Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02369/07.7BEPRT |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 10/12/2012 |
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Tribunal: | TCAN |
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Relator: | Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão |
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Descritores: | INTERPRETAÇÃO ACTUALISTA INCONSTITUCIONALIDADE - PRINCÍPIO DA IGUALDADE ASSOCIAÇÃO REFORMADOS E PENSIONISTAS MONTEPIO E CAIXA SOCORROS E PENSÕES INSTITUTO SEGURANÇA SOCIAL CENTRO NACIONAL PENSÕES REGULAMENTO GERAL MONTEPIO EMPREGADOS SUPERIORES REGULAMENTO CAIXA SOCORROS E PENSÕES |
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Sumário: | I-Se há mais de 75 anos, em que a maioria das mulheres não exercia uma actividade remunerada, se justificava um tratamento desigual entre filhos do sexo feminino e do sexo masculino, tal já não tem qualquer justificação constitucional ou legal nos dias de hoje, em que a esmagadora maioria das mulheres trabalha; I.1-assim, há que fazer uma interpretação actualista, através da qual se procede à interpretação da lei tendo em conta as realidades actuais, vigentes ao tempo da sua aplicação; tal mostra-se particularmente importante, enquanto forma de renovação interna do sistema jurídico; I.2-se é certo que não se podem fazer interpretações da lei ao arrepio da sua letra, não é menos verdade que se impõe atender ao sentido/espírito da norma, sob pena de se chegar a conclusões absurdas e totalmente desligadas da realidade. II-Se interpretarmos o n.º 1 do artº 14º e o nº 2 do artº 15º do Regulamento Geral do Montepio dos Empregados Superiores e Caixa de Socorros e Pensões, no sentido de que as filhas solteiras têm sempre direito à pensão de sobrevivência, independentemente de terem ou não necessidade de alimentos, estamos a violar o objectivo que a norma pretendeu alcançar, II.1-e a violar o princípio constitucional contido no artigo 13º da CRP, segundo o qual todos os cidadãos são iguais perante a lei e ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, do sexo. Ou seja, atribuir a pensão a familiares do beneficiário dos STCP que não necessitem de alimentos, em função do sexo; II.2-as normas devem ser interpretadas de forma actualista e tendo em conta a unidade do sistema jurídico, de molde a eliminar qualquer tratamento discriminatório em função do sexo.* *Sumário elaborado pelo Relator |
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Data de Entrada: | 04/12/2010 |
Recorrente: | Centro Nacional de Pensões |
Recorrido 1: | Associação de Reformados ... |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Concede provimento ao recurso |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Não emitiu |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO A Associação dos R. …, já identificada nos autos, intentou acção administrativa comum contra o Instituto de Segurança Social/Centro Nacional de Pensões, pedindo a condenação do Réu no seguinte: a) A reconhecer que a transmissão da pensão de sobrevivência às filhas solteiras não está dependente das mesmas terem outros rendimentos ou não, nomeadamente superiores ao salário mínimo nacional; b) a reconhecer que o cônjuge viúvo, em caso de não ocorrer concurso com ninguém à respectiva pensão, deve receber a pensão de sobrevivência por inteiro; c) a pagar as pensões de sobrevivência, passadas, presentes e futuras, dos associados da A. nos termos dos pedidos a) e b). Por decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto foi julgada procedente a acção e condenado o Réu nos termos peticionados. Desta vem interposto o presente recurso pelo Réu que, em alegação, concluiu assim: 1º Considerou a sentença, ora impugnada, Julgar procedente a presente acção e, consequentemente, condenar o R. ora recorrente a reconhecer que a transmissão da pensão de sobrevivência as filhas solteiras dos associados dos Regulamentos dos Empregados Superiores e Caixa de S. …, de 21 de Maio de 1927, da Companhia Carris de Ferro do Porto, ora designada por ST. …. Reconhecendo ainda que o cônjuge viúvo, em caso de não ocorrer concurso com ninguém à respectiva pensão, deve receber a pensão de sobrevivência por inteiro.2º Salvo o devido respeito, que é muito, não assiste razão ao senhor Juiz nos fundamentos que invoca.3º Nos termos do artigo 108°, na redacção dada pelo citado despacho, aos beneficiários referidos no artigo 102°, aplicar-se-á no que respeita às pensões de sobrevivência o regime estabelecido pelos Regulamentos da Caixa de Socorros e Pensões de C.C.F. Porto e pelo Regulamento Geral do Montepio dos Empregados Superiores da C.C.F. Porto, consoante os Regulamento a que se encontram sujeitos.4º E, têm direito à pensão, a viúva, provando que mantinha a constância do matrimónio na ocasião do falecimento do marido e os filhos legítimos ou legitimados (n.º 1 do artigo 14° do RGMESCCFP). Os pais que vivam na companhia do associado e que por ele sejam alimentados (n.º 2 do mesmo artigo) e irmãs solteiras ou viúvas que vivam também em companhia do associado e igualmente alimentadas por ele. (n.º 3 do mesmo artigo 14°).5º E, de acordo com o estabelecido no: n. ° 1, do artigo 15° do mesmo diploma, perdem o direito à pensão a viúva que tenha mau comportamento, ou consiga situação que lhe permita prescindir da pensão.6º E, de acordo com o disposto no n.º 2 da mesma disposição legal, perdem ainda o direito à pensão, os filhos varões casados ou solteiros, maiores de 18 anos, excepto se tiverem incapacidade física para o trabalho, e filhas casadas.7º Perdem igualmente direito à pensão os pais que tiverem recursos próprios que bastem à sua subsistência (n.º 4 do artigo 15°) e as irmãs que à data da morte do associado tiverem mais de 21 anos e se a administração do Montepio entender que lha deve eliminar (n.º 3 do artigo: 15°).8º O art. 18º do Regulamento da Caixa de Socorros e Pensões da CCFP refere que a distribuição e pagamento da pensão de sobrevivência à família do sócio falecido será regulada pela forma seguinte:“1º A viúva do sócio, seus filhos menores de 18 anos e suas filhas solteiras até à idade de 25 anos, com bom comportamento moral, têm direito à pensão que será dividida em duas partes, uma para a viúva e outras para os filhos, dividida por todos em partes iguais.”. 9º Acrescentando a alínea c) da mesma norma: “A pensão dos filhos cessa quando atinjam 18 anos de idade e a das filhas quando atinjam 25 anos, salvo o caso de reconhecida impossibilidade física de ganhar os necessários meios de subsistência, tendo direito à pensão em quanto esse ou esses impedimentos durarem.”. 10º O art. 15º do Regulamento do Montepio dos Empregados Superiores da CCFP nada refere relativamente à perda da pensão por parte das filhas solteiras.11º Põe-se assim o problema de saber até quando terão direito a receber a pensão de sobrevivência as filhas solteiras: até aos 18 anos como os filhos varões? Até aos 25 anos como no caso do Regulamento da Caixa de Socorros e Pensões? Ou a título vitalício, independentemente de carecerem de alimentos?12º Impõe-se pois fazer a interpretação daquele art. 15º, a par do art. 14º do mesmo Regulamento do Montepio da CCFP, sendo necessário descobrir de entre os sentidos possíveis da lei o seu sentido prevalecente ou decisivo.13º Como se sabe o art.º 9º, n.º 1, do CC dispõe que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em quer a lei foi elaborada e as condições do tempo em que é aplicada.”14º Assim, a interpretação do artigo 15º, e também do 14º, não pode deixar de ter em consideração as palavras nele contidas, mas também o sentido ou espírito da norma.15º Ora da leitura dos artigos 14° e 15° retira-se que a razão de ser da pensão de sobrevivência reside na protecção dos familiares do beneficiário que, sendo previsível dependerem dele, ficam, em consequência da sua morte, sem meios de subsistência.16º E, tendo em conta as condições sociais existentes na época em que a lei foi elaborada, em que a maioria das mulheres não exercia actividade remunerada, o legislador partiu do princípio que as filhas solteiras qualquer que fosse a sua idade, não teriam meios de subsistência por morte do seu progenitor.17º Só esse circunstancialismo social explica racionalmente que, relativamente aos filhos do sexo masculino, solteiros e com mais de 18 anos, o direito à pensão de sobrevivência apenas existisse nos casos de impossibilidade física de angariar meios de subsistência.18º As filhas solteiras porque há mais de 75 anos a esmagadora maioria das mulheres solteiras em Portugal não exerciam actividades remuneradas, não tinham meios de subsistência, vivendo a cargo do chefe de família.19º E falecido o beneficiário, necessitavam de alimentos.20º E, perdiam esse direito no momento em que essa necessidade de alimentos desaparecia (artigo 15º, nº 2 do Regulamento do Montepio e art. 18º, nº 2 do Regulamento da Caixa de Socorros).21º O legislador de 1927, atentas as condições sociais da época, em que a esmagadora maioria das mulheres não exercia uma actividade remunerada, terá partido do princípio que as filhas solteiras necessitavam sempre de alimentos e consequentemente não restringiu o direito à pensão às filhas solteiras.22º Esta é a única explicação lógica para o tratamento desigual entre filhos do sexo feminino e do sexo masculino.23º Ora, decorridos mais de 75 anos, as condições sociais alteraram-se profundamente.24º A esmagadora maioria das filhas solteiras dos beneficiários dos STCP exercerão actividades remuneradas, que lhes permitirão terem meios de subsistência e consequentemente não necessitarão de alimentos.25º Se interpretar-mos o n.º 1 do artigo 14º e o nº 2 do art. 15º no sentido de que as filhas solteiras têm sempre direito à pensão de sobrevivência, independentemente de terem ou não necessidade de alimentos, estamos a violar o objectivo que a norma pretendeu alcançar.26º E a violar o princípio constitucional contido no artigo 13º da CRP.27º Por outro lado, o montante que permite qualificar um habilitante à pensão como uma pessoa que tenha recursos próprios que bastem à sua subsistência tem, como é evidente, sofrido alteração ao longo dos anos.28º Actualmente, entende-se que tem meios próprios de subsistência quem recebe pelo menos o montante do salário mínimo nacional, de acordo com parecer do TC n.º 318/99, de 26/5, que refere que o salário mínimo nacional deve ser considerado como valor de referência ao rendimento mínimo para que uma pessoa possa viver com dignidade.29º Ora, se a interpretação actual daquelas normas fosse a que pretende o Autor, sufragada pela sentença, poderíamos ter situações em que filhas solteiras têm sempre direito à pensão, independentemente da idade e rendimentos – exemplo ter rendimento de 2500 € mensais e auferir pensão de sobrevivência por morte do pai.30º E indeferir a atribuição de pensão a um irmão maior de 18 anos, só porque não está incapacitado para o trabalho, que não tenha rendimentos e quiçá até pode ser estudante.31º Por outro lado, e como já se referiu o art.º 9º, n. º 1 do CC entre os elementos que manda atender na interpretação da lei, refere “as condições específicas de tempo em que é aplicada”.32º Segundo o Professor Oliveira Ascensão – in Direito – Introdução à Teoria Geral – 4ª edição, pág. 332, esta disposição consagra o actualismo.33º Refere o Autor que “ a lei, uma vez criada, situa-se numa ordem social, que é necessariamente viva, aberta a todos os estímulos que nela provocam as alterações históricas. A fórmula em que a lei se consubstancia está fixada: mas o sentido dessa fórmula pode variar, consoante as incidências do condicionalismo donde arrancam as suas significações”34º Nestes termos a interpretação que o Réu faz dos art.º 14º e 15º do Regulamento Geral do Montepio dos Empregados Superiores é conforme ao n.º 2 do art.º 9º do CC, e cumpre o art.º 13º da CRP – pois para eliminar o tratamento discriminatório existente no n.º 2 do art.º 15º, deve entender-se que tanto os filhos do sexo masculino como os do sexo feminino maiores de 18 anos têm direito à pensão desde que não tenham meios de subsistência resultantes da sua incapacidade física para o trabalho.35º Pois estas normas devem ser interpretadas de forma actualista e tendo em conta a unidade do sistema jurídico de modo a eliminar qualquer tratamento discriminatório em função do sexo.36º Outra questão que a Autora coloca e que não tem razão é que os Regulamentos aplicáveis ao caso subjudice se tratariam de “lex privata” – art.ºs 14º e segs da p.i.37º Ora, estamos a falar de reformados do ST. …, sucessor da Companhia Carris de Ferro do Porto.38º È verdade que inicialmente o pessoal da antiga Companhia Carris de Ferro do Porto tinha a sua previdência assegurada através de duas Caixas privativas que se regiam pelos seguintes regulamentos:- Regulamento Geral do Montepio dos Empregados Superiores; - Regulamento da Caixa de Socorro e Pensões. 39º Todavia, já em 1935 a Lei 1 884, de 16 de Março veio a considerar que o financiamento das Caixas seriam encargos inerentes à exploração dada a natureza de serviço público – art.º 22º.40º Aliás, orientação que a Lei 2 115 de 18 de Junho de 1962 manteve – Base XXXV.41º Sendo que por alvará de 7 de Janeiro de 1959 é aprovado um novo regulamento da então Caixa de Previdência do Pessoal do Serviço de Transportes Colectivos do Porto que integrou todo o pessoal do sector no regime geral da Previdência.42º E face a situação deficitária do Serviço de Transportes Colectivos do Porto foi publicado o DL n.º 317/72 de 18 de Agosto que integrou a Caixa privativa da Empresa na Lei 2 115 passando-a Caixa de Previdência e Abono de Família – art.º 4º.43º E integrou no regime geral da Caixa Nacional de Pensões os beneficiários inscritos na Caixa do ST. … posteriormente a Junho de 1953 – art.º 5º.44º Por último, e no que concerne ao alegado pela Autora de que o cônjuge viúvo, em caso de não ocorrer concurso com ninguém à respectiva pensão, deve receber a pensão de sobrevivência por inteiro, se dirá que o Réu cumpre na integra os respectivos regulamentos.45º Assim sendo, e por todo o exposto, deverá ser revogada a sentença ora recorrido por violação do disposto no art. 13º da CRP e do disposto no art. 9º , nº 1 do CC. e, em consequência, ser considerada improcedente a presente acção por não provada.Termos em que deverá o recurso interposto obter provimento, devendo ser revogada a sentença, de 07/01/2010, que julgou procedente a presente acção, por violação do disposto no art. 13º da CRP e art. 9º, nº 1 do CC. A recorrida juntou contra-alegação, sem conclusões, pugnando pela improcedência do recurso. Nesta peça invocou ainda, a título de questão prévia, que não deve ser aceite o elenco das conclusões da alegação de recurso, já que estas, além de prolixas, quase são a reprodução das próprias alegações. O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º, nº 1, do CPTA, não emitiu qualquer parecer. Cumpre apreciar e decidir. FUNDAMENTOS DE FACTO Na decisão sob recurso foi fixada a seguinte factualidade: 1- A Autora, «Associação dos R. … » é uma pessoa colectiva de utilidade pública, nos termos do DL n.º 460/77, de 7/11, conforme Despacho publicado no DR, 2ª Série, n.º 46, de 24/02/1987. 2 - São associados da Autora os reformados e pensionistas de sobrevivência dos Regulamentos dos Empregados Superiores e Caixa de Socorros e Pensões, de 21 de Maio de 1927, da Companhia Carris de Ferro do Porto, ora designada por «ST. … - Sociedade de Transportes …, S.A.». 3 - A Autora estatutariamente representa os associados quer em Tribunal, quer fora dele, relativamente a assuntos relacionados com os seus interesses, decorrentes dos regulamentos referidos nos artigos 3.º e 7.º dos seus Estatutos, bem como tem por finalidade a salvaguarda dos interesses dos reformados, pensionistas, e benefícios concedidos pelos Regulamentos mencionados no artigo 3.º, n.º 1.º do referido Estatuto. 4 - As instituições previdenciais referidas em 2 foram integradas no Centro Nacional de Pensões, o qual posteriormente foi integrado no «Instituto da Segurança Social, I.P.». 5 - O Centro Nacional de Pensões é responsável, para com os associados da Autora, pelo pagamento das respectivas pensões de reforma, bem como, em caso de morte do beneficiário, do pagamento da pensão, por transmissão para as viúvas e filhas solteiras dos beneficiários. 6 - O Regulamento da «Caixa de Socorros e Pensões da Companhia Carris de Ferro do Porto», aprovado em assembleia-geral extraordinária de 21 de Maio de 1927, estabelece nos seus artigos 14.º, 17.º e 18.º seguinte: «Artigo 14.º - A pensão de sobrevivência à família do sócio será de 75% da importância a que o sócio teria direito se se aposentasse à data do falecimento, ou 75% do que estava recebendo como aposentado. Não terão direito a pensão alguma as famílias dos sócios falecidos antes de completarem 5 anos de associado. § único. Quando qualquer sócio falecer antes de completar 5 anos de associado, serão entregues 50% do saldo líquido da sua quotização às pessoas que nos termos deste Regulamento teriam direito à pensão de sobrevivência. Artigo 17.º - Entender-se-á por família do sócio e, portanto, com direito à pensão de sobrevivência estabelecida por este Regulamento: 1.º Viúva e filhos. Entende-se também por viúva, para efeitos da pensão, a mulher que tenha vivido maritalmente com o falecido, durante pelo menos 10 anos. 2.º Pais ou avós. Artigo 18.º - A distribuição e pagamento da pensão de sobrevivência à família do sócio falecido serão regulados pela forma seguinte: 1.º A viúva do sócio, seus filhos menores de 18 anos e suas filhas solteiras até à idade de 25 anos, com bom comportamento moral, têm direito à pensão que será dividida em duas partes, uma para a viúva e outra para os filhos, dividida por todos eles em partes iguais. a) O sócio falecido que deixar só filhos haverão estes, além da sua parte, a que pertencia à viúva. Se não houver filhos a pensão pertencerá por inteiro à viúva. b) A pensão da viúva cessa quando abandonar os filhos menores ou tiver mau comportamento devidamente comprovado. c) A pensão dos filhos cessa quando atinjam 18 anos de idade e a das filhas quando atinjam 25 anos, salvo o caso de reconhecida impossibilidade física de ganhar os necessários meios de subsistência, tendo direito à pensão em quanto esse ou esses impedimentos durarem. (…)». 7 - O Regulamento Geral do Montepio dos Empregados Superiores da Companhia Carris de Ferro do Porto, aprovado na assembleia-geral de 21 de Maio de 1927, dispõe nos seus artigos 14.º, 15.º e 16, da seguinte forma: «Artigo 14.º «O associado que tiver, pelo menos, 5 anos de serviço na Companhia transmite pensão aos seus parentes pela ordem seguinte: 1.º Viúva provando que mantinha a constância do matrimónio na ocasião do falecimento do marido, e filhos legítimos ou legitimados. § único. Entende-se por viúva, para os efeitos da pensão, a mulher que tenha vivido maritalmente com o falecido durante os últimos 10 anos, pelo menos. 2.º Pais que vivam na companhia do associado, e que por ele sejam alimentados. 3.º Irmãs solteiras ou viúvas que vivam também em companhia do associado, e igualmente alimentadas por ele. 4.º As pensões por aposentação, quer ordinária, quer extraordinária, ou ainda de sobrevivência, oscilarão paralelamente aos ordenados soa associados, não pensionistas, de categoria idêntica, quando colectivamente por motivo de barateamento ou carestia de vida, o mesmo sucedendo com as quotas a pagar, e bem assim os 15 contos da Companhia. Artigo 15.º Perdem o direito à pensão: 1.º A viúva que tenha mau comportamento, ou consiga situação que lhe permita prescindir da pensão. 2.º Os filhos varões casados ou solteiros maiores de 18 anos, excepto se tiverem incapacidade física para o trabalho, e filhas casadas. 3.º As irmãs que à morte do associado tiverem mais de 21 anos e se a administração do Montepio entender que lha deve eliminar. 4.º Os pais que tiverem recursos próprios que bastem à sua subsistência. § único. À administração do Montepio incumbe a determinação dos meios de habitação dos parentes dos associados com direito às pensões e sua respectiva fiscalização, especialmente no que diz respeito à condição do n.º 3 deste artigo. Artigo 16.º A pensão de sobrevivência será de 75% sobre as importâncias a que o associado teria direito se se aposentasse à data do falecimento, ou 75% do que esteja recebendo se já for aposentado. No caso, porém do associado falecer antes dos 15 anos a que se refere a alínea a) do n.º 2 do art. 13.º, a pensão será de 50% do seu ordenado». 8 – A viúva e filhos dos beneficiários abrangidos pelo Regulamento da «Caixa de Previdência do Pessoal do Serviço de Transportes Colectivos do Porto», inscritos antes de 15 de Junho de 1953, beneficiam do mesmo regime previsto no Regulamento da «Caixa de Socorros e Pensões da Companhia Carris de Ferro do Porto ou no Regulamento Geral do Montepio dos Empregados Superiores da Companhia Carris de Ferro do Porto, conforme o regime a que se encontrem sujeitos – artigo 108.º daquele primeiro Regulamento. 9 - Através do Decreto-Lei n.º 317/72, de 18 de Agosto, foram adoptadas diversas providências para aplicação aos ST. …, das quais se destacam as constantes dos artigos 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 9.º do referido diploma e que a seguir se transcrevem: «Art. 4.° - 1. A Caixa de Previdência do Pessoal do Serviço de Transportes Colectivos do Porto, com regulamento aprovado por despacho de 7 de Fevereiro de 1959, integra-se no sistema instituído na Lei n.º 2115, de 18 de Junho de 1962, como instituição prevista na alínea a) da base XII, ficando sujeita ao disposto nas bases VI e XXXIII da mesma lei, no que respeita à sua constituição e regulamentação; passando a denominar-se Caixa de Previdência e Abono de Família do Pessoal do Serviço de Transportes Colectivos do Porto. 2. A Caixa abrange na sua acção, como contribuinte, o Serviço de Transportes Colectivos do Porto, e, como beneficiários, todo o pessoal admitido ou que de futuro venha a sê-lo naquele Serviço. Art. 5.° - 1. São integrados na Caixa Nacional de Pensões, para efeitos de protecção na invalidez, velhice e morte, os beneficiários inscritos na Caixa de Previdência do Pessoal do Serviço de Transportes Colectivos do Porto posteriormente a 14 de Junho de 1953. 2. Aos beneficiários referidos no número, anterior continua a aplicar-se o esquema normal de benefícios daquela instituição, a que estão presentemente sujeitos, incluindo as melhorias e actualizações fixadas na Portaria n.º 436/72, de 5 de Agosto, ou que de futuro venham a ser estabelecidas, além de se manter o actual subsídio por morte complementar de seis meses de retribuições. Art. 6.° - 1. A Caixa Nacional de Pensões assume a partir de 1 de Janeiro de 1973, o encargo com a concessão dos benefícios de invalidez, velhice e morte respeitantes aos beneficiários da Caixa de Previdência do Pessoal do Serviço de Transportes Colectivos do Porto admitidos anteriormente a 15 de Junho de 1953. 2. Transitoriamente, porém, até que a Caixa Nacional de Pensões possa desempenhar-se dessa tarefa, mas no máximo até 31 de Dezembro de 1973, continuará a Caixa de Previdência do Pessoal do Serviço de Transportes Colectivos do Porto a efectuar o pagamento das pensões que venham sendo pagas através dos seus serviços. Art. 7.° - 1. A concessão dos benefícios de invalidez velhice e morte respeitantes aos beneficiários referidos no artigo anterior continuará a reger-se pelos regulamentos a que estão presentemente sujeitos. 2. Compete ao ST. … a responsabilidade pela resolução de todos os litígios respeitantes aos valores das pensões em curso à data da integração. 3. O cálculo das importâncias a transferir para a Caixa Nacional de Pensões, relativamente aos beneficiários referidos no n.º 1 do artigo 5.º, será feito pelos serviços actuariais da Direcção-Geral da Previdência e Habitações Económicas, do Ministério das Corporações e Previdência Social, de acordo com os princípios adoptados nos casos normais de articulação dos seguros diferidos dos beneficiários das caixas de previdência e abono de família. Art. 8.° - 1. Como contrapartida dos encargos assumidos nos termos do n.º 1 do artigo 6.º, a Caixa Nacional de Pensões arrecadará a receita de contribuições elos beneficiários respectivos e respeitante à rubrica «Outros benefícios», após dedução das despesas com os benefícios complementares da modalidade de doença. 2. O remanescente dos encargos constitui encargo da Caixa Nacional de Pensões. Art. 9.º A alteração dos regulamentos em vigor à data da constituição da Caixa de Previdência do Pessoal do Serviço de Transportes Colectivos do Porto, bem como as dúvidas suscitadas pelos mesmos serão resolvidas por despacho do Ministro das Corporações e Previdência Social, publicado no Diário do Governo.». 10 - O Despacho Normativo da Secretaria de Estado da Segurança Social, de 4 de Dezembro de 1974, publicado no Diário do Governo de 4 de Janeiro de 1975, III Série, n.º 3 (página 34), alterou a redacção do artigo 107.º do Regulamento da Caixa de Previdência do Pessoal do Serviço de Transportes Colectivos do Porto, aprovado em 7 de Fevereiro de 1959, a qual passou a ser a seguinte: «O quantitativo do subsídio por morte relativo aos beneficiários referidos no artigo 102.º será equivalente a dois terços da remuneração média mensal considerada para efeito de cálculo do subsídio de doença». 11 - O Mencionado Despacho Normativo alterou, igualmente, a redacção do artigo 108.º do citado Regulamento, nos seguintes termos: «Em relação aos beneficiários referidos no artigo 102.º, aplicar-se-á no que respeita às pensões de sobrevivência o regime estabelecido pelos Regulamentos da Caixa de Socorros e Pensões da Companhia Carris de Ferro do Porto e pelo Regulamento Geral do Montepio dos Empregados Superiores da Companhia Carris de Ferro do Porto, consoante o regulamento a que se encontram sujeitos. § 1.º Não são prejudicados os valores das pensões de sobrevivência em curso que sejam superiores aos que resultariam da aplicação do disposto no corpo deste artigo». DE DIREITO Está posta em causa a decisão do TAF do Porto que julgou procedente a presente acção e, consequentemente, (a)) condenou o aqui Recorrente a reconhecer a transmissão da pensão de sobrevivência às filhas solteiras dos associados dos Regulamentos dos Empregados Superiores e Caixa de Socorros e Pensões, de 21 de Maio de 1927, da Companhia Carris de Ferro do Porto, ora designada por ST. …, (b)) a reconhecer que o cônjuge viúvo, em caso de não ocorrer concurso com ninguém à respectiva pensão, deve receber a pensão de sobrevivência por inteiro, (c)), a pagar as pensões de sobrevivência, passadas, presentes e futuras, dos associados da Autora/Recorrida nos termos do condenado em a) e b). Na óptica do Recorrente a sentença violou o disposto no artº 13º da CRP e 9º , nº 1 do CC. A questão é meramente de direito e, salvo melhor entendimento, assiste razão ao Recorrente. Antes, porém, dir-se-á, no que tange à questão prévia acima aludida, que, pese embora a natureza pouco sintética das conclusões contidas na alegação, o Recorrente deu satisfação ao disposto nos artºs 146º, nº 4 do CPTA e 685º-A do CPC ex vi artºs 1º e 140º do CPTA, já que formulou conclusões, nas quais indicou os fundamentos por que pede a alteração da decisão judicial, bem como os normativos violados. Além disso, a natureza nada trabalhada da matéria vertida nos autos justifica, quanto a nós, o menor poder de síntese da peça processual em referência. DO FUNDO/MÉRITO DO RECURSO Nos termos do disposto no artigo 107° do Regulamento da Caixa de Previdência, na redacção dada pelo despacho de 04/1211974 do Secretário de Estado da Segurança. Social: "O quantitativo do subsídio por morte relativo aos beneficiários referidos no artigo 102° será equivalente a 2/3 da remuneração média mensal considerado para efeito de cálculo do subsídio por doença. E nos termos do artigo 108°, na redacção dada pelo citado despacho, aos beneficiários referidos no artigo 102°, aplicar-se-á no que respeita às pensões de sobrevivência o regime estabelecido pelos Regulamentos da Caixa de Socorros e Pensões de C.C.F. Porto e pelo Regulamento Geral do Montepio dos Empregados Superiores da C.C.F. Porto, consoante os Regulamento a que se encontram sujeitos. E, têm direito à pensão, a viúva, provando que mantinha a constância do matrimónio na ocasião do falecimento do marido e os filhos legítimos ou legitimados (n.º 1 do artigo 14° do RGMESCCFP), os pais que vivam na companhia do associado e que por ele sejam alimentados (n.º 2 do mesmo artigo) e irmãs solteiras ou viúvas que vivam também em companhia do associado e igualmente alimentadas por ele (n.º 3 também do artigo 14°). E, de acordo com o estabelecido no n ° 1, do artigo 15° do mesmo diploma, perdem o direito à pensão a viúva que tenha mau comportamento, ou consiga situação que lhe permita prescindir da pensão. Por seu turno, de acordo com o disposto no n.º 2 da mesma disposição legal, perdem ainda o direito à pensão, os filhos varões casados ou solteiros, maiores de 18 anos, excepto se tiverem incapacidade física para o trabalho, e filhas casadas. Perdem igualmente direito à pensão os pais que tiverem recursos próprios que bastem à sua subsistência (n.º 4 do artigo 15°) e as irmãs que à data da morte do associado tiverem mais de 21 anos e se a administração do Montepio entender que lha deve eliminar (n.º 3 do artigo 15°). Por outro lado, o artº 18º do Regulamento da Caixa de Socorros e Pensões da CCFP refere que a distribuição e pagamento da pensão de sobrevivência à família do sócio falecido será regulada pela forma seguinte: “1º A viúva do sócio, seus filhos menores de 18 anos e suas filhas solteiras até à idade de 25 anos, com bom comportamento moral, têm direito à pensão que será dividida em duas partes, uma para a viúva e outras para os filhos, dividida por todos em partes iguais”, acrescentando a alínea c) da mesma norma: “A pensão dos filhos cessa quando atinjam 18 anos de idade e a das filhas quando atinjam 25 anos, salvo o caso de reconhecida impossibilidade física de ganhar os necessários meios de subsistência, tendo direito à pensão em quanto esse ou esses impedimentos durarem”. Contudo, o artº 15º do Regulamento do Montepio dos Empregados Superiores da CCFP nada refere relativamente à perda da pensão por parte das filhas solteiras. Põe-se assim o problema de saber até quando terão estas direito a receber a pensão de sobrevivência: até aos 18 anos como os filhos varões? Até aos 25 anos como no caso do Regulamento da Caixa de Socorros e Pensões? Ou a título vitalício, independentemente de carecerem de alimentos? Segundo o Recorrente, e bem, há que fazer a interpretação daquele artº 15º a par do artº 14º do mesmo Regulamento do Montepio da CCFP, sendo necessário descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalecente ou decisivo. Como se sabe o artº 9º, n.º 1, do CC dispõe que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em quer a lei foi elaborada e as condições do tempo em que é aplicada.” E, segundo o nº 2 deste mesmo artº 9º, “não pode.......ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”; assim, mesmo quando o intérprete “...se socorre de elementos externos, o sentido só poderá valer se for possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto que se pretende interpretar”- cfr. o Professor J. Baptista Machado, em “Introdução ao Direito Legitimador”, 1983/189-. E refere José Lebre de Freitas, BMJ 333º/18 “A mens legislatoris só deverá ser tida em conta como elemento determinante da interpretação da lei quando tenha o mínimo de correspondência no seu texto e no seu espírito”. Assim, se é certo que não se podem fazer interpretações da lei ao arrepio da sua letra, não é menos verdade que se impõe atender ao sentido/espírito da norma, sob pena de se chegar a conclusões absurdas e totalmente desligadas da realidade. Voltando a apelar ao Prof. Baptista Machado, ob, cit., a letra da lei é o ponto de partida da interpretação, e cabe-lhe, desde logo, uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei -artº 9º, nº 2. Ora da leitura dos artigos 14° e 15°, atrás citados, retiramos nós que a razão de ser da pensão de sobrevivência reside na protecção dos familiares do beneficiário que, sendo previsível dependerem dele, ficam, em consequência da sua morte, sem meios de subsistência. Ou seja, têm carácter de pensões alimentícias. E, tendo em conta as condições sociais existentes na época em que a lei foi elaborada, em que a maioria das mulheres não exercia actividade remunerada, o legislador partiu do princípio que as filhas solteiras, qualquer que fosse a sua idade, não teriam meios de subsistência por morte do seu progenitor. Só esse circunstancialismo social explica racionalmente que, relativamente aos filhos do sexo masculino, solteiros e com mais de 18 anos, o direito à pensão de sobrevivência apenas existisse nos casos de impossibilidade física de angariar meios de subsistência. Tanto mais que, se atendermos ao que consta dos vários números do artº 14º resulta que todos os “representantes” têm direito à pensão porque na sequência da morte do beneficiário ficavam numa situação de necessidade de alimentos. A viúva porque, falecido o cônjuge, que era quem, à época, na maioria dos casos, angariava os meios de subsistência do casal, ficava na situação de necessidade de alimentos e até que necessitasse deles, dado que nos termos do nº 1 do artigo 15º perde o direito, se conseguir situação que lhe permita prescindir da pensão. Os pais que vivam na companhia do beneficiário e que por ele sejam alimentados. As irmãs solteiras ou viúvas em companhia do beneficiário e põe ele alimentadas. Os filhos do sexo masculino, se menores de 18 anos, porque em princípio viveriam a cargo do chefe de família e tinham necessidade de alimentos; o mesmo se diga se os filhos maiores de 18 anos estivessem fisicamente incapacitados de angariar meios de subsistência. As filhas solteiras porque, há mais de 75 anos, a esmagadora maioria das mulheres solteiras em Portugal não exerciam actividades remuneradas, não tinham meios de subsistência, vivendo a cargo do chefe de família. Logo, falecido o beneficiário, careciam de alimentos. Todavia, perdiam esse direito no momento em que essa necessidade (e alimentos) desaparecia (artigo 15º, nº 2). Concluímos, pois, que, atentas as condições sociais da época, em que, repete-se, a maioria das mulheres não exercia uma actividade remunerada, terá partido do princípio que as filhas solteiras necessitavam sempre de alimentos e consequentemente não ponderou restringir o direito à pensão às filhas solteiras. Esta é a única explicação lógica para o tratamento desigual entre filhos do sexo feminino e do sexo masculino. Só que, decorridos mais de 75 anos, as condições sociais alteraram-se profundamente. O mundo mudou radicalmente e seria mesmo irreconhecível pelo legislador de então, caso pudesse voltar. A esmagadora maioria das filhas solteiras dos beneficiários dos ST. … exercerão actividades remuneradas, que lhes permitirão terem meios de subsistência e consequentemente não necessitarão de alimentos. Assim, há que fazer uma interpretação actualista, através da qual se procede à interpretação da lei tendo em conta as realidades actuais, vigentes ao tempo da sua aplicação; tal mostra-se particularmente importante, enquanto forma de renovação interna do sistema jurídico. Como refere A. PINTO MONTEIRO (ainda que noutro contexto) -cfr. Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, Coimbra, 1985, págs. 25 e segs., nota 31, “transmitindo-se as leis «como eterna enfermidade», «arrastando-se de geração em geração» (segundo o conhecido poema de GOETHE), é forçoso que os tribunais, na prática, umas vezes deliberadamente, outras, de maneira paulatina e quase inconsciente, procedam a uma interpretação que tome em conta as novas exigências sociais e valorativas-. A legitimidade do recurso a este método interpretativo radica no já citado artº 9º, nº 1, que manda atender, na interpretação da lei, inter alia, às condições específicas do tempo em que é aplicada. O problema da interpretação actualista surge, segundo este autor, quando tem lugar uma mudança do uso da linguagem, susceptível de atribuir novos sentidos à expressão verbal empregue pela norma, ou quando se verifica uma mudança das circunstâncias de facto para as quais a norma foi criada, ou ainda quando se opera uma alteração dos critérios valorativos, resultante da orientação global do desenvolvimento axiológico-jurídico. A questão está em saber se, verificada alguma das mencionadas circunstâncias, “será de manter o sentido inicial da norma, ajustado aos factores e condições existentes nessa época ou, antes, será de lhe atribuir um novo sentido, compatível com as alterações registadas e (mais) adequado à realidade presente do tempo em que é aplicada”. Uma coisa é certa: a interpretação actualista deverá ser aplicada com a necessária prudência, estando logo à partida condicionada pelos factores hermenêuticos, designadamente pela ratio da norma e pelos elementos gramatical e sistemático. Face a estes considerandos, parece-nos que, se interpretarmos o n.º 1 do artigo 14º e o nº 2 do artº 15º do falado Regulamento Geral do Montepio dos Empregados Superiores e Caixa de Socorros e Pensões, no sentido de que as filhas solteiras têm sempre direito à pensão de sobrevivência, independentemente de terem ou não necessidade de alimentos, estamos a violar o objectivo que a norma pretendeu alcançar. E a violar o princípio constitucional contido no artigo 13º da CRP, segundo o qual todos os cidadãos são iguais perante a lei e ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, do sexo. Ou seja, atribuir a pensão a familiares do beneficiário dos ST. … que não necessitem de alimentos, em função do sexo. Como é sabido, na definição aristotélica de igualdade, discernir casos similares e diferentes é crucial: só os casos iguais devem ser tratados de forma igual, devendo os casos diferentes ser tratados de forma desigual na proporção da sua diferença. Como sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., o princípio da igualdade "exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes", o que se traduz, afinal, numa proibição do arbítrio. No mesmo sentido se afirma no ac. do STA de 26/09/2007, rec. 1187/06, “o princípio da igualdade traduz-se numa proibição do arbítrio, impondo, na consideração das suas dimensões igualizante e diferenciante, um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes". Este sentido vinculante do princípio da igualdade tem sido exaustivamente enunciado pelo Tribunal Constitucional, em inúmeros arestos, de que se destaca o Acórdão n° 186/90 - Proc. n.°533/88, de 06/06/90, do qual se destaca o seguinte trecho: "O princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e do sistema constitucional global..., que vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição Anotada, 1.° vol., cit., p. 151, e Jorge Miranda, «Princípio da Igualdade», in Polis/Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. Ill, Lisboa, São Paulo, Verbo, 1985, págs. 404/405. Este facto resulta da consagração pela nossa Constituição do princípio da igualdade perante a lei como um direito fundamental do cidadão e da atribuição aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional-artigo 18.°, n.°1, da Constituição. Princípio de conteúdo pluridimensional, postula várias exigências, entre as quais a de obrigar a um tratamento igual das situações de facto iguais e a um tratamento desigual das situações de facto desiguais, proibindo, inversamente, o tratamento desigual das situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais. Numa fórmula curta, a obrigação da igualdade de tratamento exige que «aquilo que é igual seja tratado igualmente, de acordo com o critério da sua igualdade, e aquilo que é desigual seja tratado desigualmente, segundo o critério da sua desigualdade». (...) O princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio. (...) E, no mesmo sentido, cfr. o ac. nº 39/88 (Diário da República, l Série, de 3 de Março de 1988): «O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio, ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificarão razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n° 2 do artigo 13°. Esclareça-se que a «teoria da proibição do arbítrio» não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência de controlo judicial. Trata-se de um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou da discricionariedade legislativa. A proibição do arbítrio constitui um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade.”-na mesma linha, cfr. o ac. do STA nº 073/08 de 13/11/2008. Ou seja, este sentido vinculativo do princípio da igualdade, exaustivamente enunciado pelo Tribunal Constitucional, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante. É certo que a discriminação positiva é doutrinalmente admitida como uma excepção aos artºs 12º e 13º da CRP. Na verdade, a discriminação positiva poderá ser definida como o conjunto de actuações normativas estatais de carácter temporário tendentes a favorecer juridicamente um grupo em função da sua situação económica e social tradicionalmente marginalizada. Mas, sublinhe-se, na hipótese dos autos, todo o contexto que rodeia a aplicação actual da lei ao caso mudou substancialmente. Também o montante que permite qualificar um habilitante à pensão como uma pessoa que tenha recursos próprios que bastem à sua subsistência tem, como é evidente, sofrido alteração ao longo dos anos. Como advoga o Recorrente, actualmente, entende-se que tem meios próprios de subsistência quem recebe pelo menos o montante do salário mínimo nacional, de acordo com parecer do TC n.º 318/99, de 26/5, que refere que o salário mínimo nacional deve ser considerado como valor de referência ao rendimento mínimo para que uma pessoa possa viver com dignidade. Ora, se a interpretação actual daquelas normas fosse a que pretende a Recorrida e sufragada pela sentença, poderíamos ter situações em que filhas solteiras têm sempre direito à pensão, independentemente da idade e rendimentos – veja-se o exemplo dado pelo Recorrente (ter rendimento de 2500 € mensais e auferir pensão de sobrevivência por morte do pai) e indeferir a atribuição de pensão a um irmão maior de 18 anos, só porque não está incapacitado para o trabalho, ainda que não tenha rendimentos e quiçá seja estudante. Como é notório, na situação acima referida, a filha solteira, pese embora não ter necessidade de alimentos, teria direito a uma pensão vitalícia, e o irmão já não a teria apenas porque fez 18 anos, apesar da necessidade de alimentos. Esta interpretação, quanto a nós, revela um tratamento desigual de duas pessoas de sexo diferente, com o mesmo grau de parentesco com o beneficiário, uma não necessitando de alimentos (a filha solteira), e outra necessitando de alimentos (o filho maior de 18 anos), apenas e tão só com fundamento de terem sexo diferente. Desta feita, tudo inculca, no sentido de que a ratio legis do n.º 2 do artigo 15º visa condicionar o direito à pensão, à necessidade de alimentos dos habilitantes aferida à data do óbito do beneficiário, tendo o legislador, dado o condicionalismo existente em 1927, partido do princípio que as filhas solteiras necessitavam sempre de alimentos, independentemente da sua idade ou capacidade para o trabalho. Só que, como já se referiu o artº 9º, n º 1 do CC, entre os elementos que manda atender na interpretação da lei, refere “as condições específicas de tempo em que é aplicada”No mesmo sentido, cfr. os autores citados pelo Recorrente- Oliveira Ascensão, em Direito - Introdução à Teoria Geral - 4ª ed., pág. 332 e Ana Prata, em Dicionário Jurídico - 3ª edição, pág. 563 . Refere aquele Prof. que “a lei, uma vez criada, situa-se numa ordem social, que é necessariamente viva, aberta a todos os estímulos que nela provocam as alterações históricas. A fórmula em que a lei se consubstancia está fixada: mas o sentido dessa fórmula pode variar, consoante as incidências do condicionalismo donde arrancam as suas significações” Também Ana Prata esclarece “A interpretação da lei deve ser actualista, isto é, ter em conta as circunstâncias em que ela vai ser aplicada de forma a dar-lhe o sentido que, em tais circunstâncias, seja o mais adequado a prosseguir o fim que ela quis assegurar ou que o que, com a sua aplicação actual, permite adoptar, para o problema nela previsto, a solução que ela visou consagrar”. . Em suma: -estas normas devem ser interpretadas de forma actualista e tendo em conta a unidade do sistema jurídico, de molde a eliminar qualquer tratamento discriminatório em função do sexo; -os Regulamentos aplicáveis ao caso subjudice não podem ser vistos como lex privata, porquanto se trata de reformados do Serviço de Transportes Colectivos do Porto, sucessor da Companhia Carris de Ferro do Porto. -É verdade que inicialmente o pessoal da antiga Companhia Carris de Ferro do Porto tinha a sua previdência assegurada através de duas Caixas privativas que se regiam pelos seguintes regulamentos: - Regulamento Geral do Montepio dos Empregados Superiores; - Regulamento da Caixa de Socorro e Pensões. Todavia, já em 1935 a Lei 1 884, de 16 de Março veio a considerar que o financiamento das Caixas seriam encargos inerentes à exploração dada a natureza de serviço público- artº 22º-, orientação que a Lei 2 115 de 18 de Junho de 1962 manteve -Base XXXV-, sendo que, por alvará de 7 de Janeiro de 1959, foi aprovado um novo regulamento da então Caixa de Previdência do Pessoal do Serviço de Transportes Colectivos do Porto que integrou todo o pessoal do sector no regime geral da Previdência. -Face à situação deficitária do Serviço de Transportes Colectivos do Porto foi publicado o DL n.º 317/72 de 18 de Agosto que integrou a Caixa privativa da Empresa na Lei 2 115 passando-a a Caixa de Previdência e Abono de Família - artº 4º- , integrando, no regime geral da Caixa Nacional de Pensões, os beneficiários inscritos na Caixa do STCP posteriormente a Junho de 1953 - artº 5º- . -Por último, e no que concerne ao alegado pela Autora/Recorrida de que o cônjuge viúvo, em caso de não ocorrer concurso com ninguém à respectiva pensão, deve receber a pensão de sobrevivência por inteiro, tal questão não se põe, porquanto é o próprio Réu/Recorrente a admiti-lo e a manifestar o cumprimento na íntegra dos respectivos regulamentos. Procedem, assim, as conclusões da alegação. Efectivamente, a interpretação que o ora Recorrente faz dos artºs 14º e 15º do RGMESCCFP não viola o nº 2 do artº 9º do CC e cumpre o artº 13º da CRP, já que, para eliminar o tratamento discriminatório existente no nº 2 do artº 15º, deve entender-se que tanto os filhos do sexo masculino como os do sexo feminino maiores de 18 anos têm direito à pensão desde que não tenham meios de subsistência resultantes da sua incapacidade física para o trabalho. Consequentemente, a sentença posta em causa, por errónea leitura dos comandos contidos nos artºs 13º da CRP e 9º do CC, não se poderá manter na ordem jurídica. DECISÃO Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a decisão em apreço e julga-se improcedente a acção administrativa comum. Custas pela Autora/Recorrida. Notifique e DN. Porto, 12/10/2012 Ass. Fernanda Brandão Ass. Maria Isabel São Pedro Soeiro Ass. José Augusto Araújo Veloso |