Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00128/02 - PORTO
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/23/2006
Relator:Moisés Rodrigues
Descritores:REVISÃO ACTO TRIBUTÁRIO – ERRO FORMA PROCESSO – IMPUGNAÇÃO VERSUS RECURSO CONTENCIOSO
Sumário:I - O meio processual próprio para reagir contra despacho de indeferimento de pedido de revisão oficiosa com fundamento em extemporaneidade do pedido é o recurso contencioso.
II - Se, para sindicar o despacho referido em I, for deduzida impugnação judicial deve ordenar-se oficiosamente a convolação, sempre que o meio processual próprio - o recurso contencioso - se mostre ainda tempestivo e a causa de pedir e pedido formulados se revelem igualmente adequados.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I
A Representante da Fazenda Pública (adiante Recorrente) não se conformando com a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a presente impugnação judicial deduzida por “Edgar , Ldª”, pessoa colectiva nº , contra o despacho do Director da Alfândega do Freixieiro que lhe indeferiu o pedido de revisão do acto de liquidação do imposto automóvel (IA) considerando não haver dever de decidir tal pedido, veio dela recorrer, concluindo, em sede de alegações:
I. Suscitam-se dúvidas sobre o objecto da presente impugnação. Isto é, suscita-se a dúvida de saber se a decisão recorrida respeita ou não às 3 DAVs do Proc. 128/02/32 e às 10 DVL's (DAVs) do Proc. 127/02/32 ou apenas às 10 DAVs do Proc. 127/02/32.
II. A douta sentença recorrida ao entender que a revisão do pedido de Revisão Oficiosa visa precisa­mente a reapreciação do acto de liquidação e que o indeferimento daquele pedido, baseado na extemporaneidade, compreende sempre uma apreciação do acto de liquidação, fez errada aplicação das normas legais aplicadas.
III. Na verdade, o despacho que indefere, por intempestividade, pedido de revisão do acto de liquidação é susceptível do recurso contencioso e não de impugnação judicial por ão apreciar a legalidade da liquidação.
IV. O erro na forma do processo é corrigível nos termos do art°. 97° n° 2 do CPPT e 199° do C. P. Civil.
V. Deduzida impugnação judicial contra despacho que indeferiu, por intempestividade, pedido de revi­são do acto de liquidação, deve ordenar-se a correcção do processo para a forma do recurso conten­cioso, se o pedido e a causa de pedir se ajustaram a esta forma e a interposição for tempestiva.
VI. A questão do erro na forma do processo não é uma questão despicienda ou meramente académica. Já que através de eventual convolação da impugnação judicial em recurso contencioso irá ser chamado à demanda o Director da Alfândega do Freixieiro (entidade que praticou o acto sindicado e que detém legitimidade processual no recurso contencioso) par se pronunciar sobre se o pedido de Revi­são Oficiosa do acto de liquidação entrou ou não dentro do prazo legal e se há ou não o dever de o decidir por parte da Administração Aduaneira, isso já é uma questão de fundo do recurso contencio­so.
VII. Mesmo a aceitar-se o princípio, consagrado jurisprudencialmente, de que administração tem o poder-dever legal de decidir os pedidos de Revisão Oficiosa dos factos tributários que os interessados lhe façam, com o fundamento em erro imputável aos serviços, dentro do prazo que à mesma Administra­ção Fiscal a lei permite proceder à sua Revisão Oficiosa, (princípio da equivalência) não é líquido que o pedido de Revisão «Oficiosa» da iniciativa da impugnante tenha entrado dentro do prazo legal relativamente a todas as liquidações praticadas, nomeadamente para liquidações praticadas em 1998 1999.
VIII. Normas violadas: art.°s 93.° e 94.°, alínea p) do n.° 1 do art.° 97.°, conjugado com o n.° 2 do mesmo artigo, art.° 98.° e art.° 99.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Assim se procederá de acordo com a LEI e se fará JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra alegações.

O Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu parecer, a fls. 519, sustentando o provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

II
É a seguinte a factualidade declarada provada na 1ª instância:
a) Em 1998-10-26 foi feita a Declaração Aduaneira de Veículo DAV com o nº 98/0126088, constando o veículo de passageiros, marca Volkswagen, adquirido pelo impugnante na Alemanha, com data da primeira matrícula em 1992-12-08, ao qual veio a ser atribuída a matrícula 42-98-MI - cfr. fls. 299 -.
b) A Alfândega do Freixieiro procedeu ao registo da liquidação n° 98/0273226 de 1998-10-26 liquidando o Imposto automóvel no valor de Esc. 696.026$00, cujo pagamento foi efectuado na mesma data - cfr. fls. 299-.
c) O veículo referido em a) consta como sendo propriedade do impugnante - cfr. fls. 299 a 313-.
d) Em 1998-10-26 foi feita a Declaração Aduaneira de Veículo DAV com o nº 96/0126045, constando o veículo de passageiros, marca Mercedes-Benz, adquirido pelo impugnante na Alemanha, com data da primeira matrícula em 1991-03-28, ao qual veio a ser atrí6uída a matricula 27-99-MI - cfr. fls. 314-.
e) A Alfândega do Freixieiro procedeu ao registo da liquidação n° 98/0273196 de 1998-10-26 liquidando o Imposto automóvel no valor de Esc. 591.931$00, cujo pagamento foi efectuado na mesma data - cfr. fls. 314 -.
f) O veículo referido em d) consta como sendo propriedade do impugnante - cfr. fls. 314 a 329-.
g) Em 1999-06-28 foi feita a Declaração Aduaneira de Veiculo DAV com o nº 99/0109895, constando o veículo de passageiros, marca BMW adquirido pela impugnante na Alemanha, com data da primeira matricula em 1996-03-18, ao qual veio a ser atribuída a matrícula 52-48-NR - cfr. fls. 330-.
h) A Alfândega do Frexiieiro procedeu ao registo da liquidação nº 99/0198812 de 1999-06-28 liquidando o Imposto automóvel no valor de Esc. 704.651$00, cujo pagamento foi efectuado na mesma data - cfr.fls. 330-.
i) O veículo referido em g) consta como sendo propriedade do impugnante — cfr. fls. 330 a 344-.
j) Em 1999-06-28 foi feita a Declaração Aduaneira de Veiculo DAV com o nº 99/0109909, constando o veículo de passageiros, marca Mercedes­-Benz, adquirido pelo impugnante na Alemanha, com data da primeira matricula em 1989-11-03, ao qual veio a ser atribuída a matricula 68-43-NT – fls. 345.
k) A Alfândega do Freixieiro procedeu ao registo da liquidação n° 99/0198898 de 1999-06-28 liquidando o Imposto automóvel no valor de Esc. 511.343 $00, cujo pagamento foi efectuado na mesma data - cfr. fls. 345-.
l) O veiculo referido em j) consta como sendo propriedade do impugnante — cfr. fls. 345 a 360-.
m) Em 2000-01-18 foi feita a Declaração Aduaneira de Veiculo DAV com o nº 2000/0008974, constando o veiculo de passageiros, marca BMW adquirido pelo impugnante na Alemanha, com data da primeira matricula em 1997-08-22, ao qual veio a ser atribuída a matricula 54-57-PE - cfr. fls. 361 -.
n) A Alfândega do Freixieiro procedeu ao registo da liquidação n° 2000/0021270 de 2000-01-18 liquidando o Imposto automóvel no valor de Esc. 941.471$00, cujo pagamento foi efectuado na mesma data - cfr. fls. 361 -.
o) O veículo referido em m) consta como sendo propriedade do impugnante - cfr. fls. 361 a 375-.
p) Em 1998-09-17 foi feita a Declaração Aduaneira de Veículo DAV com o n° 98/0105552, constando o veículo de passageiros, marca Toyota, adquirido pelo impugnante na Alemanha, com data da primeira matricula em 1992-06-30, ao qual veio a ser atribuída a matricula 89-40-MX - cfr. fls. 376-.
q) A Alfândega do Freixieiro procedeu ao registo da liquidação nº 98/0235065 de 1998-09-17 liquidando o Imposto automóvel no valor de Esc. 575.962$00, cujo pagamento foi efectuado na mesma data - cfr. fls. 376-.
r) O veículo referido em p) consta como sendo propriedade do impugnante — cfr. fls. 376 a 406-.
s) Em 2000-01-18 foi feita a Declaração Aduaneira de Veículo DAV com o n° 2000/0008982, constando o veículo de passageiros, marca BMW, adquirido pela impugnante na Alemanha, com data da primeira matricula em 1994-05-19, ao qual veio a ser atribuída a matricula 94-37-OV - cfr. fls. 407-.
t) A Alfândega do Freixieiro procedeu ao registo da liquidação nº 2000/0021318 de 2000-01-18 liquidando o Imposto automóvel no valor de Esc. 631.777$00, cujo pagamento foi efectuado na mesma data - cfr. fls. 407-.
u) O veículo referido em s) consta como sendo propriedade do impugnante — cfr. fls. 407 a 420-.
v) Em 2000-02-29 foi feita a Declaração Aduaneira de Veículo DAV com o nº 2000/0033367, constando o veículo de passageiros, marca BMW, adquirido pela impugnante na Alemanha, com data da primeira matricula em 1998-10-23,ao qual veio a ser atribuída a matricula 20-38-PF - cfr. fls. 421-.
w) A Alfândega do Freixieiro procedeu ao registo da liquidação nº 2000/0068624 de 2000-02-29 liquidando o Imposto automóvel no valor de Esc. 849.727$00, cujo pagamento foi efectuado na mesma data — cfr. fls. 421 -.
x) O veículo referido em v) consta como sendo propriedade do impugnante — cfr. fls. 421 a 434 -.
y) Em 2000-01-06 foi feita a Declaração Aduaneira de Veículo DAV com o n° 2000/0002798, constando o veículo de passageiros, marca BMW, adquirido pelo impugnante na Alemanha, com data da primeira matricula em 1997-03-24, ao qual veio a ser atribuída a matricula 16-14-OV -cfr. fls. 435-.
z) A Alfândega do Freixieiro procedeu ao registo da liquidação nº 2000/0007153 de 2000-01-06 liquidando o Imposto automóvel no valor de Esc. 1.765.118$00, cujo pagamento foi efectuado na mesma data — cfr. fls. 435-.
aa) O veículo referido em y) consta como sendo propriedade da impugnante -cfr. fls. 435 a 448-.
bb) Em 2000-05-02 foi feita a Declaração Aduaneira de Veículo DAV com o nº 2000/067610, constando o veículo de passageiros, marca BMW adquirido pelo impugnante na Alemanha, com data da primeira matricula em 1998-12-08, ao qual veio a ser atribuída a matricula 54-94-PN - cfr. fls. 449 -.
cc) A Alfândega do Freixieiro procedeu ao registo da liquidação nº 2000/0140848 liquidando o Imposto automóvel no valor de Esc. 1.057.210$00 cujo pagamento foi efectuado na mesma data - cfr. fls. 449-.
dd) O veículo referido em bb) consta como sendo propriedade do impugnante - cfr. fls. 449 a 477-.
ee) Em 2002-06-18 a impugnante requereu ao Director da Alfândega do Freixieiro a revisão daqueles actos de liquidação, o que foi indeferido por despacho de 2002-06-24 - cfr. fls. 24 a 45-.
ff) A impugnação foi apresentada em 2002-07-15 — cfr. fls. 2 destes autos -.

III
A questão que é objecto do presente recurso jurisdicional prende-se com o apurar qual o meio processual próprio para sindicar contenciosamente o despacho do Director da Alfândega do Freixieiro proferido no processo de pedido de revisão oficiosa de anterior acto de liquidação de imposto automóvel, se, impugnação judicial, como se defendeu na decisão recorida, se recurso contencioso, como defende a Recorrente.
Ou seja , o impugnante veio pôr em crise a prática de acto (o indeferimento do pedido de revisão), utilizando , para o efeito , uma forma processual inadequada; e, o erro na forma de processo constitui nulidade de conhecimento oficioso que, assim, cumpre declarar.
Ora, acerca de tal questão, tem a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo vindo a ser unânime, pelo que, por desnecessidade absoluta de mais considerações, passamos a respigar o constante do último acórdão que conhecemos, proferido no Recurso nº 01780/03, em 07/07/2004 e constante da base de dados em www.dgsi.pt :
«As questões a dirimir no presente recurso jurisdicional são as, ainda controvertidas, do meio processual próprio e da tempestividade da sindicância contenciosa do questionado despacho do Director da Alfândega de Leixões, proferido no processo de pedido de revisão oficiosa do anterior acto de liquidação de imposto automóvel (IA).
Sobre a primeira daquelas questões a jurisprudência desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo vem doutrinando ser antes o recurso contencioso (cfr. artº 97° n.º 1 e 2 do CPPT ), o meio processual próprio e adequado à controvertida sindicância contenciosa, uma vez que aquela decisão do Director da Alfândega não comporta, mesmo mediatamente, a apreciação da legalidade da liquidação subjacente - cfr. os acórdãos de 20.05.2003, processo nº 305/03, de 20.05.03, processo nº 638/03 e de 15.10.2003, processo n.º 1021/03.40.
Meio processual para que, se for caso disso, importará determinar a conveniente convolação (cfr. arts. 98° n.º4 do CPPT e 199° do CPC).
Isso mesmo se decidiu, agora bem recentemente, no passado dia 12.11.2003, nos processos n.º 1206/03 e 1192/03, em que eram de idêntico teor substancial, quer a decisão jurisdicionalmente impugnada, quer o teor das alegações e conclusões dos respectivos recursos, porventura porque subscritas pelas mesmas pessoas físicas, sendo ainda que no primeiro destes processos era também Impugnante e Recorrente a A... -, nos autos como tal identificada, processos onde, além do mais, se determinou a dita convolação para a forma processual de recurso contencioso da impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente e o consequente aproveitamento da respectiva petição inicial, à luz da qual e dos factos porventura emergentes dos documentos juntos haverá de apreciar-se e decidir-se a questão da tempestividade (cfr. art.º 28° da LPTA ).
Porque assim e atento o disposto no art.º 8° n.º 3 do Código Civil, que, para viabilizar interpretação e aplicação uniformes do direito, enquanto princípio fundamental do nosso ordenamento jurídico, recomenda ao julgador consideração dos casos que mereçam tratamento análogo, aqui manifestamente aplicável dadas as identidades que se deixaram bem evidenciadas.»

Verifica-se, pois, erro na forma de processo: a adequada é o recurso contencioso e não a impugnação judicial efectivamente deduzida.
Nos termos do artº 199º do CPCivil, o erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida na lei.
De modo semelhante dispõe o nº 3 do artº 98 do CPPT, devendo o processo ser "convolado" para a forma adequada nos termos da lei - seu nº 4 e artº 97º nº 3 da LGT.
No caso, apenas poderá aproveitar-se a petição inicial e os documentos com ela apresentados.
Posto é que o recurso contencioso seja tempestivo.
Ora tendo o despacho de indeferimento do pedido de revisão sido notificado à Recorrida por ofício de 27 de Junho de 2002, conforme fls. 41 dos autos, e tendo este apresentado a impugnação em 15 de Julho de 2002, não subsistem dúvidas quanto à sua tempestividade. Donde nada obstar à convolação.
Termos em que logra provimento o presente recurso.

IV
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, anular todo o processado desde a petição inicial, que se aproveita bem assim como os documentos que com ela a impugnante, ora Recorrida, trouxe a juízo, prosseguindo o processo na forma de recurso contencioso.
Sem custas.
Notifique e registe.
Porto, 23 de Fevereiro de 2006
Ass) Moisés Moura Rodrigues
Ass) Dulce Manuel Conceição Neto
Ass) José Maria Fonseca Carvalho