Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
MJ, Unipessoal Lda. vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferido em 19 de Dezembro de 2014, que julgou improcedente a acção administrativa especial intentada contra o Instituto da Segurança Social IP, e onde solicitava que se devia “julgar procedente por provada a presente impugnação de acto administrativo que ordena a devolução das verbas em causa atenta a verificação dos vícios invocados e excepções alegadas.”
Em alegações a recorrente concluiu assim:
A. Na origem dos presentes autos esteve o acto administrativo proferido aos 23 de Março de 2012, referente à notificação de exigência do pagamento de € 11.315,70 (onze mil trezentos e quinze euros e setenta cêntimos) à A., correspondendo à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego da trabalhadora LMRCC. Tal acto administrativo funda-se sobretudo no facto do contrato de trabalho ter cessado por acordo de revogação e a exceder os limites previstos no artigo 10.º, n.º 4 do DL 220/2006.
B. Apresentada acção especial de impugnação do acto supra citado, peticionou-se a sua anulação, porquanto as condições de materiais de atribuição de subsídio de emprego se encontram verificadas, devendo ser afastada a interpretação da obrigação de devolução dos montantes prestacionais de subsídio de desemprego por ser ultrapassados os limites previstos no n.º 4 do artigo 10.º. Mais peticiona, em síntese, no sentido de ser considerado como inconstitucional, por manifesta violação dos princípios da proporcionalidade e da adequabilidade, a interpretação segundo a qual o não respeito das quotas, sem mais, conduz à obrigação de pagamento das prestações de desemprego atribuídas à trabalhadora.
C. Proferido acórdão, para o que ora interessa, foram delimitadas as seguintes matérias: “1- A primeira questão consiste em saber se aplicar literalmente os artigos 10.º, n.º 4 e 5 e 63.º do DL n.º 220/2006 de 3/11 foi, in casu, procedimento metodológico infiel ao dispositivo substancial desta conjugação de normas, seja por o artigo 63.º se referir apenas às condições materiais mencionadas naquele n.º 4 e não às quotas aí também prescritas, seja por tais quotas não se aplicarem a casos específicos como o da Autora em que existiam as condições jurídicas materiais para um despedimento colectivo ou para um despedimento por extinção do posto de trabalho e – alegadamente – viriam a ser cumpridas as formalidades e compensações devidas em cada caso, independente da forma usada ter sido a de acordo de cessação. 2- A terceira questão consiste em ajuizar se é inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade e da adequabilidade, o acto administrativo impugnado ou a interpretação do artigo 63.º do DL n.º 220/2006 que lhe subjaz, na medida em que se basta com um formal excesso relativamente às quotas de elegibilidade para o subsídio de desemprego, previstas no n.º 4 do artigo 10.º, dos acordos de cessação do contrato de trabalho por motivos materialmente assimiláveis ao despedimento colectivo e à extinção do posto de trabalho, mesmo quando na realidade se verificarem todos os pressupostos legais para um despedimento colectivo ou um despedimento por extinção do posto de trabalho”.
D. A decisão proferida julga, em síntese, improcedente a acção, nas questões supra mencionadas. Contudo, a A. vem recorrer peticionando que a prova constante dos autos e os factos alegados em sede de petição inicial seja apreciada, o que não foi feito pelo Tribunal a quo. O acórdão proferido viola uma adequada leitura teleológica e do espírito do artigo 63.º do DL n.º 220/2006, bem como o prescrito nos artigos 8.º, 9.º e 10.º do mesmo diploma, violando as regras de código de trabalho reguladoras da cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho e por despedimento colectivo. Mais, viola o espírito desses normativos, atento o princípio de igualdade que vigora no nosso sistema jurídico.
E. A decisão recorrida valorou apenas e só o documento de cessação de contrato de trabalho e como que apenas uma parte – uma só cláusula – não submetendo a qualquer tipo de apreciação, análise, e por maioria de razão, ponderação valorativa, um conjunto de documentos em que a ora A./recorrente assenta a sua tese da necessidade de uma leitura teleológica do artigo 63º do diploma em questão.
F. Considerando a actividade da A., por motivos de mercado, em Junho de 2010, esta viu-se obrigada a delimitar, drasticamente, a sua actividade, levando à cessação do contrato com uma engenheira alimentar, extinguindo-se assim o seu posto de trabalho. E, desde logo tal facto, não é analisado, apreciado, e assim não ponderado e valorado.
G. A evolução negativa do mercado, levou a ora A./Recorrente a simplificar a actividade passando a desempenhar um papel de mero interposto na cadeia económica, motivada pela forte diminuição do envolvimento comercial e pelo notório decréscimo das relações comerciais tendo, em meados do ano de 2010, perdido quase todos ou mesmo todos os seus clientes, conforme documentos juntos.
H. A não actividade da Autora é visível perante a análise dos balancetes juntos, sendo que a evolução negativa viria a culminar, no ano 2012 em vendas são inexistentes. Tal curva negativa, é patente, desde logo, pela análise dos IES de 2009, 2010 e 2011 e declarações de IRC (modelo 22) dos mesmos anos. E concomitantemente, a A./Recorrente procedeu à venda de parte do imobilizado, tudo conforme documentos juntos aos autos. E por ocasião da cessação em causa, o seu estabelecimento foi encerrado.
I. O Acórdão não analisa, não aprecia, e assim não poderia ponderar e valorar, e assim desconsidera todo o circunstancialismo referido. Na realidade, considerou o tribunal que tais factos eram irrelevantes. E considerou também irrelevante o contexto económico-financeiro – em que se operou a cessação do contrato de trabalho com a trabalhadora LMRCC.
J. E de tudo isto, as trabalhadoras, e a ora em causa, eram manifestamente sabedoras, e assim dos caminhos que o estabelecimento iria trilhar – o encerramento – e das razões subjacentes a esse encerramento, E de tal poderiam ter dado o seu testemunho, contudo o tribunal dispensou a prova indicada.
K. E aqui teremos de afirmar, mais uma vez estamos perante um erro de julgamento por errada apreciação e valoração da prova. Mal anda tal decisão, pelo que se impugna, devendo a matéria de facto ser reapreciada e considerada para efeitos de decisão no âmbito dos autos.
L. Ao não analisar os factos alegados e nomeadamente a situação económica da A. não pode o tribunal valorar de forma correcta sobre os moldes em que cessaram os contratos de trabalho, com várias trabalhadoras, em que o que sempre esteve em causa foi a extinção do posto de trabalho – tudo conforme prova documental. O fundamento material – que não a modalidade – das cessações foi sempre, afinal, o previsto no nº 2 do artigo 359º do Código de Trabalho: ou seja, motivos de mercado, estruturais e tecnológicos.
M. Na data da cessação ora em discussão, a A./Recorrente já não apresentava qualquer actividade comercial e tinha “parado” toda a sua actividade, mantendo-se apenas em laboração formal para vender o resto do imobilizado e consequente pagamento de contratos de leasing ainda a decorrer. Como alegado, e deve o tribunal considerar tal facto, o estabelecimento comercial tinha encerrado, como demonstram os documentos juntos.
N. E, assim, tal inexistência de actividade e consequente encerramento do estabelecimento sempre nos conduziria, nos precisos termos legais, à caducidade dos contratos, de acordo com o nº 3 e 4 do art. 346º do CT.
O. Todas as cinco trabalhadoras acima identificadas tinham conhecimento, quer das transformações que a ora impugnante tinha sido forçada a realizar, quer da verdadeira necessidade da extinção dos postos de trabalho, bem como da anunciada dissolução da sociedade. Mais tinham conhecimento de toda a situação financeira, de [não] relações com clientes, das dificuldades existentes, da transformação em mera intermediária comercial.
P. A cessação ocorreu – e a modalidade foi aceite pelas trabalhadoras – por radicar na certeza destas que a realidade – e futuro imediato do estabelecimento e da empresa – era o constante dos acordos firmados e cuja alegação se tem vindo a apresentar.
Q. Ora, o acórdão faz tábua rasa de toda esta factualidade alegada, não a considerando. E dispensando as declarações das próprias trabalhadoras.
R. E, em matéria de caducidade, procedendo à leitura do artigo 343º do CT, cite-se apenas o Acórdão do Relação de Lisboa de 3 de Dezembro de 2012: “o não cumprimento das formalidades exigidas, não acarreta a ilicitude do despedimento, porque a caducidade determina a extinção do vinculo contratual ipso facto, operando de modo automático”.
S. Ademais, e este é outro facto não considerado pelo acórdão, a A./Recorrente procedeu ao pagamento dos créditos laborais, e montantes de compensação, nos termos legalmente exigidos. Também quanto a estes factos devem os mesmos ser dados como provados atenta a prova junta aos autos, revelando-se os mesmos essenciais na verdade material e substancial da causa
T. E a afirmação de estarmos perante um erro de julgamento por errada apreciação e valoração da prova, nos termos e com os fundamentos no disposto na 2ª parte do nº 5 do artigo 607º e c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA.
U. Considerando outras possibilidades – materiais – de cessação de contrato de trabalho, quanto ao despedimento colectivo, de acordo com o artigo 359º, sempre se dirá: “…Verificando-se que os fundamentos que determinaram a cessação (formalmente por acordo) de três contratos de trabalho ocorrida na empresa (…) redução de pessoal e reestruturação da empresa, determinada pelo avolumar de prejuízos financeiros decorrentes da crise existente no mercado (…) é em grande medida comum à que determinou essa extinção, integrando motivos de mercado e estruturais, devem aquelas cessações, para efeitos de quantificação do despedimento colectivo (…) constitui um verdadeiro despedimento colectivo tal como define (…) no artigo 359º”
V. Ora, considerando a factualidade alegada (desconsiderada pelo acórdão) a celebração dos acordos de revogação de contrato de trabalho das trabalhadoras MFDM, IMSLM e LMRCC integram, na essência, um verdadeiro despedimento colectivo, uma vez que na sua génese estiverem motivos estruturais e de mercado, na verdadeira acepção do art. 359º, n.º 2 do CT.
W. E o mesmo raciocínio se poderá fazer quanto às presentes cessações e o instituto da extinção do posto de trabalho, nos termos dos artigos 340.º e 367º do Código de Trabalho.
X. Em termos reais e fácticos esteve na base da cessação dos contratos de trabalho, a verdade é que se verifica que o empregador invocou factos concretos que integram conceitos de motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa, sendo esses mesmos reais e verdadeiros, bem como existe o necessário nexo causal desses motivos com o concreto posto de trabalho, não se podendo pois pensar em que se está na presença de um qualquer despedimento arbitrário (de perto Ac Tribunal da Relação de Lisboa de 11-11-2009, proc. nº 181/09.8TTCSC.L1-4).
Y. Assim, pela situação da A./Recorrente à data das cessações dos contratos de trabalho com as três trabalhadoras supra identificadas e pelos factos alegados e documentos juntos que devem ser valorados, verificamos que, pese embora a cessação, em termos formais se tenha traduzido num acordo de revogação, em termos materiais e substancias a realidade é outra. E esta realidade que deve ser apreciada e valorada. E não o foi.
Z. Analisando todos os factos alegados na P.I. e, atenta a prova, considerando-os como provados, facilmente se pode concluir que a situação de desemprego das trabalhadoras referidas e, em concreto, da trabalhadora LMRCC, não se ficou a dever, na sua essência, a uma vontade das mesmas. A situação de desemprego é involuntária – verdadeiramente involuntária – e não um qualquer conluio como parece querer fazer parecer o douto acórdão de que se recorre.
AA. Nos casos dos presentes autos, quer pelo 9.º, n.º1, al. a), que pelo artigo 9.º, n.º 2 sempre se terá que considerar que a situação de desemprego da trabalhadora LMRCC é INVOLUNTÁRIA. O fundamento invocado pela entidade empregadora não enquadrou, de todo em todo, qualquer facto imputável à trabalhadora. E, assim, nos termos do artigo 8.º a mesma, por esta via, teria direito às prestações sociais de desemprego.
BB. O que defende a A./recorrente é a boa aplicação do direito ao seu caso concreto e o direito, que, salvo o devido respeito, não se compadece com a leitura literal – positivada – da letra da lei, nem com a mera análise de um formulário que enforma o requerimento das prestações sociais.
CC. De facto, atenta a exposição dos factos e a conclusão de que a cessação dos contratos se ficou a dever a motivos objectivos de mercado, e à iniciativa do empregador, não se pode, sob pena de ferir o princípio da igualdade, fixar-se apenas uma cláusula de um acordo e não atender ao vertido nos artigos 8.º e 9.º ora citados. Isso será uma violação da lei e de princípios constitucionalmente consagrados.
DD. Concordamos também com o douto aresto no seguinte trecho acerca daquela enunciação taxativa do legislador: “Bem se compreende, aliás, o que o motivou: tratou-se, visivelmente, de prevenir a fraude por conluio entre empregador e trabalhador” (pág. 14 do acórdão). Só que, de facto, nos presentes autos, inexiste qualquer situação de conluio ou de fraude seja a quem for.
EE. Quanto à tutela dos direitos do Réu, e do interesse público, não houve no presente caso quaisquer danos advindos para o réu, uma vez que o direito às prestações sociais existia – sempre – nos termos do artigo 8.º e 9.º do DL220/2006.
FF. A trabalhadora receberia sempre tais prestações, pelo que também não tinha, não teve, qualquer interesse em “conluiar-se” com a ora A./recorrente.
GG. O entendimento do acórdão não é aplicável ao presente caso, uma vez que não se lhe aplica o artigo 10.º, n.º 4 do DL 220/2006.
HH. Não há, verdadeiramente, um acordo entre empregador e trabalhador, há uma situação objectiva que levaria sempre à cessação do contrato de trabalho em causa e assim ao direito da trabalhadora às prestações sociais, e que formalmente foi transposta num documento assinado como uma manifestação de vontades.
II. Concordamos com a ideia de fundo vertida no acórdão: “No fundo o legislador do n.º 4, ao enunciar taxativamente os casos em que se pode relevar o acordo de cessação e ao fixar um numerus clausus para a quantidade admissível de acordos quejandos por empresa por período, pretendeu prevenir que a Entidade Patronal pudesse, de conluio com um trabalhador até colaborante porque interessado em passar a receber (…) as prestações do subsídio de desemprego, abusar de acordos de cessação como meio mais barato de obter o fim de uma relação de emprego, com a consequência de uma procura excessiva e desnecessária de prestações que tanto pesam no orçamento da Segurança Social”. De facto foi essa a intenção do legislador. Mas tal entendimento não tem qualquer aplicabilidade ao presente caso.
JJ. Como vastamente alegado, e com suporte documental, inexiste, in casu, uma situação de “abuso de acordos de cessação como meio mais barato de obter o fim de uma relação de emprego”. Menos ainda existe “uma consequência de uma procura excessiva e desnecessária de prestações que tanto pesam no orçamento da Segurança Social”.
KK. Quanto ao artigo 63.º do DL 220/2006 de 3/11 no segmento que nos remete para o artigo 10º, poderemos afirmar que não se aplica, in casu, uma vez que o mesmo, no seu nº 4, é consumido desde logo pelo artigo 8.º e 9.º nos termos alegados supra.
LL. Face à realidade dos autos, a cessação poderia ter seguido, pelo menos em tese, quaisquer trâmites formais (quer do despedimento colectivo, quer da extinção do posto de trabalho) mas estaríamos sempre perante uma cessação por iniciativa do empregador com fundamentos em motivos objectivos de mercado. E tal cessação seria válida e lícita com direito da trabalhadora (preenchendo os demais requisitos, a título pessoal) ao recebimento das quantias recebidas – € 11.315,70.
MM. Considerando a existência de uma presunção, a sê-lo, esta mostra-se ilidida.
NN. Por outro lado, a visão do Acórdão de que se recorre é de um positivismo exacerbado, tratando o direito, salvo o devido respeito, como se fosse matemática. De facto, o acórdão não distingue entre acordos de revogação válidos e não válidos, lícitos e não lícitos: pela sua essência. Não cura de saber quais os fundamentos, os verdadeiros, os materiais, que estão por detrás de uma cessação de contrato de trabalho. E, nomeadamente não curou de saber – e assim apreciar a matéria probatória carreada para os autos – quais os fundamentos que estiveram na génese das cessações de contrato em causa nos autos – das cinco trabalhadoras identificadas – e assim da trabalhadora LMRCC.
OO. De facto, para o acórdão recorrido basta que existam mais do que três acordos de revogação, válidos ou não, lícitos ou não, para se encontrar preenchido e verificado o prescrito pelo artigo 63.º por referência ao artigo 10.º, n.º 4 do DL 220/2006: como que preenchimento matemático, silogístico. E com tal não podemos concordar.
PP. Também não se aceita, nesta senda, a leitura do acórdão de que, considerando a petição da A./recorrente, que então “não há caso algum em que se possa aplicar os n.ºs 4 e 5 do artigo 10.º, já que eles pressupõem sempre e em qualquer caso que ocorra uma situação que permitiria o despedimento colectivo ou a extinção do posto de trabalho”. Haverá sempre casos em que não existia – fundadamente – extinção do posto de trabalho e de todo o modo o acordo baseou-se nisso.... ainda que a quota não tenha sido ultrapassada.
QQ. Reiteramos, in casu, deve atentar-se às condições materiais da cessação do contrato de trabalho, e assim também, as condições materiais previstas nos artigos que tutelam a atribuição das prestações de desemprego, nos termos supra alegados. E não apenas ao preenchimento matemático das quotas previstas no n.º 4 do artigo 10.º.
RR. Tal visão fere claramente o princípio de igualdade e de justiça previstos pela Constituição da República Portuguesa, e como tal não se pode aceitar. A verdade é que a boa aplicação do direito não se pode compadecer com uma leitura formalista da lei, e muito menos com uma aplicação matemática da norma: s.d.r., afigura-se que foi essa a leitura feita pelo acórdão recorrido, o que desde já deve se impugna.
SS. Não pode pois, in casu, concluir-se pela obrigatoriedade de devolução das verbas pagas a título de subsídio de desemprego à trabalhadora LMRCC, não devendo assim aplicar-se a exigência do artigo 63.º do DL 220/2006 in casu.
TT. Aliás tal aplicação ao presente caso feriria de morte o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.
UU. De facto, os órgãos da Administração Pública estão vinculados à lei e ao direito, tendo por isso a obrigação de actuar dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos em conformidade com os fins para que os mesmos foram conferidos, nos termos do art. 3º do CPA. E, nos termos do art. 266º da CRP, a Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, estando, por isso, os órgãos e agentes administrativos subordinados à lei, devendo actuar no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios de igualdade, proporcionalidade, justiça e parcialidade – todos princípios com consagração constitucional.
VV. A verdade, é que o Tribunal a quo, no caso em apreço, actuou de acordo com critérios única e exclusivamente formais, tendo ignorado por completo a substância e assim não actuando em conformidade com os princípios que regem a sua actuação ao proferir a decisão que aqui está em causa, não tendo, assim, tido qualquer interesse ou preocupação em aquilatar quais foram os fundamentos que estiveram subjacentes à cessação dos contratos de trabalho com as trabalhadoras já identificadas e com a trabalhadora aqui em causa.
WW. Pelos motivos supra referidos, a visão considerada pelo acórdão recorrido distorce de forma grave o princípio da igualdade e da justiça, ao considerar situações materialmente iguais como diferentes, tornando inconstitucional a visão que faz do artigo 63.º, por referência ao artigo 10.º, n.º 4 do DL 220/2006.
XX. Acresce que, a exigência da devolução da totalidade do montante atribuído a título de subsídio de desemprego, é desproporcionado, violando, desta feita, o princípio da proporcionalidade. Não se mostra adequada tal devolução, pelo que se considera que a aqui Ré não actuou de acordo com os princípios constitucionais por que se deveria reger, sejam eles o da proporcionalidade e o da adequação, desdobrando-se aquele, analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou "justa medida".
YY. E, tudo isto, considerando que a norma contida no artigo 63.º não tem carácter sancionatório (como o próprio acórdão refere), mas apenas de responsabilidade civil. Ora, sem danos, não existe lugar a pagamento de qualquer indemnização. Na verdade, as prestações do subsídio de desemprego sempre seriam atribuídas à trabalhadora: todas as condições materiais se encontravam preenchidas.
ZZ. Da exigência do pagamento aqui em causa, nenhuma outra conclusão se poderá retirar que tal actuação é contrária aos princípios constitucionais de justiça e da proporcionalidade, para além de que a interpretação do artigo 63.º feita pelo acórdão recorrido viola e de forma clara o princípio da igualdade (artigo 13.º CRP).
O recorrido contra-alegou, tendo apresentado as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto da douta decisão de 26 de Novembro de 2014, que julgou improcedente a acção administrativa especial e absolveu o Réu, aqui Recorrido;
II. Ao decidir como decidiu o douto Acórdão recorrido fez uma correta aplicação do direito aos factos, não merecendo qualquer reparo, pelo que deve ser mantida;
III. Improcedendo, por infundado, o presente recurso;
IV. Alega a Recorrente que o douto Acórdão “incorre em erro de julgamento por errada apreciação e valoração de prova, nos termos e com os fundamentos no disposto na 2.ª parte do n.º 5 do artigo 607.º e alínea d) do artigo 615.º do CPC, por remissão do artigo 1.º do CPTA.”,
V. Sucede que o Tribunal a quo, perante o extenso articulado formulado pela Autora, aqui Recorrente, viu-se na contingência de limitar os factos assentes aos directamente conexos com a validade do acto sindicado, sob pena de efectuar diligências meramente dilatórias e chegar a juízos que se iriam afigurar inúteis,
VI. Tendo chegado à conclusão de que “na verdade o que está em causa nos Autos é a aplicação da lei a factos incontroversos. Não se trata de erro algum de facto, mas sim, se o houver, de um erro de direito.”
VII. A Recorrente reitera que a empresa se encontrava numa situação económica difícil e que todas as trabalhadoras, incluindo LMRCC, tinham conhecimento da conjuntura adversa em que a empresa se encontrava,
VIII. Ora tal facto não é controvertido, nem tão pouco é o facto de que as trabalhadoras tinham conhecimento do contexto em que foram operadas as cessações dos contratos de trabalho.
IX. A conjuntura adversa que a empresa atravessava apenas serve para enquadrar a razão pela qual foram cessados os contratos de trabalho por acordo fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho,
X. Situação que mereceu a qualificação da situação de desemprego da trabalhadora em causa, como involuntária, nos termos e para os efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º conjugada com o n.º 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro.
XI. Não é igualmente controvertido o facto de ter sido criada a convicção na trabalhadora LMRCC, pela aqui Recorrente, de que se encontravam preenchidas as condições previstas no n.º 4 do artigo 10.º, nos termos e para os efeitos do artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro,
XII. Pelos motivos expostos, entende o Recorrido que inexiste qualquer errada apreciação e valoração de prova, nos termos e para os efeitos do disposto na 2.ª parte do n.º 5 do artigo 607.º e alínea d) do artigo 615.º do CPC, por remissão do artigo 1.º do CPTA.
XIII. A Recorrente termina “que a decisão de que se recorre viola os artigos 8.º e 9.º do DL 20/2006, de 3-11, bem como os artigos 359.º e ss e 367.º e ss do CTrab, fazendo uma interpretação inconstitucional do artigo 63.º do DL 220/2006, em clara violação do princípio da proporcionalidade, justiça e igualdades – princípios com assento constitucional.”
XIV. Ora, o Decreto-Lei nº 220/2006, de 3-11, estabelece no âmbito do subsistema previdencial o quadro legal da reparação da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem, sem prejuízo do disposto em instrumento internacional aplicável;
XV. E, entre outros, são considerados em situação de desemprego involuntário os trabalhadores cujos contratos de trabalho tenham cessado por acordo fundamentado em motivo que permita o recurso ao despedimento colectivo ou ao despedimento com fundamento na extinção do posto de trabalho, sendo as suas regras e limites estabelecidas nos nºs 4 e 5 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 220/2006 de 3-11;
XVII. Ora, conforme bem entendeu o douto Tribunal a quo, considerando que, no caso em apreço, os limites enunciados na norma acima referida não foram respeitados no que concerne ao acordo celebrado entre a Autora e a trabalhadora LMRCC, a Recorrente é, na qualidade de entidade empregadora, responsável perante a Segurança Social, nos termos do artigo 63º do Decreto-Lei nº 220/2009, de 3 de Novembro;
XVIII. A este respeito, dispõe o artigo 63º do citado diploma legal que, nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, do preenchimento das condições previstas no nº 4 do artigo 10º, e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento da totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego;
XIX. Entende o Recorrido que o Tribunal a quo decidiu em conformidade com a expressiva jurisprudência proferida sobre esta matéria, nomeadamente com os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19 de Novembro de 2009, proferido no Processo nº 0513/09, e de 24 de Janeiro de 2013, proferido no Processo n.º 09158/12.
XX. Decidiu ainda o Tribunal a quo que “se acaso ocorrer, antes ou no decurso do vencimento das prestações do subsídio de desemprego inicial, um facto extintivo do direito ao trabalhador ao subsídio, deixarão de estar reunidos os pressupostos presumidos pela lei e pelo acto administrativo para a exigência da totalidade daquele valor ao ex-empregador. (…),
XXI. Concluindo, afinal, que “isso, obviamente em nada contende com a legalidade e, portanto, com a plena validade do acto administrativo pelo qual foi exercido o sobredito poder/dever da Administração, de exigir desde logo a totalidade do valor correspondente à prestação inicial de desemprego nos termos do artigo 63.º citado.”
XXII. Por esse motivo, considera o Recorrido que a análise cuidada do artigo 63º do Decreto-Lei nº 220/2006, feita no estrito cumprimento do artigo 9º do Código Civil, não admite, salvo melhor opinião, outro entendimento, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições em que é aplicada;
XXIII. De facto, foi entendimento do legislador que se o empregador não cumpriu os pressupostos legais para fazer cessar contratos de trabalho (cf. Artigo 9º, nº 1 alínea d) e 10º nºs 1 e 4 do Decreto-Lei nº 220/2006, de 3 de Novembro) deve ser responsabilizado pelo pagamento da totalidade do período para que é concedida a prestação inicial de desemprego;
XXIV. Assim, deve manter-se, por válida e legal, a decisão impugnada que exigiu à Recorrente o pagamento do montante de Euros 11.315,70 atribuído a título de subsídio de desemprego por ter criado, na trabalhadora LMRCC, a convicção de que se encontrava dentro do limite de quotas estabelecido para acesso às prestações de desemprego, o que não sucedeu.
XXV. Acresce que, conforme certidão oportunamente junta aos Autos, já foi integralmente paga, pelo aqui Recorrido, a totalidade do montante de subsídio de desemprego à trabalhadora LMRCC.
O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA pronunciou-se nos termos que aqui se dão como produzidos tendo concluído que deve ser negado provimento ao recurso.
As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:
— se ocorre erro de julgamento, pelo Tribunal a quo por ter decidido que com a cessação do contrato de trabalho do trabalhador em causa nos autos foi ultrapassado o limite estabelecido pelo artigo 10º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro.
Cumpre decidir.
2– FUNDAMENTAÇÃO
2.1 – DE FACTO
No Acórdão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:
1 - A Autora, constituída em sociedade comercial Unipessoal por quotas, com sede em Vila Nova de Anços, concelho de Soure, foi matriculada na conservatória do registo comercial de Soure em 16/2/2007 sob a apresentação nº 9/20070216.
2 - Tem como objecto social o fabrico e venda de produtos alimentares, designadamente, sandes e pastelaria diversa (doc. 01 da PI).
3 - O número de trabalhadores ao seu serviço nunca atingiu o número de dez.
4 - A Autora dedicava-se ao fabrico e comercialização de produtos alimentares, nomeadamente sandes e pastelaria diversa e bem assim ao empacotamento, acondicionamento e respectiva preparação, quando necessário, de produtos alimentares adquiridos a diversos fornecedores que depois comercializava, vendendo essencialmente a empresas de venda de produtos em máquinas de venda automática, vulgo, vending (doc. 01 da PI).
6 - No dia 22 de Novembro de 2010 a Autora e a sua trabalhadora LMRCC outorgaram o acordo de cessação do contrato de trabalho cuja cópia é Doc. 27 da PI e aqui se dá como integralmente reproduzida.
7 - No mesmo dia a Autora outorgou com outra suas duas trabalhadoras os acordos de cessação do contrato de trabalho.
8 - Nos dias 12/7/2010 e 15/9/2010 a Autora outorgara com outras duas trabalhadoras, respectivamente, os acordos de cessação do contrato de trabalho.
9 - Todas estas trabalhadoras requereram – e foi-lhes atribuído – com base nestes acordos, o subsídio de desemprego, com início em 23/11/2010 (as dos acordos de 22/11), 3/8 (a do acordo de 12/7) e 21/9 (a do acordo de 15/9).
10 - Todos os acordos mencionavam expressamente que “foi dado a conhecer à segunda Outorgante (a trabalhadora), que a (...) cessação do contrato (…) teve em consideração a quota prescrita na alínea a) do nº 4 do Decreto-Lei nº 220/2006 de 02 de Novembro, que estipula que nas empresas que empreguem até 250 trabalhadores são consideradas as cessações de contrato de trabalho até três trabalhadores, inclusive, em cada triénio”.
11 – Consta do of.º n.º 41449, datado de 26 de Março de 2012, dirigido à Autora, subscrito pela Chefe de Equipa do Núcleo de Prestações do Sistema Previdencial, da Unidade de Prestações e Atendimento, do Centro Distrital de Coimbra do Instituto Réu:
“Pelo presente ofício e nos termos do despacho proferido em 23/03/2012, do Director do Núcleo de Prestações do Sistema Previdencial, proferido no uso de competência subdelegada, notifica-se V. Ex.ª que é exigido o pagamento de € 11.315.70 (…), correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego da trabalhadora identificada, nos termos do art.º 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11, nos termos e com os fundamentos a seguir indicados:
(…)
2.2 – DE DIREITO
Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi, do art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.
Vejamos então.
I.A recorrente vem, nas suas longas conclusões, lançar uma crítica feroz ao acórdão recorrido uma vez que, segundo refere, se trata de uma decisão formal e que não teve em atenção o contexto em que foram celebrados os acórdãos de revogação, especialmente o acordo de revogação da trabalhadora em causa nos autos. Dever-se-ia, e esta será a critica principal realizada ao acórdão recorrido, proceder à produção de prova uma vez que o acordo celebrado teve outros motivos que não os referidos no referidos no mesmo.
Ou seja, o acordo de revogação refere uma coisa, mas aconteceu outra, pelo que a entidade recorrida deveria saber (adivinhar, dizemos nós), que a finalidade do acordo tinha sido outra e não deveria ter aplicado o artigo 63º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro. Estaríamos perante uma situação de desemprego involuntário e não perante um acordo de revogação de contrato.
É de referir, desde já, que não se percebem muito bem estas alegações do recorrente, podendo mesmo ser consideradas um venire contra factum proprium, nem o acórdão recorrido merece a censura que lhe é feita.
Vejamos a legislação aplicada ao caso concreto.
Através do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, veio a ser revisto o regime jurídico de protecção no desemprego, constando do artigo 8º, n.º 1, que a titularidade do direito ao subsídio de desemprego e subsídio social de desemprego é reconhecida aos beneficiários cujo contrato de trabalho tenha cessado nos termos do artigo 9º.
De acordo com este artigo 9º, n.º 1, o desemprego considera-se involuntário sempre que a cessação do contrato de trabalho decorra de:
a) Iniciativa do empregador;
b) Caducidade do contrato não determinada por atribuição de pensão;
c) Resolução com justa causa por iniciativa do trabalhador;
d) Acordo de revogação celebrado nos termos definidos no presente decreto-lei.
Por seu lado, de acordo com o artigo 10º do mesmo diploma, “1 - Considera-se desemprego involuntário, para efeitos da alínea d) do nº 1 do artigo anterior, as situações de cessação do contrato de trabalho por acordo, que se integrem num processo de redução de efectivos, quer por motivo de reestruturação, viabilização ou recuperação da empresa, quer ainda por a empresa se encontrar em situação económica difícil, independentemente da sua dimensão.
O n.º 2 refere que: Para efeitos de aplicação do número anterior considera-se…
Nos termos do n.º 4 do mesmo artigo: 4 - Para além das situações previstas no n.º 2 são, ainda, consideradas as cessações do contrato de trabalho por acordo fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho, tendo em conta a dimensão da empresa e o número de trabalhadores abrangidos, nos termos seguintes: a) Nas empresas que empreguem até 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até três trabalhadores inclusive ou até 25% do quadro de pessoal, em cada triénio;
b) nas empresas que empreguem mais de 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até 62 trabalhadores inclusive, ou até 20% do quadro de pessoal, com um limite máximo de 80 trabalhadores em cada triénio.
Refere o artigo 63º do mesmo diploma que: “ Nas situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, do preenchimento das condições previstas no nº 4 do artigo 10º, e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego.”
No caso dos autos, uma vez que a recorrente ultrapassou com o acordo de revogação, referente à trabalhadora LMRCC, o limite das quotas estabelecidas no n.º 4 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 200/2006, de 3 de Novembro, a entidade recorrida aplicou o artigo 63º do referido Decreto-Lei, solicitando o reembolso do subsídio correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial.
A recorrente não vem colocar em causa esta factualidade. Vem sustentar que deveria ter sido feita prova sobre o real motivo do acordo de revogação celebrado, uma vez que este teria sido por motivos de extinção do posto de trabalho tendo em atenção a situação económica em que se encontrava. Estaremos perante uma situação desemprego involuntário.
Ou seja, vem a recorrente referir que o acordo que celebrou com a trabalhadora em causa nos autos não reflecte a verdade dos factos pelo que o Tribunal deveria ter feito prova sobre a verdadeira razão da situação e desemprego da referida trabalhadora.
O acordo de revogação de contrato de trabalho encontra-se a fls. 264 e sgs dos autos (n.º 6 da matéria de facto dada como provada) constando do mesmo os motivos que levaram à extinção do posto de trabalho. Aliás os motivos invocados encontram-se exaustivamente tratados, pelo que não se compreende que prova pretendia fazer a recorrente.
Sustenta que estaríamos perante uma caducidade do contrato por força dos n.ºs 3 e 4, do artigo 346º do Código de Trabalho, ou seja, por motivo de encerramento da empresa. Ora, não se encontra provado, nem a recorrente junta qualquer documento que demonstre que a empresa em 2010 já se encontrava total e definitivamente encerrada. Aliás, na sua petição inicial vem, por várias vezes, referir actividades que desempenhou em 2011 (ver, como exemplos os artigos 42º e 50º), o que demonstra que, pelo menos nesta data, ainda se encontrava a funcionar. Ou seja, a cessação dos contratos em 2010 não poderiam ter como causa o encerramento total e definitivo da empresa, como vem referido no n.º 3 do artigo 346º do CT.
De notar que nos termos do artigo 3º, n.º 1 do CPTA “ no respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua actuação”
Quer isto dizer que compete aos Tribunais Administrativos julgar pelo cumprimento das normas e princípios jurídicos que vinculam a Administração.
No caso concreto, tendo sido celebrado entre a recorrente e uma sua trabalhadora acordo de revogação de posto de trabalho e tendo estes documentos sido submetidos à apreciação da Administração para proceder à atribuição do Subsídio de Desemprego, não poderia esta efectuar outra coisa a não ser analisar e aplicar ao caso concreto o contrato celebrado.
Não pode a recorrente vir, posteriormente, solicitar que se anule o acto praticado com base num documento que foi entregue na Administração referindo que o que foi escrito não corresponde à realidade. A Administração encontra-se sujeita ao princípio da legalidade e tendo-lhe sido apresentado um documento assinado pelas partes sobre determinada matéria não poderia retirar outra conclusão a não ser aquela que consta dos documentos.
Se no documento se refere, na sua cláusula 10º, que “ foi dado a conhecer à segunda Outorgante que a presente cessação do contrato de trabalho teve em consideração a quota prescrita na alínea a) do n.º 4 do artigo 10 do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro…”, não se percebe como pode vir a recorrente sustentar que não se podia tirar a conclusão que tirou a Administração de tal documento.
De notar que, de acordo com o artigo 10º do Decreto-Lei ora em análise, para além das situações previstas no n.º 2 são, ainda, consideradas as cessações do contrato de trabalho por acordo fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho.
Ou seja, são consideradas cessações de contrato de trabalho, para que se possa considerar desemprego involuntário a ser considerados para efeitos de atribuição do subsídio de desemprego, as cessações que se realizem por acordo, cujo fundamento invocado pudesse permitir o recurso ao:
a) despedimento colectivo, ou
b) por extinção do posto de trabalho.
No caso dos autos, no acordo de revogação do contrato de trabalho vem descrita a situação cítica da empresa. Conclui-se, por essa razão, que será extinto o posto de trabalho da trabalhadora em causa (cláusula 7). Nesta sequência foi dado a conhecer à trabalhadora que a presente cessação teve em consideração a quotas referidas no artigo 10º al. a), nº 4, do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro. Não se vê que haja qualquer irregularidade, ou falta de clareza, na situação em causa para que a entidade recorrida não pudesse retirar as consequências da recorrente ter ultrapassado as quotas referidas no artigo 10º.
O facto de a recorrente ter pago todos os créditos laborais devidos pela cessação do contrato em nada vem influenciar a decisão ora referida.
Assim sendo, mesmo estando em causa factos que pudessem levar a um verdadeiro despedimento colectivo, em nada alteraria a apreciação ora realizada quanto ao acto impugnado. Ou seja, mesmo que se viessem a provar tais factos, e não se põe em causa que tal aconteça, não há motivos para alterar o anteriormente decidido. Aliás, como já vimos, nos termos do n.º 4 do artigo 10º, o acordo de revogação por ter como fundamentos factos que pudessem levar a um despedimento colectivo. No entanto não estamos perante nenhum despedimento colectivo nem perante o encerramento definitivo da empresa para que pudesse ocorrer outra solução.
Assim sendo, tendo no caso dos autos ocorrido acordo de revogação, com os fundamentos aí constantes, e tendo sido criado no trabalhador a convicção do preenchimento das condições previstas no n.º 4 do artigo 10º, como refere o artigo 63º, estão criadas todas as condições para poder ser aplicável tal artigo, nada havendo a referir quanto a esta conclusão retirada pela decisão recorrida.
Estamos numa situação equivalente à de desemprego involuntário, mas não se verifica que este tenha ocorrido por nenhuma das condições deferidas nas três primeiras alíneas do artigo 9º, a situação pretendida pela recorrente.
Não está em causa uma cessação por iniciativa do empregador (alínea a), por caducidade do contrato (alínea b), nem uma resolução com justa causa por parte do trabalhador (alínea c). Está em causa um acordo de revogação, ainda que motivado por questões atinentes à situação precária da empresa, questão já referida na decisão recorrida e que se vê se encontra correctamente decidida.
I- Sustenta ainda a recorrente que este artigo 63º será inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da igualdade da justiça e da imparcialidade uma vez que o montante do subsídio a desembolsar pelo empregador seja superior ao subsídio pago pela Segurança Social. Haveria assim enriquecimento sem causa desta Entidade Pública.
Como se verifica do acto impugnado veio a entidade recorrida referir que:
Pelo presente ofício e nos termos do despacho proferido em 23/03/2012, do Director do Núcleo de Prestações do Sistema Previdencial, proferido no uso de competência subdelegada, notifica-se V. Ex.ª que é exigido o pagamento de € 11.315.70 (…), correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego da trabalhadora identificada, nos termos do art.º 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11, nos termos e com os fundamentos a seguir indicados
Ou seja, veio a entidade demandada, ora recorrida, solicitar ao recorrente que procedesse ao reembolso do subsídio de desemprego que foi ou irá ser efectivamente atribuído ao trabalhador. Não está em causa a reposição de um qualquer montante abstracto ou imponderado. Está em causa a reposição do montante que foi atribuído ao trabalhador e que se encontra em processamento (encontra-se já referenciado nos autos que a trabalhadora já teria recebido a totalidade do subsídio, questão que não foi posta em causa). Se está em causa o montante do subsídio a atribuir ao trabalhador não se pode concluir que ocorra qualquer enriquecimento sem causa por parte da entidade recorrida, nem a locupletação pela sua parte de um qualquer montante que não esteja legalmente previsto. Não vemos assim que ocorra qualquer inconstitucionalidade no artigo em questão.
De notar que através do artigo 63º, ora em análise, pretende-se penalizar os empregadores que procedam ao despedimento de trabalhadores sem o cumprimento de determinadas regras. Estamos perante um mecanismo que pretende proteger as situações dos trabalhadores no desemprego visando também combater a fraude e promover a poupança de recursos da segurança social. Estamos perante a responsabilização do empregador pelas situações que possam violar as regras de cessação do contrato de trabalho.
Aliás, esta questão vem referenciada no preâmbulo do referido diploma quando se refere:
Destaca-se ainda o facto de as medidas de combate à fraude, para além da promoção da poupança de recursos na segurança social, penalizarem os comportamentos que distorcem a concorrência entre empresas. Assim, são definidas com rigor as condições em que, mesmo nos casos de cessação do contrato por acordo entre a entidade empregadora e o trabalhador, se mantém o acesso ao subsídio de desemprego, pois o sistema de protecção social não deve continuar a suportar os custos decorrentes de todas as situações de acordo entre trabalhadores e empresas, sem prejuízo, contudo, da consideração de situações específicas de verdadeira reestruturação das empresas, com vista a garantir a sua viabilidade e económica, e, assim, dos postos de trabalho em causa.
Por seu lado, e como muito bem refere o Digno Procurador-Geral Adjunto na sua pronúncia: ”Assim, inexiste qualquer margem de discricionariedade na aplicação da norma resultante do artigo 63,° do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03-11, pois, só nessa eventualidade, é que poderia ser avaliado, para todos os efeitos, o princípio da proporcionalidade na tomada da decisão. O acto administrativo que ordena o pagamento do montante correspondente ao período da concessão do subsídio de desemprego é estritamente vinculado”.
De todo o anteriormente explanado se conclui que não se verifica qualquer inconstitucionalidade referente ao artigo 63º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, para que se possa afastar a aplicação do mesmo ao nosso caso concreto.
Assim sendo, a decisão recorrida não padece dos vícios invocados, pelo que deve a mesma ser mantida.
3. DECISÃO
Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente
Notifique
Porto, 4 de Março de 2016
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Luis Miguéis Garcia
Ass.: Esperança Mealha |