Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00037/04
Secção:Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/08/2004
Relator:Valente Torrão
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS - REGIME DEFICIENTES
ATESTADO MÉDICO ANTERIOR DL 202/96, DE 23/10
SUA RELEVÂNCIA IRS DE 1996
Sumário:1. O Decreto Lei nº 202/96, de 23/10 veio estabelecer um regime de avaliação de incapacidade de pessoas deficientes para efeitos de benefícios fiscais.
2. Segundo as Instrucções Gerais do Anexo I desse diploma, a determinação da incapacidade deve ter em conta a disfunção corrigida por meios de correcção ou compensação.
3. Para efeitos de liquidação de IRS de 1996 e anos subsequentes, a AF pode exigir a apresentação de atestado médico de avaliação de incapacidade de acordo com os referidos critérios, pois deve entender-se que, não obstante o artº 7º do referido diploma, os atestados anteriormente emitidos perderam a sua eficácia, sendo certo também que, para efeitos de IRS, é a situação pessoal e familiar reportada a 31/12 anterior à data da liquidação que conta, sendo certo que em 31/12/96 já estava em vigor o referido diploma.
4. Sendo assim, é legal o acto da AF que não considera o benefício fiscal conferido pelo artº 44º do EBF, para efeitos do IRS do ano de 1996, ao contribuinte que não apresenta, após para tal ter sido notificado, um atestado de avaliação de incapacidade de acordo com os referidos critérios, tendo apenas apresentado um atestado médico emitido em 1994 pela entidade competente e confirmado pela mesma entidade por mera declaração de 1995.
5. Todavia, relativamente ao IRS do ano de 1995 a jurisprudência fixou-se no sentido de que a Administração Tributária não podia exigir aos contribuintes, como esta fez em inúmeros casos, novo atestado médico de incapacidade ao abrigo da Circular Normativa nº 22/DSO, de 15.12.1995 da DGS.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte;
1. A Fazenda Pública veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Coimbra que julgou procedente a impugnação deduzida por P e mulher J, contribuintes fiscais nºs , respectivamente, residentes.., apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

1. A decisão recorrida enferma de erro de interpretação dos factos e erro na interpretação e aplicação da lei

2. A avaliação e certificação da incapacidade para efeitos do artigo 44° do EBF é, indiscutivelmente, da administração pública da saúde;

3. Os critérios fixados por esta e pela lei impõem-se à Administração Fiscal;

4. A alteração de tais critérios, ocorrida e publicitada através da Circular Normativa n° 22/DSO, de 15.12.95, da DGS, aplicam-se aos processos de avaliação posteriores a esta data;

5. A circular n° 1/96, da DGCI, apenas acolhe estes novos critérios;

6. O DL 202/96, que entrou em vigor ainda em 1996, deu forma legal aos mesmos critérios técnico-cientificos;

7. A relevância dos factos certificados objectiva-se fiscalmente, sob certas condições, após 31 de Dezembro do ano a que se refere o imposto;

8. Uma dessas condições consubstancia-se na necessidade de os factos certificados terem uma referência histórica e cientifica actualizada:

- podem referir-se a factos antigos, desde que a “verdade” certificada ainda se mantenha, e

- sejam verificados de acordo com perspectiva cientifica que represente o “estado da arte”);

9. Os atestados emitidos antes de 15.12.95 fazem prova dum facto que pode ser substancialmente diferente daquele cuja prova se exige, já que não respeita os critérios médico-cientificos mais recentes e aplicáveis ao ano do imposto;

10. Os atestado anteriores a 15.12.1995 devem considerar-se revogados por obsolescência;

11. Por isso, a DGCI pode e deve exigir prova actualizada dos direitos invocados, só assim dando cumprimento a uma das suas missões: combater a evasão e elisão fiscais (cfr. art° 6° EBF);

12. Esta exigência da prova formal não têm efeito constitutivo, mas é condição de eficácia do direito invocado;

13. Depois de correctamente provado o direito, a lei fiscal aplica-se inexoravelmente;

14. Ao interessado em fazer valer o direito sempre restou a possibilidade de requerer um novo documento certificativo, devendo não desconhecer que não o fazendo ser-lhe-ia imputado o ónus legal de arcar com a presunção de que não tinha o direito

a que se arrogava;

15. O sujeito passivo não apresentou a prova adequada, pelo que funcionou contra si o referido ónus legal, com a consequência de lhe ter sido feita a liquidação que depois impugnou e de cuja sentença ora se recorre;

16. Verifica-se assim, que nem a razão nem o direito estavam ao serviço de tal impugnação;

17. Devem considerar-se provados apenas os factos elencados nas alíneas a) a c) do artigo 4° desta petição;

18. Não deve considerar-se provado que o Impugnante recorrido sofre de incapacidade fiscalmente relevante, em virtude de não ser titular de documento certificativo formalmente válido especificamente destinado a fins fiscais.

Nestes termos e com o douto suprimento de V. Ex.cias, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que julgue improcedente a impugnação em referência, assim se fazendo, JUSTIÇA

2. Contra-alegando, vieram os recorridos concluir pela forma seguinte:

A douta decisão recorrida fez correcta interpretação legal e factual, não tendo violado os normativos referenciados nas alegações do recorrente.

A AF não pode, além disso, ser incoerente, reconhecendo-lhes a isenção de selo põe deficiência determinada e certificada põe entidade competente.

A douta decisão - ainda- corresponde melhor à exigência constitucionalmente garantida de que os benefícios fiscais possibilitam aos requerentes plena participação na comunidade.

Mantendo-se, pois, é em si justa e, por isso, traduz elementar JUSTIÇA.

3. O MºPº emitiu parecer no sentido do provimento parcial do recurso quanto ao IRS do ano de 1996 ( v. fls. 112).

4. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

5. Em 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

a) Aos impugnantes foram liquidados os montantes de IRS e juros compensatórios referenciados no quadro de fls. 35, conforme relatórios dos SPIT;

b) Evidenciam os autos que o impugnante sofre de hipovisão;

c) Tal situação foi comprovada por atestado médico de 13.12.1994;

d) E reconhecida por atestado da junta médica, sob a forma de “atestado de incapacidade” de 29.5.1995;

e)Que atribuiu 75% de incapacidade.

Ao abrigo do disposto no artigo 712º do CPC e por se encontrar provado nos autos e relevar para a decisão, adita-se ao probatório supra o seguinte facto:

As liquidações adicionais em causa nos autos tiveram por fundamento o relatório de fls. 41 e segs., no qual se escreveu o seguinte:

“Constatei que tendo por base atestado médico de incapacidade (Anexo 1) que atribui um grau de incapacidade de 75% pelo facto descrito no capítulo V, nº 2 alínea a) do Decerto Lei nº 341/93, de 30.9 (deficiência oftalmológica de hipovisão) conforme Anexo 2, o sujeito passivo beneficiou do normativo contido no artigo 44º do EBF relativamente aos anos de 1995 e 1996.

No entanto, analisada a circular 1/96, verifica-se que aquele atestado médico emitido em 29 de Maio de 1995 não pode produzir efeitos fiscais uma vez que tendo havido um novo entendimento dado pela circular normativa nº 22/DSO de 15 de Dezembro de 1995 da Direcção Geral de Saúde, para efeitos de avaliação e atribuição do grau de incapacidade decorrente de deficiência oftalmológica hipovisão, o sujeito passivo deveria obter junto das autoridades de saúde competentes, declaração comprovativa da incapacidade emitida a partir de 15 de Dezembro de 1995. Porque não existe declaração obtida após essa data, o sujeito passivo deixa de reunir condições para usufruir daquele normativo sendo pois de corrigir as liquidações de IRS de 1995 e 1996”.

6. O Mmº Juiz “ a quo” anulou as liquidações com base na insuficiente fundamentação das mesmas.

No entanto, a decisão é confusa, não se descortinando claramente se se trata de vício de forma ou de substância.

Com efeito, se depois de se escrever que “é inquestionável que a Administração Fiscal não convence das motivações da correcção”, dando a entender-se que se considera não válida a fundamentação substancial, termina a sentença com considerações que dão a entender tratar-se de vício formal.

Parece então que se confundiu o vício de forma de falta ou insuficiência de fundamentação com o da validade substancial da fundamentação que dá origem à anulação do acto tributário sem possibilidade da prática de novo acto, situação que não sucede no caso de vício de forma, já que a entidade que praticou pode praticar novo acto, se estiver em tempo, eliminando o respectivo vício.

Seja como for, é evidente que não ocorre o vício de forma por falta ou insuficiência de fundamentação, já que as liquidações decorrem dos motivos referidos no relatório identificado no probatório.

Deste modo, a sentença recorrida não pode manter-se, pelo que tem de ser revogada.

Quanto ao vício de fundamentação substancial é matéria que cabe já na apreciação do mérito e que se apreciará seguidamente.

6.1. A questão em apreciação nos autos tem sido objecto de inúmeras decisões proferidas pelos tribunais tributários, quer de 1ª instância, quer pelos tribunais superiores.

A jurisprudência dos tribunais superiores tributários fixou-se no seguinte termos:

a) Quanto às liquidações de IRS dos anos de 1995 e anteriores a Administração Tributária não podia exigir aos contribuintes novo atestado médico ao abrigo da Circular Normativa nº 22/DSO, de 15.12. da DGS (neste sentido, entre muitos outros, v. os Acórdãos do STA, de 21.2.2001 –Recursos nºs 25.729 e 26.684 e de 14.2.2001 –Recurso nº 24.351)

b) Quanto às liquidações dos anos de 1996 e seguintes, estando já em vigor em 31.12.1996 o Decreto Lei nº 202/96, que entrou em vigor em 30.11.1996, a jurisprudência fixou-se no sentido de que a Administração Tributária poderia exigir aos respectivos contribuintes a prova da incapacidade declarada, efectuada de acordo com os novos critérios legais, sob pena de, não sendo tal prova realizada, não haver lugar ao respectivo benefício (neste sentido, entre muitos outros, v. os Acórdãos do STA, de 9.5.2001 –Recurso nº 25.991, de 21.2.2001 –Recurso nº 25.810 e o recente Acórdão deste Tribunal, de 1.7.2004 –Recurso nº 16/2004)

No caso em apreço temos uma liquidação adicional referente ao ano de 1995 e outra referente ao ano de 1996.

Seguindo a orientação jurisprudencial acima referida e com a fundamentação exposta nos arestos citados, para os quais remetemos, temos então que o recurso não merece provimento quanto ao ano de 1995, já que a Administração Tributária não podia exigir o atestado médico emitido ao abrigo da citada circular.

O recurso, todavia, procede relativamente à liquidação do ano de 1996, já que os recorridos não apresentaram o documento exigido nos termos legais para poderem obter o benefício fiscal em causa.

7. Nestes termos e pelo exposto decide-se revogar a decisão recorrida e, conhecendo em substituição do tribunal de 1ª instância, julgar o recurso procedente quanto à liquidação do ano de 1996, julgando-se nessa parte improcedente a impugnação, negando-se provimento ao recurso na parte restante e julgando-se procedente a impugnação quanto à liquidação do ano de 1995.

Custas pelos impugnantes na proporção do decaimento.

Porto, 08 de Julho de 2004
João António Valente Torrão (relator por vencimento)
Moisés Moura Rodrigues
José Maria Fonseca Carvalho, com o seguinte voto de vencimento:

Contrariamente ao alegado as liquidações como se vê do relatório da inspecção junto aos autos encontram-se perfeitamente fundamentadas quer do ponto de vista formal e quer substancial.

Efectivamente, como temos vindo a defender nos vários acórdãos por nós relatados o que importava para decisão da causa era saber se o atestado médico era acto ou não constitutivo de direitos e se a exigência de novo atestado médico emitido com os novos critérios da DGS era ou não legalmente possível por parte da AF sem que tal envolvesse ofensa de caso decidido.

Para nós era e é óbvio que o atestado médico comprovativo de determinada incapacidade fisica e grau é acto administrativo meramente certificativo Daí que não havendo norma legal a impor critérios de avaliação dessa incapacidade a AF aceitasse e bem os usados pela DGS

Todavia se a própria DGS numa melhor aplicação das «leges artium» e dos conhecimentos científicos e técnicos altera o seu critério de avaliação de modo a considerar como incapaz apenas aquele que não seja capaz de recuperação funcional como era o caso dos autos nada obstava quer do ponto de vista legal quer processual que a AF no exercício da actividade tributária que lhe é exclusiva e fiscalizadora dela pudesse exigir a comprovação da incapacidade à luz destes últimos critérios apesar da sua certificação médica com base em diferente valoração.

Efectivamente não só não existe aqui ofensa de caso decidido como só assim se defendem os princípios de igualdade de tratamento e de legalidade tributária principios constitucionais estes que enformam o sistema fiscal vigente.

E se já assim entendíamos para as situações anteriores à vigência do DL 202 de Outubro a partir daí tal situação encontra-se perfeitamente regulada sem possibilidade de outra interpretação.

Por estas razões negaria provimento ao recurso já que as liquidações não violaram a lei ou formalidade alguma.