Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00687/04.5BEVIS |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 03/03/2005 |
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Tribunal: | TAF de Viseu |
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Relator: | Dr. Carlos Luís Medeiros de Carvalho |
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Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR ANTECIPATÓRIO (CPTA) NULIDADE DA SENTENÇA [ART. 668º, N.º 1, AL. D) CPC] NULIDADES PROCESSUAIS REQUISITOS ÂMBITO/LIMITES INSTRUMENTALIDADE NULIDADES PROCESSUAIS |
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Sumário: | I. Não se verifica a nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art. 668º do CPC porquanto se é certo que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação tal não significa ou impõe que o mesmo se tenha de pronunciar sobre todas as razões de facto e de direito ou os argumentos avançados pelas partes quando não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa, pelo que se o juiz não deixou de conhecer de todas as questões que no caso deveria ter conhecido não ocorre omissão de pronúncia geradora de nulidade da decisão recorrida. II. De igual modo não ocorre nulidade processual por omissão de notificação da junção do processo administrativo no âmbito do procedimento cautelar deduzido na pendência e por apenso a acção administrativa especial porquanto nestes autos as partes já haviam sido daquela apensação do processo administrativo e, desta feita, se mostrou assegurado o princípio do contraditório, podendo, assim, ser considerado na decisão de facto do processo cautelar o respectivo processo administrativo. III. A omissão de notificação da junção de documentos no âmbito do procedimento cautelar que se encontravam já insertos no processo administrativo não possui, no caso concreto, efeitos invalidantes do processo. IV. Nas situações enquadradas no art. 120º, n.º 1, al. a) do CPTA o decretamento das providências pelo tribunal é quase automático na medida em que assente em requisitos objectivos, baseando-se num critério de evidência, que incorpora, em simultâneo, a salvaguarda do interesse público e a tutela dos interesses privados, sem necessidade de fundamentar a decisão cautelar por referência aos requisitos das als. b) e c) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 120º do CPTA, mormente, no juízo de perigosidade, pese embora, no entanto, mesmo nessas situações o perigo releve, pois, a providência só pode ser pedida ou concedida quando haja um interesse em agir que se manifeste no fundamento do pedido. V. Daí que a manifesta ilegalidade do acto uma vez sumariamente demonstrada impõe ou vincula o juiz a decretar a providência peticionada pelo requerente, vinculação essa que comportará pelo menos a excepção nos casos em que o requerente vá a juízo num prazo tardio e após o início da produção fáctica de efeitos do acto. VI. A "manifesta ilegalidade do acto", em princípio, só comporta vícios graves, que concretizem na lesão insuportável dos valores protegidos pelo direito administrativo e que por isso implicam a nulidade do acto, termos em que vícios de forma em sentido amplo, por geradores de mera anulabilidade, não integram aquela previsão. VII. Estando em causa a adopção de providências antecipatórias em que a situação não tenha enquadramento na al. a) do n.º 1 do artigo em referência o CPTA prevê um distinto grupo de condições de procedência e que se mostram consagrados no art. 120º, n.ºs 1, al. c) e 2, condições de procedência que, embora com diferentes cambiantes, se podem reconduzir: a) A duas condições positivas de decretamento: - «periculum in mora» - receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e - «fumus boni iuris» (“aparência do bom direito” na sua formulação positiva) – avaliação, em termo sumários, da existência do direito invocado pelo requerente ou da(s) ilegalidade(s) que o mesmo invoca e provável procedência da acção principal; b) A um requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença (públicos e/ou privados) – proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa. VIII. Na análise do requisito do “periculum in mora” e quando se trata de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação” o critério a atender deixou de ser aquele que jurisprudencialmente era aceite em matéria de análise do requisito positivo da al. a), do n.º 1 do art. 76º da LPTA, ou seja, o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, para passar a ser o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, já que o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstractos, sendo que, nessa ponderação, o juiz deve atender a todos os prejuízos relevantes para os interesses do requerente, quer o perigo respeite a interesses públicos, comunitários ou colectivos, quer estejam em causa apenas interesses individuais. IX. Incumbe ao requerente tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência porquanto inexiste a consagração duma presunção "iuris tantum" da existência dos aludidos requisitos como simples consequência da existência em termos de execução do acto, termos em que o requerente do presente meio cautelar não está desobrigado ou desonerado de fazer a prova e demonstração dos factos integradores dos pressupostos ou requisitos em questão, alegando, para o efeito, factos integradores daqueles pressupostos de modo especificado e concreto, não sendo idónea a alegação de forma meramente conclusiva e de direito e com utilização de expressões vagas e genéricas. X. Para a decretação e sucesso dum procedimento cautelar exige-se a verificação dos requisitos da instrumentalidade e da provisoriedade da providência cautelar face ao pedido formulado pelo requerente, requisitos esses que constituem limites internos ao exercício do poder cautelar do juiz administrativo. XI. A instrumentalidade e a provisoriedade implicam a impossibilidade de, no processo cautelar, se obter algo que não se obtém com a decisão no processo principal e, bem assim, a obtenção dum efeito que corresponda ao provimento do antecipado do pedido de mérito (principal) ou que torne este irreversível. XII. Face ao pedido cautelar formulado nos autos (condenação do requerido na emissão de parecer de compatibilidade com o respectivo Plano Municipal de Ordenamento do Território da localização do estabelecimento industrial da requerente de armazenamento temporário de resíduos industriais perigosos) falham os requisitos da instrumentalidade e da provisoriedade da providência cautelar peticionada, constituindo, inclusive, uma infracção ao próprio princípio da separação de poderes, visto tal pedido cautelar implicar que o tribunal vá determinar o conteúdo discricionário do acto impugnado na acção administrativa especial e sentença de fundo a elaborar no mesmo, o que está vedado aos poderes de pronúncia dos tribunais (cfr. arts. 71º, n.º 2 e 95º, n.º 3 do CPTA), pelo que se os tribunais não o podem fazer no âmbito do processo principal muito menos o poderão fazer em sede de tutela cautelar. XIII. O referido princípio da separação de poderes tem e vem sendo entendido como um princípio de equilíbrio, implicando uma promoção da colaboração e inter penetração dos vários poderes, o que implica que inexiste uma proibição absoluta do juiz condenar, intimar ou impor comportamentos à Administração, mas tal, todavia, não significa que o juiz disponha de poder ilimitado no tipo de pronúncias que profere relativamente aos demais poderes, mormente, face ao poder administrativo porquanto ao mesmo está vedado substituir-se à Administração em violação do núcleo essencial da sua autonomia (a reserva de actuações discricionárias). XIV. A pretensão cautelar “sub judice” não preenche o requisito da provisoriedade da providência cautelar antecipatória requerida dado que o decretamento nos termos peticionados (emissão definitiva do parecer de compatibilidade pelo ente requerido nos termos e para efeitos do art. 11º do D.L. n.º 239/97, de 09/09) irá permitir que a requerente venha a apresentar procedimento administrativo (processo de autorização) nos termos dos arts. 09º e seguintes do referido D.L. e que venha obter junto do organismo competente, em termos definitivos, a autorização para operações de armazenagem de resíduos perigosos no local em questão, no que se traduz numa pronúncia antecipatória que, sendo provisória, antecipa irreversivelmente os efeitos duma eventual sentença favorável na acção principal tornando e esgotando a utilidade da pronúncia definitiva. |
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Data de Entrada: | 10/28/2004 |
Recorrente: | O... |
Recorrido 1: | Município de Nelas |
Recorrido 2: | S. |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Procedimento Cautelar Antecipatório (CPTA) - Rec. Jurisdicional |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Negar provimento ao recurso |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO “O…, S.A.”, sociedade comercial registada na Conservatória do Registo Comercial de N… sob o n.º …. e pessoa colectiva com o n.º …, com sede no Bairro da Companhia …., à E.N. n.º …, na freguesia de Canas de Senhorim, concelho de Nelas, distrito de Viseu, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Viseu, datada de 03/08/2004, que indeferiu a providência cautelar denominada de antecipatória que a mesma havia deduzido contra o MUNICÍPIO DE NELAS e contra-interessada “S…, S.A.”, com sede na Rua da Alegria, …, Zona Industrial de Santa Maria da Feira, e na qual a mesma havia peticionado a condenação deste à emissão do parecer de compatibilidade da localização do estabelecimento industrial da requerente de armazenamento temporário de resíduos industriais perigosos com o respectivo Plano Director Municipal. Formula, nas respectivas alegações (cfr. fls. 111 e segs.), as seguintes conclusões que se reproduzem: “(...) I - A decisão sob recurso é nula (artº. 667º, nº. 1, alínea d) do Código Proc. Civil), já que deixou de pronunciar-se sobre a questão expressamente colocada e que a lei (artº. 120º do CPTA) impunha que apreciasse. II - Nulidade que sempre resultaria da anulação posterior à ausência de notificação da junção do dito “processo administrativo”, já depois de finda a audiência de produção de prova. III - Ainda que não fosse nula, a sentença impugnada merecia ser revogada pela incorrecta análise da prova, com violação dos princípios que, nessa tarefa, deveriam norteá-la, nomeadamente nos artigos 387º, 514º, 653º, 659º e 660º do Código Proc. Civil e artigos 342º, 344º, 349º e 396º do Código Civil. IV - Revogação que igualmente se imporia, pela interpretação aplicação incorrecta que a sentença actuou das normas que a deveriam nortear, nomeadamente das do artigo 120º do CPTA, e dos artigos 43º e 60º do PDM junto aos autos (bem como dos artigos 124º, 125º e 135º do CPA). V - Revogada a decisão sob recurso, como é de justiça, deverá esse Venerando Tribunal ad quem, substituir aquela revogada decisão por douta sentença que conceda a providência requerida. (…).” O ente público demandado, ora recorrido, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 124 e segs.) nas quais formulam as seguintes conclusões: “(…) A - Dá-se por reproduzido todo o retro alegado. B - A Recorrente instaurou a presente providência cautelar antecipatória, pedindo a condenação do recorrido à emissão do parecer de compatibilidade de localização do seu estabelecimento industrial, de armazenamento temporário de resíduos industriais perigosos, com o plano director municipal do ora recorrido. C - O DL n.º 239/97 de 9 de Setembro, conferiu às Câmaras Municipais os poderes para na exacta e correcta interpretação e aplicação do respectivo Plano Director Municipal, emitirem ou não parecer que ateste a compatibilidade de localização de um estabelecimento industrial com o Plano Director Municipal. D - Na prossecução do interesse público E - Com o objectivo de evitar a instalação desses estabelecimentos fora das zonas industriais, previstas nos respectivos Planos Directores Municipais. F - De acordo com o Plano Director Municipal do ora recorrido, a indústria da recorrente, em termos de localização, não mereceu o parecer positivo de sua compatibilidade com este. G - O recorrido nada mais fez do que no estrito cumprimento de sua função, que é a prossecução do interesse público. H - Promovendo a defesa do interesse colectivo, do interesse dos seus munícipes, do direito de sua localidade ao bom ambiente. I - Recusou de forma inequívoca a emissão do parecer positivo de compatibilidade de localização de instalação da recorrente (de armazenagem tratamento valorização e eliminação de resíduos perigosos), com o Respectivo Plano Director Municipal. J - A recorrente é uma sociedade anónima, cujo objecto social é a indústria de reciclagem, limpezas ambientais, industriais e similares. L - Ademais existe o prejuízo do interesse público, M - Não só pelas relações conturbadas entre a sede do concelho do ora recorrido e a Junta de Freguesia de Canas de Senhorim, facto público e notório. N - O que iria originar alarme público. O - Bem como pelo prejuízo ambiental, naquele local, podendo porque o contrário não ficou provado, existir cheiros, derrames, radiações. P - Trata-se tão só da prossecução do interesse público, ao não emitir o parecer. Q - Perante a não conformidade com o respectivo Plano Director Municipal. R - E ainda perante os potenciais efeitos ambientais, sociais, económicos de saúde para as populações, nas suas múltiplas actividades. S - Coração de Região Demarcada do Vinho do Dão T - Termas de Felgueiras, U - Varanda Privilegiada da Serra da Estrela, Hotel da Urgeiriça. V - Não fez prova a recorrente dos prejuízos, nem tal colheria pois tais contratos não passam de uma arma de arremesso, W - Pois não podia ignorar a recorrente a obrigatoriedade de tal parecer. X - Quanto à eventual preterição de uma formalidade processual, esta dado todo o circunstancialismo não é revelante para o exame ou decisão da causa. (…).” Conclui no sentido de que deve ser mantida a decisão sob recurso. A M.m.ª Juiz “a quo” sustentou a decisão recorrida nos termos insertos no despacho de fls. 131 e 132 dos autos. O Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto nos arts.146º e 147º ambos do CPTA veio apresentar peça processual na qual sustenta a improcedência do presente recurso jurisdicional (cfr. fls. 142 e 143). As partes notificadas da posição do MºPº manifestada nos autos nada vieram requerer ou declarar para esse efeito. Após cumprimento da determinação vertida no despacho de fls. 163 dos autos foram remetidos a este Tribunal o processo administrativo apenso e certidão inserta a fls. 165 a 171 do que as partes foram oportunamente notificadas e nada vieram dizer ou requerer. Sem vistos, dado o disposto no art. 36º, n.ºs 1, al. e) e 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento. * 2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIARCumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660º, n.º 2, 664º, 684º, n.ºs 3 e 4 e 690º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” art. 140º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, pelo que os recursos jurisdicionais são “recursos de ‘reexame’ e não meros recurso de ‘revisão’” (cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 4ª edição, pág. 391). As questões suscitadas pela recorrente resumem-se, em suma, em determinar se na situação vertente a decisão recorrida ao rejeitar a providência cautelar peticionada enferma, por um lado, de nulidades que a invalidam e, por outro lado, de erro de julgamento por alegada violação dos arts. 387º, 514º, 653º, 659º e 660º do CPC, 342º, 344º, 349º e 396º do CC, 120º CPTA, 43º e 60º do PDM Nelas, 124º, 125º e 135º do CPA [cfr. conclusões supra reproduzidas]. * 3. FUNDAMENTOS3.1. DE FACTO Para a análise dos fundamentos do recurso jurisdicional quanto à decisão recorrida tem-se como assente a seguinte factualidade: A) Resultante dos autos: I) Em 20/05/2004 a requerente, aqui ora recorrente, deu entrada da petição em juízo do presente procedimento cautelar enquanto incidente e por apenso à acção administrativa especial sob o n.º 512/04.7BEVIS (cfr. fls. 02 e segs. dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido); II) Após ulterior tramitação veio a realizar-se diligência de produção probatória nos termos documentados na acta inserta a fls. 74 a 77 dos autos e cujo teor aqui se tem por reproduzido, diligência essa no final da qual a M.m.ª Juiz “a quo” determinou que o requerido procedesse à junção dos “(…) pareceres técnicos existentes no processo e referidos pela testemunha Engenheira P…, bem como no mesmo prazo para a requerente juntar o pedido que formulou ao Município.”; III) O requerido veio, através de requerimento entrado em juízo em 29/07/2004, juntar aos autos dois documentos constantes de fls. 79 e 80 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido, documentos esses que fazem parte do processo administrativo referido em VI; IV) Tais documentos não foram notificados à demais partes, quer pelo Tribunal quer pelo ilustre mandatário do ente requerido (cfr. fls. 78 e segs. dos autos); V) Em 30/07/2004 foram os autos conclusos e veio a ser proferida a decisão, aqui ora recorrida, a julgar improcedente a presente providência cautelar nos termos e com os fundamentos insertos a fls. 81 a 96 dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido, resultando, mormente do seu teor, em sede de julgamento de facto que: “(…) A convicção do tribunal, quanto aos factos provados, formou-se com base no teor dos depoimentos das testemunhas, do processo administrativo, dos documentos juntos aos articulados e os que foram juntos por determinação judicial, nos termos do art. 118.º do CPTA. (…).”; VI) No âmbito da acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo sob o n.º 512/04.7BEVIS, em que são partes a aqui requerente e o ente requerido, de que o presente processo constitui apenso, foi junto, por apenso, o processo administrativo de licença para obras particulares instaurado pela requerente e em 29/06/2004 foi tal junção notificada às partes e ao MºPº (cfr. certidão de fls. 166 a 171 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido); VII) No âmbito ainda daquela mesma acção veio a ser junto em 12/10/2004 outro processo administrativo, também por apenso, relativo à concessão de alvará de licença de utilização, junção e apensação essa que foram notificadas às partes e ao MºPº em 19/10/2004 (cfr. certidão de fls. 166 a 171 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido); VIII) Resulta igualmente da certidão que a apensação do presente procedimento cautelar à acção administrativa especial em referência teve lugar em 18/10/2004 (cfr. certidão de fls. 166 a 171 dos presentes autos cujo teor aqui se dá por reproduzido); B) Resultante da decisão de facto vertida na decisão recorrida: I) A requerente é uma sociedade comercial constituída em 15/09/2000, que se dedica à reciclagem, limpezas ambientais, industrias e similares. II) A requerente realizou estudos, preparou pessoal e enviou pessoal ao estrangeiro, nomeadamente Suíça, Alemanha, Holanda, Brasil Cuba, para estudar e analisar empresas do ramo ambiental. III) Efectuou obras nas suas instalações. IV) A Câmara Municipal de Nelas, em 11/12/2001 emitiu o Alvará de Utilização n.º 130/2001, em nome da requerente autorizando para o prédio onde se situa o seu estabelecimento a seguinte utilização: “Reciclagem, tratamento e eliminação de outros resíduos industriais.” V) A requerente possui licença e exerce a sua actividade de armazenamento de resíduos industriais banais, no qual se inclui a recolha, armazenamento temporário de pneus usados. VI) Em 14/01/2004, a requerente requereu à CMN que lhe fosse passada certidão donde “ conste que a sua sede e instalações (antigas instalações da Companhia Portuguesa de F…, SARL), na freguesia de Canas de Senhorim, se localizam, de acordo com o respectivo plano municipal do ordenamento do território, em zona industrial (especial) a reestruturar ou reconverter. VII) Em 27/01/2004 a Câmara Municipal de Nelas emitiu o parecer de localização, com o seguinte teor: Parecer de Localização Em resposta ao solicitado junto dos nossos serviços, em 14/01/2004, a Câmara Municipal de Nelas vem informar V.as Exas do seguinte: Segundo o Regulamento do Exercício da Actividade Industrial, de acordo com o Decreto Regulamentar n.° 25/93, de 17 de Agosto, as unidades industriais de classe A ou B só podem ser instaladas em zonas industriais expressamente previstas, tendo em conta o grau de risco para o homem e para o ambiente inerente ao seu exercício, nos termos definidos na tabela aprovada pela Portaria n.° 744-B/93, de 18 de Agosto. De acordo com o Plano Director Municipal de Nelas, a indústria em causa, sita no lugar de Fomos Eléctricos, freguesia de Canas de Senhorim, deste concelho, insere-se em espaço industrial, previsto na Secção VII do referido PDM, mas em Zona industrial a reestruturar ou a reconverter e não em Zona industrial existente ou a criar, como aí expressamente é previsto. Assim, e sobre o assunto em análise, dispõe o artigo 60.º do PDM que tal zona (a reconverter - R) compreende as unidades industriais da Companhia Portuguesa dos F… e das minas da Urgeiriça, dispondo o seu n° 2 que nesta zona “é ainda considerada aceitável a reconversão parcial em espaço urbano de carácter residencial ou turístico”, tendo que, em caso de qualquer alteração, esta ser precedida obrigatoriamente de Plano de Pormenor abrangendo toda a área pertença das referidas unidades e respectivas zonas de protecção, tendo pois que obedecer a disposições limitativas aí previstas, nas respectivas alíneas de a) a h) do mesmo n.° 2, isto pois, com o intuito de proteger a referida zona. Por sua vez, o n.° 2 do artigo 58.º do mesmo diploma, é bem explícito quando determina que em casos de instalação de indústrias da classe B, deverá haver um afastamento mínimo entre os espaços urbanos e os espaços industriais de 150 m, o que, no caso vertente, nem sequer se verifica. Dado o PDM ter previsto expressamente tal hipótese, de este preciso espaço, pelo seu potencial, valor e interesses que encerra, poder ser reconvertido em espaço urbano de carácter residencial ou turístico, há que ter em conta pois, todas as interdições que desta realidade advêm, nomeadamente, todos os efeitos nocivos e perigosos próprios desta actividade, de todo, incompatíveis com a habitação, susceptíveis que são de gerar factores de risco indeterminados, de toda a espécie e de pôr em perigo a segurança e saúde públicas. Em conclusão e em conformidade com o exposto, Em face do indicado quadro normativo e da factualidade descrita, aplicável que são as normas vigentes no Plano Director Municipal de Nelas, em consequência do disposto no n.° 1 do artigo 11.° do DL 239/97, de 9 de Setembro, que aqui se aplica, e regula a gestão dos resíduos perigosos definindo-os como sendo aqueles que apresentam características de perigosidade para a saúde ou para o ambiente podemos e devemos concluir, sem qualquer dúvida que: A Câmara Municipal de Nelas atesta a completa e inequívoca incompatibilidade da localização da instalação da presente entidade (de armazenagem, tratamento, valorização e eliminação de resíduos perigosos) com o respectivo Plano Director Municipal de Ordenamento do Território. Em aditamento a Câmara Municipal de Nelas refere ainda que, tendo em atenção que o Concelho de Nelas é o Coração da Região Vitivinícola do Dão, integra a Região do Queijo da Serra, possui uma das mais importantes Termas do País, um riquíssimo património arquitectónico (que inclui o Centro Histórico de Canas de Senhorim) e tem uma esplendorosa paisagem natural, é inquestionável que o Turismo será o vector fundamental do futuro desenvolvimento, o que é absolutamente incompatível com quaisquer instalações de resíduos perigosos.” VIII) Resulta ainda da decisão recorrida em sede de decisão de facto que: “(…) Todos os factos, com interesse para a decisão da causa, constantes do presente processo, foram objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade descrita, nomeadamente: 1) A rescisão com o Valor Pneu do contrato de recolha de pneus usados, o qual lhe rende cerca de 20.000,00 Euros mensais e a anunciada rescisão foi determinada pela circunstância de a ora requerente não conseguir, face à atitude da Câmara Municipal de Nelas, o licenciamento necessário à continuação dessa actividade de recolha temporária de pneus usados. 2) A impossibilidade de concluir com a REFER - Rede Ferroviária Nacional, um contrato com a duração de três anos, renováveis, para a recolha e gestão de todos os resíduos daquela. 3) A impossibilidade de renovação de contratos plurianuais que firmou, no ano passado de 2003, com a EDP- Produção, SA., EDP - Distribuição, S.A. e com a Rede Eléctrica Nacional, para recolha, armazenamento temporário e encaminhamento de vários resíduos. 4) Que os sobreditos contratos, geram uma receita mensal superior a 250.000,00 Euros. 5) Se o contrato com a REFER não for assinado perderá esse mesmo contrato que ocuparia várias dezenas de trabalhadores e do qual resultaria uma receita mensal superior a 100.000,00 Euros. «» 3.2. DE DIREITO Considerada a factualidade supra fixada importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional. A recorrente sustenta, por um lado, que a sentença lavrada nos autos enferma da nulidade prevista no art. 668º, n.º 1, al. d) do CPC porquanto se impunha ao julgador a obrigatoriedade de se pronunciar “(…) acerca da probabilidade de que a pretensão formulada venha a ser julgada procedente (alínea c) do n.º 1 do art. 120º, in fine) (…)”. Estipula-se no art. 668º do CPC, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, que: “1 - É nula a sentença: a) Quando não contenha a assinatura do juiz; b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão; d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido. (...).” As situações de nulidade da decisão encontram-se legalmente tipificadas no art. 668º, n.º 1 do CPC, cuja enumeração é taxativa (cfr., entre outros, Ac. do STJ de 25/11/2004 - Proc. n.º 04B3540 in: “www.dgsi.pt/jstj”), comportando causas de nulidade de dois tipos: uma causa de carácter formal [art. 668º, n.º 1, al. a) CPC] e várias causas respeitantes ao conteúdo da decisão [art. 668º, n.º 1, als. b) a e) CPC]. Note-se, todavia, que a qualificação como nulidade de sentença de ilegalidades integradoras de erro de julgamento não impede o Tribunal de proceder à qualificação jurídica correcta e apreciar, nessa base, os fundamentos do recurso (cfr. Acs. do STA de 17/03/1992 - Proc. n.º 26.955 in: Ap. DR de 30/9/94, págs. 215 e segs.; de 13/02/2002 - Proc. n.º 47.203, de 20/10/2004 - Proc. n.º 748/03 ambos in: «www.dgsi.pt/jsta»). Ora salvo melhor entendimento temos que quanto à primeira nulidade suscitada a mesma não ocorre. O tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (cfr. arts. 660º, n.º 2 CPC e 95º CPTA), sendo que é relativamente e por relação com tais comandos legais que se terá de aferir a nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art. 668º do CPC (cfr. Ac. STJ de 25/09/2003 - Proc. n.º 03B659 in: “www.dgsi.pt/jstj”). Trata-se, nas palavras do Prof. M. Teixeira de Sousa (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221) do “(...) corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264º, n.º 1 e 664 2ª parte)” que “significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões. “(...) Também a falta de apreciação de matéria de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia.” Questões para este efeito são “(...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes” (cfr. Prof. A. Varela, in: RLJ, Ano 122º, pág. 112) e não podem confundir-se “(...) as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão” (cfr. Prof. Alberto dos Reis, in: “Código Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 143). Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido. Como sustenta igualmente o Prof. M. Teixeira de Sousa (in: ob. cit., págs. 220 e 221) “(...) O tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa. (...) Verifica-se, pelo contrário, uma omissão de pronúncia e a consequente nulidade [art. 668º, n.º 1, al. d) 1ª parte] se na sentença, contrariando o disposto no art. 659º, n.º 2, o tribunal não discriminar os factos que considera provados (...) ou se abstiver de apreciar a procedência da acção com fundamento numa das causas de pedir invocadas pelo autor. (...). Se o autor alegar vários objectos concorrentes ou o réu invocar vários fundamentos de improcedência da acção, o tribunal não tem de apreciar todos esses objectos ou fundamentos se qualquer deles puder basear uma decisão favorável à parte que os invocou. (...) Em contrapartida, o tribunal não pode proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objectos e fundamentos por ela alegados, dado que a acção ou a excepção só pode ser julgada improcedente se nenhum dos objectos ou dos fundamentos puder proceder”. A sentença é uma decisão jurisdicional proferida pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, no caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses (públicos e/ou privados) no âmbito das relações jurídicas administrativas (cfr. arts. 01º e 04º ambos do ETAF). A mesma conhece do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para aquele caso concreto, pelo que a sentença pode estar viciada de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito: - Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e então a consequência é a sua revogação; - Por outro, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e então torna-se passível de nulidade, nos termos do art. 668º do CPC. Da análise da sentença recorrida e sem prejuízo da análise de fundo da mesma que constitui fundamento material do presente recurso jurisdicional, resulta que a M.mª Juiz “a quo” em sede de pronúncia sobre os requisitos para o decretamento e/ou indeferimento da providência requerida, sua verificação ou não à luz do art. 120º do CPTA, mormente do seu n.º 1, al. c), entendeu que “in casu” não estava reunido o requisito cumulativo e necessário do “periculum in mora” para o decretamento da providência, pronúncia que se tem como suficiente e legal já que não se verificando um dos requisito cumulativos para o decretamento da providência não está o Tribunal obrigado a conhecer dos demais porquanto se trataria de actividade inútil e mesmo ociosa visto estar aquele conhecimento prejudicado. Com efeito, o que importa é que o tribunal decida a questão posta, não se lhe impondo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão ou posição [cfr. neste sentido, Acs. do S.T.A. (Pleno) de 21/02/2002 - Proc. n.º 34.852, de 02/06/2004 - Proc. n.º 46.570 ambos in: «www.dgsi.pt/jsta» ]. Daí que na decisão em recurso e sem prejuízo da bondade substancial ou ausência desta, que não constitui fundamento de nulidade mas ao invés erro de julgamento de facto de direito com a consequente revogação, não se vislumbra que a M.mª Juiz “a quo” tenha deixado de conhecer de todas as questões que no caso deveria ter conhecido ou que tenha emitido pronúncia quanto a questões que não constituíssem objecto do dever de conhecer por parte do tribunal já que na sentença recorrida aquela Sr.ª Juiz se conteve dentro dos limites daquilo que constituía o seu dever de pronúncia. Improcedente que se mostra esta arguida nulidade, bem como a conclusão vertida sob o ponto I) das alegações de recurso jurisdicional “sub judice”, importa, agora, entrar na análise da outra nulidade invocada. Argumenta a recorrente que a decisão recorrida enferma de nulidade porquanto “(…) antes da sua prolação, mas já depois de concluída a produção da prova testemunhal e de encerrada a audiência de produção de prova, a entidade requerida (Câmara Municipal de Nelas) promoveu a junção aos autos de diversos documentos que disse constituírem o processo administrativo, conducente à prática do acto objecto de impugnação (…)”, o que constitui “(…) violação do princípio do contraditório (…).” Ora analisados os factos supra fixados [cfr. n.ºs A) - I) a VIII)] e considerando o que resulta do disposto nos arts. 06º, 08º, 84º, 112º e seguintes do CPTA, 03º e 201º do CPC temos, para nós, que a arguição daquela nulidade não tem efeitos invalidantes para o processo e mormente para a decisão judicial objecto de recurso. Na verdade, temos, desde logo, que os presentes autos constituem um apenso dos autos de acção administrativa especial, autos esses que são o processo principal e do qual os autos “sub judice” são dependência, aliás, como a própria recorrente referiu quando a interpôs. Nessa medida, constituem, pois, um processo uno ou único, podendo as partes e o julgador fazer uso dos elementos de prova que foram produzidos ao longo dos mesmos para sustentar as suas teses e decisões, cumprido que se mostrem as regras processuais em matéria de contraditório previstas. Assim, tendo a aqui recorrente sido notificada da junção do processo administrativo no âmbito da acção administrativa especial em 29/06/2004, para efeitos de assegurar, nomeadamente, o princípio do contraditório, temos que foi cumprido este princípio também para efeito dos ulteriores termos do processo cautelar “sub judicie” porquanto não tendo o processo administrativo sido junto por determinação judicial no âmbito do processo cautelar mas ao processo principal não se impõe que no processo cautelar, deduzido na dependência da acção administrativa principal já instaurada e da qual é apenso (cfr. art. 113º do CPTA), tenha de haver outra notificação com o mesmo conteúdo e fim àquela que teve lugar na acção principal nos termos do art. 84º do CPTA já que se trataria de acto perfeitamente inútil e legalmente não permitido (cfr. arts. 08º, 84º, 112º e segs. do CPTA, 201º e 265º, n.º 1 do CPC). Daí que assegurado que foi o contraditório relativamente à junção do processo administrativo no âmbito dos autos principais e sendo que a decisão judicial proferida no processo cautelar o foi quando tal contraditório havia sido observado sem que a aqui recorrente tenha suscitado formalmente qualquer questão (processual ou substantiva) quanto ao aludido processo administrativo, mormente, quanto ao seu conteúdo, temos que a consideração na decisão final aqui objecto de recurso jurisdicional do processo administrativo não envolve qualquer violação das garantias e direitos processuais e substantivos da recorrente que gere ou potencie qualquer nulidade da sentença recorrida. Refira-se igualmente que a omissão de notificação dos documentos insertos a fls. 79 a 80 também, no caso concreto, não possui ou detém efeito invalidante da decisão em recurso por infracção ao princípio do contraditório porquanto os mesmos documentos mais não são do que cópias ou reproduções dos originais que estavam ou constam do processo administrativo apenso (cfr. fls. 140 e 152 do referido processo administrativo) pelo que, nessa medida, sempre a decisão de facto se manteria em termos de fundamentação idêntica ainda que truncada da possibilidade de consideração dos documentos em questão. Improcedente que se mostra também, em concreto, esta nulidade, bem como a conclusão vertida sob o ponto II) das alegações de recurso jurisdicional “sub judice”, importa entrar na análise dos demais fundamentos do presente recurso jurisdicional. Invoca a recorrente como fundamentos materiais de recurso que a decisão recorrida contraria o que decorre dos arts. 387º, 514º, 653º, 659º e 660º do CPC, 342º, 344º, 349º e 396º do CC, 120º CPTA, 43º e 60º do PDM Nelas, 124º, 125º e 135º do CPA. Para a análise da bondade da decisão em recurso importa efectuar uma prévia incursão no actual regime de contencioso administrativo, em especial, em matéria dos procedimentos cautelares, mormente, dos seus critérios de decisão, dos seus pressupostos ou requisitos para a sua decretação. Os procedimentos cautelares vêm regulados, com autonomia, no Título V do CPTA (cfr. arts. 112º e segs.), nele estando abrangidos os processos cautelares de natureza antecipatória, como se nos afigura estarmos em presença nestes autos. Note-se, no entanto, que a distinção entre providências antecipatórias e conservatórias não é questão isenta de alguma dificuldade. Como doutamente se sustentou no Ac. STA de 24/11/2004 - Proc. n.º 1011/04 (in: «www.dgsi.pt/jsta») “(…) tomando como exemplo a suspensão de eficácia de um acto administrativo e sendo inquestionável que, quer o Legislador (vide, a “Exposição de Motivos” do CPTA) quer a doutrina (…), a qualificam como conservatória, não é menos certo que, porém, tal providência, se concedida, não deixa de se consubstanciar, de alguma maneira, numa antecipação provisional de certos efeitos da decisão definitiva a proferir no processo principal. (…) Aliás, já P. Calamandrei realçava que as medidas cautelares podem supor tal antecipação - cfr., a sua obra “Introduzione allo studio sistemático dei provvedimenti cautelari”, a págs. 22. O já exposto leva-nos a relativizar a classificação das providências cautelares entre conservatórias de antecipatórias, tanto mais que, por vezes, se verifica uma sobreposição entre as funções conservatória e antecipatória. (…) De qualquer maneira, o que importa aqui assinalar é que não é pela simples circunstância de uma determinada providência cautelar antecipar certos efeitos da decisão definitiva que, sem mais, se deva concluir que nos encontramos perante uma providência antecipatória. (…) Ora, temos para nós que a providência será conservatória quando o Interessado pretenda manter ou conservar um direito, ou seja, aqui o que se almeja é manter o statu quo, procurando que ele se não altere. Por sua vez, a providência será antecipatória quando o interessado vise “alterar o statu quo”, mediante a antecipação de uma situação que não existia anteriormente. (…).” [cfr. ainda Ac. do STA de 13/01/2005 - Proc. n.º 1273/04 in: «www.dgsi.pt/jsta»; vide ainda sobre esta temática Dr.ª Isabel Celeste M. Fonseca in: “Dos Novos Processos Urgentes no Contencioso Administrativo (função e estrutura)”, págs. 66 a 68 e in: “Introdução ao Estudo Sistemático da Tutela Cautelar”, págs. 120 e segs.). Daí que à luz destes ensinamentos e analisada a pretensão em presença temos que concluir pela natureza antecipatória da providência requerida pela ora recorrente. Para além disto, sendo uma providência cautelar entre as outras previstas no CPTA a mesma depende da verificação dos requisitos gerais previstos e enunciados no art. 120º do CPTA. Nesta sede, importa distinguir e escalpelizar os critérios de ponderação da necessidade, adequação e equilíbrio das providências cautelares cujo decretamento se requer. Como é sustentado pela doutrina que sobre o normativo já se foi produzindo [cfr. entre outros, Prof. J. C. Vieira de Andrade, in: ob. cit., págs. 299 e segs.; Prof. Mário Aroso de Almeida in: “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 3ª edição revista e actualizada, págs. 293 e segs., em especial, págs. 298 a 303; Prof. João Caupers in: “Introdução ao Direito Administrativo”, 7ª edição, págs. 372 e segs.; Prof. Colaço Antunes em “Brevíssimas notas sobre a fixação duma summa gravaminis no processo administrativo” in: Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano I, 2004, págs. 91 e 92; Dra. Isabel Celeste M. Fonseca in: “Dos Novos Processos …”, págs. 65 e segs.; Dra. Carla Amado Gomes em “O Regresso de Ulisses: um olhar sobre a reforma da justiça cautelar administrativa” in: “Cadernos Justiça Administrativa” n.º 39, págs. 04 e segs.], importa autonomizar, desde logo, as situações em que se trate de providências dirigidas contra actos manifestamente ilegais, por si ou por referência a actos idênticos já anteriormente anulados, declarados nulos ou inexistentes e contra actos de aplicação de normas já anulados [cfr. art. 120º, n.º 1, al. a) do CPTA]. Neste tipo de situações o seu decretamento é quase automático na medida em que assente em requisitos objectivos, baseando-se num critério de evidência, que incorpora, em simultâneo, a salvaguarda do interesse público (sob a forma do princípio da legalidade – a Administração não deve praticar tais actos) e a tutela dos interesses privados (particular tem direito a que a sua situação seja legalmente apreciada e conformada). Segundo é defendido pelo Prof. Vieira de Andrade (in: ob. cit., pág. 298) quanto a este tipo de situações “(...) o juiz deve (...) fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica. Neste juízo, o fundado receio há-de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar ‘compreensível’ ou ‘justificada’ a cautela que é solicitada. Como decorre da universalidade das providências admitidas, tanto releva actualmente o periculum in mora de infrutuosidade, que exigirá, em regra, uma providência conservatória, de modo a manter a situação existente, como o periculum in mora de retardamento, que postulará a adopção de uma providência antecipatória, que antecipe parcial ou mesmo totalmente, ainda que em termos provisórios a solução pretendida. Note-se, porém, que a lei não refere este requisito para a adopção da providência cautelar, quando seja evidente a procedência da pretensão formulada [alínea a) do n.º 1 do art. 120º]. (...).” E conclui o citado autor “(...) nesse caso, o tribunal está dispensado de fundamentar a sua decisão no juízo de perigosidade – no entanto, mesmo nessas situações o perigo releva, na medida em que a providência só pode ser pedida ou concedida quando haja um interesse em agir que se manifeste no fundamento do pedido. (...)”. Tal como é doutrinado pelo Prof. Mário Aroso de Almeida “(...) se o tribunal considerar preenchida a previsão do art. 120º, n.º 1, alínea a), ele concede a providência sem mais indagações. Não intervém o disposto no n.º 2 e nem sequer há que atender ao critério do periculum in mora, a que fazem apelo as alíneas b) e c) do n.º 1. É a situação de máxima intensidade do fumus boni iuris, que, em situações de manifesta procedência da pretensão material do requerente, vale por si só. (...) a alínea a) do n.º 1 não prevê requisitos de cujo preenchimento dependa, em circunstâncias normais, a concessão de quaisquer providências. Pelo contrário, o que a alínea a) do n.º 1 faz é estabelecer que, em situações excepcionais, qualquer providência deve ser atribuída sem necessidade do preenchimento dos requisitos normais. O artigo 120º, n.º 1, alínea a), contém, assim, uma norma derrogatória, para situações excepcionais, do regime de que depende a concessão de providências cautelares em circunstâncias normais, cujo sentido e alcance é afastar, para essas situações, a normal aplicação dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 120º (...).” (sublinhados nossos) (vide ob. cit., págs. 298 e 299). Refere ainda aquele mesmo Professor que “(...) no que à suspensão de eficácia de actos administrativos diz respeito «dar relevância, em sede cautelar, aos eventuais indícios de ilegalidade do acto implica afastar a ideia de que a execução de quaisquer actos praticados em certos domínios é, por definição, de interesse público. Pelo contrário, desde logo nos casos de invalidade ostensiva do acto, o fumus boni iuris justifica, sem mais dificuldades e seja qual for o domínio de matérias a que o acto diga respeito, a imediata suspensão judicial da sua eficácia, que nesse caso não se pode considerar lesiva do interesse público. Deste modo se admite a atribuição, no caso concreto, da providência cautelar, mesmo relativamente a decisões administrativas que, em abstracto, seria de presumir que, pela natureza dos interesses que visam proteger, careceriam de urgente execução.” (vide ob. cit., pág. 295). Nas palavras da Dra. Isabel Fonseca na previsão do art. 120º, n.º 1, al. a) do CPTA “(...) sem que haja necessidade de invocar o periculum in mora, o juiz decreta a providência solicitada se considerar «evidente a procedência da pretensão» formulada no processo principal (...)” (sublinhados nossos) (vide “Dos Novos Processos …”, pág. 65). A ilegalidade ostensiva justifica, por conseguinte, que o juízo de proporcionalidade quanto à decisão de emissão da medida cautelar se constranja perante a exigência da célere reposição da legalidade. Nestes termos, a manifesta ilegalidade do acto, uma vez sumariamente demonstrada, impõe ou vincula o juiz a decretar a providência peticionada pelo requerente ainda que existam contra-interessados, vinculação essa que comportará pelo menos a excepção nos casos em que o requerente vá a juízo num prazo tardio e após o início de produção fáctica de efeitos do acto e que será sempre superior a um ano por confronto com o prazo limite de impugnação de actos anuláveis para o MºPº [cfr. art. 58º, n.º 2, al. a) do CPTA] (cfr. Dra. Carla Amado Gomes, in: loc. cit., pág. 08). Importa, todavia, precisar o conceito de “manifesta ilegalidade”. Tal como se decidiu no acórdão deste mesmo TCA Norte de 20/01/2005 - Proc. n.º 1314/04.6BEPRT (in: «www.dgsi.pt/jtcn») “(…) Na situação contemplada na alínea a) do n.º 1 do art. 120º o fumus boni iuris adquire a máxima intensidade, pois a providência é automaticamente concedida sem necessidade de atender ao periculum in mora e à ponderação de interesses públicos e privados. Trata-se de providências dirigidas contra “actos manifestamente ilegais”, por si ou por referência a actos idênticos já anteriormente anulados, declarados nulos ou inexistentes, e contra actos de aplicação de normas já anuladas. Nas situações de manifesta, ostensiva e grave ilegalidade, sumariamente demonstrada, que evidencie a procedência da acção principal, é imperioso repor rapidamente a legalidade, ainda que haja interessados particulares a pugnar pela sua manutenção. Dispensa-se a ponderação de interesses públicos e privados e o juízo de proporcionalidade quanto à decisão da providência porque o critério da evidência da pretensão principal incorpora já a salvaguarda de tais interesses, do interesse público, porque a Administração não pode praticar actos ilegais, e dos interesses particulares, porque têm direito a que a sua situação seja legalmente apreciada e conformada. O juízo sobre a evidência da pretensão principal em face da manifesta ilegalidade do acto impugnado, uma situação excepcional perante as situações que normalmente justificam as providências cautelares, é ainda mais excepcional quando a ilegalidade do acto impugnado deriva de vícios formais. É que as ilegalidades verificadas nos elementos formais ou extrínsecos do acto administrativo, susceptíveis de produzir invalidade, podem não conduzir necessariamente à sua anulação, quer por ser um vício irrelevante no caso concreto, quer por ser possível o seu aproveitamento pelo juiz. Em princípio, só quanto aos vícios graves, aqueles que concretizam na lesão insuportável dos valores protegidos pelo direito administrativo e que por isso que implicam a nulidade do acto, é possível ajuizar sobre a evidência da procedência da pretensão principal. Já quanto à violação de preceitos de forma em sentido amplo, que inclui a forma propriamente dita e o procedimento, que seja cominada com a anulabilidade nem sempre a preterição da forma conduz à anulação. Existem vícios formais com potência invalidante que, pela menor importância da forma ou por motivos de economia de actos públicos, possibilitam ao juiz recusar a anulação, declarando a irrelevância do vício, ou realizar o aproveitamento do acto. No primeiro caso, o acto não será anulado se o juiz comprovar que no caso concreto foram alcançados os fins específicos que o preceito violado visava alcançar. Esta é a posição sufragada pela generalidade da doutrina e jurisprudência portuguesa que considera «formalidades não essenciais», aquelas cuja omissão ou preterição não tenha impedido a consecução do objectivo visado pela lei ao exigi-las, e que, para este efeito, serve para distinguir “vícios essências” de “vícios não essenciais”, conforme impliquem, ou não, a anulação do acto. No segundo caso, se a decisão tomada corresponde à solução imposta pela lei para o caso concreto, o que só se pode saber nos actos vinculados, o juiz pode conservar o acto administrativo, uma vez que não existem dúvidas que um administrador normal e razoável o irá repetir com o mesmo conteúdo (…)” (cfr. neste sentido, Acs. do TCA Norte de 16/09/2004 - Proc. n.º 764/04.2BEPRT, de 16/12/2004 - Proc. n.º 467/04.8BECBR in: «www.dgsi.pt/jtcn»). Refira-se, aliás, o a este propósito sustentado pelo Prof. Colaço Antunes (in: loc. cit., pág. 93) “(…) presume-se o fumus do recorrente, numa primeira análise, a exigir, apesar da evidência da pretensão (artigo 120º/1/a do C.P.T.A.), um juízo de probabilidade qualificado (sobretudo nos actos e natureza prestacional); isto é, que o acto pareça claramente ilegal (nulidade ou inexistência do acto, artigo 120º/1/a) ou seja manifestamente evidente a existência de um direito ou interesse legalmente protegido (…).” (sublinhados nossos). Estando, todavia, em causa a adopção de providências antecipatórias em que a situação não tenha enquadramento na al. a) do n.º 1 do art. 120º o CPTA prevê um distinto grupo de condições de procedência e que se mostram consagrados nos n.ºs 1, al. c) e 2 do citado artigo, condições de procedência que, embora com diferentes cambiantes, se podem reconduzir: a) A duas condições positivas de decretamento: - «periculum in mora» - receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e - «fumus boni iuris» (“aparência do bom direito”) – avaliação, em termos sumários, da existência do direito invocado pelo requerente ou da(s) ilegalidade(s) que o mesmo invoca e provável procedência da acção principal; b) A um requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença (públicos e/ou privados) – proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa. Afirma a Dra. Carla Amado Gomes que fora das situações da alínea a) quando se requeira a concessão de providência conservatória ou antecipatória [alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 120º] “(...) O legislador elegeu aqui o critério de apreciação da necessidade de tutela em função da procedibilidade da pretensão cautelar. Por outras palavras, a par da urgência do decretamento da providência, justificada pelo periculum in mora – observável em ambos os casos -, há que aferir: - Estando em causa a paralisação dos efeitos duma actuação administrativa, o fumus non malus da pretensão do requerente, ou seja, a não manifesta falta de fundamento desta; - Estando em causa a propulsão de efeitos gerada pela inacção ou actuação administrativa ilegal, o fumus boni iuris da pretensão do requerente, ou seja, a procedibilidade provável da decisão final confirmativa do juízo antecipatório proferido.” (vide in: loc. cit., pág. 09). Quanto ao requisito do “periculum in mora” o mesmo traduz-se nas palavras do legislador no “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar [ou ver reconhecidos] no processo principal”. As providências cautelares visam impedir que, durante a pendência de qualquer acção, a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se combater o “periculum in mora” (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica (cfr. Prof. Antunes Varela e Drs. J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora in: “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 23). Nas palavras do Prof. Mário Aroso de Almeida “(...) se não falharem os demais pressupostos de que, nos termos do artigo 120º, depende a concessão da providência, ela deve ser concedida desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. É este o único sentido a atribuir à expressão “facto consumado. Nestas situações, em que a providência é necessária para evitar o risco de infrutuosidade da sentença a proferir no processo principal, o critério deixa, pois, de ser o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, para passar a ser o da viabilidade do restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar. Do ponto de vista do periculum in mora, a providência também deve ser, entretanto, concedida quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível pela mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação” no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente. Ainda neste último caso, justifica-se a adopção da providência para evitar o risco do retardamento da tutela que deverá ser assegurada pela sentença a proferir no processo principal. Note-se que a redacção, quer da alínea b), quer da alínea c), do n.º 1 do artigo 120º é diferente daquela que, para a atribuição de providências cautelares não especificadas em processo civil, consta do artigo 381º, n.º 1 do CPC, que é mais exigente, ao falar de uma “lesão grave e dificilmente reparável” (...). Assume-se, pois, aí, que nem todos os prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação justificam a adopção de providências cautelares, mas só aqueles que, pela sua gravidade, a jurisprudência venha a seleccionar, para o efeito de considerar dignos de tutela preventiva. Não é assim em contencioso administrativo.” (vide ob. cit., págs. 299 e 300). Nesta sede, em que se trata de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação” o critério a atender deixou de ser aquele que jurisprudencialmente era aceite em matéria de análise do requisito positivo da al. a), do n.º 1 do art. 76º da LPTA, ou seja, o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, para passar a ser o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar, já que o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstractos (cfr., Prof. J. C. Vieira de Andrade in: ob. cit., pág. 299; Prof. Mário Aroso de Almeida in: ob. cit., pág. 297). Importa, ainda, ter presente que devem ser atendidos todos os prejuízos relevantes para os interesses do requerente, quer o perigo respeite a interesses públicos, comunitários ou colectivos, quer estejam em causa apenas interesses individuais. Na aferição deste requisito e tal como é defendido pelo Prof. J. C. Vieira de Andrade o juiz deve “(...) fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para se concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica. Neste juízo de fundado receio há-se corresponder a uma prova, em princípio a cargo do requerente, de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar «compreensível» ou justificada a cautela que é solicitada.” (vide ob. cit., pág. 298). Quanto ao requisito positivo de procedência do “fumus boni iuris” o CPTA opta por efectuar uma distinção em função da providência cautelar ser conservatória ou antecipatória, estabelecendo que ela deve ser mais facilmente decretada no primeiro caso do que no segundo, distinção essa que, no entanto, poderá ser susceptível de gerar, como supra aludimos, equívocos em certas situações concretas quanto à sua caracterização e que se avolumarão com a possibilidade de cumulação de pedidos nos processos cautelares. Nesta sede importa ter presente uma das alterações significativas introduzidas no novo contencioso administrativo em matéria cautelar e que se prende com enorme relevância conferida a este requisito. Segundo refere o Prof. J. C. Vieira de Andrade “(...) elimina-se, sem deixar dúvidas, um dos corolários mais perversos do dogma autoritário da «presunção de legalidade do acto administrativo», quando se passa a reconhecer e a conferir até relevo fundamental ao fumus boni iuris. O juiz tem agora o poder e o dever de, ainda que em termos sumários, avaliar a probabilidade da procedência da acção principal, isto é, em regra, de avaliar a existência do direito invocado pelo particular ou da ilegalidade que ele diz existir, ainda que esteja em causa um «verdadeiro» acto administrativo.” (vide ob. cit., pág. 299). Assim, se estivermos perante uma providência conservatória, com a qual se pretende manter o “statu quo” [cfr. art. 120º, n.º 1, al. b) do CPTA], o requisito ora em análise é mais suave, porquanto surge-nos na sua formulação negativa, ou seja, se não for “manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito”. Atente-se que se para o decretamento da providência conservatória não se impõe uma indagação exaustiva da existência do direito invocado pelo requerente ainda assim é manifesto que tal decretamento não pode ter lugar se não forem recolhidos, em termos de matéria de facto, indícios suficientes da verosimilhança de tal direito, pois, só perante a existência de tais elementos de prova será possível ao julgador formular um juízo positivo a respeito da aparência do direito invocado. Já no caso de estarmos na presença duma providência antecipatória, com a qual se visa alterar o “statu quo” antecipando aquilo que seria o desfecho do processo principal [cfr. art. 120º, n.º 1, al. c) do CPTA], a providência só será concedida quando seja de admitir que é “(...) provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente”, pois, aqui o critério do “fumus boni iuris” intervém na sua formulação positiva (cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: ob. cit., pág. 300). É, assim, que se o requerente visa, ainda que a título provisório, que o estado das coisas se alterem em seu favor sobre o mesmo impende o ónus de fazer prova perfunctória do bem fundado da pretensão deduzida ou que irá formular no processo principal, valendo aqui os critérios consagrados pela doutrina do processo civil sobre a apreciação perfunctória da aparência de bom direito a que o juiz deve proceder no âmbito dos processos cautelares. Entende a Dra. Isabel Celeste Fonseca que “(...) esta nuance na apreciação do critério do fumus boni iuris tem como objectivo facilitar a decretação de medidas simplesmente conservatórias – pois só uma forte aparência de falta de fundamento da pretensão formulada no processo principal (ou uma evidente circunstância que obste ao conhecimento de mérito da causa) pode obstar ao seu deferimento – e exigir uma apreciação mais profunda e intensa da causa quando é solicitada a emissão de uma medida antecipatória. Deste modo se tenderá a evitar o seu errado decretamento.” (vide “Dos Novos Processos …”, pág. 66). O preenchimento das als. b) ou c) do n.º 1 do art. 120º do CPTA colocam o requerente numa posição de partida favorável à obtenção da providência, mas a verificação de tais requisitos carece ainda de ser complementada pelos requisitos ou pressupostos previstos no n.º 2 do aludido normativo legal, o qual introduz aquilo já foi denominado pela doutrina como “cláusula de salvaguarda”. Aos referidos critérios positivos de verificação da necessidade da providência e sua decisão acrescem, por conseguinte, ainda o pressuposto ou requisito negativo da ponderação da sua adequação e do seu equilíbrio em termos de proporcionalidade da decisão de concessão ou recusa tal como se mostra previsto nos n.ºs 2 e 3 do art. 120º do CPTA. Como é sustentado pelo Prof. Mário Aroso de Almeida “(...) o artigo 120º, n.º 2, introduz um inovador critério de ponderação, num mesmo patamar, dos diversos interesses, públicos e privados, que, no caso concreto, se perfilem, sejam eles do requerente, da entidade demandada ou de eventuais contra-interessados, determinando que a providência ou providências sejam recusadas quando essa ponderação permita concluir que «os danos que resultariam da sua concessão se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências». Abandona-se, assim, a tradição, forjada no âmbito da aplicação do instituto da suspensão de eficácia de actos administrativos, de se ponderarem separadamente os pressupostos de que dependia a concessão da providência e em valor absoluto os riscos para o interesse público que dessa concessão poderiam advir. A justa composição dos interesses em jogo passa, pelo contrário, a exigir que o tribunal proceda, em cada caso, à ponderação equilibrada dos interesses, contrabalançando os eventuais riscos que a concessão da providência envolveria para o interesse público (e para interesses privados contrapostos) com a magnitude dos danos que a sua recusa com toda a probabilidade poderia trazer ao requerente.” (vide ob. cit., pág. 293). Temos, por conseguinte, que o juiz cautelar, fora da situação excepcional prevista no art. 120º, n.º 1, al. a) do CPTA, mesmo verificados os requisitos ou pressupostos positivos supra aludidos deve recusar a concessão da providência cautelar quando o prejuízo resultante para o requerido se mostre superior ao prejuízo que se pretende obviar ou evitar com a providência. Tal superioridade, nas palavras do Prof. J. C. Vieira de Andrade “(...) há-de estabelecer-se tendo em consideração a possibilidade de evitar ou atenuar os prejuízos causados pela concessão através de contra-providências (...) artigo 120º, n.º 2, in fine (...)”(vide ob. cit., pág. 302), sendo que na ponderação a efectuar-se ela deve ser feita entre prejuízos ou danos e não entre os interesses em presença. Não consagra a lei qualquer prevalência do interesse público face aos demais interesses em conflito, tanto mais que, como é defendido por este Professor “(...) não se trata aqui de ponderar o interesse público com o interesse privado, mesmo que muitas vezes o interesse do requerido seja o interesse público e o interesse do requerente seja o interesse privado: o que está aqui em conflito são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou a recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos, sejam públicos, sejam privados. (...) o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da providência cautelar.” (vide ob. cit., pág. 303). Importa, por fim, ter presente que o requerente terá de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência já que da conjugação dos arts. 112º, n.º 2, al. a), 114º, n.º 3, als. f) e g), 118º, 120º todos do CPTA não se mostra consagrada uma presunção "iuris tantum" da existência dos aludidos requisitos como simples consequência da existência em termos de execução do acto, termos em que o requerente do presente meio cautelar não está desobrigado ou desonerado de fazer a prova e demonstração dos factos integradores dos pressupostos ou requisitos em questão, alegando, para o efeito, factos integradores daqueles pressupostos de modo especificado e concreto, não sendo idónea a alegação de forma meramente conclusiva e de direito ou com utilização de expressões vagas e genéricas. Com efeito, o ónus geral de alegação da matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida cabe ao requerente (cfr. arts. 114º CPTA e 264º, n.º 1 do CPC), bem como o ónus do oferecimento de prova sumária de tais requisitos, não podendo o tribunal substituir-se-lhe, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo (cfr. art. 664º, 2ª parte do CPC). Tal ónus só não será actuante perante os factos notórios ou de conhecimento geral como resulta do art. 514º do CPC. Importa, ainda, ter presente que para a decretação e sucesso dum procedimento cautelar se exige a verificação dos requisitos da instrumentalidade e da provisoriedade da providência cautelar face ao pedido formulado pelo requerente, requisitos esses que constituem limites internos ao exercício do poder cautelar do juiz administrativo. Tal como sustenta a Dr.ª Fernanda Maçãs “(…) A relação de instrumentalidade existente entre a medida cautelar e o processo principal impede que o juiz possa conceder, através duma medida cautelar positiva, aquilo que o recorrente não consegue obter através duma eventual sentença favorável sobre a pretensão de fundo. Por outro lado, a provisoriedade impede que o juiz cautelar possa antecipar os eventuais efeitos da decisão principal. Em relação a este aspecto, a doutrina tem avançado com entendimentos mais flexíveis desta regra, que vão no sentido de afirmar que não subsiste uma proibição genérica de antecipação por via cautelar do conteúdo de uma eventual sentença favorável, mas apenas quando essa antecipação seja irreversível para o futuro. É o que se passa quando se questiona a outorga de uma licença de construção. (…). A emissão provisória da licença levaria a que, dada a demora na tramitação do processo principal, quando fosse proferida a sentença de fundo, a construção já estivesse edificada, originando uma situação irreversível, o que seria complicado no caso de a pretensão principal não ser procedente. Trata-se de um limite interno ao exercício do poder cautelar do juiz administrativo e que decorre da própria natureza provisória das medidas cautelares: uma medida deixa de ser provisória se os efeitos duma eventual sentença favorável são antecipados de forma irreversível. Haverá, porém, outros actos cuja natureza não se opõe à outorga provisória. É o que se passa no caso de nomeação interina de um funcionário ou nos casos em que a autorização, licença ou concessão requeridas possam ser deferidas sob condição resolutiva ou reserva de revogação. O que tem de se impedir é que a actividade autorizada, concedida ou licenciada se esgote durante o tempo necessário para a resolução do litígio de fundo. (…)” (em “As Medidas Cautelares, in: Reforma do contencioso Administrativo, I, Debate Universitário, págs. 457/458 e vide também da mesma autora em “As formas de tutela urgente previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos” in: Rev. do Ministério Público, Ano 25, n.º 100, págs. 43 e 44). A propósito destes requisitos a Dr.ª Isabel Celeste M. Fonseca (in: “Introdução ao estudo …”, págs. 86, 89 e segs.) refere que “(…) É a característica da instrumentalidade que verdadeiramente identifica a tutela cautelar. (…) O grau de instrumentalidade perante a efectividade da decisão que põe fim a um processo ordinário pode ser mais ténue, ou menos, consoante o conteúdo da medida cautelar, e, em última instância, consoante o tipo de periculum in mora a remediar. Perante o periculum in mora de retardamento da decisão, a medida cautelar que provenha à satisfação antecipada do direito e que actue ampliando o status quo referente à causa tem perante o processo principal um grau de instrumentalidade, obviamente, menor. Todavia, desde que se verifique que a antecipação é somente provisória, o que exige que o juiz da causa cautelar respeite e não anule o objecto da causa principal, tal medida ainda será instrumental se for preordenada à emanação da decisão definitiva. (…) ainda que se configure uma variação no grau de instrumentalidade do processo cautelar perante a decisão principal, o conceito de instrumentalidade abrange o de instrumentalidade hipotéctica. Instrumentalidade, porque a medida é concedida com o fim de assegurar a efectividade da sentença no processo principal; hipotéctica porque a medida cautelar se funda num juízo de probabilidade quanto à existência do direito que é protegido antecipadamente, e que é o objecto do processo principal. (…) a finalidade «imediata» da tutela cautelar é a de assegurar a eficácia prática da providência definitiva, na presunção de que esta virá a ser favorável ao requerente. (…)”. E continua aquela autora (in: “Introdução ao estudo …, págs. 132 e segs.) reportando-se, agora, ao requisito da provisoriedade bem como ao conteúdo e limites da tutela cautelar em matéria de providências antecipatórias “(…) A tutela cautelar antecipa os efeitos da providência principal, na hipótese de estes virem no futuro a ser produzidos, isto é, a instrumentalidade das providências cautelares exige que o juiz cautelar proceda a um juízo de «viabilidade» e a um cálculo de probabilidade sobre qual poderá ser o conteúdo da futura sentença final, já que tem de existir uma exacta correspondência entre os conteúdos e efeitos das duas decisões, a principal e a acessória, pelo menos provisória e interinamente. (…) o juiz cautelar (…) tem o seu poder discricionário rigorosamente limitado por dois princípios. Um primeiro limite depreende-se do exposto anteriormente. O juiz cautelar tem o dever de, durante a antecipação, limitar «a sua fantasia» ao adiantar os efeitos correspondentes ao conteúdo hipotéctico da futura sentença de mérito. O juiz, provisoriamente, não pode proporcionar ao requerente nem mais do que lhe será permitido alcançar pela sentença de fundo, nem coisa diversa. O segundo princípio, mais complicado, decorre da proibição ao juiz cautelar de decidir a causa antecipadamente e de se substituir ao juiz da causa principal, (…). (…) se entendermos o princípio da proibição da antecipação da causa num sentido restrito, no sentido que proíbe ao juiz cautelar a emissão de qualquer decisão que adiante no tempo os efeitos, ou alguns dos efeitos, do hipotéctico regulamento da controvérsia subjacente ao juízo principal de cognição. (…) Na actualidade, o entendimento do princípio da proibição da antecipação da causa, em torno do qual há mais consenso, considera que a proibição só atinge a decisão que «porte prejudice à la situation juridique de la partie adverse» no sentido de definitivamente anular o objecto da causa principal. Há uma antecipação ilegal da causa principal quando há um préjudice au fond, ou seja, quando a medida “dita o direito” para a causa, de modo «definitivo e irreversível», esvaziando a causa e tornando-a inútil e sem interesse. De acordo com entendimento da doutrina actual, em suma, a antecipação só é legítima se a incidência ou intromissão do juiz cautelar «no âmbito da relação substancial» produzir efeitos jurídicos provisórios, isto é, se «ne lier le juge du fond», o que pressupõe que tais efeitos podem ser reversíveis e anuláveis pelo juiz da causa principal». Só deste modo, se garante que a decisão do juiz cautelar não torne a causa obsoleta e escusa, por falta de utilidade. Ainda, a este propósito foi discutido no seio da doutrina a natureza dos efeitos definitivos que integram o alcance do princípio da proibição da antecipação da causa. Segundo alguma doutrina clássica, com os efeitos antecipados têm sempre natureza jurídica (efeitos de direito), não faz sentido que se distinga a definitividade legítima de um deles, os de facto por contraposição aos de direito. Todavia, segundo outra doutrina a antecipação produz efeitos de direito e de facto, sendo os de facto, por regra, de natureza definitiva para o tempo interino. Segundo esta última posição, só a medida que satisfaça a pretensão do requerente e que produza uma situação de direito irreversível é que é uma medida cautelar proibida, só podendo ser admitida, a título excepcional, quando, para proporcionar tutela judicial efectiva, nenhuma outra solução se apresente como idónea. Em síntese, a doutrina tem vindo a admitir que a antecipação correcta ainda abrange a possibilidade da produção de efeitos definitivos de facto para o espaço interino e irreversíveis para o futuro, já que neste caso se constitui uma definitividade de facto e não de direito, respeitando-se, pois, ainda assim, a característica da provisoriedade. (…).” (cfr. igualmente a Dr.ª Fernanda Maçãs em “As Medidas Cautelares …, pág. 458) (sublinhados nossos). Temos, pois, que a instrumentalidade e a provisoriedade implicam a impossibilidade de, no processo cautelar, se obter algo que não se obtém com a decisão no processo principal e, bem assim, a obtenção dum efeito que corresponda ao provimento do antecipado do pedido de mérito (principal) ou que torne este irreversível (vide Prof. J. C. Vieira de Andrade in: ob. cit., pág. 309; Dr.ª Isabel Celeste M. Fonseca in: “Dos Novos Processos …”, págs. 88, 89, 98 e 99; Ac. do TCA Norte de 03/02/2005 - Proc. n.º 451/04.1BECBR in: «www.dgsi.pt/jtcn»; Ac. do TCA Sul de 25/11/2004 - Proc. n.º 376/04 in: «www.dgsi.pt/jtca»). Nesta linha de entendimento o Prof. M. Aroso de Almeida afirma que “(…) O que, em princípio, a providência cautelar não pode fazer é antecipar, a titulo definitivo, a constituição de situações que só a decisão a proferir no processo principal pode determinar a título definitivo, em tais condições que essa situação já não possa ser alterada se, no processo principal, o juiz chegar, a final, a conclusões que não consintam na sua manutenção.” (in: ob. cit., pág. 306). Tal como sustenta o Dr. A. S. Abrantes Geraldes (in: “Temas da Reforma do Processo Civil - Procedimento Cautelar Comum”, vol. III, pág. 124) “(…) Nos procedimentos cautelares cabem apenas as medidas que visem dar utilidade ou eficácia ao conteúdo da sentença (…).” Na verdade, os procedimentos cautelares não são meios adequados a definir direitos mas apenas a acautelar e proteger direitos pelo que pressupõe necessariamente um outro processo, já pendente ou a instaurar (o processo principal) no qual se reconhecerá e apreciará em termos definitivos o direito do requerente. A este propósito refere o Prof. M Teixeira de Sousa (in: ob. cit., pág. 229) “(…) O objecto da providência cautelar não é a situação jurídica acautelada ou tutelada, mas, consoante a sua finalidade, a garantia da situação, a regulação provisória ou a antecipação da tutela que for requerida no respectivo procedimento. Esta verificação é clara quando a providência visa garantir um direito ou regular provisoriamente uma situação: distinta do exercício judicial de um direito é a solicitação de uma garantia ou de uma regulação transitória até à sua apreciação definitiva. Mas essa distinção também se justifica quando a providência cautelar antecipa a tutela jurisdicional: neste caso, o objecto da providência não é a situação cuja tutela se antecipa, mas a própria antecipação da tutela para essa situação. É por isso que, mesma nesta eventualidade, o decretamento da providência não retira o interesse processual na solicitação da tutela definitiva e não há qualquer contradição (…) entre a concessão daquela antecipação através do decretamento da providência e a recusa da tutela definitiva na acção principal. (…).” As providências cautelares estão necessariamente dependentes de uma acção já pendente ou a instaurar posteriormente, acautelando ou antecipando provisoriamente os efeitos da providência definitiva, na pressuposição de que venha a ser favorável ao requerente a decisão a proferir no processo principal. Nas palavras de Calamandrei a tutela cautelar é “instrumento do instrumento” ou como ensinava o Prof. J. Alberto dos Reis é um tipo de tutela jurisdicional que visa apontar os meios para que a tutela jurisdicional final realize os seus fins. Face a estes considerandos de enquadramento necessários importa, agora, reverter ao caso concreto e entrar na sua análise. Diga-se, desde já, que não se nos afigura procedente a presente impugnação da decisão recorrida. Com efeito, tendo presentes os considerandos supra expendidos e o pedido cautelar formulado nos autos (condenação do requerido na emissão de parecer de compatibilidade com o respectivo Plano Municipal de Ordenamento do Território da localização do estabelecimento industrial da requerente de armazenamento temporário de resíduos industriais perigosos) e pretensão ao mesmo subjacente temos para nós que, no caso vertente, não estavam reunidos os requisitos para o decretamento da providência requerida e o presente recurso jurisdicional está votado ao fracasso. Na verdade, em nosso entendimento no caso dos autos falham os requisitos da instrumentalidade e da provisoriedade da providência cautelar peticionada, constituindo, inclusive, uma infracção ao próprio princípio da separação de poderes. Ora é, desde logo, uma infracção a este princípio já que envolve uma violação do núcleo essencial da autonomia da Administração porquanto implica que o tribunal ou que o juiz administrativo se vão imiscuir no exercício de poderes da Administração que envolvem grande margem de discricionariedade, de escolhas discricionárias dos interesses e/ou valorações técnicas que são reservadas à Administração. É que o pedido cautelar formulado pela requerente implica que o tribunal vá determinar o conteúdo discricionário do acto impugnado na acção administrativa especial e sentença de fundo a elaborar no mesmo, o que está vedado aos poderes de pronúncia dos tribunais (cfr. arts. 71º, n.º 2 e 95º, n.º 3 do CPTA), pelo que se os tribunais não o podem fazer no âmbito do processo principal muito menos o poderão fazer em sede de tutela cautelar através duma medida antecipatória como aquela que a recorrente pretendia. Note-se que o referido princípio da separação de poderes tem e vem sendo entendido como um princípio de equilíbrio, implicando uma promoção da colaboração e inter penetração dos vários poderes, o que implica que inexiste uma proibição absoluta do juiz condenar, intimar ou impor comportamentos à Administração. Tal, todavia, não significa que o juiz disponha de poder ilimitado no tipo de pronúncias que profere relativamente aos demais poderes, mormente, face ao poder administrativo porquanto ao mesmo está vedado substituir-se à Administração em violação do núcleo essencial da sua autonomia (a reserva de actuações discricionárias) (cfr. Dr.ª Fernanda Maçãs em “As Medidas Cautelares …, págs. 456 e 457). Por outro lado, a pretensão cautelar “sub judice” não preenche os requisitos da instrumentalidade visto que a requerente com a mesma obtém mais do que poderia vir a conseguir com a sentença a proferir no âmbito da acção principal (a acção administrativa especial em referência e de que os presentes autos são apenso) já que naquele processo a requerente face ao que se mostra disciplinado nos arts. 71º, n.º 2 e 95º, n.º 3 do CPTA não poderia obter uma pronúncia do tribunal que condenasse a entidade requerida a emitir um parecer com um determinado conteúdo positivo, no caso a compatibilidade com o respectivo Plano Municipal de Ordenamento do Território da localização do estabelecimento industrial da requerente de armazenamento temporário de resíduos industriais perigosos. Para além disso não se vislumbra que “in casu” esteja também verificado o requisito da provisoriedade da providência cautelar antecipatória requerida dado que o decretamento nos termos peticionados (emissão definitiva do parecer de compatibilidade pelo ente requerido nos termos e para efeitos do art. 11º do D.L. n.º 239/97, de 09/09) irá permitir que a requerente venha a apresentar procedimento administrativo (processo de autorização) nos termos dos arts. 09º e seguintes do referido D.L. e que venha obter junto do organismo competente, em termos definitivos, a autorização para operações de armazenagem de resíduos perigosos no local em questão, no que se traduz numa pronúncia antecipatória que, sendo provisória, antecipa irreversivelmente os efeitos duma eventual sentença favorável na acção principal tornando e esgotando a utilidade da pronúncia definitiva. Salvo melhor opinião é nosso entendimento o de que os limites da tutela cautelar, impostos pela instrumentalidade e provisoriedade que a estruturam, não consentem o decretamento da presente medida antecipatória por a mesma conduzir a uma situação definitiva e irreversível para o futuro. Daí que se impunha o indeferimento da providência relativamente ao pedido formulado na mesma pela requerente porquanto o eventual decretamento dessa providência, caso se verificassem os requisitos previstos no art. 120º do CPTA, contendia com os referidos limites intrínsecos da tutela cautelar. Nessa medida, não demonstrados e preenchidos os requisitos em referência temos que se torna ocioso ou inútil a análise dos demais requisitos exigidos legalmente para o decretamento da presente providência, mormente, mostram-se inócuas as conclusões formuladas nas alegações da recorrente quanto ao destino a que está votada a pretensão formulada pela mesma nos autos “sub judice” visto que recaindo o recurso jurisdicional da sentença não só sobre esta mas sobre o próprio pedido cautelar este sempre teria de ser indeferido por ausência de verificação dos requisitos cumulativos para a sua decretação. * 4. DECISÃONestes termos, acordam os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão de indeferimento da providência cautelar requerida com base na fundamentação antecedente. Custas a cargo da requerente, aqui recorrente, com redução a metade da taxa de justiça (cfr. arts. 73º-A, n.º 1, 73º-E, als. a) e f), 18º, n.º 2 todos do CCJ e 189º do CPTA). * Porto, 2005/03/03Ass. Carlos Carvalho Ass. Jorge Miguel B. Aragão Seia Ass. Lino José B. R. Ribeiro |