ou seja, quando razões de interesse público assim o justificassem, e dentro de uma concorrência com o sector privado da saúde, podiam os trabalhadores integrados nos serviços do Serviço Nacional de Saúde, recorrer a este mecanismo de mobilidade.
Vem o artigo 22º sustentar que a licença tem um prazo máximo de dez anos (n.º 1), e caso a mesma tenha sido concedida por período inferior, só pode ser sucessivamente renovada até ao máximo dos referidos 10 anos (n.º 2).
No entanto, nada refere que a licença em causa apenas possa ser concedida por uma só vez, como veio a decidir a decisão recorrida. Ou seja, não se retira dos normativos em causa que, se verificarem os pressupostos no que se refere ao interesse público, um determinado trabalhador não possa vir a beneficiar da concessão de uma nova licença.
O que está proibido pelo disposto no artigo 22º é que a renovação da licença possa ultrapassar os dez anos, mas não se pode concluir de tal facto que, esta terminada, não se possa solicitar uma nova licença. Torna-se é necessário que estejam preenchidos os pressupostos para o efeito.
No caso dos autos a entidade recorrida vem insurgir-se contra a concessão da nova licença, uma vez que esta foi sequencial. No entanto, se tivesse havido um espaço temporal entre as duas licenças, certamente que não se levantariam as dúvidas que entretanto surgiram. Na verdade, se o recorrido tivesse cessado a sua licença, e consequentemente tivesse regressado ao serviço, podia, por exemplo, passados seis meses, solicitar a emissão de nova licença. Se estivessem reunidos os pressupostos para o seu deferimento, nomeadamente quanto ao interesse público a defender, não temos dúvidas que esta poderia ser deferida. Se assim é, nada obsta a que não possa haver concessão de uma nova licença, terminada que esteja anterior.
Temos assim de concluir que não ocorre o erro de direito assacado à decisão recorrida.
De acrescentar, como refere o recorrido, que a sua situação jurídica tinha sido definida por um acto de 9 de Julho de 2009 proferido pela Administração Regional de Saúde do Cento, decisão esta que se solidificou na ordem jurídica, não podendo agora vir a ser alterada. Na verdade, na referida data, foi-lhe concedida uma nova licença sem vencimento, por cinco anos, acto este que não foi impugnado. Ora, não pode a recorrente, solidificado este acto, que é constitutivo de direitos, vir, com uma decisão prolatada em 10 de Fevereiro de 2012 (alínea G) da matéria de facto dada como provada), sustentar que a decisão anterior, com mais de um ano é inválida. A recorrente não tem competência para, com os fundamentos invocados, vir sustentar a invalidade de um acto praticado por um órgão da Administração com competência para o efeito.
Nos termos do artigo 141º do CPA, os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida. Apesar de não se estar perante a revogação de um acto, a decisão impugnada, com os fundamentos que apresenta, vem contrariar o caso decidido, pelo que, também por esta razão, tem de se manter a decisão recorrida.

3. DECISÃO
Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida
Custas pela recorrente
Notifique

Porto, 20 de Março de 2015
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Luis Migueis Garcia
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco