Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00692/08.2BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/15/2010
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Drº Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Descritores:CONTRATO-PROGRAMA
INSTALAÇÃO POLÍCIA MUNICIPAL
INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
DESPACHO SANEADOR
CONVITE APERFEIÇOAMENTO
NULIDADES DECISÃO - ART. 668.º, N.º 1, ALS. B), C) E D) CPC
Sumário:I. Improcede a pretensão condenatória fundada em contrato-programa [falta pagamento da comparticipação financeira e juros moratórios] já que nenhuma factualidade foi alegada nos autos que justifique, que funde, ou permita imputar culpa ao R. no incumprimento contratual ou na sua mora, ou ainda que o A. haja, no período de vigência do contrato, interpelado tempestivamente o R. para o pagamento das comparticipações e que este as haja incumprido, nem nada foi invocado nos autos em termos de legitimar/justificar o atraso havido na instalação do serviço de polícia municipal por parte do A.
II. Inexistindo alteração nos termos contratuais ao período de vigência do contrato-programa a sua execução financeira e contabilística à luz das regras orçamentais e realização de despesas públicas mostra-se inviabilizada.
III. No art. 508.º, n.º 3 do CPC prevê-se um poder/dever do tribunal (“dever oficial de agir”) que se insere no poder mais amplo de direcção do processo e princípio do inquisitório previsto no art. 265.º CPC, impedindo que razões de forma impeçam a obtenção de direitos materiais legítimos das partes.
IV. O convite ao aperfeiçoamento previsto no citado normativo exige que se tenha alegado um “núcleo mínimo” de factos susceptíveis de integrar e identificar a causa de pedir e o pedido, pois, na verdade, só perante a alegação desse "núcleo mínimo" se pode falar em aperfeiçoamento de insuficiência ou imprecisão na exposição de matéria de facto alegada.
V. Se a falha de alegação factual assumir uma tal gravidade que a situe ao nível da ininteligibilidade ou da falta de causa de pedir então não há lugar ao aperfeiçoamento da petição inicial ao abrigo do normativo em alusão mas sim à nulidade do processo (ineptidão p.i. - art. 193.º do CPC) sem possibilidade de correcção (cfr. arts. 265.º, n.º 2, 273.º, 508.º, n.ºs 3 e 5 todos do CPC), porquanto a única situação de ineptidão que é passível de superação através de actuação processual é a que decorre do n.º 3 do art. 193.º do CPC.
VI. O art. 508.º, n.º 3 do CPC não legitima, nem permite que, através do seu exercício, o A. possa “mudar” ou “alterar” a causa de pedir, trazendo para a relação jurídica processual que delimita o litígio novos contornos que a mesma não possuía a ponto de se mudar de relação jurídica processual. *

* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:12/03/2009
Recorrente:Município de Vila Nova de Poiares
Recorrido 1:Estado Português
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
“MUNICÍPIO DE VILA NOVA DE POIARES”, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Coimbra, datada de 26.06.2009, que julgou improcedente a acção administrativa comum, sob forma ordinária, pelo mesmo deduzida contra o “ESTADO PORTUGUÊS” na qual peticionava a condenação deste no pagamento da quantia de 89.305,02€, acrescida de juros no montante de 48.210,03€ e ainda dos juros vincendos desde Junho de 2008 à mesma taxa.
Formula o recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 58 e segs. - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões que se reproduzem:
...
a) O Município veio instaurar uma acção administrativa comum de condenação, a qual segue os trâmites do CPC, por força do art. 42.º do CPTA.
b) A causa de pedir tem por fundamento um contrato-programa outorgado entre o Estado e o Município autor, não tendo sido impugnada a sua validade.
c) Alegou o Município que cumpriu o contrato e que não recebeu o que quer que fosse sobre o montante a que o Estado se obrigou, e assim se deu por provado.
d) O Estado contestou o pedido, mas não arguiu qualquer excepção, nem mesmo alegou que tivesse estabelecido qualquer caducidade para o incumprimento nem mesmo quando fora por várias vezes interpelado para pagar.
e) Mas o MM. Juiz “a quo” apenas levou à matéria factual dada por provada, que em 29/1/2002 foi celebrado pelo Autor e pelo réu um contrato-programa de cooperação técnica, e que de facto o Município efectuou as obras e adquiriu o equipamento necessário à instalação da polícia municipal encontrando-se desde Setembro de 2004 executada, e o que consta do ofício nº 2.145/2004, subscrito pelo chefe de gabinete do Ministro … dirigido ao Presidente da Câmara do Município autor, datado de 17/05/2006.
f) Apoiado nesta matéria factual, o MM. Juiz, absolveu o réu do pedido, sem ter analisado sequer as cláusulas do contrato ou até dando-o por reproduzido.
g) Esta atitude viola, alem do mais o art. 653.º do CPC, que determina a nulidade da sentença conjugando com a al. b) do n.º 1 do art. 668.º do mesmo diploma, por força do art. 35.º do CPTA.
h) Quando assim se não entenda a acção deve ser julgada procedente e o Estado condenado a pagar o que se comprometeu no referido contrato.
i) De facto, o Município e o Estado outorgaram o contrato-programa que não foi inválido, e embora o mesmo não tenha sido pontualmente cumprido aquele devia cumprir as suas obrigações uma vez que o mesmo fora depois cumprido.
j) Sem esquecer que jamais o Estado converteu a eventual mora do Município em incumprimento definitivo.
k) O Estado não alegou atempadamente qualquer falta de cumprimento por parte do Município, e também não se estabeleceu no contrato qualquer termo que levasse, à caducidade imediata do contrato por incumprimento, antes pelo contrário.
l) Logo a sentença sub judice faz errada interpretação do contrato-programa e nem sequer aponta quais as normas que determinam a caducidade do contrato, pelo incumprimento pontual, perdendo por esse motivo o Município todos os seus direitos, violando-se, por isso, além do mais o art. 11.º do Dec-Lei n.º 384/87, de 24/12.
m) Logo, deve ser revogada a sentença e condenado o Estado por aquilo que deixou de pagar, em virtude do que se comprometeu a pagar no contrato.
n) Mesmo que assim não se entendesse, o que se dá por hipótese se admitir e se à acção faltavam elementos que pudessem levar a analisar do fundo da questão o MM. Juiz devia usar da faculdade prevista na al. b) e n.º 3 do art. 508.º do CPC.
o) E a omissão deste dever não pode deixar de enfermar de nulidade a sentença, que não pode deixar de fulminar a mesma.
p) Por se ter assim violado aquele art. 508.º conjugado com a al. b) do n.º 1 de art. 668.º ambos do CPC …”.
Termina pugnando pela procedência do recurso jurisdicional e revogação da decisão judicial recorrida, com consequente condenação do R./recorrido nos termos peticionados ou, se assim não for entendido, com prosseguimento dos autos e, se necessário, com prolação de despacho de aperfeiçoamento.
O ora recorrido, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 92 e segs.), concluindo da forma seguinte:
...
1.ª Na sentença sob recurso, o Mmo. Juiz “a quo” especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, transcrevendo e analisando várias cláusulas do contrato-programa outorgado em 29 de Janeiro de 2002, entre o Governo e o Autor Município de Vila Nova de Poiares, designadamente a 2.ª, relativa ao período de vigência, 4.ª e 7.ª.
2.ª Nos termos da cláusula 2.ª do contrato-programa, a que alude o Autor, o contrato produzia efeitos desde a sua celebração - 29 de Janeiro de 2002 - e até à data de 31 de Dezembro de 2002.
3.ª O Município de Vila Nova de Poiares assumiu, entre outros, o compromisso de “praticar todos os actos necessários à instalação e ao equipamento da polícia municipal dentro do prazo da vigência do presente contrato-programa”, como resulta da alínea a) da cláusula 4.ª.
4.ª O Município efectuou as obras e adquiriu o equipamento necessário à instalação da Polícia Municipal, instalação esta que se encontra concluída e executada desde Setembro de 2004.
5.ª Sendo assim, o Município não cumpriu as suas obrigações contratuais impostas pelo aludido contrato-programa, obrigações que o Autor assumiu livre e voluntariamente, dentro do prazo de vigência do mesmo contrato.
6.ª O não pagamento da comparticipação financeira do Estado deve-se, assim, ao incumprimento, por parte do Autor, do prazo contratual previsto na alínea a) da cláusula 4.ª do contrato-programa, que foi assumido como obrigação pelo Município de Vila Nova de Poiares …”.
Termina no sentido da improcedência do recurso e confirmação da decisão judicial recorrida.
O Mm.º Juiz “a quo” na sequência de despacho de fls. 105 veio a sustentar a decisão por si proferida quanto às nulidades invocadas (cfr. fls. 112 e 113).
Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 144.º e 146.º do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º-A. n.ºs 1 e 2 todos do Código de Processo Civil (CPC) (na redacção dada pelo DL n.º 303/07, de 24.08 - cfr. arts. 11.º e 12.º daquele DL) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA.
As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma, por um lado, de nulidades [arts. 668.º, n.º 1, als. b), c) e d), 508.º, 653.º do CPC e 35.º do CPTA] e, por outro, de erro de julgamento traduzido na incorrecta e ilegal aplicação do disposto nos arts. 11.º DL n.º 384/87, de 24.12, 508.º, n.ºs. 1, al. b) e 3 do CPC [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Resulta da decisão recorrida como assente a seguinte factualidade:
I) Com data de 29.01.2002, entre o Governo, representado pelos Secretários de Estado da Administração Interna e da Administração Local e A., representado pelo Presidente da Câmara Municipal, foi celebrado um contrato-programa de cooperação técnica, ao abrigo do art. 06.º do Decreto-Lei n.º 39/2000, de 17.03, para constituição e equipamento da Polícia Municipal de Vila Nova de Poiares (Doc. n.º 01 anexo à P.I.);
II) O Município efectuou as obras e adquiriu o equipamento necessário à instalação da Polícia Municipal, a qual se encontra desde Setembro de 2004 executada (arts. 06.º da P.I. e 01.º da contestação);
III) Consta do ofício n.º 2149/2006, subscrito pela Chefe de Gabinete do Ministro da Administração Interna, dirigido ao Presidente da Câmara do Município Autor, datado de 17.05.2006 (Doc. n.º 04 anexo à P.I.):
Assunto: Incumprimento do contrato-programa para a constituição e equipamento da polícia municipal de Vila Nova de Poiares
Relativamente ao vosso ofício acima referenciado, encarrega-me Sua Excelência o Ministro de Estado e da Administração Interna, de informar que o assunto foi encaminhado para o Gabinete Sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna …”.
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3.2. DE DIREITO
Considerada a factualidade supra fixada importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.
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3.2.1. DA DECISÃO JUDICIAL RECORRIDA
O TAF de Coimbra em apreciação da pretensão condenatória deduzida pelo A. e aqui ora recorrente contra o “Estado Português” concluiu no sentido de que “in casu” não assistia razão àquele visto o período de vigência do contrato haver expirado e o incumprimento contratual não ser imputável ao R., pelo julgou totalmente improcedente a presente acção administrativa comum.
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3.2.2. DA TESE DO RECORRENTE
Argumenta o mesmo que tal decisão judicial para além de padecer de nulidade fez ainda errado julgamento já que, no caso, assiste ao A. o direito à percepção e recebimento nos termos contratuais dos valores peticionados, pelo que ao assim não haver concluído e/ou ao não haver efectuado o convite à correcção do articulado inicial incorreu o Mm.º Juiz “a quo” em violação e errada interpretação/aplicação do disposto nos arts. 11.º do DL n.º 384/87 e 508.º, n.ºs 1, al. b) e 3 do CPC.
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3.2.3. DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.3.1. DAS NULIDADES [arts. 668.º, n.º 1, als. b, c) e d), 653.º e 508.º do CPC, 35.º do CPTA]
Sustenta a entidade A. aqui recorrente que a decisão judicial proferida nos autos enferma de nulidade já que, por um lado, não levou à factualidade assente realidade que foi alegada e de que se socorreu no enquadramento jurídico, não especificando ou realizando o pertinente julgamento de facto [arts. 668.º, n.º 1, al. b) e 653.º do CPC, 35.º CPTA], e, por outro lado, não se mostra fundamentada em factos suficientes, não indica os normativos nas quais se estriba a decisão absolutória, nem, a considerar-se que haveria falta de alegação de factos necessários ao conhecimento de mérito, determinou a correcção dos articulados através da prolação de despacho de aperfeiçoamento [arts. 668.º, n.º 1, als. b), c) e d), 201.º, 508.º, n.ºs 1, al. b) e 3 do CPC].
Analisemos.
Estipula-se no art. 668.º do CPC, sob a epígrafe de “causas de nulidade da sentença” e na parte que ora releva, que é “… nula a sentença: … b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão; d) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento ...”.
As situações de nulidade da decisão encontram-se legalmente tipificadas no art. 668.º, n.º 1 do CPC, cuja enumeração é taxativa, comportando causas de nulidade de dois tipos [de carácter formal - art. 668.º, n.º 1, al. a) CPC - e várias causas respeitantes ao conteúdo da decisão - art. 668.º, n.º 1, als. b) a e) CPC], sendo que a qualificação como nulidade de decisão de ilegalidades integradoras de erro de julgamento não impede o Tribunal “ad quem” de proceder à qualificação jurídica correcta e apreciar, nessa base, os fundamentos do recurso.
Caracterizando em que se traduz a nulidade da decisão por infracção ao disposto na al. b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC temos que a mesma só ocorre quando do teor da decisão judicial sindicada em sede de recurso não constem com o mínimo de suficiência e de explicitação os fundamentos de facto e de direito que a justificam.
A este respeito, a doutrina [J. Alberto dos Reis in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 140; J. Rodrigues Bastos in: “Notas ao Código de Processo Civil”, 3.ª edição, vol. III, pág. 193; Anselmo de Castro in: "Direito Processual Civil Declaratório", Tomo III, pág. 141; Antunes Varela, M. Bezerra e Sampaio e Nora in: "Manual de Processo Civil", 2.ª edição, pág. 687] e a jurisprudência [cfr. Acs. STJ de 14.04.1999 in: BMJ n.º 486, págs. 250, de 09.02.1999 - Proc. n.º 98A1228, de 10.05.2000 - Proc. n.º 00A3277, de 12.05.2005 - Proc. n.º 5B840, de 17.04.2007 - Proc. n.º 07B956 in: «www.dgsi.pt/jstj»; Acs. STA de 24.10.2000 (Pleno) - Proc. n.º 037128, de 26.03.2003 - Proc. n.º 047441, de 10.09.2009 - Proc. n.º 0940/08 in: «www.dgsi.pt/jsta»; Acs. deste TCAN de 21.10.2004 - Proc. n.º 00060/04, de 21.02.2008 - Proc. n.º 00462/2000 - Coimbra, de 24.04.2008 - Proc. n.º 00507/06.6BEBRG, de 08.05.2008 - Proc. n.º 00222/03-Coimbra, de 02.04.2009 - Proc. n.º 01993/08.5BEPRT, de 18.06.2009 - Proc. n.º 01411/08.9BEBRG-A in: «www.dgsi.pt/jtcn», de 11.03.2010 - Proc. n.º 00228/08.5BEBRG - inédito], têm feito notar que não deve confundir-se a eventual sumariedade ou erro da fundamentação de facto e de direito com a sua falta absoluta, pois, só a esta última se reporta a alínea em questão.
Já no que diz respeito à nulidade prevista na al. c) temos que, como tem sido decidido e afirmado em vários arestos, a contradição que ali constitui causa de nulidade da sentença é unicamente a que se localiza no plano da sua expressão formal, redundando num vício insanável do chamado “silogismo judiciário”, ou seja, é uma contradição de ordem formal que se refere aos fundamentos estabelecidos e utilizados na sentença e não aos que resultam do processo [cfr. entre outros, Acs. do STJ de 20.3.2003 - Proc. n.º 03B62, de 04.12.2003 - Proc. n.º 03B2667 in: «www.dgsi.pt/jstj»; Acs. do STA de 17.03.1992 (Pleno) - Proc. n.º 17017 in: Ap. DR de 30.09.1994, págs. 163 e segs., de 13.02.2002 - Proc. n.º 047203, de 04.03.2004 - Proc. n.º 0391/03, de 23.06.2004 - Proc. n.º 047738, de 29.06.2004 - Proc. n.º 01666/02, de 29.06.2004 - Proc. n.º 0292/04, de 20.10.2004 - Proc. n.º 01939/03, de 03.03.2010 - Proc. n.º 0284/09 demais in: «www.dgsi.pt/jsta»; Acs. do TCA Norte de 30.10.2008 - Proc. n.º 00860/05.9BEBRG, de 15.01.2009 - Proc. n.º 00191/08.2BEMDL-A in: «www.dgsi.pt/jtcn», de 25.03.2010 - Proc. n.º 02352/06.0BEPRT - inédito].
Na verdade, esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 158.º e 659.º, n.ºs 2 e 3 do CPC de o juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor).
Tal significa, como ensinava J. Alberto dos Reis, que "… a sentença enferma de vício lógico que a compromete …", isto é, "… a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas a resultado oposto …" (in: ob. cit., vol. V, pág. 141) (cfr., no mesmo sentido, Antunes Varela, M. Bezerra e Sampaio e Nora in: ob. cit., págs. 689/690).
Refere a este propósito Miguel Teixeira de Sousa que “… a decisão é nula quando os seus fundamentos estiverem em oposição com a parte decisória (…), isto é, quando os fundamentos invocados pelo tribunal conduzirem logicamente a uma conclusão oposta ou, pelo menos, diferente daquela que conta da decisão (…). Esta nulidade é o correspondente, quanto à decisão do tribunal, da ineptidão da petição inicial por contradição entre o pedido e a causa de pedir …” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, pág. 224).
E na mesma linha Lebre de Freitas sustenta que entre “… os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correcta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial …” (in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, pág. 670).
Aliás, conforme se decidiu no acórdão do STJ de 30.09.2004 (Proc. n.º 04B2894 in: «www.dgsi.pt/jstj») “… o vício de nulidade a que se reporta a alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º e o n.º 1 do artigo 716.º do Código de Processo Civil é o que ocorre quando os fundamentos de facto e de direito invocados conduzirem logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório. Isso significa que os fundamentos de facto e de direito do acórdão devem ser logicamente harmónicos com a pertinente conclusão ou decisão, como corolário do princípio de que o acórdão deve ser fundamentado de facto e de direito, e que tal se não verifica quando haja contradição entre esses fundamentos e a decisão nos quais assenta.
Mas uma coisa é a contradição lógica entre os fundamentos e a decisão da sentença ou do acórdão, e outra, essencialmente diversa, o erro de interpretação dos factos ou do direito ou a aplicação deste, que não raro se confunde com aquela contradição …” (neste sentido para além da jurisprudência supra citada ver ainda Ac. do STJ de 22/01/2004 - Proc. n.º 03B4278 in: «www.dgsi.pt/jstj»)
Com efeito, esta nulidade nada tem que ver com "o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro da construção do silogismo judiciário", que atrás se referiram, ou com a “inidoneidade dos fundamentos para conduzir à decisão”, porquanto não existe a oposição, geradora desta nulidade, se o julgador erra na subsunção, que fez, dos factos à norma jurídica aplicável ou se, porventura, ele errou na indagação da norma aplicável ou na sua interpretação.
Se o juiz tiver entendido, erradamente, que os factos apurados acarretam determinadas consequências jurídicas e conseguiu exprimir tal entendimento nos fundamentos invocados e destes retira a conclusão lógica, haverá um erro de julgamento e mas não há a nulidade da oposição entre os fundamentos e a decisão.
Por fim, quanto à nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC a mesma prende-se com o dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (cfr. art. 660.º, n.º 2 CPC).
Trata-se, nas palavras de M. Teixeira de Sousa, do “... corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º, 2.ª parte) …” que “… significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
(...) Também a falta de apreciação de matéria de conhecimento oficioso constitui omissão de pronúncia …” (in: ob. cit., págs. 220 e 221).
Questões para este efeito são “... todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …” (cfr. A. Varela in: RLJ, Ano 122.º, pág. 112) e não podem confundir-se “... as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão …” (cfr. J. Alberto dos Reis in: ob. cit., pág. 143).
Daí que as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do Tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido.
Afirma ainda M. Teixeira de Sousa que o “... tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa. (...) Verifica-se, pelo contrário, uma omissão de pronúncia e a consequente nulidade [art. 668.º, n.º 1, al. d) 1.ª parte] se na sentença, contrariando o disposto no art. 659.º, n.º 2, o tribunal não discriminar os factos que considera provados (...) ou se abstiver de apreciar a procedência da acção com fundamento numa das causas de pedir invocadas pelo autor (...).
Se o autor alegar vários objectos concorrentes ou o réu invocar vários fundamentos de improcedência da acção, o tribunal não tem de apreciar todos esses objectos ou fundamentos se qualquer deles puder basear uma decisão favorável à parte que os invocou. (...)
Em contrapartida, o tribunal não pode proferir uma decisão desfavorável à parte sem apreciar todos os objectos e fundamentos por ela alegados, dado que a acção ou a excepção só pode ser julgada improcedente se nenhum dos objectos ou dos fundamentos puder proceder.
… Como corolário do princípio da disponibilidade objectiva (arts. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte), a decisão é nula quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento [art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte], ou seja, quando a decisão esteja viciada por excesso de pronúncia. Verifica-se este excesso sempre que o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido formulado em condições em que está impedido de o fazer. (...).
O excesso de pronúncia pode ser parcial ou qualitativo, consoante o tribunal conheça de um pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte. Este excesso de pronúncia parcial ou qualitativo também conduz à nulidade da decisão [arts. 661.º, n.º 1 e 668.º, n.º 1, al. e)], mas ele é distinto do excesso de pronúncia previsto no art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte, pela seguinte razão: - se o tribunal condena no pedido formulado, mas utiliza um fundamento que excede os seus poderes de conhecimento, a hipótese cabe na nulidade prevista no art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte; - mas se o tribunal, mesmo utilizando os fundamentos admissíveis, condena em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, o caso inclui-se na previsão do art. 668.º, n.º 1, al. e).
(...) O art. 661.º, n.º 3 (...) constitui uma excepção a este fundamento de nulidade da decisão …” (in: ob. cit., págs. 220 a 223).
A sentença ou o acórdão constituem decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional que, num caso posto à sua apreciação, dirimem um conflito de interesses (públicos e/ou privados) no âmbito das relações jurídicas administrativas (cfr. arts. 01.º e 04.º ambos do ETAF).
Os mesmos conhecem do pedido e da causa de pedir, ditando o direito para aquele caso concreto, pelo que a sentença ou o acórdão podem estar viciados de duas causas que poderão obstar à eficácia ou validade da dicção do direito:
- Por um lado, podem ter errado no julgamento dos factos e do direito e, então, a consequência é a sua revogação;
- Por outro, como actos jurisdicionais, podem ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretados e, então, tornam-se passíveis de nulidade nos termos do art. 668.º do CPC.
Munidos destes considerandos antecedentes de enquadramento quanto ao conceito de nulidade de decisão judicial e em particular das nulidades em questão temos que, no caso, falha, desde logo, a assacada nulidade ao saneador-sentença por infracção à al. b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC.
Desde logo e na lógica do que se veio a decidir, analisados seu teor e fundamentos, não se descortina ocorrer qualquer falta de fundamentação de facto e de direito na decisão proferida já que na mesma o julgador explicitou com suficiência a motivação de facto e de direito na qual estribou a sua decisão.
Com efeito, o mesmo elencou os factos reputados como necessários para o julgamento de mérito da causa e que, em função dos posicionamentos das partes e documentos juntos, eram tidos como assentes, passando de seguida ao seu enquadramento jurídico, tarefa essa na e para a qual o julgador se socorreu e invocou vários normativos legais [arts. 360.º, 433.º e 434.º do CC, 06.º do DL n.º 39/00, de 17.03 e Anexo I ao diploma, em especial seu art. 10.º] e contratuais [cláusulas 02.ª, 04.ª, 05.ª e 07.ª do contrato-programa outorgado entre as partes e documentado a fls. 06 a 08 dos autos].
Se é certo que no caso vertente, por uma questão de lógica-organizativa da estrutura da decisão, o julgador poderia e deveria ter procedido à fixação e reprodução das cláusulas do contrato-programa em referência em sede da matéria de facto assente, mormente, quando fez referência ao contrato no n.º I) dos factos apurados, daí não deriva que da sua não reprodução naquela sede não se possa fazer uso e ou proceder à sua reprodução no âmbito da linha argumentativa desenvolvida em sede do enquadramento jurídico da causa e muito menos que deste procedimento derive nulidade da decisão por falta de fundamentação de facto desrespeitadora do que se determina nos arts. 653.º e 668.º, n.º 1, al. b) do CPC e 35.º do CPTA.
Refira-se que não releva para efeitos desta nulidade a não inclusão ou ausência de determinados factos tidos por relevantes e necessários pelas partes e que o não foram pelo julgador visto tal relevar em sede dum eventual erro no julgamento de facto.
Note-se, ainda, que na situação “sub judice” não estamos em presença de uma decisão judicial que se haja limitado, em sede de julgamento de facto, a uma mera remessa para segmentos dos articulados e para documentos juntos ao processo [como a analisada no acórdão do STA de 16.01.2008 - Proc. n.º 0611/07 in: «www.dgsi.pt/jsta», decisão que o recorrente trás à colação para fundamentar sua impugnação], na certeza de que igualmente não se abrange na previsão da al. b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC o sancionamento duma eventual infracção ao que se determina no art. 508.º, n.ºs 1, al. b) e 3 do mesmo código.
Idêntica conclusão [improcedência da arguição de nulidade] importa extrair quanto à pretensa infracção pela decisão judicial do art. 668.º, n.º 1, al. c).
Na verdade, à luz do enquadramento supra efectuado temos que, na situação vertente, analisada a estrutura global da decisão recorrida verifica-se que a respectiva conclusão decisória [improcedência da pretensão condenatória] está logicamente encadeada com a respectiva motivação fáctico-jurídica desenvolvida pelo julgador “a quo” que a elaborou [ausência de preenchimento dos pressupostos factuais e normativos (legais e contratuais) conducentes à obrigação por parte do R. de liquidação dos montantes peticionados], não ocorrendo, por conseguinte, o vício de nulidade invocado pelo recorrente enquanto fundado na citada alínea.
Atente-se que na sua esfera de previsão não se enquadram minimamente quaisquer dos fundamentos aduzidos em sede de recurso jurisdicional como alegadamente integradores de nulidade ou a ela conducentes. O invocado pelo recorrente enquanto fundamentador da pretensa nulidade da decisão recorrida constitui ou integra, ao invés, um eventual erro de julgamento, pois, no caso “sub judice”, não resulta das conclusões, nem das próprias alegações em si, nem da decisão judicial em crise, a existência de contradição lógica entre os fundamentos indicados na mesma e a decisão tomada, mas apenas a indicação de que, com os elementos existentes nos autos e/ou a vir a ter, se devia ter chegado a conclusões diferentes e que, consequentemente, aquela decisão devia ter sido diversa quanto ao julgamento da pretensão condenatória em questão.
Por fim, e quanto à nulidade decorrente da al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC outra conclusão não se pode extrair que não seja também a da sua improcedência.
Com efeito, lida atentamente a decisão judicial objecto de impugnação temos que na mesma o Mm.º Juiz “a quo” não omitiu, nem se excedeu, quanto aquilo que constituem os seus deveres e limites de pronúncia.
Se tal pronúncia é a correcta à luz do quadro factual e normativo tal já não releva em sede da nulidade enunciada pela al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC, visto a bondade substancial ou ausência desta não constituem fundamento de nulidade mas, ao invés, erro de julgamento de facto e de direito com a consequente revogação.
De harmonia com o atrás exposto, temos que no caso em apreço improcedem as nulidades assacadas à decisão judicial em crise.
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3.2.3.2. DA VIOLAÇÃO DO ART. 11.º DL N.º 384/87
Imputa a entidade demandante, ora recorrente, que a decisão judicial em crise infringiu no seu julgamento o disposto no normativo em epígrafe.
Vejamos.
Disciplina-se no preceito em questão que qualquer “… dos contraentes poderá resolver o contrato-programa quando ocorra alguma das cláusulas de resolução nele previstas …” (n.º 1), sendo que resolvido “… um contrato-programa, das eventuais propostas de celebração de novo contrato para realização, total ou parcial, de projectos de investimento abrangidos pelo primeiro deverá constar relatório detalhado das causas que motivaram a sua resolução e responsabilidades de cada uma das partes pelo seu não cumprimento …” (n.º 2).
Presente este quadro legal e, bem assim, o que mais se disciplina no DL em questão na sua conjugação com o regime à data vigente decorrente do DL n.º 39/00, de 17.03, nos termos do qual o contrato-programa documentado e fundamento dos autos foi outorgado [tal DL publicado para execução da Lei n.º 140/99, de 28.08 (diploma que veio estabelecer o regime e forma de criação das polícias municipais) veio, entretanto, a ser parcialmente revogado pelo DL n.º 197/08, de 07.10, publicado na sequência do novo regime decorrente da Lei n.º 19/04, de 20.05], temos que não assiste razão ao recorrente na critica que assaca à decisão judicial ora impugnada quanto a uma pretensa infracção da mesma ao que se mostra disciplinado pelo preceito legal em epígrafe.
Extrai-se da fundamentação da aludida decisão, na parte que releva, o seguinte: “… importa sublinhar, desde logo, que nos termos da sua cláusula 2.ª o contrato-programa no qual o Autor funda o pedido de condenação do Réu, tinha um período de vigência expressamente acordado:
“o presente contrato-programa produz efeitos desde a data da sua assinatura até ao dia 31 de Dezembro de 2002”.
Assim, diferentemente de quanto sustenta o Autor, é perfeitamente despicienda qualquer declaração de caducidade ou de resolução do contrato, por qualquer das partes, depois de ultrapassado o termo do período de vigência contratualmente fixado, durante o qual ambas terão omitido a realização das prestações a que se obrigaram.
Nos termos da al. a) da clª. 4.ª do contrato, o município deveria praticar todos os actos necessários à instalação e ao equipamento da polícia municipal dentro do prazo do presente contrato-programa.
Ora, é o próprio Autor que, omitindo a observância de todas as demais obrigações assumidas na referida clª. 4.ª, afirma simplesmente que o investimento se completou apenas em Setembro de 2004, e alega, mas tão-pouco prova documentalmente, como seria exigível, que foi aprovado pelo Governo.
Nos termos do n.º 2 da cláusula 7.ª, o incumprimento do contrato pelo município conferiria ao Estado o direito de resolver o contrato, constituindo o primeiro na obrigação de restituir aquilo que tivesse recebido.
Apenas nesta hipótese se compreende a existência de um direito de resolução.
Com efeito, uma vez que a resolução, equiparando-se à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, tem efeito retroactivo, segundo se prevê nos artigos 433.º 434.º do Código Civil, apenas para o Estado faria sentido a respectiva declaração, caso visasse a recuperação do valor entregue ao Município Autor, nos termos da al. a) do n.º 2 da cláusula 2.ª.
Decorre do pedido que o Estado não adiantou qualquer verba em execução do contrato, pelo que lhe é indiferente a inexecução da “prestação” a que se obrigara a outra parte contratante, ora Autora, uma vez que nenhum valor tem que recuperar, em consequência de tal inexecução.
Atingido o termo final, o contrato deixou, pura e simplesmente de produzir efeitos.
O autor não alega que o incumprimento do prazo para conclusão do investimento é consequência do prévio incumprimento do Réu no que respeita à entrega do equivalente a 50% do valor contratado a que se comprometeu na al. a) do n.º 2 da clª. 5.ª, “logo que seja legalmente possível movimentar as verbas do PIDDAC para o ano de 2002”, nem sequer haver proposto, tempestivamente, qualquer alteração aos prazos constantes do contrato, com fundamento em especiais razões justificativas, sendo que nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 6.º do Anexo I ao Dec.-Lei n.º 39/2000, …, que regula as transferências financeiras para os municípios no âmbito da constituição e instalação das polícias municipais, o contrato programa é composto por … período de vigência do contrato, com indicação das datas dos respectivos início e termo, e de acordo com o número 2 da mesma norma, qualquer alteração ao contrato-programa só poderá ser efectuada mediante acordo expresso de todos os contratantes, especialmente pelas razões vertidas no art. 10.º do mesmo anexo.
Acresce notar que segundo estipula o n.º 1 da cláusula 7.ª, ao Município apenas assiste o direito de exigir do Estado indemnização, nos termos gerais de direito, no caso de incumprimento do contrato por parte deste, considerando que nenhum benefício poderia retirar de um hipotético direito de resolução, sendo que, como ressuma do supra exposto, não logrou responsabilizar o Réu nesse sentido …”.
Vista e presente esta fundamentação veiculada na decisão judicial não se descortina ocorrer na mesma o desacerto apontado pelo recorrente, mormente, que haja infracção ao art. 11.º do DL n.º 384/87.
Dúvidas não temos que o presente contrato-programa outorgado entre as partes se configura e qualifica como contrato administrativo disciplinado à data, para além do quadro legal especial atrás citado, pelos arts. 178.º e segs. do CPA, sendo que, como fizemos alusão supra, a relação entre o Estado (Governo) e as autarquias em matéria de polícia municipal mostrava-se disciplinada à data pela Lei n.º 140/99, diploma que continha o regime e forma de criação as polícias municipais e que previa uma relação de clássica tutela de legalidade em vários domínios (cfr. seu art. 09.º e ainda art. 05.º do DL n.º 39/00), sendo que do mesmo não resulta uma qualquer obrigatoriedade que impenda sobre os municípios de constituírem ou possuírem um corpo de polícia próprio (cfr. Catarina Sarmento e Castro in: “A questão as polícias municipais”, págs. 357 e segs. e 408).
Ora face ao que se mostra definido em termos contratuais [cláusulas 01.ª (objecto), 02.ª (período de vigência), 03.ª (obrigações do Estado), 04.ª (obrigações do município), 05.ª (comparticipação financeira do Estado), 06.ª (comparticipação financeira do município) e 07.ª (incumprimento do contrato-programa)] e ao que deriva do disposto nos arts. 01.º, 07.º, 09.º, 10.º, 11.º, 12.º do DL n.º 384/87, 10.º e 13.º da Lei n.º 140/99, 01.º e 06.º do DL n.º 39/00 e Anexo I a este diploma [cfr. ainda arts. 06.º, 07.º, 08.º, 09.º, 10.º e 11.º deste Anexo] temos para nós que não colhem neste âmbito as críticas feitas pelo A. à decisão judicial objecto de apreciação.
Com efeito, mostrando-se definido um prazo de vigência do contrato-programa, prazo esse durante e no âmbito do qual as partes assumiram determinadas obrigações e deveres e que assim são reconduzidos ou limitados a esse lapso temporal, não se vislumbra legítima a tese do A. quando é certo e aceite nos autos que aquele contrato não foi objecto de qualquer alteração, mormente, quanto à prorrogação do seu prazo de vigência e poderia tê-lo sido (cfr. ambos os arts. 10.º do DL n.º 384/87 e do anexo I ao DL n.º 39/00).
Não se nos afigura procedente fundar a pretensão condenatória no aludido contrato [reclamação quanto ao pagamento da comparticipação financeira e juros moratórios] nos termos precisos em que o mesmo se mostra outorgado [prazo/período de vigência do contrato que fixou como limite para a produção de efeitos a data de assinatura (29.01.2002) e 31/12/2002] e considerando o circunstancialismo alegado e fixado [conclusão da instalação da polícia municipal apenas em Setembro de 2004], já que nenhuma factualidade foi alegada nos autos que justifique, que funde, ou permita imputar culpa ao R. no incumprimento contratual ou na sua mora, ou ainda que o A. haja, no período de vigência do contrato, interpelado tempestivamente o R. para o pagamento das comparticipações e que este as haja incumprido.
De igual modo, nada é alegado e referido nos autos em termos de legitimar/justificar o atraso havido na instalação do serviço de polícia municipal por parte do A., sendo certo ainda que inexistindo alteração nos termos contratuais do período de vigência do contrato-programa a sua execução financeira e contabilística à luz das regras orçamentais e realização de despesas públicas mostra-se inviabilizada.
Daí que sem necessidade de outras considerações temos que improcede também este fundamento de recurso.
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3.2.3.3. DA VIOLAÇÃO DO ART. 508.º, N.ºs 1, AL. B) e 3 DO CPC
Por fim, defende o recorrente jurisdicional que a decisão judicial objecto de impugnação contraria e viola na sua aplicação o disposto no normativo em referência, já que, no caso, o julgador “a quo” ao enquadrar como fez a situação que tinha sob apreciação omitiu o dever que sobre o mesmo impendia de determinar a correcção da petição inicial endereçando convite ao aperfeiçoamento daquela peça processual.
Analisemos.
Se é certo que, de harmonia com o disposto pelo art. 02.º do CPC, a todo o direito corresponde uma acção destinada a fazê-lo reconhecer em juízo ou a realizá-lo coercivamente, excepto quando a lei determine o contrário, não podemos aqui deixar de ter presente que o nosso processo civil é informado pelo princípio do dispositivo, com consagração legal na 1.ª parte, do n.º 1, do art. 03.º, do mesmo diploma legal.
Tal princípio tem como corolários, entre outros, o facto do processo só se iniciar sob o impulso da parte, mediante o respectivo pedido e nunca por impulso do juiz - “nemo iudex sine actore; ne iudex procedat ex-officio” - nisto consistindo o designado princípio do pedido; para além de competir, em exclusivo às partes aduzirem toda a factualidade necessária à decisão da causa pelo juiz; do mesmo princípio decorre, ainda, o facto de o “thema decidendum” ser circunscrito pelas partes.
Daqui resulta que a actividade jurisdicional se encontra condicionada, do modo descrito, pelo pedido, nunca podendo o juiz estender a sua actividade decisória para além dele [cfr. arts. 661,º, n.º 1 e 668.º, n.º 1, al. e) ambos do CPC].
Estando, assim, o princípio do dispositivo na base da atribuição do direito de acção à pessoa directamente interessada, a tutela jurisdicional, em matéria administrativa representa um conteúdo de um direito estritamente individual, cabendo ao respectivo titular a livre determinação do seu exercício em defesa dos seus próprios interesses.
Como se expôs, para que o Tribunal possa dirimir o litígio submetido à sua apreciação, cabe às partes fixar com precisão os termos da controvérsia, nisto consistindo a finalidade dos articulados, enquanto peças processuais em que as partes expõem os fundamentos da acção e de defesa e formulam os pedidos correspondentes (cfr. n.º 1, do art. 151.º do CPC).
Consistindo a petição inicial no “... acto pelo qual o autor, depois de descrever e caracterizar o litígio substancial entre ele e o réu, exprime a sua vontade de que o tribunal aprecie esse litígio e profira decisão sobre ele, reconhecendo-lhe o direito que se arroga contra o réu ...” (cfr. J. Alberto dos Reis in: ob. cit., vol. II, 3.ª edição, pág. 340), esta peça processual reveste-se de importância fulcral, não apenas pelo facto de sem ela não poder existir processo (o mesmo não se verificando relativamente aos outros articulados), dado que a tutela jurisdicional não é concedida “ex oficio”, como resulta do supra exposto, mas também porque é através dela que o R. toma conhecimento do conteúdo preciso do pedido contra si formulado.
Da natureza e função da petição inicial resulta o seu conteúdo legalmente fixado no art. 467.º do CPC, donde resulta que na petição o A. deve, para além de outros requisitos, formular o pedido [cfr. al. d)] e “… expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção …”, revestindo maior importância a menção das razões de facto, do que das razões de direito, dado que quanto aquelas o juiz se tem de cingir às carreadas a juízo pelas partes, enquanto que na indagação, interpretação e aplicação do direito, não está vinculado às alegações das partes, antes agindo livremente (cfr. art. 664.º do CPC).
Atente-se que a narração deve ser elaborada de molde a que apresente os fundamentos necessários para justificar o pedido que vai ser enunciado a seguir, isto é, os motivos da pretensão que se reclama, entendendo-se que os fundamentos de facto abrangem não só a causa de pedir, mas ainda outros factos que servem ou para demonstrar a existência da causa de pedir, ou para a esclarecer, ou para a completar.
Esses factos, postos em contacto com a ordem jurídica, é que constituem a causa de pedir, o fundamento ou fundamentos da acção, sendo que para que o direito possa ser invocado em juízo e para que se possam extrair os efeitos jurídicos que o A. pretende é necessária a alegação de factos concretos e não de meros conceitos legais, visto o nosso sistema não se bastar com a mera invocação do direito sem indicação da sua fonte.
A alegação não pode, assim, ser feita dum modo vago, abstracto e hipotético, eivado de conceitos jurídicos, porquanto devem ser erradicados do julgamento de facto as alegações com conteúdo técnico-jurídico de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que porventura tenham simultaneamente uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutam.
É que de nada vale uma alegação reputada como de facto mas que está repleta de questões, de conclusões ou considerações de direito, na medida em que o tribunal sobre a mesma não pode produzir qualquer prova e se o fizer tem-se a sua resposta como não escrita (cfr. art. 646.º, n.º 4 do CPC “ex vi” art. 01.º do CPTA).
Ora o n.º 3 do art. 508.º do CPC constitui um exemplo paradigmático de que o legislador com o mesmo procurou colocar o acento tónico na supremacia do direito substantivo sobre o processual, nos princípios da cooperação e da descoberta da verdade material e justa composição do litígio [cfr., igualmente, art. 07.º do CPTA], designadamente despindo-se esse princípio da cooperação dos seus anteriores rigores formais.
Trata-se duma concessão do direito adjectivo ao direito material, pretendendo-se com o mesmo obstar, por meras justificações formais, a que se materializem situações substancialmente injustas. Consubstancia tal normativo um poder/dever do tribunal (dever oficial de agir) que se insere no poder mais amplo de direcção do processo e princípio do inquisitório previsto no art. 265.º CPC, impedindo que razões de forma impeçam a obtenção de direitos materiais legítimos das partes.
Tal convite ao aperfeiçoamento previsto no citado normativo exige que se tenha alegado um “núcleo mínimo” de factos susceptíveis de integrar e identificar a causa de pedir e o pedido, pois, na verdade, só perante a alegação desse "núcleo mínimo" se pode falar em aperfeiçoamento de insuficiência ou imprecisão na exposição de matéria de facto alegada.
Se a falha de alegação factual assumir uma tal gravidade que a situe ao nível da ininteligibilidade ou da falta de causa de pedir então não há lugar ao aperfeiçoamento da petição inicial ao abrigo do normativo em alusão mas sim à nulidade do processo (ineptidão p.i. - art. 193.º do CPC) sem possibilidade de correcção (cfr. arts. 265.º, n.º 2, 273.º, 508.º, n.ºs 3 e 5 todos do CPC), porquanto a única situação de ineptidão que é passível de superação através de actuação processual é a que decorre do n.º 3 do art. 193.º do CPC.
É que o âmbito deste despacho de aperfeiçoamento mostra-se claramente balizado ou delimitado pelo legislador.
Com efeito, como deriva do seu teor por iniciativa do juiz apenas podem ser superadas, supridas, corrigidas “… as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada …” (n.º 3), satisfazendo-se tal convite através do “… esclarecimento, aditamento ou correcção…” (n.º 4), não valendo ou se inserindo neste âmbito as situações mais graves integradoras do vício da ineptidão, nem mesmo as situações em que alegados os factos integradores da causa de pedir os mesmos não se afigurarem como idóneos ou susceptíveis de conduzir à procedência da pretensão em virtude de não lhe assistir razão ou o direito, visto implicarem a improcedência do pedido.
Como refere A.A. Santos Geraldes quando a “… lei se refere a insuficiência na exposição da matéria de facto, estar-se-á a reportar a condições de procedência da acção ou da excepção, sempre pressupondo que da análise dos articulados respectivos resulta a existência de causa de pedir ou de defesa por excepção. A alusão efectuada pela lei às imprecisões da matéria de facto anda ligada à deficiente concretização, nomeadamente quando não é respeitada a distinção entre matéria de facto e de direito, quando são feitas afirmações de pendor conclusivo ou quando a versão apresentada suscita algumas dúvidas, embora sem tornarem ininteligível a posição assumida …” (in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, 4.ª edição, págs. 75 e 76).
Daí que o art. 508.º, n.º 3 do CPC não legitima, não abarca na sua previsão, o suprimento de tais situações, nem permite que, através do seu exercício, o A. possa “mudar” ou “alterar” a causa de pedir, trazendo para a relação jurídica processual que delimita o litígio novos contornos que a mesma não possuía a ponto de se mudar de relação jurídica processual.
Revertendo ao caso em análise e presentes os contornos do litígio vertidos nos articulados e o que se mostra decidido temos que, em consonância com os considerandos acabados de expender, o saneador-sentença sindicado não infringiu o disposto no art. 508.º, n.º 3 do CPC.
Na verdade, se é certo que a petição inicial não padece do vício de ineptidão, temos, todavia, que na mesma constam os factos constitutivos do tal "núcleo mínimo" susceptíveis de integrar e identificar a causa de pedir e o pedido. Se os mesmos não conduzem ou não legitimam a procedência da pretensão do A. tal não gera a necessidade do exercício do poder-dever inserto no normativo em referência, mas antes conduz a um juízo de improcedência daquela.
Face ao julgado nos autos não estamos, minimamente, em presença de situação de insuficiência ou imprecisão na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, única que gera o operar do exercício do poder-dever por parte do julgador.
Improcede, pois, na totalidade o recurso jurisdicional que se nos mostra dirigido, pelo que a decisão judicial recorrida deverá ser mantida.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar total provimento ao recurso jurisdicional “sub judice”, confirmando-se, assim, a decisão judicial recorrida.
Custas nesta instância a cargo do A., aqui recorrente, sendo que a taxa de justiça é reduzida a metade [cfr. arts. 446.º do CPC, 18.º, n.º 2, 73.º-A, 73.º-E do CCJ e 189.º do CPTA].
Notifique-se. D.N..
Restitua-se, oportunamente, ao ilustre mandatário do recorrente o suporte informático gentilmente disponibilizado.
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art. 138.º, n.º 5 do CPC “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA).
Porto, 15 de Abril de 2010
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass. Antero Pires Salvador
Ass. Maria Isabel São Pedro Soeiro