Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00119/07.7BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/20/2017
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:DÉFICE INSTRUTÓRIO
DESPACHO DE REVERSÃO
ÓNUS DA PROVA
IVA
Sumário:I - A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido» – cfr. artigo 23.º, n.º 4 da LGT.
II - Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública e Ministério Público
Recorrido 1:J... e outro
Decisão:Concedido provimento aos recursos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública e a Digníssima Magistrada do Ministério Público interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em 22/04/2013, que julgou procedente a oposição deduzida por J…, NIF 1…, residente em Rua…, Porto Alto 2135 - Samora Correia e M…, NIF 1…, residente em…, concelho de Ourém, originariamente instaurada contra “R…, Lda.”, NIPC 6…com sede em ..., São Martinho do Bispo, Coimbra, para cobrança coerciva da quantia de €343.738,85.

A Recorrente Fazenda Pública terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1. A Fazenda Pública não pode concordar com a douta sentença pelas razões de facto e de direito que se explanam:
2. As certidões de dívida em causa nos autos, ao contrário do que é afirmado pelo Mmº Juiz, não resultam de liquidações adicionais ou corrigidas, mas sim de liquidações de IVA que tiveram origem em declarações periódicas entregues voluntariamente pela própria originária devedora, e que deram origem a pagamentos em falta (PF) por não terem sido entregues os meios de pagamento dos referidos impostos (IVA) no prazo legal de pagamento.
3. Tal entendimento advém não só da leitura às próprias certidões de dívida sob os n°s 2003/107836, 2003/124563, 2003/137366, 2003/138484, 2003/139796 e que constam dos autos, bem como da fundamentação das liquidações e que constam a fls. (...) dos autos.
4. Portanto, o Mm° Juiz do Tribunal “a quo”, e com todo e devido respeito, incorreu em erro de julgamento da matéria de facto ao julgar os Oponentes partes ilegítimas na execução, por entender que existiu ilegalidade nas certidões de divida.
5. Isto porque, conforme se pode depreender dos autos, as certidões de dívidas são legais, porque contém os requisitos essenciais exigidos no art°163.° do C.P.P.T., ou seja, as certidões fazem menção da entidade emissora ou promotora da execução, encontram-se todas assinadas, a data em que foram emitidas, o nome e domicilio da originária devedora, bem como indicam a natureza e proveniência da divida e indicação, por extenso do seu montante.
6. Por outro lado, o Mm°(a) Juiz(a) do Tribunal à “quo” ao ter definido como prazo legal de pagamento voluntário das dívidas as datas das liquidações (por terem ocorrido no ano de 2003), fundamentando para o efeito que aquele ano de 2003 constam nas referidas certidões de dívidas, entendemos, também, que neste caso, o tribunal errou igualmente, fazendo uma incorreta apreciação da prova constante dos autos e consequentemente, neste caso, fez uma errada interpretação do art° 24.° da Lei Geral Tributária.
7. Ora, o legislador estabeleceu que a alínea a) do n°1 do art°24.° da LGT abrangia a responsabilidade pelas dívidas tributárias constituídas durante o exercício de funções dos gestores ou cujo prazo do respetivo pagamento ou entrega tenha terminado já depois desse exercício.
8. Já na previsão legal da alínea b) do citado artigo, o legislador estabeleceu imputação da falta de entrega ou pagamento dos tributos ao gestor que, tendo o prazo de pagamento ou de entrega do imposto terminado no seu período de gerência, os não tenha efetuado, a menos de que se demonstre que não lhe foi imputável essa falta, ou seja, faz recair sobre o gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega do imposto, pois tal imputabilidade presume-se.
9. Assim, a execução fiscal contra a qual se dirigiu a oposição, na parte que interessa à decisão do presente recurso, tem em vista a cobrança coerciva de dívidas respeitantes a imposto sobre valor acrescentado (IVA) relativa ao exercício de 2002 e em regime de tributação mensal, e tiveram origem, no essencial, em declarações de IVA voluntariamente entregues pela própria Originária devedora.
10. O disposto no art°84.° do C.P.P.T define o que constitui pagamento voluntário de dívidas de impostos dizendo que é o “… efectuado dentro do prazo estabelecido nas leis tributárias”.
11.E o então art°40.° do Código do Imposto de Valor Acrescentado (CIVA) estabelecia os prazos para entrega das declarações periódicas de IVA, que no caso em concreto, deviam ter sido enviadas até ao dia 10 (dez) do segundo mês seguinte àquele a que respeitam as operações, por se tratar de um sujeito passivo com um volume de negócios igual ou superior a €498.797,90 no ano civil anterior.
12.Estabelecendo o então art°26.° do CIVA os prazos para pagamento e entrega do imposto, referindo que «... os sujeitos passivos são obrigados a entregar o montante do imposto exigível, (...) na Direcção de Serviços de Cobrança do IVA, simultaneamente com as declarações a que se refere o art°40.° …”
13.Assim, no âmbito da entrega voluntária das declarações efetuadas pelo próprio contribuinte (Originária Devedora) é facto inequívoco que o prazo de entrega do referido imposto, para os exercícios em análise, ocorreram no período do exercício da gerência dos ora Oponentes, face aos prazos de entrega do imposto acima referidos, isto é, a Originária Devedora deveria ter entregue os impostos (IVA) até 10 de Outubro de 2002, 10 de Novembro de 2002, 10 de Dezembro de 2002, 10 de Janeiro de 2003, 10 de Fevereiro de 2003.
14. E tais prazos máximos de entrega do imposto advêm do facto de estarmos perante os períodos de tributação mensal de IVA para os seguintes períodos: Agosto de 2002, Setembro de 2002, Outubro de 2002, Outubro de 2002, Novembro de 2002 e Dezembro de 2002.
15. No entanto, o Tribunal “a quo” assumiu como prazo legal de pagamento as datas das “liquidações” e que foram efetuadas apenas no ano de 2003 (por culpa exclusiva da originária devedora que entregou e submeteu as referidas declarações de IVA já fora do prazo).
16. No entanto, é nosso entendimento que estamos perante situações jurídicas diferentes, isto é, a expressão “prazo legal de pagamento” estabelecido no n.° 1 da al. b) do art°24.° da LGT diz respeito a dívidas que deviam ter sido pagas no período compreendido pela responsabilidade, independentemente de terem sido efetivamente liquidadas ou postas à cobrança nesse espaço de tempo, enquanto que a “liquidação 2003” incluída nas referidas certidões diz respeito ao ano em que foram efetuadas as liquidações e que apenas ocorreram naquele ano, conforme havia já referido, porque as mesmas declarações foram entregues fora de prazo e sem meio de pagamento (com exceção da declaração de IVA de Dezembro de 2002 que foi submetida ainda dentro do prazo legal, mas também sem meio de pagamento).
17.Ora, na data da entrega dos tributos, os Oponentes exerciam as correspondentes funções de gerência e como tal, a reversão das dívidas em causa insere-se na alínea b) do n°1 do art°24.° da Lei Geral Tributária.
18.Nesse sentido a anotação de António Lima Guerreiro, em “Lei Geral Tributária Anotada”, Ed. Rei dos Livros, pag. 142 que refere “Solução contrária beneficiaria injustamente os administradores ou gerentes que, por motivo de incumprimento dos seus deveres legais de cooperação com a administração fiscal, inviabilizassem o pagamento das obrigações tributárias legalmente vencidas no período de exercício do seu cargo, em detrimento dos que os vieram substituir. Não é pois, relevante para a definição do âmbito da responsabilidade prevista na alínea b) do número 1 do presente artigo, a data do apuramento da dívida por meio de acção de inspecção, mas o termo do prazo legal da obrigação de pagamento.”
19.Parece-nos que outra solução não pode ser dada senão esta interpretação literal da norma.
20. Fazendo o paralelismo da situação jurídica, disso é exemplo o n°3 do disposto no art°35.° da LGT em que o legislador estabeleceu que “Os juros compensatórios contam-se dia a dia desde o termo do prazo de apresentação da declaração, do termo do prazo de entrega do imposto a pagar antecipadamente ou retido ou a reter, até ao suprimento, correcção ou detecção da falta que motivou o retardamento da liquidação”.
21. E quanto à gerência de facto existe um elemento incontornável, que se encontra junto aos autos que é a ata cuja cópia integra a fls. 39 dos autos, relativa à reunião da Assembleia Geral, realizada a 12-11-2002, e na qual tiveram intervenção ativa.
22.Essa reunião foi convocada para “deliberar sobre proposta de celebração de um contrato de locação financeira imobiliária com a M… - Sociedade de Locação Financeira, SA, tendo por objecto a fracção autónoma...”
23. É mencionado nessa ata que a proposta foi aprovada por unanimidade e que foi ainda unanimemente deliberado mandatar o sócio gerente L… e o gerente J… para outorgar, em nome e, em representação da sociedade na outorga daquele contrato.
24. Parece-nos, portanto, que estamos perante verdadeiros atos de gestão e que o Órgão de Execução Fiscal carreou factualidade concreta e suficiente para estribar a justificação da gerência de facto por parte dos ora Recorridos/ Oponentes.
25. Sendo certo que a sentença recorrida não os considerou (atos de gestão - de gerência) expressamente como provados, no entanto, nos factos dados como “não provados” considerou “Que os autores não exerceram quaisquer actos de gerência efectiva da devedora originária no período referido supra em 14”.
26.Fundamentando essa “não prova” pela existência de documentos no processo de execução, fls. 36 dos autos, “atestando a intervenção dos oponentes em assembleia da sociedade e o assumir da representação desta por um deles para a outorga de um contrato de locação a realizar”.
27. Assim, o Mm° Juiz do Tribunal “a quo” deveria ter expressamente referido como factos dados como provados aqueles atos de gerência e não o tendo feito, incorreu na omissão de pronúncia de matéria de facto.
28.O Tribunal deve declarar os factos provados e os não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (n.° 2 do artigo 653.° do CPC, aplicável por remissão do art°2., al. e) do CPPT);
29.Ora, dos factos dados como provados, o Tribunal omitiu a existência daquelas provas que foram carreadas para os autos, ainda na fase do processo de execução fiscal, e ao tê-lo feito incorreu em omissão de pronúncia, sendo nula nos termos da alínea d) do art°668.° do C.P.C.
30.Parece-nos, também, que existe uma manifesta contradição nos fundamentos da douta sentença, porque por um lado é mencionado a “existência de documentos no processo de execução, fls. 36 dos autos. “atestando a intervenção dos oponentes em assembleia da sociedade e o assumir da representação desta por um deles para a outorga de um contrato de locação a realizar” para fundamentar e dar como facto não provado “Que os autores não exerceram quaisquer actos de gerência efectiva da devedora originária... » e por outro lado, é afirmando já na parte final da sentença que “... a omissão de consideração e da prova de actos de gerência no despacho de reversão também resulta na ilegalidade material do mesmo em face da al. b) citada e na consequente invalidade dos despachos de reversão”.
31. Ora, os despachos de reversão, a fls. 101 e 102, apoiam-se na informação que os antecedem e ambos os Recorridos/Oponentes foram devidamente notificados para o exercício do direito de audição, faculdade que o Recorrido J… exerceu.
32.No caso, as dividas são enquadráveis na alínea b) do referido art°24.° porquanto o prazo legal de entrega de imposto terminou no período de exercício do cargo dos Oponentes e, como tal presume-se a sua culpa.
33.Assim, é aos ora Oponentes que cabe elidir essa presunção legal. À Administração Tributária apenas cumpre alegar os pressupostos fáticos de que deriva essa presunção legal: os períodos do imposto e a gerência do responsável subsidiário nesses períodos.
34. Ora, os “factos” que os ora Oponentes trazem a juízo são, manifestamente irrelevantes do ponto de vista da avaliação da sua culpa.
35.Por outro lado, e de acordo com a petição inicial, os ora Oponentes limitaram-se a afirmar essa falta de culpa, não fazendo qualquer tipo de prova nesse sentido e, aliás, a concretização da gerência de facto está implicitamente confessada na petição inicial.
36.Isto porque, apesar dos Oponentes começarem por negar a gerência de facto acabam por alegar que não tiveram culpa, conforme está referido no articulado n°58 da petição inicial, onde é dito “O património da sociedade executada, não se tomou insuficiente para a liquidação dos créditos fiscais, ou outras dívidas, por culpa da gerência da executada, dado que a executada, conforme acima já disse, nunca teve qualquer património”.
37.Ora, se alegam e apresentam até razões para a sua “falta de culpa” é porque ambos efetivamente exerceram funções de gerência nos períodos tributários em causa!
38.Assim, o(a) Mm°(a) Juiz(a) do Tribunal “a quo” ao não se ter pronunciado, na sentença, sobre os documentos juntos aos autos e que conduziriam à demonstração de que os Oponentes exerceram, na realidade, a gerência, e ignorando a admissão implícita do exercício da gerência por parte dos Oponentes na petição inicial, padece, também, aqui, de vício de omissão de pronúncia.
39.Em conclusão, e face às razões de facto e de direito acima expostos, a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto, de vício de omissão de pronúncia, sendo nula nos termos da alínea d) do art°668.° do C.P.C. enferma, ainda, de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, violando o disposto no artº 24.º da Lei Geral Tributária, ao não decidir a causa de acordo com os factos e o direito aplicável.
Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a Oposição improcedente quanto aos ora Oponentes, por provada a legitimidade, tudo com as devidas e legais consequências como é de inteira JUSTIÇA.”
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O Recorrente Ministério Público terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“- a) A douta sentença anulou os despachos de reversão por violarem o art° 24° da LGT, julgando, em consequência, procedente a oposição por ilegitimidade dos oponentes;
- b) Para assim concluir entendeu que ao despacho de reversão falta a menção e a prova dos pressupostos de facto exigidos pelos art°s 23°, n° 1 e 24°, n° 1, alíneas a) e b) da LGT e que as certidões de dívida padecem de erro na indicação das datas do termo do prazo do pagamento voluntário, inviabilizando o entendimento, que o Mmo Juiz diz não perfilhar, de que para as situações inseridas naquela alínea b) do n° 1 do art° 24° o exequente não tem que invocar factos comprovativos da gerência;
- c) Porém, não estando em causa liquidações adicionais ou corrigidas, mas sim liquidações decorrentes de declarações periódicas entregues pela executada originária, deveria o IVA, sendo relativo aos meses de Agosto a Dezembro de 2002, ter sido entregue até 10 de Outubro de 2002, 10 de Novembro de 2002, 10 de Dezembro de 2002, 10 de Janeiro de 2003 e 10 de Fevereiro de 2003, datas essas que se inserem no período da Gerência pelos oponentes assinalada na sentença, assim se justificando a reversão ao abrigo da alínea b) do n° 1 do art° 24° da LGT;
- d) Por outro lado, do despacho de reversão constam os fundamentos de facto e de direito relativos aos oponentes - serem responsáveis pela gerência no período a que respeita a dívida - não sendo exigível que dali constem os factos concretamente identificados nos quais a AT fundamenta a sua convicção relativamente ao exercício efetivo de funções;
- e) Mas, de qualquer modo, sempre o efetivo exercício da gerência se pode inferir pelo conjunto da prova;
- f) Questionada em sede de oposição a gerência efetiva, é admissível que na contestação o R.F.P. tome posição contrariando a argumentação expendida e oferecendo provas, como decorre da atribuição de tal faculdade ao oponente e do princípio da igualdade de faculdades e meios processuais;
- g) Por outro lado, mostrando-se controvertida a questão da gerência de facto, face às diferentes posturas assumidas nos autos pelo oponente e pelo RFP, sempre pode o Juiz, a quem incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, ordenar todas as diligências que considere úteis para o apuramento da verdade;
- h) E assim que reunidos todos esses elementos, concluir pela efetiva gerência do oponente;
- i) Assim não tendo acontecido a sentença violou o disposto nos art°s 206° do C.P.P.T., 98° e 99°, n.º1, ambos da L.G.T. e ainda nos art°s 22°, 23° e 24°, n° 1 alínea b), também da L.G.T.;
- j) Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que considere os elementos existentes nos autos e realçados na contestação;
- 1) Desse modo se julgando improcedente a pretensão do oponente no que se refere à alegada ilegitimidade por falta de demonstração da gerência de facto, por resultarem reunidos, ao contrario, fortes indicadores dessa gerência à data em que o IVA em causa deveria ter sido entregue, ao abrigo dos art°s 46° e 26° do CIVA, na redação então vigente.”

Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal dispensou-se de emitir parecer, uma vez que está em causa, também, o conhecimento de recurso interposto pela Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que, quanto ao recurso interposto pela Fazenda Pública, importa decidir se a sentença recorrida incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia acerca da matéria de facto, em erro quanto ao julgamento da matéria de facto, e, consequentemente, em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, violando o disposto no artigo 24.º da Lei Geral Tributária (LGT); quanto ao recurso interposto pelo Ministério Público, importa apreciar se a sentença recorrida errou no julgamento no que concerne à apreciação do despacho de reversão, violando o disposto nos artigos 206.º do CPPT, 98.º e 99.º, n.º 1 da LGT e 22.º, 23.º e 24.º, n.º 1, alínea b), também da LGT.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Em face das posições assumidas pelas partes, e dos documentos remetidos com a oposição e integrantes do processo executivo, considero provados os seguintes factos relevantes e suficientes para a decisão da oposição:
1
Com base, entre outras, nas certidões de dívida cujas cópias de fs. 19 a 23 aqui se dá por reproduzidas, no serviço de Finanças de Coimbra 1, foi instaurado, contra “R… Lda”, acima identificada, o processo de execução fiscal nº 0728200301030078.
2
As certidões acima referidas dizem respeito a IVA relativo transacções dos meses de Agosto de 2002 a Dezembro de 2002 liquidado em 2003 e devido pela sobredita devedora originária, que totalizava 343 738,85 € em singelo (cf. fs. 19 e sgs).
3
Em 17/10/2006, nesse processo de execução fiscal, foi exarada a informação cuja cópia é fs. 49 a 51 destes autos e que aqui se dá como reproduzida, destacando o seguinte:
“No período compreendido entre 30/8/2002 e 3/2/2003 foram gerentes L…, M… e J…”.
4
Na mesma data foi exarada na execução a informação denominada “Liquidações / Fundamentação” cujo teor a fs. 79 a 64 aqui dou por reproduzido, chamando especial atenção para os primeiro, quarto, quinto sexto e sétimo parágrafos.
5
Por cartas registadas com AR cujos avisos foram assinados em 25 e 24/10/2006, os oponentes receberam as notificações para audiência prévia de cujas notas são cópia fs. 85 e 86 deste autos e que aqui se dá como reproduzidas, acompanhadas de cópia do despacho com o projecto da reversão, da informação que o propusera e o fundamentava (fs. 78 e v°) e das certidões de dívida, seguindo-se aqui imagem da parte relevante de uma das notas de notificação:
- imagem omissa -
6
Apenas o oponente J… apresentou pronúncia prévia, cuja cópia a fs. 93 e sgs destes autos aqui se dá por reproduzida.
7
No dia 13/11/2006 foi exarada no processo executivo nova informação para reversão, cuja cópia a fs. 88 destes autos aqui dou como reproduzida, destacando os seguintes excertos:
Foram também, por cartas registadas em 19-10-06, feitas as notificações para audiência prévia dos contribuintes AMERICO… e F…, responsáveis pelos períodos de 2000 e 2001, que ainda não tinham sido notificados.
No dia 08-11-06, intempestivamente, (o aviso de recepção foi assinado a 25-10-06, data em que se considera notificado, pelo que tinha até 06-11-06 para exercer o seu direito) veio o contribuinte J… aos autos invocar a aplicabilidade do CPT e não da LGT, alegadamente vigente à data dos factos.
Reportando-se as dívidas de IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado), imputadas ao contribuinte a título de reversão, aos períodos de Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2002, estava então em vigor a LGT (Lei Geral Tributária), que vigora desde 01/01/1999 (cfr. art. 6° do D.L. n°398/98, de 17 de Dezembro).
Invocou igualmente a omissão de elementos de facto e de direito na notificação, mas tais elementos estão contidos na Inf. com a fundamentação do projecto de reversão e na inf. com a fundamentação das liquidações, tendo ambas seguido em anexo a essa notificação.
Tendo o prazo legal de pagamento das dívidas em questão terminado no período de exercício da sua gerência ou tendo o respectivo facto constitutivo ocorrido no período de exercício da sua gerência, não procede o argumento de que a sua gerência foi meramente de direito e não de facto, com a consequente falta de culpa pelo incumprimento, pois a gerência acarreta responsabilidades que o contribuinte não pode escamotear.
(...)
Atenta a inexistência de bens penhoráveis da sociedade originária devedora, de que eram sócios gerentes os revertidos ao tempo a que as dívidas respeitam, e uma vez que, no caso do contribuinte J…, não procedem as razões aduzidas, e no caso dos contribuintes L… e M…, não foi exercido no prazo fixado (12 dias) o direito de audição, sou de opinião que deve a reversão prosseguir nos presentes autos de execução fiscal.
Nestes termos, proponho o prosseguimento da reversão contra os contribuintes J…, L… e M…, no processo melhor identificados, nos termos dos arts. 22°, 23° e 24° da LGT e 153°, n°2, e 160° do CPPT.
8
Ainda em 13/11/2006 foi junta ao processo nova informação sobre a origem e o valor então actual de todas as dívidas exequendas na execução e seus apensos, cujo teor a fs. 88 e sgs dos autos aqui se dá por reproduzido.
9
Ainda em 13/11/2006, pelo Sr. Chefe de Serviço de Finanças foram proferidos os despachos de reversão da execução cujos termos a fs. 101 e 102 aqui se dá como reproduzidos, destacando a seguinte parte de apenas um deles (apenas, pois são idênticos):
- imagem omissa -
10
Seguiu-se a citação dos Revertidos e ora oponentes, por carta registada com A.R., mediante entrega das notas cujas cópias são fs. 103 e 104 dos autos, acompanhadas de cópias das certidões de dívida e das peças processuais mencionadas nos artigos 1, 5, 7 8 e 9 (cf. a menção manuscrita nas notas de citação).
11
Os Oponentes foram titulares da gerência da executada originária desde 2/8/2002 até 4/2/2003. Certidão de fs. 69 e sgs.
15
A devedora originária foi citada para os termos da execução (fs. 130 e sgs dos autos)
Factos não provados
Não se provou:
a) Que os autores não exerceram quaisquer actos de gerência efectiva da devedora originária no período referido supra em 14.
Com efeito, não só a alegação genérica feita pelos oponentes tem muito de conclusivo - precisava de ser “trocada em miúdos” por factos que não foram alegados - como no processo de execução (cf fs. 36 e sgs destes autos) constam documentos atestando a intervenção dos oponentes em assembleia da sociedade e o assumir da representação desta por um deles para a outorga de um contrato de locação a realizar.
Mesmo não tendo de significar o contrário, esta prova, produzida, aliás, antes dos despachos de reversão, inviabiliza qualquer prova daquele facto negativo.
b) Que o valor da reversão comunicada aos oponentes era relativo a IVA e a IRC. Resulta das certidões que são título executivo, e é confirmado pelas informações com base nas quais foram proferidos os despachos de reversão que todas as dívidas são apenas de IVA. As próprias notas de notificação para audiência prévia discriminam as dívidas objecto da preconizada reversão como sendo apenas de IVA.
c) Que não foi dada aos oponentes oportunidade de se pronunciarem previamente ao despacho que decidiu a reversão.
Resulta dos factos provados o contrário deste facto alegado pelos oponentes.
d) Que a devedora originária nunca teve qualquer património.
Não foi produzida prova de tal afirmação dos oponentes porque se trata de uma inverosimilhança, desmentida, aliás, pela informação sobre créditos penhoráveis do devedor originário datada 15/10/2002, cuja cópia é fs. 24 e sge dos autos, pelos extracto de conta, demais documentos contabilísticos e pela cópia do contrato de locação que se lhe seguem nos autos, pelos documentos juntos com a contestação. Isto é assim, claro, entendida a palavra património como significando todos os activos da Sociedade, não apenas os imóveis.”

2. O Direito

A Recorrente, Fazenda Pública, invoca nas suas alegações a nulidade da sentença, referindo que a mesma omitiu a análise de factos e pronúncia sobre os mesmos, que devia ter considerado provados factos que espelham actos de gerência, que omitiu, ainda, a existência de provas carreadas para os autos, ainda na fase do processo de execução fiscal, incorrendo em omissão de pronúncia acerca da matéria de facto. Defende, também, a verificação de contradição nos fundamentos da sentença, não pronúncia sobre os documentos juntos aos autos e que conduziriam à demonstração de que os Oponentes exerceram, na realidade, a gerência, reiterando padecer a decisão recorrida de vício de omissão de pronúncia.
A sentença/decisão pode padecer de vícios de duas ordens:
Por um lado, pode ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação.
Por outro lado, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º, do Código de Processo Civil (CPC), na redacção da Lei n.º 41/2013, de 26/6, correspondente ao anterior artigo 668.º do CPC.
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia ou a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma.
A nulidade por omissão/excesso de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 660.º, n.º 2 do CPC (actual artigo 608.º, n.º 2), que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente.
Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se.
Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12).
Ora, na sentença recorrida referem-se as questões a decidir, tendo sido apreciadas as nulidades arguidas, referentes aos despachos de reversão, à notificação para audiência prévia, da citação para a execução revertida, bem como a falta de fundamentação dos despachos de reversão, a violação dos princípios constitucionais da participação e do Estado de Direito, foram, ainda, apreciadas as invocadas causas materiais de ilegalidade dos despachos de reversão, conducentes à questão da ilegitimidade dos Oponentes, tendo, também, concluído a decisão recorrida verificar-se erro de direito nas certidões de dívida quanto às datas do termo do prazo para pagamento voluntário. A oposição acabou por ser julgada procedente por ilegitimidade dos Oponentes como responsáveis subsidiários quanto à dívida exequenda, atenta a omissão de consideração e de prova de actos de gerência nos despachos de reversão, resultando na ilegalidade material dos mesmos em face das alíneas a) e b) do artigo 24.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e na sua consequente invalidade.
Nesta conformidade, o tribunal recorrido tomou posição sobre a questão da ilegitimidade dos Oponentes colocada nos autos, tendo, também, tomado conhecimento das demais questões invocadas, inexistindo, portanto, nulidade por omissão de pronúncia.
Efectivamente, em princípio, a desconsideração de factos e a não apreciação de meios probatórios poderá constituir erro de julgamento. Contudo, também contende com a fundamentação da própria decisão da matéria de facto, dependendo dos fundamentos invocados para a sua desconsideração, podendo ocorrer omissão de fundamentação quanto a factos essenciais para a decisão da causa (artigo 712.º, n.º 5 do CPC) ou mesmo ausência total de fundamentação por a mesma se apresentar ininteligível (sendo nula, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea b) do CPC).
Assim, tendo sido suscitado erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto, impõe-se iniciar a apreciação pela fundamentação constante da decisão recorrida.
Importa frisar que a sentença em crise julgou improcedente o vício referente à falta de fundamentação dos despachos de reversão. Mas, por outro lado, a sentença recorrida refere que estes despachos não indicam factos correspondentes a uma gerência efectiva por parte dos Oponentes ou de que resultasse a prova de factos integrantes dessa gerência de facto.
Não sofre dúvida que a responsabilidade subsidiária se efectiva por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do artigo 23.º da LGT) e que o despacho de reversão, sendo um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (artigo 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, artigos 23.º, n.º 4 e 77.º nº 1 da LGT), devendo, em termos de fundamentação formal, incluir a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (n.º 1 do artigo 77.º da LGT), e deve incluir, igualmente, a declaração dos pressupostos da reversão e referir a extensão temporal da responsabilidade subsidiária (artigo 23.º, n.º 4 da LGT).
Daí que, em consonância com este normativo, se tenha afirmado, no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, proferido em 16/10/2013, no âmbito do processo n.º 0458/13, que a fundamentação formal do despacho de reversão se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.» (cfr., igualmente, os Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 31/10/2012, proc. n.º 580/12 e de 23/01/2013, proc. n.º 953/12).
Sendo que, em caso de discordância, os revertidos exercerão o direito de defesa mediante dedução de oposição, como efectuaram nos presentes autos, onde depois funcionam as regras de repartição do ónus da prova aplicáveis às situações previstas legalmente.
In casu, o tribunal “a quo”, quedando-se pela análise dos despachos de reversão, entendeu que o pressuposto de reversão relativo à gerência efectiva não se mostrava sustentado em factos. Todavia, compulsando o teor dos mesmos, verificamos que existe uma referência temporal à responsabilidade subsidiária - reportando-se a dívidas de IVA dos períodos de Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2002 - tendo o prazo legal de pagamento das dívidas em questão terminado no período de exercício da sua gerência ou tendo o respectivo facto constitutivo ocorrido no período de exercício da sua gerência, não procede o argumento de que a sua gerência foi meramente de direito e não de facto, com a consequente falta de culpa pelo incumprimento, pois a gerência acarreta responsabilidades que o contribuinte não pode escamotear. Incluindo, portanto, a declaração dos pressupostos da reversão - atenta a inexistência de bens penhoráveis da sociedade originária devedora, de que eram sócios gerentes os revertidos ao tempo a que as dívidas respeitam – bem como a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária aos revertidos: nos termos dos arts. 22°, 23° e 24° da LGT e 153°, n°2, e 160° do CPPT.
Na linha do mencionado acórdão do Pleno do STA, não se impondo que do despacho de reversão constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido, a sentença recorrida, com tal fundamentação, não poderá manter-se.
Acresce alertar, ainda, que, apesar da motivação do despacho de reversão apontar para o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT, a sentença recorrida afastou tal aplicabilidade à situação concreta, na medida em que concluiu verificar-se erro de direito nas certidões de dívida quanto às datas do termo do prazo para pagamento voluntário, pelo que sempre estaria em causa uma data de pagamento do imposto posterior ao exercício da gerência dos oponentes.
Vejamos a fundamentação, nesta parte, da sentença recorrida:
“(…) É que, melhor analisadas as certidões de dívida que são título executivo, verificamos o seguinte: todas elas indicam como data liquidação da dívida apenas e sempre o ano de 2003.
Deste modo, as certidões revelam que as dívidas certificadas resultam de liquidações adicionais ou corrigidas, efectuadas depois do prazo legal de entrega da declaração periódica. Ora é inerente a toda a liquidação de um imposto, ainda que adicional ou corrigida um prazo legal de pagamento voluntário. Portanto conclui-se, sem margem para dúvidas, que há erro de direito nas certidões de dívida quando mencionam as sobreditas datas como sendo as do termo do prazo para pagamento voluntário. Este termo há-de ter ocorrido algures após a liquidação feita em 2003, embora não saibamos quando.
Não se diga que deste modo se beneficia um infractor, nem que o IVA em causa devia outrossim ter sido declarado (autoliquidado) e pago até àquelas datas-limite se a devedora originária tivesse cumprido as suas obrigações fiscais. Na verdade, para punir a infracção da omissão de liquidação e entrega do IVA naqueles prazos estão aí as contraordenações e os tipos de crime fiscais. Se houve, depois, um prazo para pagar voluntariamente que terminou em outra gerência, posterior, então sobre essa gerência é que impende o ónus, previsto na alínea b) do n° 1 do artigo 24° da LGT, de provar factos que fundamentem o juízo de que lhe não foi imputável ético-juridicamente a omissão do pagamento nesse (novo) prazo legal. (…)”
Ora, antes de mais, não podemos deixar de referir que a decisão da matéria de facto não permite retirar a ilação de que as dívidas certificadas resultam de liquidações adicionais ou corrigidas, nem tão-pouco as certidões o revelam (nem os Oponentes invocaram tal). Pelo contrário, da factualidade apurada emana que a executada originária se atrasou na entrega das declarações mensais do IVA referentes aos meses de Agosto a Dezembro de 2002, tendo efectuado essa apresentação somente no início de 2003 (em 13/01/2003, em 01/02/2003 e em 11/02/2003 – esta última declaração de IVA do período de Dezembro de 2002 foi enviada dentro do prazo legal estipulado no artigo 40.º do CIVA), mas desacompanhada do respectivo pagamento – cfr. o ponto 4 da decisão da matéria de facto relativo a factualidade contida em documento intitulado Liquidações/Fundamentação que sustenta e acompanha o despacho de reversão. É, por isso, que nas certidões de dívida consta como data de liquidação o ano de 2003, dado corresponder ao momento em que foi efectuada a autoliquidação do IVA pela sociedade originária com a entrega das respectivas declarações.
Não resulta, assim, manifesto o erro na indicação nas certidões de dívida do prazo de pagamento voluntário das dívidas exequendas; permanecendo, para já, válida a eventual aplicabilidade do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT. Logo, também nesta parte, não poderá manter-se a sentença recorrida, pois, nenhuma prova tendo sido efectuada de que estão em apreço liquidações adicionais ou corrigidas, mas antes tudo indiciar serem liquidações decorrentes de declarações periódicas entregues pela executada originária, deveria o IVA, sendo relativo aos meses de Agosto a Dezembro de 2002, ter sido entregue até 10 de Outubro de 2002, 10 de Novembro de 2002, 10 de Dezembro de 2002, 10 de Janeiro de 2003 e 10 de Fevereiro de 2003, datas essas que se inserem no período da gerência pelos Oponentes assinalada na sentença, assim se justificando a reversão ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT – cfr. ponto 11 da decisão da matéria de facto.
Aqui chegados, importa verificar se a questão da gerência de facto se mostra controvertida, face às diferentes posturas assumidas nos autos pelas partes, e se o tribunal “a quo” ordenou diligências que considerou úteis para o apuramento da verdade.
Resulta inequivocamente do normativo legal vindo a referir que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
Ora, é sobre a administração tributária, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra os gerentes da devedora originária, designadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência de facto [de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos - artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil e artigo 74.º, n.º 1, da LGT]. Com efeito, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus que recai sobre a administração tributária.
Uma vez que, em sede de audição prévia, o Oponente J… afirmou nunca ter exercido as funções de gerente da sociedade executada – cfr. documento ínsito na certidão do processo de execução fiscal a fls. 93 a 99, o despacho de reversão remete para informação anexa onde se refere precisamente não proceder o argumento de que a gerência foi meramente de direito e não de facto, concluindo com a consequente responsabilidade subsidiária.
Integrando a certidão do processo de execução fiscal, constam vários documentos sobre os quais o tribunal “a quo” não tomou posição nem apreciou, consubstanciados nas diligências encetadas previamente à reversão, na recolha de elementos e em pedido de averiguações sobre existências de créditos penhoráveis, outros direitos e bens penhoráveis.
Na verdade, uma vez que o tribunal recorrido configurou uma solução para o litígio que passou unicamente pela análise do teor das certidões de dívida e pelo conteúdo do despacho de reversão, que, como vimos, não pode acolher-se, não realizou uma apreciação integral e concatenada de todos os meios de prova carreados para os autos.
Devemos reter que são dois os Oponentes a este processo de execução fiscal, tudo indicando que a gerência de facto se mostra controvertida nos autos em relação a ambos.
Encontramos documentos que haviam sido juntos ao processo de execução fiscal que, aparentemente, estão assinados por ambos os Oponentes e outros que somente se mostram assinados por um deles. Contudo, na presente Oposição, apesar de a formulação ser eminentemente conclusiva, não deixaram ambos os Oponentes de afirmar que nunca praticaram qualquer acto de gerência, quer de facto, quer de direito, ou outro qualquer acto material, concretizando que nunca assinaram qualquer acto, contrato, etc., em exercício de gerência da executada originária – cfr., entre outros, o artigo 35.º da petição de oposição.
Por outro lado, sem nos afigurar que os Oponentes tenham admitido implicitamente o exercício da gerência na petição de oposição, não deixaram de invocar factos que, na sua óptica, afastam a sua culpa na inexistência de património para saldar as dívidas ou a sua responsabilidade pela falta do respectivo pagamento – cfr., nomeadamente, os artigos 60.º, 61.º, 62.º e 68.º da Oposição.
Após averiguação concreta dos factos sobre os quais deveriam ser inquiridas as testemunhas arroladas pelas partes, o tribunal recorrido considerou existir matéria de facto controvertida, tendo realizado diligência de inquirição de testemunhas em 17/06/2009 – cfr. fls. 203, 211 e 246 a 248 do processo físico.
Nesta data, foram ouvidas duas testemunhas e suscitado o incidente de reconhecimento de assinatura previsto no artigo 584.º, n.º 1 do CPC.
Efectivamente, em ambos os recursos em análise, é apontado relevo a documento ínsito no processo de execução fiscal, consubstanciado na Acta n.º 21, de 12/11/2002, que terá sido redigida para atestar deliberação tomada em reunião da Assembleia Geral da sociedade executada (sobre celebração de um contrato de Locação Financeira Imobiliária) e onde terão intervindo, entre outros, os Oponentes – cfr. fls. 39 do processo físico.
Aquando da inquirição da testemunha A…, que também se encontra mencionado na dita Acta n.º 21, na qualidade de sócio da executada principal, a Fazenda Pública, tendo em conta o depoimento desta testemunha, requereu ao tribunal recorrido a junção aos autos de cópia do seu bilhete de identidade para confronto da assinatura dele constante e da referida Acta, dado ter declarado não lhe pertencer a assinatura aposta na Acta n.º 21.
O tribunal recorrido, enquadrando legalmente o pedido no disposto no artigo 584.º, n.º 1 do CPC, considerou útil e pertinente para a boa decisão da causa a junção de fotocópia do Bilhete de Identidade daquela testemunha, a fim de poder proceder ao confronto e ao reconhecimento da assinatura de A… com a aposta na Acta n.º 21 – cfr. fls. 247 do processo físico.
A… apresentou nos autos fotocópia do seu Bilhete de Identidade – cfr. fls. 251 e 252 do processo físico, tendo sido judicialmente determinada a notificação das partes para se pronunciarem - cfr. fls. 254 do processo físico. Somente a Fazenda Pública apresentou peça processual onde refere que, de facto, não existe qualquer semelhança entre elas (entre as assinaturas) – cfr. fls. 258 do processo físico.
Sobre esta pronúncia da Fazenda Pública, o Meritíssimo Juiz do TAF de Coimbra proferiu o seguinte despacho:
“Fls. 258: Oportunamente, a considerar.
Mostrando-se realizada a inquirição de testemunhas arroladas, nos termos e para os efeitos do previsto nos artigos 121.º ex vi 120.º ambos do CPPT, determino que sejam os interessados notificados para alegarem por escrito, em 30 dias. (…)”
O certo é que as partes alegaram, o Ministério Público emitiu parecer e foi prolatada a sentença recorrida, sem que o tribunal tenha dado por concluído o incidente de reconhecimento de assinatura ou considerado que possa ter ocorrido desistência do mesmo por parte da Fazenda Pública.
De todo o modo, este tribunal entende que a genuinidade da Acta n.º 21 poderá estar em causa, impondo-se a prossecução da diligência de prova pericial relativa ao reconhecimento da dita assinatura, que não se mostra concluída nos termos expressos no artigo 584.º do CPC, na redacção aplicável à data.
Mostra-se imperioso descobrir se os elementos apurados pela Exequente são válidos para sustentar os despachos de reversão e se provam os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra os gerentes da devedora originária (tanto mais, que existe outro documento relevante, junto aos autos a fls. 197 a 200, com a mesma assinatura, denominado “Cessões de Quotas e Alteração Parcial de Pacto”); deparamo-nos, por isso, com défice de natureza instrutória, que se repercute na decisão da matéria de facto disponibilizada à nossa apreciação.
Deste modo, não podendo sufragar-se, sem mais, o julgamento produzido em 1.ª instância, impõe-se anular, oficiosamente, segundo o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, a sentença, de molde a permitir que, no tribunal recorrido, seja concluído o incidente de reconhecimento de assinatura e efectivadas as demais diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, do aspecto apontado como deficitariamente instruído.
Não podemos, ainda, esquecer que estão em apreço dívidas de IVA.
No caso especial do IVA, bem como nos impostos retidos na fonte, a falta da sua entrega ganha particular gravidade, na medida em que se trata de impostos que traduzem um fluxo monetário na empresa que, ao não serem entregues nos cofres do Estado, estão a ser «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objectivos» alheios à sua finalidade.
Quando o gestor procede ao «desvio» da destinação das verbas recebidas (estamos a falar do IVA) não pode, assim, deixar de indiciar um comportamento censurável. E quanto mais censurável é o comportamento indiciado, mais esforço se exige na demonstração de factos positivos bastantes que contrariem aqueles indícios, sob pena de não afastar a presunção de culpa que a lei lhe atribui.
Como escreve Saldanha Sanches, «(…) No caso do IVA, a existência desse fluxo financeiro cria um forte indício de comportamento censurável que só em casos muito particulares pode ser objecto de uma demonstração de ausência de culpa por parte dos particulares. É uma demonstração difícil, mas não impossível, uma vez que a empresa não é o fiel depositário da quantia cobrada. Embora tenha o dever de entregar as quantias cobradas na aplicação do IVA no prazo previsto pela lei, a empresa pode considerá-las como uma receita normal, cabendo-lhe a devida diligência para que o pagamento seja feito. Pode haver justificação, pela verificação de um facto imprevisto e razoavelmente imprevisível, para que a entrega se não tenha verificado» (cfr. Manual de Direito Fiscal, Coimbra Editora, 3ª edição, pp. 274).
Neste enquadramento, poderá relevar a factualidade invocada pelos Oponentes na sua petição inicial que referimos supra, mas também será pertinente a existência ou não de acusação pelo Ministério Público de crime de abuso de confiança fiscal contra os Oponentes e o seu julgamento.
Sabemos que foi instaurado processo comum no 4.º Juízo Criminal da Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra, sob o n.º 83-04.4IDCBR, na sequência de inquérito por crime fiscal, por indícios da prática de condutas censuráveis, nos termos do artigo 105.º do RGIT, que levou a dedução de acusação pelo Ministério Público, em 14/11/2007, pelo DIAP de Coimbra, contra a sociedade executada originária e contra L…, entre outros (não sendo mencionados os Oponentes), por, nomeadamente, este último ter agido em representação dessa sociedade R…, de Agosto de 2002 até Maio de 2004, recebendo dos seus clientes e liquidando IVA, que se mostra discriminado nos autos, apoderando-se dessas quantias que deveria ter entregado ao Estado – cfr. fls. 218 a 234 do processo físico.
Na verdade, os Oponentes terão, eventualmente, sido gerentes juntamente com o arguido L… da sociedade executada no período compreendido entre 30/08/2002 até 03/02/2003, pelo que importa averiguar se o inquérito em causa, ou outro, abrangeu qualquer actuação dos Oponentes, e que decisões existem sobre eventuais comportamentos dos mesmos quanto a recebimento de IVA no período de Agosto a Dezembro de 2002 (não obstante a informação que já consta de fls. 292 do processo físico, que não se mostra plenamente esclarecedora: “(…) não existe qualquer despacho de arquivamento relativamente a J… e M…”).
Na verdade, esta diligência probatória foi promovida pelo Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra e acolhida pelo Meritíssimo Juiz “ a quo” – cfr. fls. 288 e 289 do processo físico. Todavia, também esta diligência não se nos afigura concluída, dado que, afinal, não se apresenta claro nos autos se existe ou não acusação e julgamento pelos mesmos factos constantes do processo n.º 83-04.4IDCBR relativamente aos Oponentes.
Também por este motivo se impõe anular, oficiosamente, a sentença, de molde a permitir que, no tribunal recorrido, seja concluída esta averiguação junto do DIAP de Coimbra e sejam efectivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, dos aspectos apontados como deficitariamente instruídos.
Por último, não podemos deixar de referir que, in casu, o tribunal recorrido, devido à solução que encontrou para a causa, se absteve de efectuar a concatenação de toda a prova produzida.
Na verdade, a ausência de fundamentação e exame crítico da totalidade da prova testemunhal e de grande parte da prova documental (faltando, ainda, concluir a prova pericial), impede que este tribunal de recurso possa sindicar plenamente o invocado erro de julgamento sobre a matéria de facto.
A reapreciação da matéria de facto não pode significar a abertura da possibilidade de realização de um novo julgamento pela Relação, objectivo que jamais esteve no horizonte das sucessivas modificações legais, antes uma medida paliativa destinada a resolver situações patológicas que emergem simplesmente de uma nebulosa que envolva a prova que foi produzida e que não foi convenientemente resolvida segundo o juízo crítico da Relação (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, pp. 241 e 245 e Acórdão do TCAS n.º 07219/13, de 29/05/2014).
A modificação da decisão de facto não deve atingir uma amplitude tal que implique todo um novo julgamento de facto, com a reapreciação de toda a prova produzida, a alteração da convicção do julgador a quo e a postergação dos princípios da livre apreciação das provas e da imediação.
Por outro lado, uma vez que a prova testemunhal não chegou a ser sequer apreciada, a modificação da decisão de facto significaria a postergação dos princípios da livre apreciação das provas e da imediação, que deve ocorrer preferencialmente na primeira instância, sob pena de a alteração dessa decisão atingir uma amplitude tal que implicaria todo um novo julgamento de facto, com a reapreciação de toda a prova produzida e a alteração da convicção do julgador a quo.
Por tudo quanto fica dito, os recursos merecem, assim, provimento.
Em face do exposto, fica, consequentemente, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos recursos.

Conclusões/Sumário

I - A fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido» – cfr. artigo 23.º, n.º 4 da LGT.
II - Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 712.º, n.º 4 do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento aos recursos, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, a fim de aí ser proferida nova decisão onde se supram os apontados vícios, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova conforme acima se indica.
Sem custas.
D.N.
Porto, 20 de Abril de 2017
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves