Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 02266/05.0BEPRT |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 10/23/2008 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | Drº José Augusto Araújo Veloso |
| Descritores: | APOSENTAÇÃO JUBILAÇÃO JUIZ LIMITE IDADE |
| Sumário: | I. O artigo 66º do EMJ [Estatuto dos Magistrados Judiciais] constitui uma norma especial que arreda a aplicação da regra geral fixada no artigo 53º do EA [Estatuto da Aposentação] nos casos de cálculo da pensão de magistrados aposentados ou jubilados por incapacidade; II. A aposentação ou jubilação dos magistrados judiciais por incapacidade segue a lógica do regime geral da ex-aposentação extraordinária, e não da aposentação ordinária, na qual o factor tempo de serviço, na linha da própria CRP [artigo 63º nº4 da CRP], constitui factor primordial e omnipresente do cálculo das pensões; III. Com o fundamento incapacidade pretendeu o legislador perseguir uma intenção compensatória do subscritor que vê inopinadamente truncadas as legítimas perspectivas de uma vida activa que lhe permitisse consolidar, para o futuro, uma almofada económica que o garantisse na sua idade madura; IV. E visou assegurar ao magistrado incapacitado [artigo 66º do EMJ], por debilidade ou entorpecimento das respectivas faculdades físicas ou intelectuais, manifestados no exercício da sua função, de modo a não poder continuar nesta sem grave transtorno da justiça ou dos respectivos serviços, a dignidade de um nível de vida compatível com a titularidade de um órgão de soberania, sendo que este regime especial de cálculo de pensão acaba por encontrar, assim, a sua justificação na natureza das funções que a própria Lei Fundamental comete aos tribunais, como órgãos de soberania [artigos 202º a 208º da CRP]; V. Estas razões, ou outras semelhantes, não são válidas para o fundamento de aposentação limite de idade. Na verdade, não é qualquer razão compensatória, ou que vise dignificar socialmente o magistrado, que subjaz à imposição legal deste fundamento de aposentação. São antes razões ligadas ao direito que ele tem ao descanso, após uma vida de trabalho, e que bebem, ainda, numa pretensão social eminentemente prática, tal seja a da renovação dos quadros, por forma a abrir oportunidades às novas gerações de juízes; VI. O sentido que decorre, quer da letra quer do espírito do artigo 66º do EMJ, é apenas o de que os magistrados aposentados ou jubilados por incapacidade têm direito à pensão por inteiro, independentemente do tempo de serviço, não sendo legítimo concluir, por interpretação extensiva ou analógica, que essa norma legal também se aplica às situações de aposentação ou jubilação por limite de idade; VII. Neste último caso, e ao abrigo da remissão feita pelo artigo 69º do EMJ, a respectiva pensão de reforma deverá ser calculada de acordo com a regra consagrada no artigo 53º nº1 do EA, aplicável a título supletivo. * * Sumário elaborado pelo Relator |
| Data de Entrada: | 01/14/2008 |
| Recorrente: | J... |
| Recorrido 1: | Caixa Geral de Aposentações |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
| Decisão: | Concede parcial provimento ao recurso |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Negar provimento ao recurso |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório J... – residente na Urbanização ..., Maia – recorre da decisão judicial proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] do Porto – em 02.10.2006 – que absolveu a Caixa Geral de Aposentações [CGA] dos pedidos que contra ela formulou na presente acção administrativa especial – enquanto autor, pediu ao TAF do Porto que anulasse o despacho que lhe indeferiu requerimento de rectificação da sua pensão mensal de aposentação, e condenasse a CGA a alterar o respectivo montante de 5.307,63€ para 5.498,55€, a pagar-lhe o diferencial devido desde 04.04.2005 até ao trânsito em julgado, no montante liquidado, até à data da interposição da acção, em 1.361,89€, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal. Conclui as suas alegações da forma seguinte: 1- A decisão judicial recorrida é nula por omissão de pronúncia, pois não apreciou a inconstitucionalidade suscitada no articulado inicial, pelo que violou o preceituado no artigo 95º do CPTA, o que conduz à nulidade prevista no artigo 668º nº1 alínea d) do CPC; 2- Violou ainda, a decisão judicial recorrida, o disposto nos artigos 66º a 68º do EMJ; 3- Quando o ora recorrente ingressou na função pública, o limite máximo de idade permitida era de 35 anos, e o limite máximo para exercer as mesmas funções era de 70 anos de idade - Decreto nº16563 de 05.03.1929; 4- Tratando-se de aposentação obrigatória ou coactiva, impedindo o recorrente de trabalhar após os 70 anos de idade, a lei garantiu-lhe a aposentação por inteiro; 5- Assim, porque goza dos títulos, honras, regalias e imunidades correspondentes à sua categoria, e está obrigado à reserva exigida pela sua condição, artigo 67º nº5 do EMJ, a sua pensão não deverá sofrer qualquer redução porque goza dos mesmos direitos que os magistrados no activo; 6- E isto porque – realça - não suspendeu a sua carreira profissional para exercer outras funções, tendo regressado depois para reocupar a carreira interrompida. Não fez declaração de renúncia à condição de jubilado, nem pediu a suspensão temporária dessa condição. Não foi aposentado compulsivamente, por via de processo disciplinar, e exerceu as suas funções dentro dos limites de entrada e de saída permitidas e impostos por lei. Termina pedindo a revogação da decisão judicial recorrida, e a procedência dos pedidos deduzidos na acção administrativa especial. A entidade recorrida contra-alegou, concluindo assim: 1- Vem o recurso jurisdicional interposto da decisão judicial que julgou improcedente a acção administrativa especial, absolvendo a ré do pedido; 2- Sucede que tal decisão fez correcta interpretação e aplicação da lei, pelo que não merece qualquer censura; 3- Com efeito, o recorrente não tem direito a ver a sua pensão de aposentação calculada no montante correspondente à totalidade do seu vencimento - ou seja, de 5.498,55€ - pois que se aplica à sua situação o disposto no artigo 53º do EA [Estatuto da Aposentação] com a redacção dada pela Lei nº1/2004 de 15 de Janeiro; 4- Com efeito, o EMJ [Estatuto dos Magistrados Judiciais] não fixa qualquer regra relativa à fórmula de cálculo das pensões, razão pela qual o artigo 69º do EMJ determina a aplicação do regime de aposentação da função pública em tudo o que não estiver nele regulado, ou seja, a aplicação subsidiária do EA, em concreto o seu artigo 53º nº1 do qual resulta que a pensão de aposentação é igual à 36ª parte da remuneração sendo multiplicada pelos anos de serviço contados para aposentação; 5- Assim, porque o recorrente tem 34 anos e 9 meses de serviço, a sua pensão não poderá deixar de corresponder a 5.307,63€, conforme bem decidiu a decisão judicial recorrida. Termina pedindo a manutenção do decidido pelo TAF do Porto. O Ministério Público pronunciou-se [artigo 146º nº1 do CPTA] pelo não provimento do recurso jurisdicional. De Facto São os seguintes os factos considerados provados na decisão judicial recorrida: 1- Em 20.05.05, por despacho da Direcção da CGA [Caixa Geral de Aposentações], foi reconhecido o direito à aposentação do autor, tendo-se fixado, para o ano de 2005, a pensão mensal no valor de 5.307,63€ - ver folha 11 do processo administrativo [PA] apenso aos autos, dada por integralmente reproduzida; 2- Em 24.06.05, o autor solicitou ao Director da CGA a rectificação do cálculo da sua pensão, que deveria ser no valor de 5.498,55€ - ver folhas 14 a 16 do PA apenso aos autos, dadas por integralmente reproduzidas; 3- Em 17.08.05, foi comunicado ao autor que não haveria lugar a qualquer alteração do cálculo da sua pensão, uma vez que o mesmo teve como fundamento o limite de idade, tendo sido fixada com base em 34 anos e 9 meses de serviço – ver folha 19 do PA apenso aos autos, dada por reproduzida; 4- No dia seguinte, 18.08.05, o autor foi notificado desta decisão de indeferimento - facto admitido por acordo das partes; 5- O autor é Juiz Desembargador do Tribunal da Relação do Porto, desligado do serviço para efeitos de aposentação/jubilação com efeitos a partir de 04.04.2005, por nessa data ter atingido o limite de idade – ver documento nº1 junto com a petição inicial; 6- A presente acção administrativa especial foi interposta neste tribunal em 08.11.2005 – ver carimbo aposto no rosto da petição inicial e registo informático do SITAF. De Direito I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pelo recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para o efeito, pela lei processual aplicável – ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 690º nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª edição, páginas 459 e seguintes, e por Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, página 737, nota 1. II. O autor da acção administrativa especial pediu ao TAF do Porto que anulasse o despacho que lhe indeferiu o requerimento de rectificação da sua pensão mensal de aposentação, e condenasse a CGA a alterar o respectivo montante de 5.307,63€ para 5.498,55€, a pagar-lhe o diferencial devido desde 04.04.2005 até ao trânsito em julgado da decisão final da acção, no montante liquidado, até à data, em 1.361,89€, acrescido de juros de mora, à taxa legal, até efectivo pagamento. Para tanto, alegou que o cálculo da sua pensão de aposentação foi efectuado nos termos do Estatuto da Aposentação [artigo 53º nº1 do EA na redacção vigente em 2005], quando o deveria ter sido antes nos termos do Estatuto dos Magistrados Judiciais [artigos 64º a 69º do EMJ na redacção vigente em 2005], sendo que, ao abrigo deste último estatuto, a jubilação por incapacidade não implica redução da pensão [artigos 66º e 67º nº1 do EMJ], e a jubilação por limite de idade, sendo imposta por lei [artigo 36º nº2 do EA], deverá ser considerada, para este efeito, e por razões de igualdade [artigo 13º CRP], uma aposentação por incapacidade. Conclui, assim, que o acto impugnado viola os artigos 66º e 67º do EMJ, 36º nº2 do EA, e 13º da CRP. A demandada CGA suscitou a questão da caducidade do direito de impugnação exercido pelo autor, e impugnou a interpretação que o mesmo faz das apontadas normas legais, defendendo a aplicação, no caso, da fórmula de cálculo de pensão do artigo 53º nº1 do EA. O TAF do Porto julgou improcedente a excepção da caducidade invocada pela ré, e julgou improcedentes os pedidos formulados pelo autor. Desta decisão judicial apenas este último recorre, por entender que a mesma é nula, por omitir pronúncia quanto à alegada violação do princípio da igualdade, e erra na interpretação e aplicação que faz dos artigos 66º a 69º do EMJ. No conhecimento desta nulidade e deste erro de julgamento de direito se cifra, pois, o objecto deste recurso jurisdicional. III. O autor da acção, agora na veste de recorrente, começa por apontar à decisão judicial recorrida uma causa de nulidade: ter omitido pronúncia sobre questão suscitada na petição inicial, ou seja, a da violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP. De acordo com o artigo 668º nº1 alínea d) do CPC [aplicável aqui supletivamente - artigo 1º do CPTA] é nula a sentença quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões de que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Resulta, efectivamente, dos artigos 660º nº2 do CPC e 95º nº1 do CPTA, que o tribunal deve resolver todas as questões que os litigantes tenham submetido à sua apreciação, tanto de natureza processual [artigo 660º nº1 do CPC] como de natureza substantiva, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras [artigo 660º nº2 do CPC]. Importa sublinhar, todavia, que na ponderação a respeito da ocorrência ou não deste tipo de nulidade, deve o respectivo julgador ter sempre presente a distinção entre as questões a apreciar e os fundamentos invocados pelas partes a favor ou contra a procedência das mesmas, sendo certo que a dita nulidade só ocorre quando a sentença ou acórdão não aprecie as primeiras – ver artigos 659º e 660º do CPC, aplicáveis ex vi 1º do CPTA. Efectivamente, o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes litigantes, não pode é deixar de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão do litígio. No dizer de ilustres juristas, questões para este efeito são todas as pretensões processuais formuladas pelas partes, que requerem a decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto especial, quando realmente debatidos entre as partes [ver Antunes Varela, RLJ, Ano 122º, página 112], não podendo confundir-se as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões [de facto ou de direito], argumentos e pressupostos em que fundam a respectiva posição na questão [ver Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, volume V, página 143, e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 1972, página 228]. O importante é, pois, que o tribunal decida a questão que lhe foi colocada, e não que aprecie todos os fundamentos ou razões em que as partes sustentaram a sua posição sobre tal questão [ver, neste sentido, AC STJ de 09.10.2003, Rº03B1816, AC STJ de 12.05.2005, Rº05B840; AC STA/Pleno de 21.02.2002, Rº034852; AC STA de 02.06.2004, Rº046570; AC STA de 10.03.2005, Rº046862]. A reacção discordante de qualquer das partes litigantes quanto à pronúncia do tribunal sobre questão que devia conhecer, por não concordar com os fundamentos em que a mesma assenta, não tem o condão de tornar nula essa pronúncia, antes podendo exigir a sua revogação por erro de julgamento. Tendo presente esta doutrina, que temos por boa, vejamos o que aconteceu no presente caso. Constata-se, de facto, que no artigo 15º do articulado inicial, e numa tentativa de comparação do seu caso com o que é tratado em aresto do Tribunal Constitucional [de 14.05.97 Rº632/95], o autor refere o seguinte: Estamos, assim, sem qualquer sombra de dúvida, perante duas situações similares, considerando a contemplada no douto acórdão do TC, visto que a jubilação do autor foi-lhe imposta por lei. E situações semelhantes, como salta à evidência, merecem tratamento semelhante, sob pena de subversão do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP. E conclui, no artigo 19º da sua petição inicial, que a ré violou o preceituado nos artigos 66º e 67º do EMJ, 36º nº2 do EA, e 13º da CRP. Por seu turno, a decisão judicial recorrida, sobre o mérito dos pedidos do autor, discorre assim: A questão está, nesta sede, em saber qual o conteúdo que deve revestir a referida decisão de condenação à prática de um acto administrativo. Para tanto, haverá que analisar se o autor tem direito a ver calculada a sua pensão no montante de 5.498,55€, ou seja, calculada por inteiro, e não com base em 34 anos e 9 meses de serviço, por ter atingido o limite de idade. Vejamos. Nos termos do artigo 67º do EMJ, os magistrados que se aposentem por limite de idade, como é o caso do autor, são considerados jubilados. Nada mais se refere neste Estatuto quanto à forma de cálculo da pensão de aposentação. No entanto, existe a norma do artigo 69º que define o regime supletivo e subsidiário, segundo a qual em tudo o que não estiver regulado no presente Estatuto aplica-se à aposentação de magistrados judiciais o regime estabelecido para a função pública. O estatuto de magistrado jubilado, só por si, não impede a aplicação do nº1 do artigo 53º do EA. Em face de tal conclusão e na ausência de outra norma que regule de forma diversa as situações de aposentação de magistrados judiciais por limite de idade, não restam dúvidas que se aplica à situação do aqui autor o disposto no artigo 53º do EA, com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº1/04 de 15.01. Na verdade, no EMJ apenas se encontrou uma norma especial - o preceito previsto no artigo 66º. Nos termos do disposto neste artigo 66º, a aposentação por incapacidade do magistrado jubilado não implica a redução da pensão em atenção do tempo de serviço prestado, preceito especial que prevalece sobre o disposto no artigo 53º do EA. O nosso ordenamento jurídico impede-nos de efectuar a aplicação analógica desta norma especial à situação dos autos. Poderíamos pensar na possibilidade de uma interpretação extensiva. No entanto, para se efectivar uma interpretação extensiva temos que presumir que o legislador quis incluir uma situação não mencionada na norma. Atendendo a que o legislador menciona claramente as modalidades de aposentação existentes: por limite de idade, por incapacidade ou nos termos do artigo 37º do EA [ver artigo 67º do EMJ], não é provável que o legislador tenha omitido involuntariamente a aposentação por limite de idade na redacção da norma especial [artigo 66º referido]. Assim, ao efectuar uma interpretação extensiva do disposto no artigo 66º poderemos estar a ultrapassar a intenção do legislador, uma vez que não existe o mínimo de correspondência na letra da lei. Ora, cremos resultar patente que o autor invocou, no articulado inicial, como fundamento autónomo da pretendida anulação do acto impugnado, a violação do princípio da igualdade [artigo 13º da CRP]. Em seu entender, a situação de magistrado jubilado por limite de idade é substancialmente igual à de jubilado por incapacidade [tratada no AC TC de 14.05.97], e deve conduzir, portanto, sob pena de violação da exigência constitucional de tratar como igual o que é igual, à mesma aplicação do artigo 66º do EMJ [segundo o qual a aposentação por incapacidade não implica redução da pensão]. Não estamos aqui perante mais um argumento em abono de determinada ilegalidade assacada ao acto impugnado, mas perante a invocação de fundamento autónomo dessa mesma ilegalidade, o que consubstancia, sem sombra de dúvida, uma questão substantiva cuja apreciação se impunha ao tribunal recorrido. Constata-se facilmente, em face do texto argumentativo acima transcrito, que não o fez, incorrendo, assim, a respectiva decisão, na nulidade prevista no artigo 668 nº1 alínea d) do CPC. O que se declara [1ª conclusão do recorrente]. IV. Importa, portanto, proceder não só ao conhecimento do erro de direito imputado à decisão recorrida, quanto à interpretação e aplicação que nela foi feita dos artigos 66º e 67º do EMJ e 36º nº2 do EA, mas também suprir a sua omissão de conhecimento quanto à alegada violação do artigo 13º da CRP [ver artigo 149º do CPTA]. Esbocemos o quadro legal que se impunha ao julgador a quo, tendo presente que o regime da aposentação do recorrente deveria ser determinado pelas pertinentes normas legais em vigor à data em que ele atingiu o limite de idade, ou seja, em 04.04.2005 [artigo 43º nº1 alínea c) do EA]. Isto significa, em suma, que se impunha a consideração do EA com as alterações tidas até à Lei nº1/04 de 15.01 [inclusive], e a consideração do EMJ com as alterações tidas até à Lei nº3-B/00 de 04.04 [inclusive]. É esse quadro legal que passaremos a considerar. O EMJ trata da aposentação dos respectivos magistrados na secção I do seu capítulo V, na qual se prescreve o seguinte: Os requerimentos para aposentação voluntária são enviados ao Conselho Superior da Magistratura, que os remete à Administração da Caixa Geral de Aposentações [artigo 64º]; São aposentados por incapacidade os magistrados judiciais que, por debilidade ou entorpecimento das faculdades físicas ou intelectuais, manifestados no exercício da função, não possam continuar nesta sem grave transtorno da justiça ou dos respectivos serviços [artigo 65º nº1]; Os magistrados que se encontrem na situação referida no número anterior são notificados para, no prazo de trinta dias, requererem a aposentação ou produzirem, por escrito, as observações que tiverem por convenientes [artigo 65º nº2]; No caso previsto no número 1, o Conselho Superior da Magistratura pode determinar a imediata suspensão de funções do magistrado cuja incapacidade especialmente o justifique [artigo 65º nº3]; A suspensão prevista no presente artigo é executada de forma a serem resguardados o prestígio da função e a dignidade do magistrado e não tem efeito sobre as remunerações auferidas [artigo 65º nº4]; A aposentação por incapacidade não implica redução da pensão [artigo 66º]; Os magistrados judiciais que se aposentem por limite de idade, por incapacidade ou nos termos do artigo 37º do Estatuto de Aposentação, excluída a aplicação de pena disciplinar, são considerados jubilados [artigo 67º nº1]; Os magistrados judiciais jubilados continuam vinculados aos deveres estatutários e ligados ao tribunal de que faziam parte, gozam dos títulos, honras, regalias e imunidades correspondentes à sua categoria e podem assistir de traje profissional às cerimónias solenes que se realizem no referido tribunal, tomando lugar à direita dos magistrados em serviço activo [artigo 67º nº2]; Os magistrados judiciais podem fazer declaração de renúncia à condição de jubilados ou pode ser-lhes concedida, a seu pedido, suspensão temporária dessa condição, ficando sujeitos, em tais casos, ao regime geral da aposentação pública [artigo 67º nº3]; Aos magistrados judiciais jubilados é aplicável o disposto nas alíneas a) a g) do nº1 e no nº5 do artigo 17º e no nº2 do artigo 29º [estas normas têm a ver com direitos especiais dos magistrados, como entradas livres, uso e porte de arma, utilização gratuita de transportes, telefone confidencial, acessos a bases de dados, vigilância especial, isenção de custas, e, ainda com o seu cartão identificativo] [artigo 68º nº1]; A pensão de aposentação será calculada, sem qualquer dedução no quantitativo apurado, em função de todas as remunerações sobre as quais incidiu o desconto respectivo [artigo 68º nº2]; Até à liquidação definitiva, os magistrados judiciais têm direito ao abono da pensão provisória, calculada e abonada, nos termos gerais pela repartição processadora [artigo 68º nº3]; As pensões de aposentação dos magistrados jubilados são automaticamente actualizadas e na mesma proporção em função do aumento das remunerações dos magistrados de categoria e escalão correspondentes àqueles em que se verifica a jubilação [artigo 68º nº4] [ver, a respeito, artigo 3º da Lei nº2/90 de 20.01]; Os magistrados judiciais jubilados encontram-se obrigados à reserva exigida pela sua condição [artigo 68º nº5]; Em tudo o que não estiver regulado no presente Estatuto aplica-se à aposentação de magistrados judiciais o regime estabelecido para a função pública [artigo 69º]. Este regime supletivo e subsidiário, consagrado no EA, estipula que a aposentação dos funcionários públicos pode ser voluntária ou obrigatória [artigo 36º], consoante derive de iniciativa do subscritor ou lhe seja imposta por lei ou por acto da administração. E importa salientar ainda, porque relevante para a economia do tratamento deste caso, que estipulava, na altura em que entrou em vigor o do EMJ [1985], que desde início contempla o artigo 66º [na sua actual redacção], que a aposentação podia ser ordinária ou extraordinária [artigo 38º do EA, que foi revogado pelo artigo 57º do DL nº503/99 de 20.11 que veio estabelecer o regime dos acidentes de serviço e doenças profissionais ocorridos ao serviço da Administração Pública], conforme assentasse no exercício prolongado da função ou em facto anómalo que dispensasse esse requisito. A aposentação ordinária pode verificar-se, independentemente de qualquer outro requisito, quando o subscritor contar, pelo menos, 60 anos de idade e 36 anos de serviço [artigo 37º nº1]. Há ainda lugar à aposentação ordinária quando o subscritor, tendo pelo menos 5 anos de serviço, seja declarado, em exame médico, e de forma absoluta e permanente, incapaz para o exercício das suas funções [artigo 37º nº2 alínea a], atinja o limite de idade legalmente fixado para o exercício das suas funções [artigo 37º nº2 alínea b], ou seja punido com pena expulsiva de natureza disciplinar ou, por condenação penal definitiva, demitido ou colocado em situação equivalente [artigo 37º nº2 alínea c]. Por seu turno, a aposentação extraordinária, diferentemente da ordinária, não dependia do tempo de serviço, verificando-se quando, precedendo exame médico, houvesse uma incapacidade permanente e absoluta do subscritor para o exercício das suas funções em virtude de acidente de serviço ou de doença contraída neste e por motivo do seu desempenho [artigo 38º alínea a) então vigente], ou em virtude de um acidente ou doença resultantes da prática de acto humanitário ou dedicação à causa pública [artigo 38º alínea b) então vigente], ou houvesse uma simples desvalorização permanente e parcial na capacidade geral de ganho do subscritor, devida aos acidentes ou doenças acabados de referir [artigo 38º alínea c) então vigente]. Pala passagem à situação de aposentado, o subscritor adquire o direito a uma pensão de aposentação mensal e vitalícia [artigo 46º], sendo que eram diversas as regras sobre o seu cálculo, consoante se tratasse de aposentação ordinária ou extraordinária. Efectivamente, enquanto na aposentação ordinária a pensão é igual à 36ª parte da remuneração que lhe serve de base, multiplicada pela expressão em anos do número de meses de serviço contados para a aposentação, até ao limite máximo de 36 anos [artigo 53º nº1], na extraordinária, o tempo de serviço do subscritor, para efeitos de fixação da pensão, era considerado equivalente a 36 anos [ver termos previstos no artigo 54º, então vigente, e entretanto revogado pelo artigo 57º do DL nº503/99 de 20.11]. Movendo-se dentro deste quadro legal, que se lhe impunha, e confrontada com a pretensão do autor a ver calculada a sua pensão de aposentação com base em 36 anos de serviço [artigo 66º do EMJ] e não com base em 34 anos e 9 meses [artigo 53º nº1 do EA], a decisão judicial recorrida entendeu que a pensão de aposentação, com fundamento em limite de idade, de um magistrado jubilado, deveria ser calculada pela regra fixada no artigo 53º nº1 do EA, aplicável a título supletivo e subsidiário [por remissão do artigo 69º do EMJ], uma vez que estará vedada, no caso, a aplicação analógica e a interpretação extensiva da norma especial do artigo 66º do EMJ. Contrariamente a esta tese, que fundamentou a improcedência dos seus pedidos, defende o recorrente que a jubilação por limite de idade, sendo imposta por lei [artigos 36º nº2 e 37º nº2 alínea b) do EA, 1º do Decreto nº16563 de 02.03.29, e DL nº127/87 de 17.03], deverá ser tida, para este efeito, como aposentação por incapacidade, incluída na letra e no espírito do artigo 66º do EMJ, porque assim o impõe, desde logo, o próprio princípio da igualdade [artigo 13º da CRP]. Como vimos, a ex-aposentação extraordinária, contrariamente ao que acontece na aposentação ordinária, radicava em acidente de serviço ou facto que lhe fosse equiparado. Nela, o legislador, tendo em conta que o interessado, ao ser vítima de um acidente ou facto equiparado, resultante de serviço ou da prática de acto humanitário ou dedicação à causa pública, se viu impedido de perfazer o tempo necessário para a atribuição de uma pensão com o valor máximo, pretendeu, de certa forma, indemnizá-lo pelas expectativas goradas, fazendo equivaler, em princípio, a 36 anos, o seu respectivo tempo de serviço, tempo este que, no plano da realidade concreta, poderia variar entre um dia e trinta e seis anos. Temos como assente que o ainda actual artigo 66º do EMJ, gizado no âmbito deste quadro geral, constitui uma norma especial que arreda a aplicação da regra fixada no artigo 53º do EA nos casos de cálculo da pensão de magistrados aposentados ou jubilados por incapacidade. Em tais casos, os magistrados têm direito à pensão de aposentação por inteiro, independentemente do tempo de serviço [AC STA de 09.02.92 Rº30569, AC STA de 08.06.95 Rº037041, AC STA de 04.07.95 Rº036998, AC STA de 20.11.97 Rº04231], sendo certo que esta norma não sofre de qualquer inconstitucionalidade, nomeadamente por violação do princípio da igualdade consignado no artigo 13º da nossa Lei Fundamental [AC TC de 14.05.97 Rº632/95]. Isto significa, na economia do regime consagrado no EA, que a aposentação ou jubilação dos magistrados judiciais por incapacidade segue a lógica do regime geral da ex-aposentação extraordinária, e não da aposentação ordinária, na qual o factor tempo de serviço, na linha da própria CRP [artigo 63º nº4 da CRP, nos termos do qual todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado], constitui factor primordial e omnipresente do cálculo das pensões. A questão que é colocada pelo recorrente, que aceita e parte desta interpretação da jubilação por incapacidade como aposentação extraordinária, cuja pensão se calcula independentemente do tempo efectivo de serviço, consiste, pois, em determinar se na previsão do artigo 66º do EMJ também cabe a aposentação ou jubilação imposta por limite de idade, e, sendo a resposta negativa, se isso mesmo agride o princípio constitucional da igualdade. Temos como certo que quer a letra desta norma especial, quer a sua integração na unidade do regime jurídico da aposentação, quer a reconstituição do pertinente pensamento legislativo que lhe subjaz, nos impõem uma resposta negativa ao primeiro segmento [interpretativo] da questão desenhada. Na verdade, a letra da norma refere expressamente aposentação por incapacidade, sendo que o legislador faz sempre a distinção entre incapacidade e limite de idade como fundamentos de aposentação ou de jubilação, e trata-os como fundamentos autónomos, considerando a incapacidade um fundamento extraordinário e o limite de idade um fundamento ordinário [entre outros, artigos 65º e 67º nº1 do EMJ e 37º nº2 alíneas a) e b), 38º, com a ressalva já feita, e 41º do EA]. Também quanto ao momento legal previsto para a cessação de funções por parte dos magistrados judiciais a diferença entre estes dois fundamentos de aposentação se faz notar, na medida em que a cessação de funções por limite de idade ocorrerá no próprio dia em que o respectivo magistrado complete esse limite [artigo 70º nº1 alínea a) do EMJ], enquanto nos demais casos ocorre no dia em que for publicado o despacho sobre a sua desligação do serviço. É a própria lei, pois, a autonomizar o limite de idade como causa de cessação de funções, uma vez que nos restantes casos, incapacidade incluída, tal cessação depende de decisão do Conselho Superior da Magistratura [ver, sobre o assunto, AC STA de 18.04.2002 Rº032287]. Com o fundamento incapacidade pretendeu o legislador do EA, como dissemos, perseguir uma intenção compensatória do subscritor que vê inopinadamente truncadas as suas legítimas perspectivas de uma vida activa que lhe permitisse consolidar, para o futuro, uma almofada económica que o garantisse na sua idade madura. E esta intenção legislativa surgia, de certo modo, como uma concretização do próprio princípio da justiça, na medida em que esta incapacidade relevante deveria ter na sua base um acidente de serviço ou doença contraída neste e por motivo do seu desempenho, a prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública [artigo 38º do EA então vigente]. Nesta linha de intenção se situa, também, a norma especial do artigo 66º do EMJ que, muito embora de uma forma mais generosa que a sua congénere geral [artigo 38º EA], visa assegurar ao magistrado incapacitado, devido a debilidade ou entorpecimento das respectivas faculdades físicas ou intelectuais, manifestados no exercício da sua função, de modo a não poder continuar nesta sem grave transtorno da justiça ou dos respectivos serviços, a dignidade de um nível de vida compatível com a titularidade de um órgão de soberania. De facto, o magistrado judicial poderá, independentemente da sua vontade, e contra todas as suas legítimas expectativas de vida activa, ver-se incapacitado para exercer o poder soberano que lhe é atribuído, administrar a justiça em nome do povo [artigo 202º CRP], e isto numa altura da sua vida profissional em que a contabilização de anos de serviço poderá não ser suficiente para lhe assegurar pensão quantitativamente adequada a manter a dignidade de vida esperada do titular de tão alto poder estadual. Este regime especial de cálculo de pensão acaba por encontrar a sua justificação, assim, na natureza das funções que a própria Lei Fundamental comete aos tribunais, como órgãos de soberania [artigos 202º a 208º da CRP]. Mas estas razões, ou outras semelhantes, não são válidas para o fundamento de aposentação limite de idade. Na verdade, não é qualquer razão compensatória, ou que vise dignificar socialmente o magistrado, que subjaz à imposição legal deste tipo de aposentação. São antes razões ligadas ao direito que ele tem ao descanso, após uma vida de trabalho, e que bebem, ainda, numa pretensão social eminentemente prática, tal seja a da renovação dos quadros, por forma a abrir oportunidades às novas gerações de juízes. Saliente-se, também, que no caso da aposentação [jubilação] por limite de idade, o subscritor, magistrado ou não, não é surpreendido por qualquer incapacidade com que não contava, e que fez gorar as suas legítimas expectativas a uma futura pensão de reforma capaz, antes teve conhecimento, desde o início, do requisito legal do limite de idade que se lhe iria impor, e teve oportunidade, ao longo de toda a sua vida activa, de prever e prevenir o seu futuro. Cremos, assim, que o sentido que decorre, quer da letra quer do espírito do artigo 66º do EMJ, é apenas o de que os magistrados aposentados ou jubilados por incapacidade têm direito à pensão por inteiro, independentemente do tempo de serviço, não sendo legítimo concluir, por interpretação extensiva ou analógica [artigo 11º do CC], que essa norma legal também se aplica às situações de aposentação ou jubilação por limite de idade. Neste último caso, e ao abrigo da remissão feita pelo artigo 69º do EMJ, a respectiva pensão de reforma deverá ser calculada de acordo com a regra consagrada no artigo 53º nº1 do EA, aplicável a título supletivo. O estatuto de magistrado jubilado [ver os artigos 68º do EMJ e 3º da Lei nº2/90 de 20.01], só por si, não impede a aplicação dessa regra de cálculo, cujo afastamento deverá exigir que a concreta causa de jubilação seja a da incapacidade do jubilado. Note-se, a respeito, que o legislador do referido artigo 3º da Lei nº2/90 de 20.01 não curou do cálculo das pensões de aposentação dos magistrados jubilados quando estes tenham tempo de serviço inferior a 36 anos, curou apenas da actualização dessas pensões, determinando que são automaticamente actualizadas, e na mesma proporção, em função do aumento dos vencimentos dos magistrados de categoria e escalão correspondentes àqueles em que se verifica a jubilação. Não existe, portanto, na referida norma, qualquer regra a observar no cálculo de pensões que respeite a anos de serviço, mas apenas regras de actualização das mesmas. Temos, pois, que a decisão judicial recorrida procedeu a uma correcta aplicação das normas do regime da aposentação [artigos 66º a 69º do EMJ] que se impunham ao caso do autor. Nesse aspecto, cremos, não merece qualquer censura. V. Mas será que a referida interpretação do artigo 66º do EMJ, efectuada pelo tribunal a quo, e confirmada agora por este tribunal ad quem, conduz a uma aplicação violadora de exigências inerentes ao princípio constitucional da igualdade [artigo 13º da CRP], que deva ser rejeitada pelo tribunal? Defende o recorrente que o limite de idade mais não é que uma incapacidade legalmente imposta para o exercício de funções, e que tal situação, sendo semelhante à directamente prevista no artigo 66º do EMJ, requer um tratamento semelhante [artigo 13º CRP]. É sabido que o princípio da igualdade, nascido de uma matriz liberal e formal, que o concretizava sobretudo na igual aplicação da lei a todos os cidadãos, foi evoluindo como fermento dinamizador e estruturador do regime geral dos direitos humanos, apresentando-se actualmente como princípio oponível ao próprio legislador e dotado de forte dimensão social. Hoje em dia, a igualdade perante a lei não é mais uma mera igual aplicação da lei a todos os cidadãos, mas uma igualdade na lei, ou, se quisermos, uma igualdade através da lei, pois que o princípio da igualdade, entende-se, encontra a sua base substantiva na igual dignidade social de todos os cidadãos, que, por sua vez, representa um corolário da igual dignidade humana de todas as pessoas [ver artigo 1º CRP] [ver Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 4ª edição revista, volume I, 2007, páginas 333 a 349; Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, páginas 147 a 149]. A dimensão social do princípio da igualdade impõe a eliminação das desigualdades de facto [económicas, sociais e culturais], de forma a poder atingir-se a igualdade real entre todos os portugueses [artigo 9º alínea d) da CRP] [igualdade de Estado de direito social]. É assim que o princípio constitucional da igualdade, com esta referida dimensão social, se impõe, desde logo, ao próprio legislador, que não pode tratar de modo desigual o que é essencialmente igual, nem pode tratar de modo igual o que é essencialmente desigual. E impõe-se, obviamente, ao julgador, que na aplicação da lei, e uma vez detectado o tratamento desigual a que conduz a aplicação de determinada norma, deve recusar-se a aplicá-la com fundamento na sua inconstitucionalidade [ver artigo 280º nº1 alínea a) da CRP]. Todavia, como é pressuposto, estas imposições só funcionam quando se verifica uma situação de semelhança essencial entre duas [ou mais] situações, que permita concluir que as razões que levaram a determinado tratamento de uma se verificam na outra. E como esta semelhança entre situações da vida dificilmente é total, importará ao julgador detectar quais os elementos de semelhança que, para além dos inevitáveis elementos diferenciadores, devem estar presentes de modo a poder afirmar-se a igualdade das duas situações [ou mais] em termos que imponham o mesmo tratamento jurídico. Naturalmente que para detectar os elementos relevantes, tem o julgador de verificar se na realidade em causa procedem as mesmas razões que levaram àquele tratamento da situação padrão. De facto, cremos que a qualificação de uma situação como igual a outra terá de incluir, necessariamente, a razão pela qual ela deverá ser tratada do mesmo modo. Tratá-las de modo diferente, apesar da verificação das mesmas razões, e sem justificação razoável, traduz-se em puro arbítrio. E o princípio da igualdade proíbe o arbítrio [sobre a matéria, e entre outros, Jorge Miranda, O regime dos direitos, liberdades e garantias, Estudos sobre a Constituição, volume III, páginas 50 e seguintes; Maria da Glória Ferreira Pinto, Princípio da Igualdade, Separata do BMJ nº358, 1987; AC TC nº231/94, DR II série 28.04.94; AC TC nº634/95, DR II série 20.04.96]. No nosso caso, tanto a incapacidade como o limite de idade são fundamentos da aposentação ou jubilação dos magistrados judiciais, sendo que apenas o primeiro deles, como deixamos dito, foi tratado pelo legislador do EMJ de acordo com a lógica compensatória que tinha levado o legislador geral [EA] a consagrar a incapacidade como fundamento de aposentação extraordinária [artigo 38º do EA então vigente], ou seja, com cálculo de pensão por inteiro, independente de espartilho temporal [artigos 66º do EMJ]. E já vimos que é essencialmente a natureza incerta do se e do quando do fundamento incapacidade que alicerça e justifica que seja atribuída ao subscritor magistrado judicial, aposentado ou jubilado, a pensão por inteiro, como forma de prevenir uma eventual debilidade económica que se traduza em desprestígio da função. O legislador, face à detectada debilidade ou entorpecimento das faculdades físicas ou intelectuais do magistrado, manifestadas no exercício da função, e querendo obviar a graves transtornos para a justiça, impõe-lhe a cessação de funções, mas procura assegurar ao incapacitado, titular de órgão de soberania, condições de sobrevivência que sejam dignas e consentâneas com o seu estatuto profissional. Ora, a verdade é que este tipo de motivação não colhe, como também já deixamos sublinhado, no caso do fundamento limite de idade, que é de ocorrência certa, e permite atempada prevenção. Temos, assim, que a interpretação que foi dada ao artigo 66º do EMJ pela decisão judicial recorrida, e aqui confirmada, para além de se mostrar aceitável no contexto do regime geral da aposentação, também não conduz, tendo em conta as específicas razões e fins por ela visados, a um tratamento desigual do jubilado por limite de idade a quem é aplicada a regra do artigo 53º nº1 do EA. Improcedem, destarte, as pertinentes conclusões tecidas pelo recorrente [2ª a 6ª]. DECISÃO Nestes termos, decidem os juízes deste tribunal, em conferência, o seguinte: - Conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional, declarando nula a decisão judicial recorrida por omissão de pronúncia, mas no restante confirmá-la, mantendo-se o que nela decidido, embora com os actuais fundamentos. Custas pelo recorrente, com taxa de justiça reduzida a metade [note-se que a CGA não contra-alegou no tocante à nulidade invocada e procedente] - artigos 189º CPTA, 446º CPC, 18º nº2, 73º-A, e 73º-E nº1 alínea a) do CCJ. D.N. Porto, 23 de Outubro de 2008 Ass. José Augusto Araújo Veloso Ass. Maria Isabel São Pedro Soeiro Ass. Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia |