Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
J…, melhor identificado nos autos, inconformado, interpôs recurso jurisdicional da sentença do TAF de Coimbra, 1º juízo liquidatário, datada de 20 de Abril de 2004, que julgou improcedente o recurso contencioso de anulação que havia deduzido contra a Direcção da Caixa Geral de Aposentações.
Alegou, tendo concluído do seguinte modo:
1ª- A principal questão a decidir no presente recurso jurisdicional consiste em saber se os membros dos gabinetes dos Presidentes de Câmara têm direito a serem inscritos na Caixa Geral de Aposentações e a receber uma pensão em função do vencimento que auferirem no exercício dessas funções;
2ª- Trata-se de uma questão que já foi submetida à apreciação do Venerando Supremo Tribunal Administrativo, o qual, por diversas vezes, decidiu que os membros dos gabinetes do Presidente da Câmara têm direito à inscrição na Caixa Geral de Aposentações, por satisfazerem os requisitos enunciados no art. 1º do DL n.º 498/72, e a respectiva pensão deve ser calculada com base no vencimento que auferirem no exercício desse cargo (v. entre outros os Acs. de 29/4/99, Proc. n.º 40645-Z, de 9/2/93, Proc. n.º 30657 e de 21/10/93, proc. n.º 29869);
Contudo,
3ª- Entendeu o aresto em recurso que tais decisões do Supremo Tribunal Administrativo foram proferidas antes da entrada em vigor do DL n.º 169/99, em cujo art. 74º, n.º 6 se equipara os membros dos gabinetes dos Presidentes de Câmara aos membros dos gabinetes ministeriais, pelo que, face à redacção do n.º 3 do art. 51º do DL n.º 498/72 (a indicação do n.º 3 está errada, devendo o Juiz a quo reportar-se ao n.º 4 daquele preceito, uma vez que, por força da Lei do orçamento de Estado para 2002 o n.º 3 passou a constituir o n.º 4 do preceito) a pensão de aposentação do requerente teria de ser calculada com base no vencimento do cargo de origem e não no vencimento do cargo efectivamente exercido de adjunto do Presidente da Câmara Municipal;
4ª- Salvo o devido respeito, ao assim decidir o aresto em recurso efectuou uma incorrecta interpretação do direito aplicável, violando frontalmente o disposto nos arts. 1º, 6º, 43º, 44º, 47º, 48º e 53º do DL n.º 498/72 do Estatuto da Aposentação, o n.º 6 do art. 74º do DL n.º 169/99 e aplicando uma norma materialmente inconstitucional – o n.º 4 do art. 51º do estatuto da Aposentação;
Na verdade,
5ª- É manifesto que todo o regime constante do Estatuto da Aposentação impõe a inscrição dos membros dos gabinetes dos Presidentes de Câmara (e dos Ministérios) na Caixa Geral de Aposentações, determina que os seus descontos para esta entidade sejam efectuados sobre o vencimento correspondente ao cargo efectivamente exercido (de membros do gabinete) e assegura que a aposentação ocorrerá pelo último cargo em que estiver inscrito e com base na remuneração efectivamente correspondente a esse cargo (de membro de gabinete);
6ª- Consequentemente, é notório que o disposto no n.º 4 do art. 51º do Estatuto da Aposentação terá que ser interpretado no contexto do diploma em que está inserido, não podendo, sob pena de colidir com todas as demais normas, ser interpretado no sentido defendido no aresto em recurso, ou seja, no sentido de que quem foi inscrito por um dado cargo e quem descontou sobre o vencimento correspondente a esse cargo deve ser aposentado não por esse cargo e não com base nesse vencimento, mas sim por um cargo que já não exercia e com base numa remuneração que não recebia;
7ª- Refira-se, aliás, que se a interpretação sufragada pelo aresto em recurso for a que corresponde ao espírito da lei, então o n.º 4 do art. 51º do Estatuto da Aposentação será materialmente inconstitucional por violação do princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito Democrático, constitucionalmente assegurado no art. 2º da Lei Fundamental, uma vez que conduz a que se force alguém a efectuar descontos pelo exercício de um cargo que depois não vão ser considerados para efeito algum e que, ainda por cima, não serão objecto de qualquer devolução, na medida em que norma alguma prevê a restituição oficiosa ou a possibilidade de solicitar essa restituição (uma vez que o anterior n.º 5 do art. 51º foi revogado pela Lei Orçamental de 2002);
8ª- Consequentemente, sempre o aresto em recurso enfermaria de erro de julgamento por ter aplicado uma norma materialmente inconstitucional –n.º 4 do art. 51º do EA- ao arrepio do que lhe é imposto pelo art. 204º da Lei Fundamental;
Acresce que,
9ª- Uma simples leitura do n.º 6 do art. 74º do DL n.º 169/99, permite constatar que a equiparação aí determinada entre os membros dos gabinetes dos Presidentes de Câmara e os membros dos gabinetes ministeriais essa equiparação é restrita a determinadas matérias, não estendendo essa equiparação ao nível dos direitos, maxime no que se refere ao direito à aposentação e ao cálculo da respectiva pensão, pelo que é sempre o aresto em recurso enfermaria de erro de julgamento ao considerar que da conjugação do n.º 6 do art. 74º do DL n.º 169/99 com o art. 51º, n.º 4 do DL n.º 498/72 resultaria que a pensão de aposentação de membros dos gabinetes dos Presidentes da Câmara teria de ser calculada com base não no vencimento correspondente às funções efectivamente exercidas mas sim no vencimento correspondente ao cargo de origem;
Por fim,
10ª- Ainda que por mera hipótese se entendesse que da conjugação do art. 74º, n.º 6 do DL n.º 169/99 com o art. 51º, n.º 4 do DL n.º 498/72 resultava que o requerente apenas tinha direito a aposentar-se com base no vencimento do seu cargo de origem, então sempre se teria de concluir que o aresto em recurso enfermava de erro de julgamento ao não anular o acto impugnado, violando frontalmente o n.º 1 do art. 47º do Estatuto da Aposentação;
Na verdade,
11ª- Nessa hipótese a pensão de aposentação do recorrente teria de ser calculada tendo em consideração que o requerente auferia um suplemento de função inspectiva de 22,5% da sua remuneração base, o que equivaleria a 268,8 euros mensais (e não aos 232,69 que foram considerados), e que tinha direito ao acréscimo vitalício de pensão prevista no art. 7º da Lei n.º 9/2002, de 11 de Fevereiro, pelo que também por aqui seria evidente a violação do disposto no art. 47º do Estatuto da Aposentação.
Contra-alegou a recorrida pugnando pela improcedência do recurso.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
Porque a decisão sobre a matéria de facto contida na sentença recorrida não sofreu qualquer contestação por parte do recorrente, dá-se aqui a mesma por integralmente reproduzida nos termos do disposto no art. 713º, n.º 6 do CPC.
Nos presentes autos cumpre saber se face à legislação em vigor um membro do Gabinete de Apoio ao Presidente da Câmara Municipal de Soure, que anteriormente era funcionário do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Coimbra, detendo a categoria de Inspector-Adjunto Especialista, tem direito a ver a sua pensão de aposentação calculada sobre o vencimento auferido naquele cargo, ou se pelo contrário tal calculo deve ser efectuado sobre o vencimento correspondente à categoria de origem.
Está assente, por não ter sido contestado pelas partes, que desde 1 de Outubro de 2000 o recorrente foi provido, em regime de comissão de serviço, no cargo de Adjunto do Gabinete de Apoio ao Presidente da Câmara Municipal de Soure, tendo optado pela remuneração correspondente a este cargo e com base nesta remuneração efectuou descontos para a Caixa Geral de Aposentações.
Dispõe o art. 74º da Lei n.º 169/99 de 18 de Setembro, na parte que interessa:
3 - Os membros dos gabinetes de apoio pessoal são nomeados e exonerados pelo presidente da câmara municipal, sob proposta dos vereadores no caso do n.º 2 do artigo anterior, e o exercício das suas funções cessa igualmente com a cessação do mandato do presidente ou dos vereadores que apoiem.
4 - O pessoal referido, que for funcionário da administração central ou local, é provido em regime de comissão de serviço, com a faculdade de optar pelas remunerações correspondentes aos lugares de origem.
5 - Os membros dos gabinetes de apoio pessoal não podem beneficiar de quaisquer gratificações ou abonos suplementares não previstos na presente disposição, nomeadamente a título de trabalho extraordinário.
6 - Aos membros dos gabinetes de apoio pessoal referidos nos números anteriores é aplicável, em matéria de recrutamento, competências, garantias, deveres e incompatibilidades, o regime relativo ao pessoal dos gabinetes dos membros do Governo, com as adaptações constantes deste artigo e do artigo anterior e as inerentes às características do gabinete em que se integram.
Dispõe por sua vez o art. 7º do DL n.º 262/88 de 23 de Julho que revê o regime, composição e orgânica dos gabinetes ministeriais, sob a epígrafe garantias dos membros dos gabinetes que:
1 - Os membros dos gabinetes não podem ser prejudicados na estabilidade do seu emprego, na sua carreira profissional e no regime de segurança social de que beneficiem por causa do exercício das suas funções.
2 - O tempo de serviço prestado pelos membros dos gabinetes considera-se, para todos os efeitos, como prestado no lugar de origem, mantendo aqueles todos os direitos, subsídios, regalias sociais, remuneratórias e quaisquer outras correspondentes ao seu lugar de origem, não podendo igualmente ser prejudicados nas promoções a que, entretanto, tenham adquirido direito, nem nos concursos públicos a que se submetam, pelo não exercício de actividade no lugar de origem.
3 - Quando os membros dos gabinetes se encontrarem, à data da nomeação, investidos em cargo público de exercício temporário, por virtude da lei, acto ou contrato, ou em comissão de serviço, o exercício de funções no gabinete suspende o respectivo prazo.
4 - O tempo de serviço prestado nos gabinetes suspende a contagem dos prazos para a apresentação de relatórios ou prestação de provas para a carreira docente do ensino superior ou para a carreira de investigação científica.
5 - Os membros dos gabinetes que cessam funções retomam automaticamente as que exerciam à data da nomeação, só podendo os respectivos lugares de origem ser providos em regime de substituição, nos termos gerais.
6 - Os membros dos gabinetes gozam das regalias concedidas pelos serviços sociais dos departamentos em que estiverem integrados.
Dispõe por sua vez o n.º 4 art. 51º do Estatuto da Aposentação, com as alterações entretanto havidas:
A remuneração relevante para o cálculo da pensão do pessoal dos gabinetes de órgãos de soberania, livremente nomeados e exonerados pelos respectivos titulares, é a que corresponda ao seu lugar de origem.
Face a estas normas de que dispomos há agora que dar uma solução à questão atrás enunciada.
Quando o recorrente foi ocupar o cargo de membro de gabinete do Presidente da Câmara Municipal de Soure em comissão de serviço já era funcionário público e por isso já se encontrava inscrito na CGA e efectuava os pertinentes descontos para essa mesma entidade ao abrigo das disposições conjugadas, entre outras, dos arts. 1º, 5º, 11º, 24º do EA.
Efectivamente no caso dos autos não se coloca a questão de saber se o recorrente teria ou não o direito de estar e/ou ser inscrito na CGA uma vez que ele antes da comissão de serviço já tinha a qualidade de subscritor e como passou a desempenhar funções em organismo público diferente, mas num daqueles incluído no rol dos enunciados no art. 1º do EA, mantinha-se a obrigação de efectuar tais descontos, ainda que apenas o fizesse sobre as remunerações correspondentes ao cargo de origem e pelo qual se encontrava inscrito na Caixa, cfr. arts. 11º, n.º 3 e 24º n.º 3.
Importa assim saber se as “novas funções” lhe atribuíam o direito a ver a sua pensão de aposentação calculada sobre o vencimento correspondente.
No anterior regime legal respeitante à organização e funcionamento dos serviços técnico-administrativos das autarquias locais, regulado pelo DL n.º 116/84 de 6 de Abril, com as alterações que entretanto foram operadas pela Lei n.º 44/85 de 13/9, DL 198/91 de 29/5 e Lei n.º 96/99 de 17/7, não existia qualquer referência no respectivo art. 8º, agora revogado pelo DL n.º 169/99, que equiparasse os membros dos gabinetes de apoio pessoal do Presidente da Câmara ao pessoal dos gabinetes dos membros do Governo para efeitos de lhe ser aplicado o mesmo regime em matéria de recrutamento, competências, garantias, deveres e incompatibilidades.
O que se pode concluir do novo regime legal estabelecido pela Lei n.º 169/99, é que quis definir nos mesmos moldes, quer o regime jurídico do pessoal do gabinete dos Presidentes da Câmara e Vereadores, quer do pessoal dos gabinetes dos membros do Governo.
E assim sendo, não há qualquer razão legal ou outra que permita aos primeiros beneficiar das garantias e direitos dos segundos e diferentemente destes beneficiarem, para efeitos de aposentação, de um regime legal muito mais favorável que o art. 51º, n.º 4 do EA não permite ao pessoal dos membros do Governo.
É certo, no entanto, que existe vária jurisprudência do STA que reconhece que tratando-se esse pessoal de verdadeiros agentes administrativos, em função da natureza das funções que exercem, adquirem o direito a ser inscritos na CGA e a serem aposentados por esse cargo quando seja o último que tenham desempenhado, cfr. além dos Acórdãos referidos pelo Recorrente, ainda os do STA de 5/12/1996, Rec. n.º 040646 e de 21/10/1997, Rec. n.º 041509.
No entanto, mesmo que tal qualificação do pessoal não perca actualidade, nem a possibilidade da sua inscrição na CGA, mas, a remuneração atendível para efeitos do cálculo da pensão de aposentação é apenas a que corresponda ao lugar de origem, cfr. art. 51º, n.º 4 do EA.
Na verdade quando foram tirados os Acórdãos do STA agora referidos não existia norma idêntica à do art. 74º da Lei n.º 169/99 de 18 de Setembro que fizesse a equiparação já referida e consequentemente nada obstava a que a remuneração atendível para efeitos de aposentação fosse a percebida no cargo de membro do pessoal do gabinete do Presidente da Câmara.
Presentemente ao estarem expressamente previstas tais soluções legais já o cálculo da pensão de aposentação não pode ser feito como anteriormente.
De resto, o recorrente invoca a inconstitucionalidade material do disposto naquele art. 51º, n.º 4 do EA por afrontar o princípio da protecção da confiança na medida em que obriga o funcionário a efectuar descontos para a CGA sobre determinados valores e apenas lhe permite que a sua pensão de reforma seja calculada por valores inferiores não havendo lugar a qualquer restituição de quantias “indevidamente” pagas.
Efectivamente assim não é.
Ao abrigo do disposto no art. 21º, n.º 1 do EA deverão ser restituídas pela Caixa todas as quantias cobradas que não relevem para efeitos de cálculo da pensão de aposentação uma vez que se assim não for “…a retenção dessas quotas pela Caixa torna-se assim indevida, injustificada, sem fundamento, porque significa posse “a mais” de algo que não tem nenhuma repercussão na esfera do interessado e representa a quebra de confiança e da boa fé que ele tiver depositado na Caixa. Além disso, a não devolução de tais quantias torna a quotização efectuada num processo quase real de financiamento a fundo perdido a favor da Caixa, que assim “sem causa” se verá enriquecida (art. 473º do CC) à custa do empobrecimento do subscritor, o que não se nos afigura possível.”, cfr. J. Cândido de Pinho, Estatuto da Aposentação, Anotado, Comentado, Jurisprudência, ano 2003, págs. 69 e 70.
Daqui resulta que não se verifica a violação do princípio da protecção da confiança a que o recorrente faz apelo para concluir pela inconstitucionalidade material da norma em causa.
Por último pretende o recorrente que à sua pensão deveria acrescer o suplemento de função inspectiva de 22,5% a incidir sobre a remuneração base e que equivaleria a € 268,8, o que não se verifica ocorrendo por isso violação do disposto no art. 47º, n.º 1 do EA.
Dispõe esta norma que:
Para determinar a remuneração mensal atende-se ás seguintes parcelas, que respeitem ao cargo pelo qual o subscritor é aposentado:
a) O ordenado ou outra retribuição base de carácter mensal, ou a duodécima parte da que for estabelecida por ano ou corresponder ao número de dias de serviço anual, quando fixada por dia ou por hora;
b) A média mensal das demais remunerações percebidas pelo subscritor nos últimos dois anos e que devam ser consideradas nos termos do artigo seguinte.
O suplemento de função a que o recorrente faz referência deve ser considerado nos termos do art. 48º do mesmo EA mas apenas nos termos da anterior alínea b), ou seja, deve ser calculada a média mensal do subsídio de função recebido nos dois últimos anos e que segundo os cálculos efectuados corresponde à quantia de € 232,69 que lhe está efectivamente a ser paga, cfr. doc. de fls. 59 do PA apenso.
E também não tem razão o recorrente ao pretender que lhe seja pago o acréscimo vitalício de pensão previsto no art. 7º da Lei n.º 9/2002 de 11/2 uma vez que não há notícia nos autos de que o recorrente o haja requerido junto da Direcção geral de Pessoal e Recrutamento Militar do Ministério da Defesa Nacional.
Do que fica pode-se concluir que improcedem todas as conclusões do recurso interposto pelo recorrente.
Por tudo o que fica exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a t.j. em € 260 e a procuradoria em 50% daquele valor.
D.N.
Porto, 2005-04-28 |