Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00014/11.5BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/11/2014
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E PESSOAS COLECTIVAS PÚBLICAS; PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário:I- O lançamento de fogo de artifício é tido como actividade perigosa;
I.1- a responsabilidade da Recorrente pelos danos provocados no desempenho destas actividades tem de ser analisada à luz do artº 8º do DL 48051, diploma vigente ao tempo da produção dos danos;
I.2- nesse artigo não está em causa uma responsabilidade objectiva ou pelo risco, ao contrário do entendimento seguido na decisão recorrida;
I.3- estamos, sim, em pleno domínio da responsabilidade civil extra-contratual assente na culpa;
I.4- aquele preceito estabelece, contudo, uma inversão do ónus da prova, presumindo-se a culpa de quem exerce uma actividade perigosa;
dito de outro modo, o comprometimento indemnizatório da aqui Recorrente só poderá ser excluído no caso de, não obstante a verificação dos danos provocados aos Autores, pudermos reconhecer que aquela elidiu a presunção de culpa que sobre si recaía;
I.5- de acordo com o mesmo, essa presunção será afastada se se provar que os danos foram causados por “força maior”, por um “terceiro” ou pelo “próprio lesado”, desde que tenham sido adoptadas todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir;
I.6- no caso em concreto a ora Recorrente logrou demonstrar tal desiderato;
I.7- afastada a presunção de culpa contida naquele normativo, falta, desde logo, um dos pressupostos da responsabilidade civil;
I.8- assim, a sentença recorrida que assentou toda a sua construção na premissa de que, por se estar na presença de uma actividade perigosa, se está perante um caso de responsabilidade civil pelo risco, descurando a apreciação dos demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, não pode ser mantida na ordem jurídica.+
+ Sumário elaborado pela Relatora.
Recorrente:Figueira Grande Turimo, EM
Recorrido 1:MOCRA... e Outro(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
MOCRA..., FMGF..., PDFC... e MRSF... instauraram acção administrativa comum, com processo ordinário contra a Figueira Grande Turismo EM, Companhia de Seguros A... Portugal, SA, Pirotecnia X... SL, Mafre, Empresas SA e RNC..., tendo sido habilitados por óbito deste, CAOFC... e MGFC..., todos já melhor identificados nos autos, pedindo o seguinte:
-a procedência da acção e a condenação solidária dos RR na pretensão dos AA. concretizada no ponto VIII da p.i, acrescida dos juros vincendos;
-a condenação solidária dos RR. no pagamento dos valores que vierem a ser pedidos pelo SNS ao 4º A. pelas intervenções cirúrgicas de que foi alvo.
Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra foi julgado assim:
a)Absolvo da instância os RR. Pirotecnia X... SL; M... Empresa SA e CAOFC... e MGFC... e Companhia de Seguros A... Portugal, SA;
b)Julgo parcialmente procedente a acção e condeno a R. Figueira Grande Turismo EM a pagar aos AA., em termos de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, os seguintes montantes, acrescidos de juros legais desde a citação:
A)MOCRA…: € 22 776,00;
B)FMGF...: € 19 567, 38;
C)PMFC…: € 10 494,00;
D)MRRF…: € 19 313, 32.
Fica ainda esta Ré condenada no pagamento das cirurgias a que foi submetido o quarto Autor e resultantes do acidente em causa nos autos.
Desta decisão vem interposto recurso pela Ré Figueira Grande Turismo E.M..
Em alegação formulou as seguintes conclusões:
1. O lançamento de fogo de artifício é considerada uma actividade perigosa;
2. A responsabilidade da Recorrente pelos danos provocados no desempenho destas actividades é analisada de acordo com o preceituado no art. 8.º do Decreto-lei n.º 48051, por ser o diploma vigente aquando da ocorrência dos danos;
3. Nesse art. 8.º não está em causa uma responsabilidade objectiva ou pelo risco, ao contrário do entendimento seguido pela douta decisão recorrida;
4. Estamos, sim, em pleno domínio da responsabilidade civil extracontratual baseada na culpa;
5. Este artigo estabelece, contudo, uma inversão do ónus da prova, presumindo-se a culpa por parte de quem exerce uma actividade perigosa;
6. De acordo com o mesmo, essa presunção será ilidida se se provar que os danos foram causados por “força maior”, por um “terceiro” ou pelo “próprio lesado”, desde que tenham sido empregadas todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”;
7. Pela matéria de facto assente, comprovou-se que a Recorrente empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos sofridos pelos Recorridos;
8. Os danos foram ocasionados pelo rebentamento de uma das granadas no interior de um tubo de lançamento;
9. Não obstante não se descortinar quem, por acção ou omissão, provocou este rebentamento, forçoso é concluir que este acto causador dos danos não foi provocado pela Recorrente, mas sim por quem produziu o foguete ou pelo fogueteiro;
10. Havendo danos e tendo a Recorrente empregado todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos sofridos pelos Recorridos, obrigatoriamente eles têm de ter sido provocados por um dos sujeitos supramencionados, o mesmo será dizer por “terceiros”;
11. Assim, o requisito do art. 8º do Decreto-lei n.º 48051, segundo o qual “salvo se, nos termos gerais, se provar que (...) houve culpa de terceiro”, está, no caso sub judice, preenchido;
12. Por conseguinte, está ilidida a presunção de culpa prevista nesse preceituado;
13. Não se demonstrando o requisito culpa preenchido, a Recorrente não pode nunca ser responsabilizada pelos danos que os Recorridos sofreram, sob pena de violação crassa do preceituado no art. 8.º do Decreto-lei n.º 48051, que apresenta um regime idêntico ao previsto no art. 493.º, n.º2, do CC.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com base em todo o supramencionado, revogando-se a decisão a quo, absolvendo-se, por consequência, a Recorrente do pedido, só assim se fazendo
JUSTIÇA.
Não foram oferecidas contra-alegações.
O MP, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º/1 do CPTA, não emitiu qualquer parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. No dia 3 de Maio de 2005, entre a Empresa Municipal Figueira Grande Turismo-EM e RNC... foi assinado documento denominado por “ Contrato de Prestação de Serviços” (alínea A) da matéria de facto dada como assente);
2. O documento assinado entre Empresa Municipal Figueira Grande Turismo-EM e RNC..., denominado por “Contrato de Prestação de Serviços” contém uma denominada “Cláusula 1.ª” que refere que “ … o presente contrato tem por objecto o fornecimento de fogo-de-artifício para S. JOÃO 2005…” (alínea B) da matéria de facto dada como assente);
3. O documento assinado entre Empresa Municipal Figueira Grande Turismo-EM e RNC..., denominado por “Contrato de Prestação de Serviços” contém uma denominada “Cláusula 2.ª” que refere que “ … o fornecimento dos serviços a prestar (…) será executado (…) pelo RN..., e este obriga-se a executar todos os trabalhos que constituem o seu objecto, observando as regras fundamentais de segurança exigidos…” (alínea C) da matéria de facto dada como assente);
4. O documento assinado entre Empresa Municipal Figueira Grande Turismo-EM e RNC..., denominado por “Contrato de Prestação de Serviços” contém uma denominada “Cláusula 7.ª” que refere que “ …Quaisquer danos causados a terceiros e provenientes do transporte e execução dos trabalhos, agindo dolosa ou culposamente serão da responsabilidade do segundo outorgante, mesmo que praticados pelos seus funcionários…”(alínea D) da matéria de facto dada como assente);
5. Por força de um atraso, o fogo-de-artifício acabou por ter lugar já no dia 24 de Junho de 2005, à 01h 25 na praia da claridade na Figueira da Foz (alínea E) da matéria de facto dada como assente);
6. A Autora MOA... foi internada de urgência no Serviço de Cirurgia do Hospital Distrital da Figueira da Foz, em 24 de Junho de 2005 (alínea F) da matéria de facto dada como assente);
7. Por ferida perfurante da região peitoral provocada por estilhaços de pirotecnia que provocou queimadura dos bordos da ferida (alínea G) da matéria de facto dada como assente);
8. A Autora MOA... teve alta médica em 3 de Julho de 2005, passando ao regime ambulatório (alínea H) da matéria de facto dada como assente);
9. Declaração, a fls. 112 e 113 dos autos, com timbre de “MRC..., Hospitais da Universidade de Coimbra, Dermatologista”, onde se declara que “…tendo observado em consulta de dermatologia a Sr.ª D.ª MOA... desde 2-9-05 queimaduras (…) tendo sido efectuados tratamentos tópicos nomeadamente anticépticos, antibióticos, emoliente e fotoprotectores…”(alínea I) da matéria de facto dada como assente);
10. Em 7 de Dezembro de 2007, foi subscrito documento por perito médico Dr.ª RS..., assistente de medicina legal, denominado por “Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil”, onde consta na epígrafe “Dados Documentais” que o Autor FMGF... esteve internado no serviço de cirurgia do Hospital Distrital de Figueira da Foz “…em 24 de Junho de 2005 por queimadura do 2.º e 3.º grau do hemitórax direito e região lombar com área de 5%...” (alínea J) da matéria de facto dada como assente);
11. E que “…fez pensos e teve alta em 04-07-2005, passando a regime ambulatório…” (alínea L) da matéria de facto dada como assente);
12. Em 30 de Outubro de 2007, foi subscrito documento por perito médico Dr.ª RS..., assistente de medicina legal, denominado por “Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil”, onde consta na epígrafe “Dados Documentais” que o Autor PDFC... foi internado no serviço de cirurgia do Hospital Distrital de Figueira da Foz “…em 24 de Junho de 2005 por queimadura do 2.º e 3.º grau do hemitórax direito e região lombar com área de 5%...” (alínea M) da matéria de facto dada como assente);
13. E que “…fez pensos e teve alta em 04-07-2005, passando a regime ambulatório…” (alínea N) da matéria de facto dada como assente);
14. No dia 24 de Junho de 2005, pelas 03h45, no serviço de urgência do Hospital Distrital da Figueira da Foz, foi o Autor MRRF... observado com “… queimadura de 3.º grau perfurante na região maxilar esquerda por estilhaço de fogo de artifício…”(alínea O) da matéria de facto dada como assente);
15. O Autor MRRF... teve alta no mesmo dia 24 de Junho de 2005 (alínea P) da matéria de facto dada como assente);
16. No dia 26 de Outubro de 2005, a enfermeira F... subscreve documento, denominado de “HUC – Cirurgia Maxilo-Facial. Pequena Cirurgia/Cirurgia Ambulatória”, onde refere que o Autor MRRF... foi submetido a “…Exérese de tatuagem palpebral inferior esquerda… “ (alínea Q) da matéria de facto dada como assente);
17. No dia 5 de Julho de 2006, a médica MICOA..., subscreve documento timbrado dos Hospitais da Universidade de Coimbra, denominado de “Relatório Médico”, onde refere que o Autor MRRF... “ …apresentava drenagem purulenta da região palpebral inferior e à palpação identificava-se corpo estranho dessa mesma região. Foi então enviado ao serviço de cirurgia maxilo-facial para tratamento complementar, tendo sido submetido a terapêutica cirúrgica em 20-09-2005 – Extracção de corpo estranho …” e “… Em 26/10/2005, sob anestesia local, exérese de tatuagem palpebral inferior esquerda (…) e em 18/04/2006 fez exérese de pequeno corpo estranho também na região palpebral inferior esquerda…” (alínea R) da matéria de facto dada como assente);
18. As granadas utilizadas no fogo-de-artifício foram adquiridas à empresa Pirotecnia X... SL (alínea S) da matéria de facto dada como assente);
19. Em 17 de Junho de 2005, entre a Figueira Grande Turismo-EM e a Companhia de Seguros A... Portugal SA foi assinado documento denominado por “A... RC Foguetes – Apólice (...)” (fls. 226 – 239 dos autos que aqui se dão como reproduzidas), e de onde consta a informação “…Duração do Seguro – início 23/06/2005 - Questionário Relativo ao Risco – RN... Cunha e Cobertura/Capitais € 50.000…”(alínea T) da matéria de facto dada como assente);
20. O documento denominado por “A... RC Foguetes – Apólice (...)” assinado entre a Figueira Grande Turismo-EM e a Companhia de Seguros A... Portugal SA refere que os subscritores “…Declaro que tomei conhecimento de todas as condições legais e contratuais que regulam este Seguro e cujo texto consta do verso da presente Apólice/Recibo…”(alínea U) da matéria de facto dada como assente);
21. Em 5/08/2009 foi assinado documento denominado por “Participação de Sinistro-Multi Riscos e Diversos” pela Figueira Grande Turismo-EM entregue à Companhia de Seguros A... Portugal SA, em 10/08/2009, contendo a seguinte descrição do sinistro “…Quando se efectuava o espectáculo pirotécnico uma granada rebentou no interior do tubo de lançamento…” (alínea V) da matéria de facto dada como assente);
22. No dia 18 de Março de 2007, o perito médico Dr. CP..., subscreve documento timbrado do Instituto Nacional de Medicina Legal – Gabinete Médico-Legal de Figueira da Foz, que aqui se dá como inteiramente reproduzido, relativo à Autora MOA..., onde refere no ponto B. “Exame Objectivo” que “…2. Lesões e/ou sequelas relacionadas com o evento: o(a) examinado(a) apresenta as seguintes sequelas: - pescoço: Área de pigmentação escuta de 0,5cm de diâmetro na região lateral esquerda (…) e outra de dimensões semelhantes na face antero-lateral esquerda do pescoço. Tórax: Área cicatricial em forma de borboleta na face anterior e mediana do tórax com 14cm de maior largura e 12cm de maior altura, com áreas eritematosos e outras despigmentadas. Abdómen: Área cicatricial na região superior do abdómen do epigastro até ao hipocôndrio e mais áreas de despigmentação na região periumbilical superior e esquerda de forma irregular de 4cm, 3cm e restantes de forma circular com 0.5cm de diâmtetro…”, de onde constam as seguintes conclusões. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 12-04-2006, tendo em conta o tipo de lesões resultantes e o tipo de tratamentos efectuados. Período de incapacidade temporária geral total fixável num período de dez dias. Período de incapacidade temporária geral total fixável num período de 283 dias. Quantum doloris fixável no grau 4/7. Incapacidade permanente geral fixável em 5% Dano estético fixável em 5/7 (alínea X) da matéria de facto dada como assente);
23. A Autora MOA... pagou o valor de € 123,80 de produtos farmacêuticos, na farmácia “G...” (alínea Z) da matéria de facto dada como assente);
24. Em 21 de Março de 2007, a Autora MOA... pagou o valor de € 384,00 pelo relatório de avaliação corporal em direito civil, efectuado pelo instituto de medicina legal da Figueira da Foz (alínea AA) da matéria de facto dada como assente);
25. Em 30 de Outubro de 2007, o Autor FMGF..., pagou o valor de € 384,00 pelo relatório de avaliação corporal em direito civil, efectuado pelo instituto de medicina legal – delegação do Centro (alínea BB) da matéria de facto dada como assente);
26. O Autor FMGF..., pagou o valor de € 66,38 de taxas moderadoras relativas, ao Hospital Distrital de Figueira da Foz (alínea CC) da matéria de facto dada como assente);
27. No dia 7 de Dezembro de 2007, o perito médico Dr.ª RS..., subscreve documento timbrado do Instituto Nacional de Medicina Legal – Gabinete Médico-Legal de Figueira da Foz, relativo ao Autor FMGF..., que aqui se dá como inteiramente reproduzido, onde refere em “ Discussão” que “… no âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros de dano, os seguintes: - Incapacidade temporária geral total (…) fixável em 30 dias. A incapacidade temporária geral parcial (…) fixável num período de 67 dias. A incapacidade temporária profissional total (…) fixável num período de 97 dias, …com as seguintes conclusões: A data da estabilização médico-legal das lesões é fixável em 29-09-2005; período de incapacidade temporária geral total fixável em 30 dias; período de incapacidade temporária geral parcial fixável 67 dias, período de incapacidade temporária profissional total fixável em 97 dias; quantum doloris fixável no grau4/7; incapacidade permanente geral fixável em 5%; quanto ao rebate profissional as sequelas resultantes são compatíveis com o exercício profissional específico do examinando, embora exijam alguns esforços suplementares; dano estético fixável no grau 3/7 (alínea DD) da matéria de facto dada como assente);
28. Em 30 de Outubro de 2007, o Autor PDFC..., pagou o valor de € 384,00 pelo relatório de avaliação corporal em direito civil, efectuado pelo instituto de medicina legal – delegação do Centro (alínea EE) da matéria de facto dada como assente);
29. No dia 7 de Dezembro de 2007, o perito médico Dr.ª RS..., subscreve documento timbrado do Instituto Nacional de Medicina Legal – Gabinete Médico-Legal de Figueira da Foz, relativo ao Autor PC..., que aqui se dá como inteiramente reproduzido, onde refere em “ Discussão” que “… no âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros de dano, os seguintes: - incapacidade temporária geral total (…) fixável em 15 dias. A incapacidade temporária geral parcial (…) fixável num período de 15 dias. A incapacidade temporária pata as actividades escolares não é valorizada, atendendo a que se encontrava em período de férias…”, Tendo-se concluído: a data de estabilização médico-legal das lesões é fixável em 24-07-2005; período de incapacidade temporária geral total fixável em 15 dias; período de incapacidade temporária geral parcial fixável em 15 dias; Não há atribuição de incapacidade temporária para as actividades escolares, atendendo a que se encontrava em período de férias escolares; quantum doloris fixável no grau 4/7-; Não foram encontradas, no presente exame, quaisquer alterações de natureza anatomo –funcional que mereçam a sua valorização em termos de Incapacidade Permanente, tanto genérica como o seu rebate a nível das actividades escolares; dano estético fixável no grau 2/7( fls 126-129); (alínea FF) da matéria de facto dada como assente);
30. Em 18 de Setembro de 2007, o Autor MRF..., pagou o valor de € 384,00 pelo relatório de avaliação corporal em direito civil, efectuado pelo instituto de medicina legal – delegação do Centro (alínea GG) da matéria de facto dada como assente);
31. O Autor MRF..., pagou o valor total de € 74,20 de despesas médicas e transportes (alínea HH) da matéria de facto dada como assente);
32. Em 5 de Setembro de 2005, o M… BCP enviou carta ao Autor MRF... que refere que “… a conta de depósitos à ordem n.º 44175495 da sua titularidade apresenta um saldo devedor desde 2005/08/31 de 807,23 EUR…”(alínea II) da matéria de facto dada como assente);
33. O Autor MRF... esteve nas consultas do serviço de cirurgia maxilo-facial dos Hospitais da Universidade de Coimbra em 24 de Novembro de 2005, em 4 de Setembro de 2006 e em 14 de Dezembro de 2006 (alínea JJ) da matéria de facto dada como assente);
34. O Autor MRF... é titular de um cartão de atleta da Associação de Boxe de Aveiro, que tem apostos os anos de 1993 e 1994 (alínea LL) da matéria de facto dada como assente);
35. No dia 7 de Novembro de 2007, o perito médico Dr.ª RS..., subscreve documento timbrado do Instituto Nacional de Medicina Legal – Gabinete Médico-Legal de Figueira da Foz, relativo ao Autor MRF..., que aqui se dá como inteiramente reproduzido, onde refere em “ Discussão” que “… no âmbito do período de danos temporários são valorizáveis, entre os diversos parâmetros de dano, os seguintes: - incapacidade temporária geral total (…) fixável em 30 dias. A incapacidade temporária geral parcial (…) fixável num período de 599 dias. A incapacidade temporária profissional total (…) fixável num período de 341 dias. A incapacidade temporária profissional (…) fixável em 288 dias… e onde se conclui A data da estabilização médico-legal das lesões é fixável em 15-03-2007; período de incapacidade temporária geral total fixável em 30 dias; período de incapacidade temporária geral parcial fixável 599 dias; período de incapacidade temporária profissional total fixável em 341 dias; período de incapacidade temporária profissional parcial fixável em 288 dias; quantum doloris fixável no grau4/7; incapacidade permanente geral fixável em 5%; quanto ao rebate profissional as sequelas resultantes são compatíveis com o exercício profissional específico do examinando, embora exijam alguns esforços suplementares; dano estético fixável no grau 3/7 (alínea MM) da matéria de facto dada como assente);
36. No final do espectáculo ocorreu o rebentamento de uma das granadas no interior de um tubo de lançamento (resposta dada ao artigo 1º da BI);
37. Elas eram de 75mm (resposta dada ao artigo 2º da BI);
38. E o rebentamento provocou uma alteração da trajectória das restantes granadas que saíram do tubo em posição horizontal (resposta dada ao artigo 3º da BI);
39. E esta granada deveria ter rebentado na atmosfera em posição vertical (resposta dada ao artigo 4º da BI);
40. Tal rebentamento projectou resíduos incandescentes que atingiram os quatro Autores (resposta dada ao artigo 5º da BI);
41. O fogo-de-artifício foi lançado pelo 5.º Réu CAOFC... (resposta dada ao artigo 6º da BI);
42. O perímetro de segurança foi determinado pelo 5.º Réu, em articulação com a Policia Marítima que tinha a seu cargo a fiscalização do mesmo (resposta dada ao artigo 7º da BI);
43. As granadas, após ignição, deveriam deflagar na atmosfera cerca de dois ou três segundos após a evicção do tubo de lançamento (resposta dada ao artigo 8º da BI);
44. E para que tal suceda as granadas deverão estar dotadas de um retardador (resposta dada ao artigo 9º da BI);
45. A Autora MOA... encontrava-se sentada no chão da esplanada do café/bar de praia às riscas azul e branco, a mais de 150 metros de toda a logística e foguetes de artifício (resposta dada ao artigo 13º da BI);E os limites de segurança estavam identificados no local por uma fita sinalizadora vermelha e branca (resposta dada ao artigo 14º da BI);
46. A Autora MOA... perto do final do espectáculo foi atingida no peito por um projéctil/foguete de fogo de artifício (resposta dada ao artigo 15º da BI);
47. Que lhe entrou dentro da roupa que ficou danificada (resposta dada ao artigo 16º da BI);
48. Causando-lhe queimaduras no tórax e abdómen (resposta dada ao artigo 17º da BI);
49. Os tratamentos de que Autora MOA... foi alvo causaram-lhe elevado sofrimento e dor (resposta dada ao artigo 18º da BI);
50. A Autora teve de mudar de hábitos na sua vida (resposta dada ao artigo 19º da BI);
51. Os Autores FMGF... e PDFC... encontravam-se na madrugada do dia 24 de Junho de 2005 junto ao bar/café o “bote” (resposta dada ao artigo 20º da BI);
52. E encontravam-se a mais de 150 metros do local onde se encontrava a logística e todos os foguetes de fogo-de-artifício (resposta dada ao artigo 21º da BI);
53. Perto do fim do espectáculo os Autores FMGF... e PDFC... foram atingidos por um projéctil/foguete de fogo-de-artifício (resposta dada ao artigo 22º da BI);
54. E foram assistidas pelas pessoas que ali se encontravam (resposta dada ao artigo 23º da BI);
55. Os Autores FMGF... e PDFC... foram transportados para fora da praia para uma ambulância, onde lhes foram prestados os primeiros socorros (resposta dada ao artigo 24º da BI);
56. E foram transportados para o Hospital Distrital da Figueira da Foz (resposta dada ao artigo 25º da BI);
57. Um projéctil incandescente atingiu o Autor FMGF..., tendo-se espetado no lado direito do seu peito (resposta dada ao artigo 26º da BI);
58. E causou-lhe uma ferida perfurante do hemitorax direito (resposta dada ao artigo 27º da BI);
59. O Autor deslocou-se por várias vezes diariamente ao Hospital da Figueira da Foz para fazer tratamento (resposta dada ao artigo 28º da BI);
60. O que lhe causou sofrimento e dor (resposta dada ao artigo 29º da BI);
61. O Autor teve de mudar de hábitos na sua vida quotidiana (resposta dada ao artigo 30º da BI);
62. O Autor MRRF... no decorrer do espectáculo piro-musical encontrava-se sentado ao pé da linha de água, junto ao mar, na praia da Figueira da Foz, 50 metros à frente do café “o bote” (resposta dada ao artigo 31º da BI);
63. A mais de 200 metros de distância do local onde se encontrava a logística e todos os foguetes de fogo-de-artifício (resposta dada ao artigo 32º da BI);
64. No final do espectáculo, o Autor MRRF... foi atingido na face por um projéctil de fogo-de-artifício (resposta dada ao artigo 33º da BI);
65. Causando-lhe um orifício facial e queimaduras na região palpebral inferior e malar e no membro inferior esquerdo (resposta dada ao artigo 34º da BI);
66. O Autor MRRF... andou em consultas externas até Março de 2007 (resposta dada ao artigo 35º da BI);
67. A Autora MOA... A A. deslocava-se duas vezes por semana à piscina do Health Club da Figueira da Foz (resposta dada ao artigo 36º da BI);
68. A Autora frequentava a praia (resposta dada ao artigo 37º da BI);
69. Desde a data do acidente que deixou de cozinhar, passar a ferro e realizar tarefas domésticas, durante um período de um ano (resposta dada ao artigo 38º da BI);
70. Nem praticar natação e apanhar sol (resposta dada ao artigo 39º da BI);
71. A Autora tem cicatrizes definitivas hipopigmentadas e algumas de aspecto retráctil que exigem cuidados especiais de hidratação e de utilização diária de protector solar (resposta dada ao artigo 40º da BI);
72. A Autora MOA... necessitará de forma permanente de medicamentos, cremes, pomadas e loções, gastando uma média mensal de € 8,30 (resposta dada ao artigo 41º da BI);
73. A Autora MOA... teve dores físicas nos seios, tórax e abdómen (resposta dada ao artigo 42º da BI);
74. E sofreu e sofre ainda de angústia e ansiedade (resposta dada ao artigo 43º da BI);
75. Sente-se envergonhada e vexada com as cicatrizes e manchas nas zonas do seu corpo afectadas (resposta dada ao artigo 45º da BI);
76. À data dos factos o Autor FGF... era pedreiro de profissão e auferia uma quantia mensal não inferior a € 500,00 (resposta dada ao artigo 46º da BI);
77. O Autor FGF... não podia expor-se ao sol até à data da estabilização das lesões (resposta dada ao artigo 47º da BI);
78. O Autor quando apanhava sol sentia picadas e ardor na zona da cicatriz (resposta dada ao artigo 48º da BI);
79. E sente dor à volta do local afectado (resposta dada ao artigo 49º da BI);
80. O Autor sentiu-se angustiado (resposta dada ao artigo 51º da BI);
81. O Autor FGF... ficou com uma incapacidade permanente geral de 5% (resposta dada ao artigo 52º da BI);
82. FGF... não pode usar roupa de nylon junto ao tórax (resposta dada ao artigo 53º da BI);
83. O Autor FGF... sente-se diminuído (resposta dada ao artigo 54º da BI);
84. O Autor FGF... ficou com a roupa que vestia na parte de cima do corpo inutilizada (resposta dada ao artigo 55º da BI);
85. O Autor PC... ficou com a roupa que vestia no dia do acidente inutilizada, cujo valor ascende a € 110,00 (resposta dada ao artigo 56º da BI);
86. O Autor PC... esteve 15 dias impedido de realizar com autonomia as suas tarefas da vida diária (resposta dada ao artigo 57º da BI);
87. O Autor PC... não podia expor-se ao sol até à data da estabilização das lesões (resposta dada ao artigo 58º da BI);
88. O Autor PC... teve dores na zona do tórax e região lombar (resposta dada ao artigo 59º da BI);
89. E sofreu de angústia, ansiedade e pânico (resposta dada ao artigo 60º da BI);
90. PC... sente vergonha das cicatrizes e manchas que tem (resposta dada ao artigo 61º da BI);
91. PC... tinha medo quando ouvia rebentamento de foguetes (resposta dada ao artigo 62º da BI);
92. O Autor MRF... esteve de baixa médica durante 5 meses, tendo deixado de receber € 3 487,12 Euros (resposta dada ao artigo 63º da BI);
93. O Autor MRF... esteve em repouso 30 dias após o acidente (resposta dada ao artigo 65º da BI);
94. E esteve impedido de realizar as suas tarefas diárias (resposta dada ao artigo 66º da BI);
95. Necessitando da ajuda da família para as tarefas de higiene e alimentação (resposta dada ao artigo 67º da BI);
96. O Autor MRF... está impedido de se expor ao Sol por um período de 599 dias (resposta dada ao artigo 68º da BI);
97. E sofreu dores na face perto do olho durante várias semanas, e sofreu várias complicações que levaram à realização de três intervenções cirúrgicas (resposta dada ao artigo 69º da BI);
98. Viu-se afectado na realização de diversas actividades diárias nomeadamente leitura, ver televisão, cinema e teatro (resposta dada ao artigo 70º da BI);
99. MRF... sofreu de dano estético fixado em grau 3 (resposta dada ao artigo 71 º da BI);
100. Sentindo-se muito envergonhado (resposta dada ao artigo 72º da BI);
101. E Evitando sair à rua e encontros com outras pessoas (resposta dada ao artigo 73º da BI);
102. O Autor MRF... deixou de se divertir junto das outras pessoas (resposta dada ao artigo 75º da BI);
103. Deixou de receber € 368,00 para se deslocar às consultas a Coimbra (resposta dada ao artigo 76º da BI);
104. Nunca nem ninguém, antes de 10 de Agosto de 2009, comunicou à Companhia de Seguros A... Portugal SA, os incidentes dos autos (resposta dada ao artigo 77º da BI);
105. A Autora, MOA..., tinha à data da entrada do presente processo em Tribunal 57 anos (resposta dada ao artigo 78º da BI);
106. O Autor, FMF..., tinha à data da entrada do presente processo em Tribunal 43 anos (resposta dada ao artigo 79º da BI);
107. O Autor, PDC... tinha à data dos factos 13 anos (resposta dada ao artigo 80º da BI).
Em sede de factualidade não provada ficou consignado:
“Não se deu como provado que:
1.Foi por defeito de construção e montagem da granada, não incorporando o retardador, ou por defeito de construção e montagem do retardador, que ocorreram os factos (resposta dada ao artigo 10º da BI);
2.Foi por defeito de construção e montagem da granada, não incorporando o retardador, ou por defeito de construção e montagem do retardador, que ocorreram os factos (resposta dada ao artigo 12º da BI);
3.O Autor FDF… tenha tido necessidade de procurar actividade alternativa que implique menos esforço físico e menos exposição (resposta dada ao artigo 50º da BI);
4.O MR… tenha recebido vencimentos da sua entidade patronal nesse período (apesar de se ter dado resposta positiva a ao artigo 64º verifica-se que estamos perante um lapso de escrita, uma vez que está em contradição com o referido no artigo 63º e na fundamentação dada a este artigo);
5.MRF... deixou de praticar boxe (resposta ao artigo 74º da BI).”
DE DIREITO
Está posta em causa a sentença do TAF de Coimbra, na parte em que condenou a Ré Figueira Grande Turismo EM a pagar aos Autores, a título de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, os montantes acima referenciados e juros legais.
A Recorrente não questiona a factualidade apurada. Na sua óptica a decisão recorrida concluiu bem, que, pela sua própria natureza, o lançamento de fogo de artifício, por envolver uma especial aptidão produtora de danos, é claramente uma actividade perigosa; do mesmo modo concluiu de forma acertada que, pela própria natureza da Recorrente e segundo o direito vigente aquando da ocorrência dos factos, por se tratar de uma pessoa colectiva pública e estar em causa uma actividade perigosa, a situação se rege pelo disposto no artº 8º do DL 48051, de 21 de Novembro de 1967.
O ponto de discórdia relativamente à sentença prende-se com a interpretação do preceituado naquele artigo 8º, bem como na consequente subsunção do caso concreto nesse preceito.
Cremos que lhe assiste razão.
Vejamos:
Como é sabido, quer a doutrina quer a jurisprudência têm vindo a decidir, pacificamente, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas colectivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos.
São esses pressupostos:
– o facto, que é um acto de conteúdo positivo ou negativo, consubstanciado por uma conduta de um órgão ou seu agente, no exercício das suas funções e por causa delas;
– a ilicitude, traduzida na violação por esse facto de normas legais e regulamentares ou dos princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração;
– a culpa, como nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto ao agente, não sendo necessária uma culpa personalizável no próprio autor do acto, bastando uma culpa do serviço, globalmente considerado;
– o dano, lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica de terceiros; e
– o nexo causal entre o facto e o dano (
cfr., entre outros, os seguintes acórdãos do STA: – de 16/3/1995, proferido no recurso n.º 36933).
Para além disso, aplicar-se-á também o regime da lei civil quanto ao pressuposto negativo da não existência de culpa concorrente do lesado (artº 570º do Código Civil) e quanto ao cálculo e limitação da indemnização.
A norma que estabelece o regime do nexo de causalidade em matéria de obrigações de indemnização é o artº 563º do Código Civil, que preceitua que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
Esta norma tem uma formulação pouco precisa, parecendo próxima da teoria da equivalência das condições (ou teoria da
conditio sine qua non, segundo a qual seriam indemnizáveis todos os prejuízos que não se teriam verificado se não fosse o acto ilícito), mas contendo um elemento de probabilidade que aponta no sentido da teoria da causalidade adequada. (Embora haja variantes desta teoria, ela parte da mesma ideia da equivalência das condições, mas limita a existência de nexo de causalidade relativamente aos danos que, em abstracto, são consequência apropriada do facto) - neste sentido cfr. os acs. do STA de 6/3/2002, rec. 48155 e de 6/11/2002, rec. 1311/02.
Como refere, Antunes Varela,
em Das Obrigações em Geral, 6ª ed./852, são condições do dano as circunstâncias que concorreram para a sua produção. Deixará de ser causa deste, sempre que, «segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano».
Voltando ao caso posto temos que a Recorrente não questiona a matéria de facto dada como provada na sentença; (apenas) discorda da aplicação do direito ao caso, embora parta do mesmo diploma e do mesmo preceito.
Ora, como se concluiu, e bem, na decisão recorrida, o lançamento de fogo de artifício, por envolver uma especial aptidão produtora de danos, é claramente uma actividade perigosa. Pela própria natureza da Recorrente e segundo o direito vigente ao tempo da ocorrência dos factos, também não restam dúvidas que, por se tratar de uma pessoa colectiva pública e estar em causa uma actividade perigosa, a decisão andou bem ao enquadrar a questão no falado artº 8º do DL 48051, de 21/11/1967.
Segundo este artº 8º “O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem pelos prejuízos de serviços administrativos excepcionalmente perigosos ou de coisas e actividades da mesma natureza, salvo se, nos termos gerais, se provar que houve força maior estranha ao funcionamento desses serviços ou ao exercício dessas actividades, ou a culpa das vítimas ou de terceiro, sendo neste caso a responsabilidade determinada segundo o grau de culpa de cada um.” (sublinhado nosso).
Na verdade, o nosso Direito sentiu a necessidade de que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função administrativa fosse regulado por regras específicas; daí o surgimento do Decreto-Lei supramencionado, posteriormente revogado pela Lei 67/2007, de 31 de Dezembro.
Como se salientou na decisão sob censura, se, no caso posto, a aqui Recorrente fosse um particular, o caso seria subsumível ao disposto no nº 2 do artº 493º do CC.
No entanto, basta atentar no estatuído neste normativo para se constatar que o regime previsto no artº 8º do DL 48051 é praticamente idêntico àquele, residindo a sua distinção na natureza (pública ou privada) dos entes em questão: “Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir” (artº 493º/2 do CC).
Para além da diferente natureza dos sujeitos, verifica-se que a ressalva exclui a responsabilidade daqueles (não obstante a ressalva ser feita de modo distinto ela desemboca numa mesma conclusão) - se/quando não houver culpa por parte do sujeito.
Enquanto que no Código Civil se exclui a culpa através da prova de que foram empregues todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os (prejuízos) prevenir”, no DL 48051, a mesma é excluída bastando para tal “provar que houve força maior estranha ao funcionamento desses serviços ou ao exercício dessas actividades, ou a culpa das vítimas ou de terceiro”.
Todavia, tem razão a Recorrente ao concluir que o preceituado nestes dois dispositivos é em tudo idêntico, isto é: a existirem danos que não foram provocados por culpa de um sujeito (porque empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os [prejuízos] prevenir), eles, necessariamente terão de ter sido causados por “força maior”, por um “terceiro” ou pelo “próprio lesado” já que, e voltando à redacção do CC, foram empregues todas as providências exigidas pelas circunstâncias.
Evidentemente - e por isso o legislador redigiu estes preceitos deste modo - que não se poderia permitir uma exclusão da culpa com a alegação de que os danos se teriam verificado por uma outra causa, mesmo que ele tivesse adoptado todas aquelas providências.
Torna-se necessário demonstrar que se adoptaram todas as providências contidas nos dois preceitos para que se afaste a responsabilidade neles consagrada.
Chegados à conclusão de que o regime previsto nestes dois preceitos é perfeitamente idêntico, há que interpretar o artº 8º do DL 48051 através da análise jurisprudencial e doutrinal do artº 493º/ 2 do CC.
Ora, na sentença recorrida, entendeu-se que “estando nós perante uma actividade perigosa temos de concluir que estamos perante um caso de responsabilidade extracontratual pelo risco.”
Contudo, salvo melhor opinião, nesse artº 8º não está em causa uma responsabilidade objectiva ou pelo risco mas sim uma responsabilidade civil extracontratual baseada na culpa.
E, em conformidade com o disposto no nº 1 do artº 487º, em matéria de responsabilidade civil extracontratual, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, excepto se houver presunção legal de culpa.
Sem embargo, existem situações em que a própria lei presume a culpa do lesante, e uma delas é precisamente a contida no artº 493º. Nele se prevêem duas situações de presunção de culpa: a decorrente do dever de vigilância do detentor material da coisa causadora do dano (nº 1) e a que resulta da perigosidade da actividade exercida causadora de danos (nº 2).
Neste caso, a lei estabelece uma inversão do ónus da prova; a presunção de culpa por parte de quem exerce uma actividade perigosa. É este que tem de provar, para se eximir à responsabilidade, que não teve culpa na produção do facto danoso.
Esta presunção de culpa assenta na ideia de que não foram tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar o dano, daí que, quanto aos danos causados no exercício de actividades perigosas, o lesante só poderá exonerar-se da responsabilidade se provar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar.
Como se decidiu no acórdão do STJ de 18/09/2012, proc. 498/08.9TBSTS.P1.S, “nesta norma a presunção de culpa do agente é ilidida pela demonstração de que actuou não apenas in abstracto, como teria actuado o bom pai de família pressuposto no art. 487º, nº 2, uma pessoa medianamente cautelosa e atenta em face do condicionalismo próprio do caso concreto mas, mais do que isso, empregando todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de evitar os danos. Por isso, se diz que o caso previsto neste art. 493º, nº 2 representa uma responsabilidade subjectiva agravada ou objectiva atenuada, de modo tal que o lesante só fica exonerado quando tenha adoptado todos os procedimentos idóneos, segundo o estado da ciência e da técnica ao tempo em que actua, para evitar a eclosão dos danos”.
Relembrando Pires de Lima e Antunes Varela, “Estabelece-se neste artigo (493º), como nos dois anteriores, a inversão do ónus da prova, ou seja, uma presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo a vigilância de coisas ou de animais ou exerce uma actividade perigosa. Abre-se mais uma excepção à regra do nº l do artigo 487º, mas não se altera o princípio do artigo 483º de que a responsabilidade depende da culpa. Trata-se, portanto, de responsabilidade delitual e não de responsabilidade pelo risco ou objectiva (sublinhado nosso).
No mesmo sentido, cfr. o ac. do STJ de 13/02/2014, rec. 131/10.9TBPTB.G1.S1 “Convenhamos, porém, que o lançamento de foguetes, simples ou de artifício, é inquestionavelmente uma actividade perigosa pela sua própria natureza, sendo-lhe aplicável o disposto no art.º 493.º, n.º 2, do C. Civil (Ac. S.T.J. de 7-7-94, Col. Ac. S.T.J., II, 3.º, pág. 49), neste enquadramento legal estando a entidade lesante obrigada a reparar os danos que causar a outrem no contexto desta actividade, salvo se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.”
E continua: “Abre-se mais uma excepção à regra do n.º l do artigo 487.º; mas não se altera o princípio do artigo 483.º de que a responsabilidade depende da culpa; trata-se, portanto, de responsabilidade delitual e não de responsabilidade pelo risco ou objectiva… (Pires de Lima e Antunes Varela; Código Civil Anotado; I, pág. 495/496) (sublinhados nossos).
E porque assim é, não pode estar em causa uma responsabilidade objectiva ou pelo risco que se caracteriza por não depender de culpa do agente. Pelo contrário, nestes casos a responsabilidade depende da culpa, que é presumida, do agente.
Sucede que o tribunal a quo, por ter enquadrado a situação na responsabilidade pelo risco não chegou a debruçar-se sobre a culpa da ora Recorrente, requisito obrigatório para a responsabilizar pelos danos.
Entendeu, pelo contrário, que, por estar em causa uma pessoa colectiva pública e de esta ter sido a promotora de uma actividade perigosa, estavam reunidos os pressupostos necessários para que tivesse de ser considerada responsável.
Ora, esses requisitos não estão preenchidos, porque, conforme advogado, a factualidade apurada exclui a culpa da Ré/Recorrente.
Na verdade, o seu comprometimento indemnizatório só poderá excluir-se no caso de, não obstante a verificação dos danos provocados aos Autores, pudermos reconhecer que a Recorrente elidiu a presunção de culpa constituída pelo artº 493º, nº 2, do C. Civil, o que é o caso.
Atente-se, então, na factualidade provada:
-“No dia 3 de Maio de 2005, entre a Empresa Municipal Figueira Grande Turismo-EM e RNC... foi assinado documento denominado por “Contrato de Prestação de Serviços” (nº 1 da matéria dada como assente na decisão recorrida);
-“O documento assinado entre a Empresa Municipal Figueira Grande Turismo-EM e RNC..., denominado por “Contrato de Prestação de Serviços” contem uma denominada “Cláusula 1ª” que refere que “... o presente contrato tem por objecto o fornecimento de fogo-de-artifício para S. João 2005...” (nº 2 da matéria dada como assente);
-“O documento assinado entre a Empresa Municipal Figueira Grande Turismo-EM e RNC..., denominado por “Contrato de Prestação de Serviços” contém uma denominada “Cláusula 2ª” que refere que “... o fornecimento dos Serviços a prestar (...) será executado (...) pelo RN..., e este obriga-se a executar todos os trabalhos que constituem o seu objecto, observando as regras fundamentais de segurança exigidos...” (nº 3 da matéria dada como assente);
-“O documento assinado entre a Empresa Municipal Figueira Grande Turismo-EM e RNC..., denominado por “Contrato de Prestação de Serviços” contém uma denominada “Cláusula 7ª” que refere que “... Quaisquer danos causados a terceiros e provenientes do transporte e execução dos trabalhos, agindo dolosa ou culposamente serão da responsabilidade do segundo outorgante, mesmo que praticados pelos seus funcionários...” (nº 4 da matéria dada como assente);
-“As granadas utilizadas no fogo-de-artifício foram adquiridas à empresa Pirotécnica X... SL” (nº 18 da matéria dada como assente);
-“Em 17 de Junho de 2005, entre a Figueira grande Turismo-EM e a Companhia de Seguros A... Portugal SA foi assinado documento denominado por “A... RC Foguetes - Apólice (...)...” (nº 19 da matéria dada como assente);
-“No final do espectáculo ocorreu o rebentamento de uma das granadas no interior de um tubo de lançamento” (nº 36 da matéria dada como assente);
-“E o rebentamento provocou uma alteração da trajectória das restantes granadas que saíram do tubo em posição horizontal” (nº 38 da matéria dada como assente);
-“E esta granada deveria ter rebentado na atmosfera em posição vertical” (nº 39 da matéria dada como assente);
-“O fogo-de-artifício foi lançado pelo 5º Réu CAOFC...” (nº 41 da matéria dada como assente);
-“O perímetro de segurança foi determinado pelo 5.º Réu, em articulação com a Policia Marítima que tinha a seu cargo a fiscalização do mesmo” (nº 42 da matéria dada como assente);
-“E os limites de segurança estavam identificados no local por uma fita sinalizadora vermelha e branca” (nº 46 da matéria dada como assente).
Resultou ainda dos autos que o processo de licenciamento se encontrava instruído por requerimento da Recorrente e foi apresentado ao Capitão do Porto da Figueira da Foz, tendo como anexo:
1. Licença para lançamento de fogo de artifício n.º 14/05 emitido pela PSP de Coimbra - secção da Figueira da Foz, Alvará de Licença especial de ruído n.º 22/05;
2. Declaração do Corpo de Bombeiros Municipais onde se referiu “que não há inconveniente para se proceder ao licenciamento requerido”;
3. Declaração da companhia de seguros “L...”, com seguro de responsabilidade civil, tendo como titular a Recorrente;
4. Declaração da empresa “RNC...” do fornecimento de fogo simples e de artifício;
5. Declaração de “Pirotecnia B... Lda.”, na qual se autorizou o lançamento de fogo de artifício por CAOFC....
Assim, vista a factualidade apurada é patente que a Recorrente procedeu a todas as diligências e praticou todos os actos com vista à normal e regular realização do evento e com o intuito final de prevenir quaisquer danos.
Posição corroborada, aliás, pelo despacho de arquivamento do Processo Penal nº 521/05.9TAFIG dos Serviços do Ministério Público de Figueira da Foz, segundo o qual a Recorrente não violou quaisquer regras de cuidado.
Deste modo, visto todo o condicionalismo, temos que, no que concerne à observância das exigíveis regras de segurança e definição dos parâmetros geradores de risco, a Recorrente actuou em cumprimento directo das instruções técnicas recebidas pelas entidades competentes, sempre sob orientação e controle daquelas. Tem de concluir-se que actuou com a diligência do “bom pai de família”, não lhe sendo exigível o conhecimento de qualquer anomalia relacionada com os foguetes que provocaram os danos em causa.
Tem, pois, de inferir-se que à Recorrente (por natureza arredada dos conhecimentos específicos e técnicos que caracterizam provas desta índole, e o contrário não vem demonstrado como acima se viu) mais não era exigível do que agir em conformidade com as particulares normas técnicas ou legislativas inerentes produção de danos; e assim, não é passível do juízo de censura ético-jurídico que exprime a culpa.
Dito de outra forma, é certo que sobre a Recorrente recaía o ónus de provar que empregara todas as providências exigidas no caso para evitar o acidente com vista a isentar-se de qualquer responsabilidade. Porém, não é menos verdade que os elementos insertos nos autos o atestam, ou seja, tendo-o feito, não pode ser responsabilizada pelos danos causados aos Autores, pois estamos no domínio da responsabilidade delitual - ac. do STJ de 09/10/2008, rec. 08A2669 -, responsabilidade essa que assenta na verificação cumulativa dos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, que são: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano e o nexo de causalidade entre este e o facto.
Convém enfatizar que os A.A. não reagiram à absolvição de quem (eventualmente) poderia ser responsabilizado, nem questionaram a factualidade levada ao probatório.
Em suma:
-o lançamento de fogo de artifício é considerado uma actividade perigosa;
-a responsabilidade da Recorrente pelos danos provocados no desempenho destas actividades tem de ser analisada à luz do artº 8º do DL 48051, diploma vigente ao tempo da produção dos danos;
-nesse artº 8º não está em causa uma responsabilidade objectiva ou pelo risco, ao contrário do entendimento seguido na decisão recorrida;
-estamos, sim, em pleno domínio da responsabilidade civil extra-contratual assente na culpa;
-aquele artigo estabelece, contudo, uma inversão do ónus da prova, presumindo-se a culpa de quem exerce uma actividade perigosa;
-de acordo com o mesmo, essa presunção será ilidida se se provar que os danos foram causados por “força maior”, por um “terceiro” ou pelo “próprio lesado”, desde que tenham sido adoptadas todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir;
-no caso em concreto a ora Recorrente logrou provar tal desiderato;
-efectivamente ficou apurado que os danos foram ocasionados pelo rebentamento de uma das granadas no interior de um tubo de lançamento;
-não obstante não se descortinar quem, por acção ou omissão, provocou este rebentamento, forçoso é concluir que este acto causador dos prejuízos não foi provocado pela Recorrente /organizadora do evento;
-afastada a presunção de culpa contida no artº 8º, falta logo um dos pressupostos da responsabilidade.
Logo, a sentença recorrida que, por assentar toda a sua construção na premissa de que, por se estar na presença de uma actividade perigosa, se está perante um caso de responsabilidade civil pelo risco, descurando a apreciação dos pressupostos acima elencados, não pode manter-se na ordem jurídica.
Procedem, pois, todas as conclusões da alegação.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença recorrida e julga-se totalmente improcedente a acção.
Sem custas nesta instância (dada a ausência de contra-alegações) e, na 1ª instância, a cargo dos Autores.

Notifique e DN.
Porto, 11/04/2014
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: João Sousa
Ass.: Maria do Céu Neves