Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00949/14.3BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/11/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:RECURSO HIERÁRQUICO; CADUCIDADE; SUSPENSÃO DO PRAZO DE IMPUGNAÇÃO
Sumário:
1 – Os n.ºs 4 e 5, do art.º 59.º do CPTA enunciam que “a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo (...)” e que “a suspensão do prazo prevista no número anterior não impede o interessado de proceder à impugnação contenciosa do ato na pendência da impugnação administrativa, bem como de requerer a adoção de providências cautelares”.
Com efeito, nos termos previstos no art. 59º/4 do CPTA, a suspensão do prazo de impugnação contenciosa cessa com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legal para a decidir, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar.
2 - Resulta assim do CPTA um regime que confere ao interessado a possibilidade de acumular as prerrogativas da impugnação administrativa hierárquica e do potencial recurso à via judicial.
A regra da impugnação administrativa prévia, para efeitos de recurso à via judicial, apenas ocorre no caso de a lei prever expressamente a impugnação administrativa necessária, por via dos recursos hierárquicos necessários.
No que concerne ao Recurso Hierárquico facultativo, o ato de 1.º grau terá desde logo eficácia externa em função da sua imediata e potencial suscetibilidade de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:AFBR
Recorrido 1:Instituto da Segurança Social de Braga IP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório

AFBR, devidamente identificado nos autos, no âmbito de Ação Administrativa Especial que intentou contra o Instituto da Segurança Social de Braga IP, tendente, em síntese, à impugnação do ato de 18.03.2014 do Vice-presidente do Conselho Diretivo do ISS IP, que negou provimento ao seu recurso hierárquico conexo com as suas Prestações de Desemprego, inconformado com a decisão proferida no TAF de Braga, em 29 de setembro de 2016 (Cfr. Fls. 91 a 95 Procº físico), que julgou “verificada a exceção dilatória de caducidade de direito de ação”, veio Recorrer da mesma em 3 de novembro de 2016 (Cfr. Fls. 100 a 112 Procº físico), aí tendo concluído:

“A) O Tribunal a quo, não obstante da exposição dos motivos e das justificações, que levam a decisão proferida, a mesma não teve em consideração factos relevantes para a boa composição da lide.

B) O douto Tribunal orienta e fundamenta a sua decisão com base no decurso do prazo em que a decisão de recuso hierárquico deveria ser proferida, olvidando-se de que o referido prazo é meramente indicativo e que houve, efetivamente, uma decisão sobre o recurso hierárquico interposto.

C) Uma decisão que reflete até certa discricionariedade da Recorrida, porquanto não acata a decisão de um órgão jurisdicional, tecendo os seus considerandos e interpretando, ao seu convénio, a Sentença homologada pelo douto Tribunal de Trabalho.

D) Decorre diretamente do artigo 286º, n.º1 da CRP, que a “Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”.

E) A tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos concretiza-se de diversas formas, designadamente através dos meios de impugnação graciosos.

F) A este respeito, considera PAULO OTERO, que a “impugnação administrativa facultativa em impugnação recomendável: se o particular usar a via graciosa, a suspensão legal do prazo de impugnação contenciosa dos atos administrativos conferirá sempre ao recorrente um tempo suplementar de preparação da petição inicial” .

G) A impugnação administrativa facultativa, no atual contexto normativo, configura-se um mecanismo jurídico que permite incentivar os particulares a utilizar estes meios de sindicância, podendo até suceder que a Administração mude a sua posição anterior e decida favoravelmente a pretensão formulada em sede de reclamação ou recurso administrativo, evitando dessa forma que a questão controvertida seja apreciada judicialmente.

H) Por outro lado, sempre que o particular utilize devidamente um meio de impugnação administrativa vai beneficiar de um prazo alargado de impugnação contenciosa do ato administrativo, cuja contagem se suspende desde a utilização da reclamação ou do recurso administrativo até ao momento em que é notificada a decisão que recaia sobre aquelas formas de reação graciosa ou com o decurso do respetivo prazo legal de decisão.

I) Julgamos que o fulcro da questão, aqui escrutinada, se prende com a natureza e efeitos do Recurso Hierárquico devidamente interposto pelo Apelante e, pelos órgãos da Recorrida negligenciada.

J) Ensina o professor Freitas do Amaral, que “o recurso hierárquico, mesmo o facultativo, é uma garantia do particular e por isso deve envolver para este um direito à decisão”

K) O recurso hierárquico, à luz da sua normação, assume, em regra, a natureza do recurso de reexame, exceto se o ato recorrido for praticado por um órgão “a quo”, ao abrigo da competência exclusiva, situação em que o recurso hierárquico, pelo contrário assume a natureza de revisão.

L) Facilmente se alcança que a principal consequência desta qualificação é a imprevisibilidade do comportamento e da decisão do superior hierárquico, mormente, o tempo que este necessita para proferir essa decisão.

M) Nesta perspetiva - em considerar o Recurso Hierárquico como recuso de reexame - segue o artigo 175º do CPA, aprovado pelo DL n.º 442/91.

N) O referido preceito consagra dois prazos distintos ao dispor da Administração, para proferir uma decisão: i) prazo geral de 30 dias; ii) prazo máximo para decisão de 90 dias, quando haja lugar à realização de nova instrução ou de diligências complementares.

O) Os referidos prazos têm enorme relevância para delimitar a suspensão da contagem do prazo de impugnação contenciosa.

P) A este respeito, anota WLADIMIR BRITO que:

“A suspensão da contagem do prazo vem regulada nos n.ºs 4 e 5 do artigo 59º sendo que a primeira disposição legal decreta a suspensão da contagem do prazo quando o lesado tenha utilizado meios de impugnação administrativa que, como sabemos estão regulados nos artigos 158.º a 177.º do Código do Procedimento Administrativo e que são a reclamação e o recurso administrativos (hierárquico e tutelar). A utilização desses meios pelo interessado suspende o prazo e a contagem deste só recomeça com a notificação da decisão recorrida, isto é, na data da notificação dessa notificação ou decorrido o prazo legal para ser proferida tal decisão. Significa isso que o interessado, no caso de ter deduzido reclamação ou o recurso, deverá contar trinta dias úteis a partir da data da entrega da sua reclamação – cfr. 165º e 175º do Código do Procedimento Administrativo – sendo certo que, no caso do recurso hierárquico, havendo diligências de provas, o prazo para a decisão é de 90 dias úteis. Se a lei fixar outros prazos para a decisão, serão estes os que deverão ser tidos em conta” .

Q) Se o particular interpuser um recurso administrativo, cujo prazo regra é de 30 dias úteis para que seja proferida uma decisão, podendo aquele prazo ser dilatado até ao máximo de 90 dias úteis quando haja lugar à realização de nova instrução ou de diligências complementares, suspende o prazo de impugnação contenciosa.

R) A contagem do prazo de decisão da impugnação administrativa está condicionado pela intervenção dos contrainteressados e do órgão recorrido, circunstâncias alheias ao particular.

S) Ora, mais uma vez, dispõem o n.º 4 do artigo 59º do CPTA, que a “utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo”.

T) A utilização do recurso hierárquico, verifica-se quando for “apresentado ao autor do ato ou à autoridade a quem seja dirigido”, sendo este o momento em que o particular interpõe o recurso, a partir do qual se suspende o prazo de impugnação contenciosa.

U) Em relação ao momento em que é retomado o prazo de impugnação contenciosa, este verifica-se, de acordo com o n.º 4 do artigo 59º do CPTA, com “a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal”.

V) O Tribunal a quo, sustenta que o direito de impugnação contenciosa do Apelante está precludido, pelo decurso do prazo.

W) Porém, cremos nós, que a tese do douto Tribunal, padece de erro na apreciação dos factos, em particular neste mote, que aqui nos debruçamos – o termo da suspensão do prazo de impugnação contenciosa.

X) Assim, em primeiro lugar, o Tribunal a quo, entende que o prazo de decisão do recurso hierárquico é um prazo perentório.

Y) Julgamos que os referidos prazos são meramente indicativos e em benefício dos órgãos da Administração, como forma de garantir que as suas decisões sejam tomadas em tempo oportuno.

Z) Entre outros argumentos, socorremo-nos, do elemento literal e sistemático na interpretação da norma do artigo 175º, n.º1 do CPA, quando se lê que “… o recurso hierárquico deve ser decidido…”.

AA) Uma coisa é a norma dizer que tem de ser decidido em 30 dias, outra é dizer que deve ser decidido em 30 dias.

BB) Aliás, como já tivemos oportunidade de salientar supra, são prazos condicionados por circunstâncias alheias ao particular, e que pode, no máximo, ser de 90 dias – Cfr. n.º2 do artigo 175º do CPA.

CC) O Tribunal a quo, com o devido respeito, analisou indevidamente a norma do artigo 175º do CPA, aprovado pelo DL n.º 442/91, interpretando isoladamente o seu n.º1, desligado do restante normativo, consequentemente, ficcionou que o prazo para decidir o Recurso Hierárquico é de 30 dias, olvidando-se de que também pode ser decidido até ao limite de 90 dias, caso careça de nova instrução ou diligências complementares.

DD) Ora, o particular não tem como saber se o órgão administrativo ad quem, pretende promover novas diligências de instrução ou complementares, destarte, a ficção do prazo de 30 dias para a decisão do recurso hierárquico, por parte do Tribunal a quo, estriba-se na análise errada tanto de facto, como de direito, com consequências graves na tutela dos direitos do administrado, aqui Apelante.

EE) Assim, deveria o Tribunal a quo, ter considerado o prazo de 90 dias como limite máximo para decisão do Recurso Hierárquico,

FF) Não obstante tratar-se de prazos administrativos, cuja contagem se suspende em fins de semana e feriados (cfr. Artigo 72º, do CPA Revogado, atual artigo 87º, al. c)).

GG) E como se conclui infra, mesmo ficcionando o prazo de 30 dias para decisão do Recurso Hierárquico, acrescidos dos 15 dias, conforme o propalado na decisão ora recorrida, o referido recurso foi decidido dentro desse limite.

HH) Um outro erro de que padece a decisão ora recorrida, é a de considerar que o prazo de decisão do Recurso Hierárquico se inicia com a “interposição do recurso gracioso” (?).

II) Ora, também aqui, o tribunal a quo erra na análise fáctica e jurídica do caso, note-se, aliás, que os motivos e os factos dados com assentes, a este respeito, estão em total oposição com a decisão proferida.

JJ) Atenta-se, que o Tribunal a quo considera assente: a interposição de recurso hierárquico em 26/9/2013, entregue no órgão administrativo, autor do ato; em 20/1/2014, o órgão administrativo a quo, remete o processo para o seu superior hierárquico; em 18/3/2014 foi decidido o recurso (Cfr. factos assentes n.º 12, 13 e 14, respetivamente).

KK) A despeito de considerar os referidos factos assentes, em particular a entrega, pelo Apelante, do recurso hierárquico no órgão subalterno, autor do ato, e a remessa do processo ao seu superior, o Tribunal a quo, fixa o início do prazo para decisão no momento da entrega do Recurso, ao contrário do estatuído no artigo 175º, n.º1 do CPA, nos termos do qual, o prazo para decisão inicia-se “a contar da data da REMESSA do processo ao órgão competente para dele conhecer”.

LL) Assim sendo, o prazo de decisão inicia-se com a remessa do processo para o referido órgão, o que ocorreu em 20/1/2014 – o qual foi notificado pelo ISS, I.P., na mesma data -, e não o sugerido pelo Tribunal a quo – 26/9/2013 (?).

MM) Em 18/3/2014 – menos de 2 meses -, o presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Segurança Social, I.P., proferiu decisão

NN) O limite máximo para decisão do Recurso hierárquico, considerando só os 45 dias ficcionados pelo Tribunal a quo, seria 24 de Março de 2014 – cuja contagem se faz nos termos do artigo 72º do CPA revogado, ou seja, suspendendo-se o prazo aos sábados, domingos e feriados -, momento a partir do qual retomaria o prazo para impugnação contenciosa.

OO) Porém, foi proferida uma decisão antes do termo do referido prazo, pelo que, e conforme estatuído no n.º 4 do artigo 59º do CPTA, o fim do prazo de suspensão de impugnação contenciosa verificou-se com “a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa”, por ter ocorrido em primeiro lugar.

PP) Assim, o Tribunal a quo erra, quando releva o decurso do prazo, para determinar o momento em que o prazo de impugnação contenciosa retoma, uma vez que, relevante é a notificação da decisão.

QQ) Nestes termos, o ora Apelante, a partir 19/3/2014, data em que foi notificado da decisão de recurso, dispunha de 65 dias – uma vez que nesta altura, já tinha esgotado 25 dias do prazo legal de 90 dias para impugnação contenciosa do ato – para lançar mão dos meios de impugnação contenciosa, ou seja, até 23 de Maio de 2014.

RR) A competente ação foi proposta em 12/5/2014, bem antes do termo prazo legal para o efeito, logo a ação foi oportuna e tempestiva.

SS) Não obstante do aventado, e para que não restem dúvidas quanto à tempestividade da ação administrativa, considere-se somente como prazo para decisão do Recurso Hierárquico, os 30 dias, em singelo.

TT) Nesses termos, tendo o processo sido remetido ao órgão ad quem, em 20 de Janeiro de 2014, a decisão deveria ser proferida até 3 de Março de 2014, a partir da qual retomaria o prazo para impugnação contenciosa.

UU) Nessa altura, dispunha o Apelante de 65 dias para o efeito – impugnação contenciosa -, sendo certo que o referido prazo esteve suspenso em férias judiciais, entre 13 e 21 de Abril (Domingo de Ramos e Segunda-feira de Páscoa).

VV) Aplicando as regras de contagem de prazos processuais, o termo do prazo para propositura da competente ação administrativa seria em 14 de Maio de 2014.

WW) Conforme o já concluído, supra, a referida ação administrativa foi proposta em 12 de Maio de 2014.

XX) Face às asserções expostas, é indubitável a tempestividade da Ação Administrativa.

YY) Por último, perante os considerandos que aqui fomos fazendo acerca da figura do Recurso Hierárquico, conclui-se que a decisão do Tribunal a quo, o vem desvirtuar, colidindo com o fim que visa alcançar – tutela administrativa dos direitos dos particulares.

ZZ) A decisão, ora sindicada, interfere gravemente nas garantias administrativas do aqui impetrante, evadindo as funções do poder administrativo, consubstanciando-se, portanto, numa violação do princípio da separação dos poderes.

AAA) Ademais, ao recusar-se em apreciar a causa, sonega, outrossim, o direito de aceso ao direito e aos tribunais do Apelante, violando o princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva – Cfr. Artigo 20º, da CRP.

BBB) Quanto ao contencioso administrativo, a garantia da tutela jurisdicional concretiza-se com ações para reconhecimento de direitos ou interesses, impugnação de atos administrativos, determinação da prática de atos devidos e a existência das medidas cautelares adequadas (artigo 268º, n.º4 da CRP).

CCC) A tutela jurisdicional dos direitos dos particulares, nos termos do artigo 20º e n.º 4 do artigo 268º da CRP, tem de ser efetiva.

DDD) De facto, de nada vale que a lei preveja a possibilidade de recurso contencioso de um ato administrativo se, por exemplo, os pressupostos de recorribilidade dos mesmos forem de tal forma apertados que inibam a possibilidade de recurso na grande maioria das situações em que o particular se tenha por lesado pela Administração.

EEE) Ora, no caso sob judice, o próprio Tribunal a quo, com a sua interpretação errada, sobre os factos e o direito aplicável, nega ao Apelante, o recurso às vias jurisdicionais, para salvaguarda dos seus direitos.

FFF) Uma recusa injustificada, porquanto, o aqui impetrante, foi sempre diligente, tanto na utilização dos meios de impugnação administrativos, como contenciosos, portanto a decisão aqui escrutinada, padece, igualmente, de uma inconstitucionalidade material, por violação do princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva, nos termos dos artigos 20º e 268º, n.º 4 da CRP.

Termos em que, e nos demais de direito que V.ªˢ Ex.ªˢ mui doutamente suprirão, deverá a presente Apelação ser julgada totalmente procedente em conformidade com as alegações e conclusões precedentes,

a) Declarando nula a Sentença que julga caducado o direto de ação do Apelante, por estarem em oposição, os fundamentos de facto e a decisão;

b) Declarando a ilegalidade da Sentença que julga caducado o direto de ação do Apelante, por errada apreciação do Direito;

c) Declarando a Inconstitucionalidade da Sentença que julga caducado o direto de ação do Apelante, por violação dos Princípios da Separação de Poderes e da Tutela Jurisdicional Efetiva.

E, consequentemente, Revogar a referida Sentença, substituindo-a por outra, em conformidade com as Conclusão que antecedem, considerando a Ação Administrativa tempestiva, sem prescindir do disposto no artigo 149º, n.º3 do CPTA, nos termos do qual se requer a apreciação do mérito da causa pelo Douto Tribunal, sendo assim feita uma correta aplicação da lei e a mais elementar JUSTIÇA.”

Não foram apresentadas contra-alegações de Recurso por parte do Recorrido/ISS IP.

O Recurso apresentado veio a ser admitido por Despacho de 6 de fevereiro de 2017 (Cfr. Fls. 115, 115v e 116 Proc.º físico). No mesmo despacho se pronuncia a juiz do tribunal a quo, pela inverificação da suscitada nulidade da sentença proferida.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado em 21 de fevereiro de 2017 (Cfr. Fls. 123 Procº físico), veio a emitir Parecer em 2 de março de 2017 (Cfr. Fls. 124 a 128 Procº físico), no qual conclui no sentido de que “(…) deverá ser negado provimento ao recurso”.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir, designadamente, a suscitada deficiente contagem do prazo para impugnação do controvertido ato, entendendo o Recorrente que o prazo para a propositura da ação recomeçou a contar apenas na data da notificação do indeferimento do seu recurso hierárquico, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
Consta da decisão proferida a seguinte factualidade (Cfr. 91, 91v e 92 Procº físico):
“1. Em 24.05.2013, o Autor requereu a atribuição de subsídio social de desemprego.
2. Em 11.07.2013, a Diretora do Núcleo de Prestações, Desemprego e Benefícios Diferidos proferiu projeto de decisão do indeferimento do requerimento do Autor – cfr. fls. 7 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3. O Autor foi notificado do projeto de indeferimento por ofício datado de 11.07.2013 - cfr. fls. 8 do PA e doc. 2 da p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
4. Foi ainda notificado, nesse ofício, de que, na falta de resposta, o indeferimento ocorre no primeiro dia útil seguinte ao do termo do prazo de 5 dias úteis - cfr. fls. 8 do PA e doc. 2 da p.i..
5. Em 22.07.2013, o Autor apresentou resposta – cfr. fls. 9 a 14 do PA.
6. Em 08.08.2013, pela Diretora do Núcleo de Prestações, Desemprego e Benefícios Diferidos foi proferido despacho de indeferimento do requerimento apresentado pelo Autor – cfr. fls. 14 do PA.
7. Por ofício datado de 09.08.2013, foi o Autor notificado do referido despacho – cfr. fls. 15 do PA e doc. 3 junto com a p.i. cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8. Foi ainda notificado de que “Da decisão não cabe reclamação, nos termos do nº 2 do art. 66º do DL 220/06 de 03/11, sendo, contudo, suscetível de recurso contencioso no prazo de 3 meses, suspenso por apresentação de recurso hierárquico facultativo para o Conselho Diretivo do Instituto de Segurança Social, IP”.
9. A 19.08.2013, o Autor dirigiu requerimento à Diretora do Centro Distrital de Braga, manifestando não concordar com o indeferimento das prestações de desemprego – cfr. fls. 21 do PA.
10. A 04.10.2013, a Diretora do Núcleo de Prestações, Desemprego e Benefícios Diferidos determinou a notificação do Autor, informando-o da manutenção da decisão de 08.08.2013 e de que “se encontra a correr o prazo de três meses para o recurso contencioso da decisão, suspenso se vier a ser apresentado recurso hierárquico (…)”– cfr. fls. 22 do PA.
11. O Autor foi notificado do despacho de 04.10.2013, por ofício datado de 09.10.2013 – cfr. fls. 24 do PA.
12. Em 26.09.2013, o Autor recorreu da decisão de indeferimento, de 08.08.2013, para o Presidente do Conselho Diretivo do Instituto de Segurança Social, IP – cfr. fls. 25 a 48 do PA.
13. No dia 20.01.2014, foi remetido o processo administrativo ao Conselho Diretivo do ISS, IP – cfr. fls. 67 do PA.
14. Por ofício datado de 20.01.2014, foi o Autor notificado da referida remessa – cfr. fls. 68 do PA.
15. Por decisão de 18.03.2014, foi negado provimento ao recurso hierárquico - cfr. fls. 72 a 79 do PA cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
16. Por ofício datado de 19.03.2014, foi o Autor notificado da supra referida decisão – cfr. doc. 4 junto com a p.i. e fls. 81 do PA.
17. A petição inicial referente à presente ação foi apresentada, via site, em 12.05.2014 – cfr. fls. 1 dos autos.

IV – Do Direito
Importa agora analisar e decidir o suscitado.
No que ao “direito” concerne, e no que aqui releva, expendeu-se em 1ª instância:
“Como estabelece o artigo 66º do CPTA, a ação administrativa especial pode ser utilizada para obter a condenação da entidade competente à prática de um ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado.
O Autor dirigiu à Administração uma pretensão, que viu negada. Com a instauração da presente ação visa o deferimento de tal pretensão, não se bastando com a anulação do ato de indeferimento.
Atento o teor do nº 2 do art. 66º do CPTA, o objeto da presente ação não é a decisão de indeferimento tomada pela Administração mas sim conhecer da sua pretensão, isto é, determinar se o Autor tem ou não direito à concessão do subsídio social de desemprego.
A decisão de indeferimento bem como a decisão que nega provimento ao recurso hierárquico relevam para aferir da tempestividade da ação.
O art. 69º, nos nºs 2 e 3, estabelece que “Tendo havido indeferimento, o prazo de propositura da ação é de três meses” e “o prazo corre desde a notificação do ato sendo aplicável o disposto nos arts. 59º e 60º”.
E nos nºs 1, 4 e 5 do art. 59.º do mesmo Código prevê-se que:
“1 - O prazo para a impugnação pelos destinatários a quem o ato administrativo deva ser notificado só corre a partir da data da notificação, ainda que o ato tenha sido objeto de publicação obrigatória. (…)
4 - A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal.
5- A suspensão do prazo prevista no número anterior não impede o interessado de proceder à impugnação contenciosa do ato na pendência da impugnação administrativa (…)”.
Resulta da factualidade apurada que o despacho de indeferimento, datado de 08.08.2013 foi notificado ao Autor por ofício datado de 09.08.2013, sendo que, se não antes, pelo menos a 19.08.2013 dele tomou conhecimento (cfr. item 9 dos factos apurados).
Mais resulta que o Autor deu entrada ao recurso hierárquico em 26.09.2013 e a presente ação foi instaurada a 12.05.2014.
Tendo havido uma decisão de indeferimento, dispunha o Autor de um prazo de três meses para intentar a presente ação.
Relativamente ao modo de contagem do prazo de propositura da ação, e tendo presente que o prazo aplicável é o prazo de três meses previsto no n.º2 do art.º 69º do CPTA, cumpre realçar que estamos em presença de um prazo contínuo (art.º 144º do CPC), mas cuja contagem se suspende durante o período de férias judiciais, o que implica, no caso de existir suspensão da contagem do prazo, a conversão do prazo de 3 meses legalmente previsto, num prazo de 90 dias (neste sentido, e como é, aliás, tem entendido pela doutrina e jurisprudência, veja-se, Almeida, Mário Aroso, Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, Outubro de 2010, págs. 310 e 311).
De salientar também que, não obstante a remissão para o regime de contagem previsto no CPC, não tem aqui aplicabilidade a possibilidade conferida pelo art.º 145º, n.º5, do CPC, de o ato poder ser praticado nos três dias úteis posteriores, desde que paga a respetiva multa, posto estar em causa um prazo de propositura de ação, verdadeiro prazo de natureza perentória e de caducidade.
Como referem Mário Aroso de Almeida & Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Ob. cit., pág. 389), “entendendo-se a remissão feita para o modo de contagem dos prazos do artigo 144.º do CPC – e na perspetiva de que o prazo de impugnação de atos administrativos mantém a sua característica de prazo substantivo –, fica afastado o regime especial de prática de ato num dos três primeiros dias úteis seguintes ao termo do prazo, a que se refere o artigo 145.º, n.ºs 5, 6 e 7, do CPC”.
Assim, na aferição da tempestividade da presente impugnação, relevará, apenas, o prazo de 3 meses (ou 90 dias), sem possibilidade de atender a qualquer dilação.
Atenta a factualidade dada como provada, resulta que o ato administrativo de indeferimento foi notificado pelo menos em 19.08.2013, pelo que o prazo legal de três meses quer para a impugnação contenciosa quer para a interposição de recurso hierárquico facultativo iniciar-se-ia em 20.08.2013. Todavia de 20.08.2013 a 31.08.2013 o prazo não começou a contar devido ao período de férias judiciais, apenas se iniciando a 01.09.2013.
Suspendeu-se novamente a 26.09.2013, por conta da instauração do recurso hierárquico, perfazendo um total de 25 dias decorridos.
A apresentação pelo Autor de recurso hierárquico contra o ato administrativo impugnado determina, nos termos do art.º 59º, n.º4, do CPTA, a suspensão do prazo do exercício do direito de ação, até ser proferida decisão sobre o recurso ou até que decorra o prazo legal fixado para a decisão.
A questão referente ao termo a quo da retoma da contagem do prazo de caducidade suspenso por causa da utilização de impugnação graciosa encontra solução jurisprudencial a que aderimos.
Como se lê no Acórdão do TCA Norte de 01.04.2011 (proc. nº 249/10), disponível para consulta em www.dgsi.pt, perante a alternativa estabelecida na 2ª parte do nº4 do artigo 59º do CPTA, que legitimamente dá azo a dúvidas sobre se consagra uma prioridade igualitária e mutuamente excludente (pela qual a suspensão do prazo da impugnação contenciosa cessa com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar) ou se, existindo notificação de decisão expressa, esta terá de ser sempre prevalente (pode entender-se, efetivamente, a 2ª parte do nº4 do artigo 59º CPTA como determinando que sempre que venha a existir decisão expressa, mesmo que para além do prazo legal de decisão do recurso gracioso, se retoma o prazo da impugnação contenciosa), o STA tem vindo a adotar a primeira opção, por considerar ser a mais próxima da letra da lei, e por entender que a segunda opção comprometerá a segurança jurídica, um dos fins da norma do artigo 59º nº4 do CPTA - ver, como paradigmático desta posição, AC STA de 27.02.2008, Rº0848/06).
Nos termos do artigo 175º do CPA, quando a lei não fixe prazo diferente, o recurso hierárquico deve ser decidido no prazo de 30 dias contado a partir da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer.
Tem vindo a ser assumida de forma significativa e maioritária pela jurisprudência do STA a tese de que o prazo de 30 dias, previsto no artigo 175º do CPA, deverá ser contado acrescido do prazo de 15 dias previsto no artigo 172º do CPA, que é concedido ao autor do ato recorrido para se poder pronunciar sobre o recurso hierárquico, e durante o qual ele pode, inclusivamente, revogar, modificar ou substituir o seu ato - AC STA de 16.01.97, Rº040486; AC STA de 01.07.97, Rº041245; AC STA de 17.12.98, Rº043277; e AC STA de 25.02.2010, Rº0320/08 e mais recentemente o acórdão de 19.06.2014, proc. 1954/13.
É pois a partir do termo do prazo legal de 15 dias, para o autor do ato se pronunciar e o remeter ao órgão competente para conhecer do recurso (arts. 171º, nº 1, e 172º, nº 1, do CPA), que se conta o prazo, de 30 dias, fixado no questionado nº 1 do art. 175º CPA, para decisão do recurso hierárquico, sempre que não seja respeitado o prazo legalmente estabelecido, para a remessa do processo ao órgão competente para decidir, como sucedeu no caso em apreço.
Assim, a data a partir da qual deverá ser retomada a contagem do prazo de caducidade em causa tem de ser encontrada mediante a contagem de 45 dias [15+30], feita nos termos do artigo 72º do CPA, a partir do dia da interposição do recurso gracioso.
No caso em apreço, a suspensão do prazo da impugnação contenciosa cessou não com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa mas com o decurso do respetivo prazo legal, por se tratar do facto que de forma manifesta ocorreu em primeiro lugar.
Para que a presente ação fosse tempestiva, teria o Autor que a ter intentado nos restantes 65 dias uma vez que havia já esgotado 25 dias do prazo legal de 90 dias.
O recurso foi instaurado a 26.09.2013 e a presente ação apenas deu entrada em 12.05.2014, isto é, muito depois de esgotado o prazo legal.
Aqui chegados, é forçoso concluir pela manifesta intempestividade da presente ação.

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A caducidade do direito de ação obsta ao prosseguimento do processo e conduz à absolvição da instância - cfr. alínea h) do nº1 do art. 89º do CPTA.
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Termos em que julgo verificada a exceção dilatória de caducidade de direito de ação e, consequentemente, absolvo a entidade demandada da instância.”
Vejamos:
Sem prejuízo, naturalmente, dos factos dados como provados, mas para permitir uma mais eficaz visualização do que aqui se mostra controvertido, infra se esquematizarão cronologicamente as datas mais relevantes para a apreciação que se fará:
a) O aqui Recorrente foi notificado do ato objeto de impugnação em 09.08.2013;
b) O aqui Recorrente tomou conhecimento do ato, pelo menos, em 19.08.2013;
c) O aqui Recorrente apresentou Recurso Hierárquico em 26.09.2013;
d) A presente ação foi instaurada a 12.05.2014.

Estabelece o artigo 51.º, do CPTA que, ainda que inseridos num procedimento administrativo, são judicialmente impugnáveis os atos administrativos com eficácia externa e, em especial, aqueles cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros.

Tal como refere Mário Aroso, “o elemento decisivo da noção de ato administrativo impugnável é a eficácia externa” (in «O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos», Almedina, Coimbra, fevereiro 2003, p. 117 e seguintes).

Aqui chegados, refira-se, em síntese, que os atos administrativos impugnáveis consubstanciam-se em atos com efeitos externos, lesivos de direitos ou interesses legítimos dos interessados, com exclusão daqueles que sejam meramente instrumentais, como serão os atos preparatórios, complementares, operações materiais ou jurídicas de execução de atos administrativos.

Neste sentido já reiteradamente este tribunal se pronunciou, designadamente em Acórdão de 20/09/2007, no Processo n.º 01503/05.6BEPRT, no qual se refere que "no âmbito do CPTA, ato administrativo impugnável é ato dotado de eficácia externa, atual ou potencial, neste último caso desde que seja seguro ou muito provável que o ato irá produzir efeitos; A lesividade subjetiva constitui mero critério, mas talvez o mais importante de aferição de impugnabilidade do ato administrativo, coloca a sua impugnabilidade sob a alçada da garantia constitucional, e confere ao recorrente pleno interesse em agir
Correspondentemente, o n.º 1 do art.º 51.º, do CPTA estatui o princípio geral da impugnabilidade dos atos administrativos com eficácia externa, especialmente daqueles cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.

Por outro lado, os n.ºs 4 e 5, do art.º 59.º do CPTA enunciam que “a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo (...)” e que “a suspensão do prazo prevista no número anterior não impede o interessado de proceder à impugnação contenciosa do ato na pendência da impugnação administrativa, bem como de requerer a adoção de providências cautelares”.

Resulta assim do CPTA então em vigor, um regime que conferia ao interessado a possibilidade de cumular as prerrogativas da impugnação administrativa hierárquica e do potencial recurso à via judicial.

Em qualquer caso, a regra da impugnação administrativa prévia, para efeitos de recurso à via judicial, apenas ocorre no caso de a lei prever expressamente a impugnação administrativa necessária, por via dos recursos hierárquicos necessários.

No que concerne ao Recurso Hierárquico facultativo, que é o que aqui está em causa, o ato de 1.º grau terá desde logo eficácia externa em função da sua imediata e potencial suscetibilidade de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.
Neste sentido apontaram, designadamente, os Acórdãos do TCAN de 02/07/2009, no Procº n.º 00708/07BECBR e do TCAS, de 03/12/2009, no Procº n.º 04122/08 e de 27/03/2008, no Procº n.º 03297/07.

Com efeito, é manifesto que a situação em apreciação não configura uma situação de recurso hierárquico necessário, mas de mero recurso hierárquico facultativo.

Objetivemos:
O regime aplicável quanto aos prazos de interposição de Ações mostrava-se explícito dos artigos 133.º e 135.º, do anterior CPA.

Assim, do referido regime resultava do seu Artº 58.º do CPTA, e no que respeita ao prazo de impugnação, o seguinte:
a) Quanto aos atos nulos e inexistentes - a todo o tempo (n.º 1);
b) Relativamente ao Ministério Público - o prazo de um ano [n.º 2, al. a)];
c) Quando a conduta da Administração tiver induzido o interessado em erro, quando o atraso deva ser considerado desculpável ou quando se ter verificado uma situação de justo impedimento - o prazo de um ano [n.º 4, alíneas a), b) e c)];
d) nos restantes casos - três meses [n.º 2, al. b)].

Do referido artigo 58.º decorre que os atos administrativos que enfermam de mera anulabilidade só poderão ser impugnados, em regra, no prazo de três meses.

Relativamente à contagem de prazos refere ainda o artigo 72.º, do anterior CPA, que:
“1 - À contagem dos prazos são aplicáveis as seguintes regras:
a) Não se inclui na contagem o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;
b) O prazo começa a correr independentemente de quaisquer formalidades e suspende-se nos sábados, domingos e feriados;
c) O termo do prazo que caia em dia em que o serviço perante o qual deva ser praticado o ato não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
2 - Na contagem dos prazos legalmente fixados em mais de seis meses incluem-se os sábados, domingos e feriados”.

Decorre ainda do Acórdão deste TCAN nº 00298/10.6BEMDL de 18-12-2015 que “Resulta do artigo 58.º nº 2 do CPTA que os atos administrativos que enfermam de mera anulabilidade podem ser impugnados, em regra, no prazo de três meses, a contar da data da notificação do ato a impugnar.
A contagem do prazo de três meses, estabelecido no art. 58, n.º 2, al. b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) para a impugnação de atos administrativos, quando esse prazo abranja período correspondente a férias judiciais é contínuo, mas suspende-se durante as férias judiciais.
Assim, quando o prazo abranja período em que decorram férias judiciais, deve o referido prazo de três meses ser convertido em 90 dias, para efeito da suspensão imposta pelo artigo 138.º, números 1 e 4 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 58.º, número 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.

Resulta assim do entendimento firmado na doutrina e na jurisprudência, que o prazo de três meses, previsto no artigo 58.° do CPTA, se deve considerar um prazo de noventa dias, por aplicação do disposto no artigo 279.°, al. a) do Código Civil, se e quando ocorrer a necessidade de contabilizar a suspensão decorrente do período de férias judiciais.

Neste sentido se pronunciaram também e designadamente Mário Aroso e Carlos Cadilha, defendendo que “ tal não deverá impedir que, nos casos em que não haja lugar à suspensão do prazo, este se conte de data a data, segundo o disposto no artigo 279.°, alínea a), do Código Civil, terminando no dia que corresponde, dentro do terceiro mês, à data do termo inicial do prazo” (in «Comentários ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos», 3.ª edição revista, Almedina, 2010, página 389, nota 392).

No entanto, mais referem aqueles autores que “(...) Deve, entretanto, entender-se que a suspensão do prazo nas férias judiciais transforma o referido prazo de três meses no prazo de 90 dias para o efeito de nele serem descontados os dias de férias judiciais que eventualmente fiquem abrangidos (...)” (in obra cit., pág. 388).

No mesmo sentido se pronunciam Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, ao afirmarem que “(...) É evidente, por último, que a conversão de meses em dias só vale para contagem daqueles prazos que devam suspender-se por força do início de férias judiciais, não para qualquer outro que corra ininterruptamente (...)”. (in «Código de Processo nos Tribunais Administrativos», Almedina, 2004, Volume I, pág. 382).

Igualmente, em idêntico sentido, alude-se ao Acórdão do Colendo STA, de 08/11/2007, no Recurso n.º 0703/07, que “(...) A questão jurídica essencial a decidir consiste em saber como deve efetuar-se a contagem do prazo de três meses, estabelecido no art. 58, n.º 2, al. b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) para a impugnação de atos administrativos, quando esse prazo abranja período correspondente a férias judiciais”.
(…) Assim, conforme o regime legal exposto, o referido prazo de três meses, para o exercício do direito de ação, é contínuo, mas suspende-se durante as férias judiciais.
Todavia, as férias judiciais correspondem a dias e não a meses. Pois que, nos termos do art. 12.º, da Lei 3/99, de 13.1 (red. Lei 42/2005, de 29.8), «decorrem de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro, de domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 1 a 31 de Agosto».
“Daí a dificuldade, suscitada pela questão a decidir, decorrente da impossibilidade de se subtraírem dias a meses (a prazos de meses).
“(...) Cabe notar, por fim, que esta solução, de converter em dias o referenciado prazo de impugnação, de 3 meses, quando abranja período de férias judiciais, é a que permite viabilizar a imposição legal de suspensão daquele prazo não só nas férias judiciais de Verão como também nas de Natal e de Páscoa. O que assegura, como é desejável, o estabelecimento de um critério de interpretação idêntico, para qualquer das situações em que se suscita idêntica dificuldade de compatibilização daquele prazo, fixado em meses, com os prazos fixados em dias”.

Também no Acórdão deste TCAN, de 29/11/2007, no Processo n.º 00760/06BEPNF, se refere que “Quando abranja período em que decorram férias judiciais, deve o referido prazo de três meses ser convertido em 90 dias, para efeito da suspensão imposta pelo artigo 144.º, números 1 e 4 do Código de Processo Civil, aplicável por força do citado artigo 58.º, número 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.

Como se viu, a apresentação do Recurso Hierárquico determina pois que o prazo para apresentação da impugnação judicial fique suspensa.

Importa agora, em função de tudo quanto precedentemente ficou dito, verificar qual o termo inicial relevante para a contagem do prazo aplicável.
É manifesto que o Recurso hierárquico apresentado pelo aqui Recorrente revestia caráter meramente facultativo, em face do que o mesmo só pode ter tido a virtualidade de suspender o prazo de impugnação contenciosa da decisão administrativa que só retomaria o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre o recurso, ou com o decurso do respetivo prazo legal [artigo 59° n°4 do CPTA], conforme a situação que ocorresse primeiro.

Se duvidas houvesse as mesmas mostrar-se-iam sanadas com o recente acórdão de Uniformização de Jurisprudência, do Pleno do STA nº 01268/16, de 23.02.2017, no qual se fixou a seguinte jurisprudência:
“Nos termos previstos no art. 59º/4 do CPTA, a suspensão do prazo de impugnação contenciosa decorrente de interposição de recurso hierárquico facultativo cessa com a notificação da decisão proferida sobre essa impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legal para a decidir, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar.”

Efetivamente, em face do disposto no nº 4 do artigo 59º do CPTA, na data da interposição do referido recurso hierárquico suspendeu-se o prazo de impugnação contenciosa do identificado ato impugnado, o qual só retoma o seu curso, in casu, com o decurso do respetivo prazo legal.

A contagem do remanescente do prazo de 90 dias será retomada com a ocorrência da primeira de duas situações: Ou a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal.

Aliás, a descrição feita pelo tribunal a quo é clara e esclarecedora ao afirmar que:
Atenta a factualidade dada como provada, resulta que o ato administrativo de indeferimento foi notificado pelo menos em 19.08.2013, pelo que o prazo legal de três meses quer para a impugnação contenciosa quer para a interposição de recurso hierárquico facultativo iniciar-se-ia em 20.08.2013. Todavia de 20.08.2013 a 31.08.2013 o prazo não começou a contar devido ao período de férias judiciais, apenas se iniciando a 01.09.2013.
Suspendeu-se novamente a 26.09.2013, por conta da instauração do recurso hierárquico, perfazendo um total de 25 dias decorridos.
(…)
Para que a presente ação fosse tempestiva, teria o Autor que a ter intentado nos restantes 65 dias uma vez que havia já esgotado 25 dias do prazo legal de 90 dias.
O recurso foi instaurado a 26.09.2013 e a presente ação apenas deu entrada em 12.05.2014, isto é, muito depois de esgotado o prazo legal.”

Mostra-se pois que a decisão recorrida interpretou adequadamente o art. 59°/4 do CPTA, no sentido de que a suspensão do prazo da impugnação contenciosa cessa com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar, que, in casu, foi o fim do prazo para a decisão do recurso.

O recorrente contesta ainda o sentido da sentença na parte relativa à contagem dos prazos referidos nos arts 172° e 175° do CPA então aplicável.

Em qualquer caso, e como sublinhado pelo Ministério Público no seu Parecer neste instância, nos termos do artigo 175° do CPA, quando a lei não fixe prazo diferente, o recurso hierárquico deve ser decidido no prazo de 30 dias contado a partir da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer.

Tendo vindo a ser assumido pela jurisprudência do STA o entendimento de acordo com o qual o prazo de 30 dias, previsto no artigo 175° do CPA, deverá ser contado acrescido do prazo de 15 dias previsto no artigo 172° do CPA, que é concedido ao autor do ato recorrido para se poder pronunciar sobre o recurso hierárquico, e durante o qual ele pode, inclusivamente, revogar, modificar ou substituir o seu ato, não se vislumbra que a decisão recorrida mereça, igualmente neste aspeto, qualquer censurabilidade (Cfr. AC STA de 25.02.2010, R° 0320/08 e acórdão de 19.06.2014, proc. 1954/13).
Assim sendo, o prazo de trinta dias previsto no art.° 175° do CPA para a decisão do recurso deverá ser contado acrescido do prazo de quinze dias previsto no art.° 172 do mesmo diploma.

Tal interpretação decorre assim da conjugação dos artigos 171° e 172° do CPA, o que significa que se o recurso hierárquico tiver sido apresentado ao órgão competente para o decidir, este deverá notificar quer os contrainteressados, se os houver, quer o autor do ato, para se pronunciarem no prazo de 15 dias, sendo que se tiver sido apresentado ao próprio autor do ato, este, em princípio, deverá enviá-lo para o órgão competente para o decidir já instruído com a sua posição.

Assim, a data a partir da qual deverá ser retomada a contagem do prazo de caducidade em causa tem de ser encontrada mediante a contagem de 45 dias [15+30], feita nos termos do artigo 172° do CPA, a partir do dia da interposição do recurso gracioso.

É pois a partir do termo do prazo legal de 15 dias, para o autor do ato se pronunciar e o remeter ao órgão competente para conhecer do recurso, que se conta o prazo de 30 dias fixado no n° 1 do art. 175° CPA, para decisão do recurso hierárquico, mesmo que tal prazo legalmente estabelecido para a remessa do processo ao órgão competente para decidir, não tenha sido respeitado.

Assim, ao invés do entendimento do Recorrente, a contagem do prazo de 30 dias inicia-se com o fim do prazo de 15 dias legalmente estabelecido para a pronúncia e remessa do processo ao superior hierárquico para decisão, e não com a efetiva remessa, quando esta ocorra em data posterior.

Assim, não merece censura a decisão recorrida, ao se pronunciar no sentido da verificação da exceção dilatória de caducidade do direito de ação, art° 89°, al. k) do CPTA, com a consequente absolvição da instância, nos termos do art° 576°, n° 2 do CPC, ex vi art° 1° do CPTA.

No que concerne, finalmente, à invocada inconstitucionalidade material, afirma o Recorrente singelamente que “o aqui impetrante, foi sempre diligente, tanto na utilização dos meios de impugnação administrativos, como contenciosos, portanto a decisão aqui escrutinada, padece, igualmente, de uma inconstitucionalidade material, por violação do princípio da Tutela Jurisdicional Efetiva, nos termos dos artigos 20º e 268º, n.º 4 da CRP.”

Em qualquer caso, não basta invocar a verificação em abstrato de uma qualquer inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu.

Como tem vindo a ser reconhecido pela generalidade da Jurisprudência (Vg. o Acórdão do TCA - Sul nº 02758/99 19/02/2004) “não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado.”

No mesmo sentido aponta, igualmente, o Acórdão do Colendo STA nº 00211/03 de 29/04/2003, onde se refere que “por omissão de substanciação no articulado inicial e nas alegações de recurso, não é de conhecer da questão da inconstitucionalidade e/ou interpretação desconforme à CRP de normas de direito substantivo …, na medida em que a Recorrente se limita a afirmar, conclusivamente, a referida desconformidade sem que apresente, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a que modalidade reverte o vício afirmado”.

Assim, até por falta de concretização e densificação do alegado, não se vislumbra que se verifique qualquer inconstitucionalidade no procedimento analisado.

Refira-se pois, em conclusão, que não se vislumbra a verificação de quaisquer dos vícios suscitados pelo Recorrente.

* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso interposto, confirmando-se a decisão proferida em 1ª instância.

Custas pelo Recorrente

Porto, 11 de maio de 2017
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia