Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01888/04 - VISEU
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/25/2007
Relator:Dulce Neto
Descritores:IRC - MÉTODOS INDIRECTOS - ERRO NA QUANTIFICAÇÃO - ÓNUS DE PROVA
Sumário:1. É à AT que compete demonstrar, fundamentadamente, que a contabilidade do contribuinte não merece confiança para que lhe seja possível recorrer a métodos indirectos de determinação da matéria tributável.
2. E porque o apuramento da matéria tributável por métodos indirectos visa, ao menos tendencialmente, alcançar o rendimento real e efectivo, a sua determinação deve, nos termos da lei, basear-se em todos os elementos concretos adequados à situação, não se estabelecendo qualquer constrangimento ao modo de a AT os verificar e colher, antes se lhe impondo um esforço de aproximação com a realidade.
3. Uma vez feita essa demonstração pela AT, passa a caber ao contribuinte demonstrar, positivamente, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada, não lhe bastando gerar fundada dúvida sobre a quantificação alcançada, já que face à natureza da quantificação com recurso a métodos indiciários não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita com base na declaração do contribuinte.
4. Assim, o contribuinte pode demonstrar, não só perante a AT (em qualquer altura do procedimento), como perante o Tribunal (no processo judicial impugnatório), que houve erro ou manifesto exagero na quantificação operada, através de prova consistente e persuasiva, que convença sobre a existência de erros ou inegáveis excessos na matéria tributável quantificada, evidenciando a ilegalidade invalidante da liquidação impugnada.
5. Se o contribuinte demonstra que no raciocínio lógico-dedutivo que a AT levou a cabo para chegar à conclusão sobre a omissão de proveitos não foram tidas em conta determinadas circunstâncias ocorridas no processo produtivo (como a inutilização de parte do tecido considerado em falta, furtos, quebras e perdas efectivamente ocorridas) – e que nem foi quantificada qualquer margem para os naturais desperdícios, tal implica a existência de uma falha na cadeia lógico-dedutiva, a inquinar a validade do resultado apurado, pois que só com base em factos indiciários comprovadamente apropriados ao caso concreto e por meio de uma cadeia sem falhas, é possível chegar a um resultado válido no silogismo, que é sempre a determinação do valor tributável por meio de métodos indiciários.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Fazenda Pública recorre da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Tributário de Viseu que julgou procedente a impugnação judicial que Brioso , S.A. deduziu contra as liquidações adicionais de IRC relativas aos exercícios de 1994 e de 1995, bem como dos respectivos juros compensatórios, no valor total de Esc. 53.288.232$00 (€ 265.809,58).
Rematou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. A presente impugnação vem interposta contra as liquidações adicionais de IVA dos exercícios de 1994 e 1995;
B. Na base de tal liquidação esteve a alteração à matéria tributável processada por via da aplicação dos métodos indiciários, actuais métodos indirectos;
C. No decurso da acção inspectiva, foram detectadas várias irregularidades, devidamente fundamentadas e espelhadas no relatório da fiscalização e que determinaram a aplicação dos métodos indiciários nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 51º e 52º do CIRC;
D. O mesmo se diga quanto aos critérios aplicados ou seguidos pela Inspecção Tributária e devidamente expostos no relatório e seus anexos;
E. Ao contrário do que sucede com a ora impugnante, já que não logrou fazer prova do que alega na petição;
F. Na verdade, a contabilidade da impugnante evidenciava insuficiências várias e outras tantas irregularidades que se consubstanciaram na impossibilidade de controlo de matérias-primas e aquisições intracomunitárias;
G. Analisados que foram os inventários, foi constatada, no final de cada exercícios, de produtos acabados e que eram valorizados, considerando 70% do preço de venda;
H. Solicitada a forma de cálculo do preço de venda, não foi obtida qualquer resposta;
I. Foram solicitadas as ordens de corte correspondentes à matéria-prima transformada, ao que foi respondido que apenas possuíam as referentes ao exercício de 1997 e mesmo estas já se encontravam à chuva, encontrando-se as anteriores já inutilizadas;
J. O mesmo se diga quanto às guias de transporte que acompanhavam os aviamentos para as empresas subcontratadas. Também estes elementos, ainda que solicitados, não foram devidamente facultados;
L. Os consumos utilizados foram superiores aos normais para a produção em série, e o tipo de fabrico seguido pela impugnante;
M. Nos exercícios em causa, entre os consumos contabilísticos e os consumos de produção existem divergências significativas, não se justificando que a margem de lucro do exercício de 1994 seja inferior à do exercício de 1995;
N. Invocados que foram, pela impugnante erros e sobre os quais assentou a análise de mérito da douta sentença recorrida, diremos que tais erros não se mostram devidamente comprovados, ao contrário do que afirma a impugnante tendo, o mesmo raciocínio, sido seguido pelo Mmº Juiz “a quo”.
O. Tais documentos não existiram ou não existem na contabilidade da impugnante, por não se encontrarem nela registados todos os acontecimentos comerciais, tanto assim que, para o caso, avançou com a prova testemunhal;
P. Todos os pseudo erros invocados pela impugnante poderiam e deveriam ser identificados e apoiados em documentos contabilísticos evidenciando a espécie, qualidade e quantidade dos bens;
Q. Facturas houve que foram contabilizadas como referentes a prestação de serviços quando, na realidade, se tratava de venda de produtos.
R. Do exposto se infere que a sentença recorrida fez uma aplicação inadequada do disposto nos arts. 52º e 98º/3, ambos do CIRC, 82º e 84º do CIVA e, ainda. 121º do CPT.
* * *
Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu o douto parecer que consta de fls. 933, no sentido de ser concedido provimento ao recurso, por considerar que «a impugnante não logrou demonstrar que os seus elementos de escrita e de controlo da actividade empresarial fossem suficientes para efeitos de determinação da matéria colectável, já que a contabilidade enfermava de omissões e deficiências que não podem considerar-se supridas por depoimento de testemunhas ou juízos conclusivos formulados por perito (…). 3. A determinação da matéria colectável com recurso a métodos indiciários comporta sempre alguma margem de erro ou imprecisão, pelo que compete ao sujeito passivo o ónus de alegação e prova de que a Ad. Fiscal ocorreu em erro manifesto de quantificação da matéria colectável. Contrariamente ao decidido na sentença, a impugnante não logrou produzir prova credível de que tenha ocorrido qualquer erro grosseiro na determinação da matéria colectável, pelo que aderimos e acompanhamos as doutas alegações do Exmº Representante da Fazenda Pública, devendo o recurso ser julgado procedente».

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
* * *
Na sentença recorrida julgou-se provada a seguinte matéria de facto:
A. A Impugnante dedica-se à fabricação de artigos de vestuário em série, que depois vende a retalhistas do mercado nacional essencialmente, existindo também alguns clientes espanhóis. A par da produção para venda tem também grande significado a prestação de serviços - cfr. 2.5.1 do relatório de fls. 476.
B. Com fundamento em «Diferenças nas margens de comercialização apresentadas nos anos de 1994 e 1995, assim como uma rendibilidade fiscal baixa», a Administração Fiscal procedeu a inspecção à Impugnante e elaborou o relatório de fls. 475 e segs. destes autos que aqui se dá por integralmente reproduzido, donde resulta com interesse para a decisão da causa:
«1.3 - DIRECÇÃO DE FINANÇAS VISEU
1.4 – DURAÇÃO DO EXAME
1.4.1 - INÍCIO: 05/08/97 1.4.2 – FIM: 24/03/98 DURAÇÃO: 25 DIAS
Nota: o exame foi interrompido pelos seguintes motivos:
. Férias da empresa.
. Férias próprias.
. Após as férias conclusão de exames anteriormente iniciados.
. Pedido esclarecimentos, sobre aquisições intracomunitárias.
(... )
2.6. Regime tributário dos exercícios em análise
2.6.1. IRC
Encontra-se colectado na Repartição de Finanças de Mangualde, onde apresenta as declarações de rendimento, não existindo qualquer declaração em falta.
2.6.2. IVA
Sujeito ao regime normal, com periodicidade mensal. Não existem declarações em falta. 2.7. Apuramento do resultado fiscal
1993
1994
1995
RESULTADO FISCAL2.021.675$002.122.136$001.532.768$00

3- ANÁLISE GLOBAL
1- ÁNALISE SUMÁRIA DA EVOLUÇÃO DOS INDICADORES E MARGENS (Em contos)
RÚBRICAS19931994%1995%
Vendas de Mercadorias01.4955.486266,96%
Vendas de Produtos361.881346.990- 4,11 %390.11012,43 %
Prestação de serviços37.74222.697-39,86%21.969-3,21 %
Ex. Inicial de P.A.5.1803.562-31,24%29.821
Realização ExistênciasO331O2,03%
Ex. Final de P. A.3.56229.821737,20%30.425-7
Variação da Produção-1.61826.590-17,68%60469,31 %
Outros Proveitos15.10512.435-0,70%21.0547,07%
TOTAL DE PROVEITOS413.110410.207-3,50%439.223-8,46%
Ex. Inicial de MP45.72144.121-11,36%40.389-1,64%
Compras168.565149.423-8,46%146.9748,43%
Ex. Final de MP44.12140.389-10,00%43.792-6,26 %
CEVC170.165153.15512,15%143.571-6,61 %
Fornecimentos e serv. externos52.18358.5233,97%54.65314,25%
Custos com pessoal147.416153.2656,01 %175.0988,38%
Amortizações13.70214.5258,77%15.74265,80%
Outros custos26.30928.615-0,41 %47.4446,97%
TOTAL DE CUSTOS409.775408.0836,87%436.508-27,74%
Imposto sobre o rendimento786840-49,63%60764,1 7%
Resultado Líquido2.5491.2845,00%2.108-27,80%
Resultado Fiscal2.0212.12219,29%1.53219,75%
Margem bruta133,89%159,72%737,20%191,26%2,03 %
OBSERVAÇÕES:
Constata-se:
No exercício de 1994, verifica-se a existência de uma margem inferior à do exercício de 1995, originada em parte pelo valor elevado da variação da produção.
No exercício de 1995, e apesar do aumento significativo do volume de negócios, a rendibilidade fiscal foi inferior à do ano anterior, e o resultado líquido também não aumentou significativamente em relação à do exercício anterior.
Os resultados líquidos, declarados em 1994 e 1995, não são normais, face à actividade exercida, que seriam bastante inferiores se fossem consideradas as amortizações à taxa máxima.

4- OBRIGAÇÕES CONTABILISTICAS
4.1 - ELEMENTOS DA ESCRITA:
4.1.1 - Tem contabilidade organizada, nos Termos da lei Comercial e Fiscal? - SIM
4.1.2- Registos contabilísticos estão em dia? - SIM
OBSERVAÇÕES:
Nesta data, os livros legalmente exigidos, encontram-se escriturados com atraso não superior ao permitido pelo art. 98°, nº 4, do CIRC.
Os registos contabilísticos são efectuados informaticamente.

5. ANÁLISE CONTABILÍSTICO-FISCAL
5.1. Insuficiências e irregularidades
5.1.1. Compras e débitos de exploração
As compras são efectuadas a diversos fornecedores, consoante o tipo de matéria-prima adquirida. Retiraram-se, documento a documento, a totalidade de compras de tecido (anexo nº 1), pois se relativamente ao tecido se sabe que é apenas utilizado na produção de produtos, nada se sabe, relativamente às restantes (forro, ombreiras, botões, etiquetas, etc.), que poderão ou não ser utilizadas na prestação de serviços. Apesar de verbalmente solicitado, qualquer controlo (registo) das matérias-primas de terceiros entrados na empresa, para posterior transformação, nada foi exibido.
Resumem-se no quadro seguinte a quantidade de tecido adquirida:

AnoTecido (mt.)
199487.548,5
199575.967,1
(…)
5.1.2 - Existências:
Foram analisados os inventários (anexos nº 2), cujo original ficou datado e rubricado, verificando-se a existência no final de cada exercício de produtos acabados, o que é normal neste tipo de actividade, pelo que foi solicitado esclarecimentos quanto à sua valorização, para ser determinado o consumo de matéria prima, ao que o responsável pela contabilidade respondeu que eram valorizados considerando 70% do preço de venda, foi então solicitada a forma de cálculo do preço de venda, nada sendo apresentado.
Os elementos sobre a valorização dos produtos acabados é fundamental para a determinação das componentes de cada tipo de produto.
No inventário em 31 de Dezembro de 1994 estão incluídos produtos acabados com preços de custo bastante reduzido, que o responsável pela contabilidade afirmou tratar-se de produtos cuja matéria prima era de terceiros, e que na valorização estão incluídas apenas algumas matérias subsidiárias e mão de obra. Estes produtos não serão considerados na determinação do consumo de tecido.
Quadro resumo das existências
Ano (31/12)
Tecido
199327.072,53
199424.553,7
199524.060,2

5.1.3. - Análise da Facturação:
O volume mais significativo da facturação é venda de produtos no mercado nacional.
A prestação de serviços é uma parte menos significativa do volume de negócios, mas
também fundamental na análise dos valores declarados, pois concluiu-se que várias facturas referentes a prestação de serviços, dos clientes Gouveia & Campos; Gouveia & Castanheira; Falope; Julian Ocãna Confecções J. Vaz e todos os clientes do mercado europeu, com excepção dos clientes espanhóis, estavam escrituradas como se de venda de produtos se tratasse, camuflando assim a margem de lucro dos produtos vendidos.
Retirando da venda de produtos a prestação de serviços, obtém-se a seguinte margem de lucro, considerando apenas Custo do tecido consumido:
E.i. (tecido)
33.642.223
27.267.266
Compras (tecido)
102.377.516
97.499.960
Devoluções (tecido)
-3.041.873.
-4.927.305
E.f. (tecido)
-27.267.266
-29.135.460
Custo tecido consumido
105.710.600
90.704.461
Venda de Produtos
200.218.250
184.096.025
Variação produção a)
-4.425.843
42.801.936
Total Produção
195.792.407
221.873.325
Margem de lucro
85%
150%
a) Foi transformado para valor de venda, considerando o que foi referido pelo responsável (valorização da produção em armazém, que corresponde a 70% do preço de venda).
Não foi considerada a E.f. relativa à prestação de serviços.
A margem de lucro do exercício de 1995, é bastante superior à do exercício de 1994, apesar do preço de venda do metro de tecido confeccionado ser inferior, e o preço médio de compra de tecido superior. Nestas condições a margem resultante seria inferior.
Foram, através da facturação, retiradas as quantidades de produtos vendidos, não considerando a prestação de serviços, indevidamente escriturada como venda de produtos, conforme anexo nº 3.
Foi também determinado o preço médio de venda do metro de tecido confeccionado, considerando o consumo médio por peça obtido através dos dados fornecidos pela empresa e referentes ao exercício de 1997 (anexo nº 4).
Convém referir que as vendas se destinam ao mercado nacional e a moda não se tem alterado nos últimos anos, nomeadamente quanto aos modelos fabricados, pelo que os dados de 1997 podem ser reportados aos exercícios anteriores.
Quadro resumo do preço médio de venda do tecido confeccionado;
Anopreço médio tecido (ml.)
19943.747$35 (anexo n° 5)
19953.452$68 (anexo nO 6)

5.1.4. - Análise da Produção:
A actividade exercida é a produção em série de vestuário exterior de senhora, essencialmente destinada ao mercado nacional, como venda de produtos e ao mercado Europeu, no caso da prestação de serviços.
Recorre frequentemente a terceiros para conseguir satisfazer a totalidade das encomendas. Para todas as encomendas são elaboradas ordens de corte, documentos estes que servem para o armazém fornecer ao sector de produção, todas as matérias-primas e subsidiárias necessárias à fabricação da respectiva encomenda.
Como este é um elemento fundamental do controlo da produção, para determinar a quantidade necessária de matéria-prima consumida, foram solicitadas verbalmente no início da visita, todas as ordens de corte dos exercícios a analisar. Foi-nos referido que apenas existiam as do exercício de 1997, pois as anteriores foram inutilizadas. Durante a visita ao sector fabril foram então solicitadas as ordens de corte do exercício em curso (1997), mas também estas não foram exibidas por alegada destruição das mesmas.
Foram também solicitadas as folhas de registo da produção diária, no entanto as mesmas não foram apresentadas, por alegada destruição.
Como último elemento de controlo, nomeadamente de consumo de matérias-primas e subsidiárias, foram solicitadas guias de transporte, que acompanham os aviamentos (tecido, forro, ombreiras, etc.) para as empresas subcontratadas. Também estes elementos não foram apresentados.
A empresa teve ao seu serviço um n° médio de pessoas no sector de produção, conforme elementos declarados, de 144 e 160, respectivamente nos exercícios de 1994 e 1995, pelo que a produção diária deveria Ter sido superior a 500 peças. No entanto, em qualquer dos exercícios, a produção média é inferior.

5.1.4.1 - Análise dos consumos:
Das matérias-primas utilizadas na produção, pelas condicionantes descritas, apenas foi efectuado o controlo do tecido.
Com os elementos oferecidos pelo contribuinte e constantes do anexo nº 4, obtiveram-se os seguintes consumos:
Produto
Consumo Unit. (mt)
Blaser
1,8
Calça
1,21
Calção
0,8
Camisete
1,45
casacão + anorak
2,23
casaco comprido
2,67
Saia
0,90
Vestido
2,28
Colete
1
Tailleur
2,55
Sobretudo
2,8
NOTAS:
Os consumos utilizados são superiores aos normais para a produção em série, pois, os modelos normalmente fabricados necessitam apenas da altura do corpo e do comprimento da manga, dado que a largura normal do tecido é de 1,5 m, suficiente para a largura do produto. E as saias usadas são predominantemente curtas.
O mercado a que se destina, mercado feminino português, tem uma estatura média de 1,65. Comparou-se o consumo contabilístico com o consumo da produção declarada (tecido), concluindo-se que existem divergências significativas nos dois exercícios, com uma diferença (cons. cont - cons da prod.), bastante mais elevada no exercício de 1994, o que vem reforçar o que foi referido anteriormente, i.e. não existe motivo para uma margem de lucro do exercício de 1994 inferior à do exercício de 1995.
Os valores obtidos, desta comparação, resumem-se no quadro seguinte.
1994
1995
Consumo da produção (anexo nº 7)
52.404,16
63.406,20
Consumo contabilístico (anexo n° 7)
90.067,33
76.460,6
Diferença
37.663,17
13.054,40

5.1.5. Empréstimos de sócios:
Embora se trate de uma sociedade anónima é frequente a movimentação contabilística desta conta, como se de uma sociedade por quotas se tratasse.

6- CONCLUSÕES E PROPOSTAS:
6.1. Conclusões:
Do exame efectuado se conclui que a contabilidade não merece credibilidade, não reflectindo
os resultados efectivamente obtidos, pelos motivos pormenorizadamente descritos ao longo do relatório e que em síntese são:
- Não apresentação apesar de solicitados verbalmente, dos elementos relativos ao controlo da produção, nomeadamente ordens de corte, fichas de controlo da produção diária e guias de transporte, para se conseguir determinar a produção efectiva e os consumos dessa mesma produção.
- Consumo contabilístico de tecido superior ao obtido através da produção declarada.

As insuficiências e irregularidades descritas, são suficientes para a aplicação de métodos indiciários conforme disposto no artigo 51º do CIRC e impossibilitam a quantificação directa e exacta dos resultados obtidos, pelo que estes serão determinados de novo, com recurso à metodologia referida no artigo 52º do mesmo código.

6.2 - Propostas:
6.2.1 - IRC:
Propõe-se seja determinado novamente o volume de negócios com base na diferença entre consumo contabilístico e consumo da produção declarada de metros de tecido, considerando também o preço médio do metro de tecido fabricado, pois relativamente aos outros componentes (forro e ombreiras), torna-se praticamente impossível obter dados conclusivos, quanto à sua utilização.
A determinação do volume de negócios omitido foi apurada da seguinte forma:
1994
1995
Diferença (Cons. Cont. – Cons. Prod.
37.663,17
13.054,40
Preço médio
3.747$35
3.452$68
Valor omitido
141.137.080
45.072.666
Na determinação do resultado fiscal do exercício de 1994, propõe-se que seja considerada a rendibilidade fiscal do exercício de 1995, após as correcções efectuadas, pois a declarada é pouco variável nos dois exercícios.
Quadro da determinação do resultado fiscal (1994 e 1995)
RUBRICAS
1994
1995
Vendas de Mercadorias
1 .495.342
5.486.695
Vendas de Produtos
346.990.463
390.110.466
Prestação de serviços
22.697.000
21.969.996
Correcção ao volume de negócios (venda
141.137.080
45.072.666
produtos)
V olume de negócios corrigido
512.319.885
462.639.823
Outros Proveitos
39.024.844
21.656.191
TOTAL DE PROVEITOS
551.344.729
484.296.014
Custos declarados
408.083.454
436.508.870
Correcção aos custos a)
92.027.227
O
TOTAL DE CUSTOS
500.110.681
436.508.870
Imposto sobre o rendimento
840.366
606.976
Resultado Liquido corrigido
50.393.682
47.180.168
Variações patrimoniais negativas
1 .500.000
2.800.000
A acrescer (valores declarados)
3.499.537
3.327.954
A deduzir (valores declarados)
1.161.230
1.102.688
Resultado Fiscal
51.231.989
46.605.434
Rendibilidade fiscal
10%
10%
Nota: A rendibilidade fiscal seria bastante inferior, se o contribuinte utilizasse a taxa máxima para as amortizações.
Determinação do imposto em falta:
1994
1995
Resultado fiscal corrigido
51.231.989
46.605.434
Resultado fiscal declarado
2.122.136
1.532.768
Diferença
49.109.853
45.072.666
Taxa de imposto
36%
36%
Imposto em falta
17.679.547
16.226.160
6.2.2 - IVA
(…)

C. A Impugnante reclamou para a Comissão Distrital de Revisão, que reuniu em 30/09/1998, não tendo os Vogais chegado a acordo - cfr. acta de fls. 453 que aqui se dá por inteiramente reproduzida.
D. O Vogal da Fazenda Pública efectuou o laudo de fls. 455 e 456, donde resulta:
«Na apreciação efectuada, teremos por base os seguintes documentos e factos:
1 - Relatório da Fiscalização
2 - Reclamação apresentada nos termos do art. 84°, do CPT
3 - A Comissão de Revisão;
1 - Relatório da Fiscalização
Neste documento, é relatado, sucintamente, o seguinte;
a) A rentabilidade fiscal apurada nestes exercícios, alem de diminuta, evoluiu negativamente de um exercício para outro,
b) Realça o facto de estes valores terem sido obtidos com utilização de taxa de amortização abaixo das máximas legalmente permitidas. Este procedimento evitou o apuramento e declaração de resultados negativos (prejuízos);
c) Foram solicitados os registos ou outros sistemas de controlo de matérias-primas de terceiros, entradas na empresa, no âmbito da "Prestação de Serviços". Não foram disponibilizados.
d) Foi indicado que a valorização das existências era efectuada considerando um valor correspondente a 70% do preço de venda. Não foi demonstrado o sistema de cálculo do preço de venda
e) Contabilizou "Prestação de Serviços" como "Venda de Produtos", subvertendo, assim, margem de lucro dos produtos vendidos.
f) Expurgando da "Venda de Produtos" as "Prestações de Serviços" indevidamente registadas, obtiveram-se as seguintes margens, considerando as vendas de produtos e o tecido consumido: 1994: 85%; 1995: 150%. Esta divergência, não se adequa ao preço médio de venda e de compra do tecido, nem ao resultado líquido apurado;
g) Apesar de serem utilizadas na empresa "Ordens de Corte", "Registos de Produção". "Guias de Transporte" relativas a produtos de terceiros, nada foi apresentado por alegada destruição.
h) Face a estas insuficiências, os testes efectuados incidiram, apenas, sobre o controle do tecido.
I) No fabrico das peças, consideraram-se consumos médios superiores aos normais para a produção em série;
J) O tecido apurado em falta, com base nos testes efectuados foi de 37.663,17 m e 13.054,4 m, em 1994 e 1995, respectivamente. Este facto justificará a divergência de margem de 1994 para 1995, relativamente ao consumo de tecido e venda de produtos, (Cf. al. f);
k) Com base nestas faltas, apuraram-se as respectivas vendas, presuntivamente omitidas, no montante de 141.137.080$, em 1994 e 45.072 666$, em 1995 e o correspondente IVA não liquidado no valor de 22.581 933$ e 7.662.353$, respectivamente;
L) Na determinação do lucro tributável, e proposta, para 1994, a rentabilidade fiscal de 10%, idêntica a apurada para 1995, após correcções. Foi proposto o lucro tributável de 51.231989$, para 1995;

2 - Reclamação apresentada nos termos do art. 84º do CPT.
Da reclamação salientam-se as seguintes alegações:
a) Foi seguida a metodologia conceptual do POC, mediante a contabilização dos custos por natureza:
b) Nesta base os documentos eram classificados conforme davam entrada na contabilidade, sendo discriminados as entradas conforme a sua natureza: tecidos, forros, etc.
c) Os consumos foram calculados em supostas médias de fabrico de peças, concluindo-se ter havido sonegação de vendas;
d) Transformação do tecido em peças, não é correcto porque muito não foi utilizado da forma indicada;
e) A determinação do destino dos custos é efectuada no âmbito da contabilidade de custos ou interna, que a reclamante não possui, porque está dispensada dessa obrigatoriedade e nunca se preocupou com o assunto;
f) As aquisições de tecido foram utilizadas no fabrico de peças. Mas não do modo indicado pela fiscalização. Assim:
f1) - Parte significativa em modelos de 2 peças (gabardinas, casacões, etc);
f2) - Aquisições de tecido para aplicar como forro (?);
f3) - Aproveitamento de tecidos finos de verão, utilizados como forro para peças de Inverno;
f4) - Tecido aplicado em golas e adornos.
f5) - Tecido utilizado para forrar furgons.
f6) - Tecido utilizado na cobertura de peças cortadas, deteriorando-se com a luz solar.
g) Nem todos os metros de tecidos foram transformados em peças porque:
g1) - Peças com defeito que não foram devolvidas.
g2) - Tecido sujeito a traça, humidade, etc.
g3) - Frequentemente os metros adquiridos são inferiores aos reais.
h) - A reclamante não pode suportar o ónus de saber quanto é que as peças fabricadas tinham em média de tecido;
i) Não foi a reclamante que disponibilizou as médias utilizadas pela fiscalização.
j) Peças são cortadas com % superior;
K) Ao cortar as peças também se estragam;
l) Não é verdade que as unidades devolvidas sejam vendidas;
m) Os mostruários não são vendidos;
n) Existem roubos participados à GNR
o) Realmente não estava obrigada à comunicação das inutilizações;
p) Inutilização de tecidos é feita através da respectiva venda como desperdício (Trapo);
o) Requer a manutenção dos valores declarados.

3 - Comissão de Revisão
Na Comissão de Revisão, o reclamante reafirmou o exposto na reclamação, exibindo algumas peças de vestuário, para demonstrar a susceptibilidade de utilização de tecido como forro e a natural inutilização de algumas unidades, resultantes de devoluções, ensaios, mostruários, etc.
Não foram apresentados novos elementos ou esclarecimentos, para além dos referidos.
As alegações apresentadas, foram genéricas, vagas, sem fundamentação precisa e minimamente quantificada, susceptível de conduzir a proposta aceitável de alteração dos valores fixados e reclamados.

4 - Conclusões e proposta.
Tendo presente o exposto no pontos anteriores, conclui-se e propõe-se:
a) - É admitindo que a contabilidade não permite o controle eficaz do sistema produtivo, nomeadamente no que respeita a prestação de serviços, utilização de matérias-primas, quantidades fabricadas, etc.
b) - Um dos argumentos mais significativos para justificar as divergências, consiste na utilização de tecido como forro. Contudo:
b.1) - Não foi apresentado qualquer documento ou registo que comprovasse o consumo de tecido como forro;
b.2) - Na contabilidade são identificados os bens segundo a sua natureza, não tendo sido constatada qualquer regularização ou registo relativos a estas operações;
b.3) - O custo médio do metro de tecido, ronde os 1.200$. O custo médio do metro de forro não atinge 200$. Constata-se que a utilização de tecido como forro, nunca poderá ter relevância, e é economicamente inviável.
b.4) - A reclamante alegou que os tecidos constantes da relação apresentada, eram susceptíveis de ser utilizados como forro, não indicando qualquer valor. Na Comissão foi mesmo alegado que a percentagem poderia variar entre 0% e 100%;
c) Os Serviços de Fiscalização efectuaram as correcções com base nos consumos médios de tecido;
d) Estes consumos médios foram fornecidos pela empresa;
e) Apenas foi possível controlar a produção, pois, como se constatou não foram disponibilizados registos ou outros elementos que permitissem o controlo das matérias-primas e subsidiárias enviadas pelos clientes para a prestação de serviços.
f) Se este controlo fosse possível, poderia, eventualmente, ter-se determinado a produção total, com especificação da aplicação de forro e de tecido e correspondente à análise da razoabilidade dos respectivos consumos.
g) Em todas as facturas, o contribuinte é obrigado a indicar a composição das peças e dos respectivos forros. Nas facturas analisadas não foram detectadas situações que comprovassem o alegado pela reclamante, relativamente à utilização dos tecidos como forro.
h) O reclamante indica como justificativo para a diferença entre o consumo de tecido da contabilidade e o de produção para além do referido, várias situações, nomeadamente, traça, roubos, devoluções, etc. Estes eventuais desperdícios, quando normais, estão reflectidos no custo das existências. Quando anormais, como, por exemplo, os roubos, deverão estar evidenciados em contas próprias.
i) Os Serviços de Fiscalização referem no ponto 5.1.4.1 do relatório, que os consumos utilizados são superiores aos reais o que contemplará os desperdícios decorrentes da actividade normal.
j) As justificações apresentadas, nomeadamente para o exercício de 1994, embora de difícil quantificação e comprovação, encontram-se amplamente contempladas na diferença entre a correcção às vendas e o resultado fiscal proposto para IRC.
k) A análise e testes efectuados, embora não exaustivos, tendo presente o contexto em que se processaram, permitem, todavia, demonstrar que os valores contabilizados e declarados pelo reclamante, como transmissões, não se adequam à realidade, tendo em consideração os restantes valores envolvidos, as condições da empresa, nomeadamente os investimentos efectua dos e o normal exercício da actividade.
1) A ocorrência de eventuais situações anómalas que tenham ocorrido e condicionado a actividade da empresa, justificando total ou parcialmente as divergências detectadas e a anormalidade dos valores contabilizados e declarados, não é apresentada de forma credível, explicitada e comprovada.
m) Nesta Comissão, não foi apresentada argumentação que permitisse clarificar, convincentemente, a situação anormal evidenciada na contabilidade e nas declarações, nem foram demonstrados outros valores, que contrariassem, fundadamente, os indicados pela fiscalização. Estes, apesar, dos condicionalismos inerentes à sua obtenção, adequam-se a níveis considerados aceitáveis para o exercício normal da actividade.
Neste contexto e face a não apresentação de propostas com a indicação de valores considerados aceitáveis e minimamente justificados, proponho que sejam mantidas as correcções propostas pela fiscalização e os correspondentes resultados fiscais fixados, que deram origem à reclamação apresentada.»;

E. O Vogal da Impugnante efectuou o laudo de fls. 457 e 460, donde resulta:
«BRIOSO - , S.A., com sede na Rua Prof. Dr. Veiga Simão, 3530 Mangualde, NIPC , pelo seu vogal João Carlos Figueiredo Tavares, vem apresentar o seu Laudo, para efeitos de Reclamação do Art. 84° do CPT, dos exercícios económicos de 1994 e 1995, com os seguintes fundamentos;
Ano de 1994
1
Existe um erro de contas no Mapa resumo do consumo de produção de 1994, efectuado pela Inspecção Tributária de 327,7 metros nas camisetes, que por lapso não foi mencionado no ponto 4 da Reclamação. Depois,
2
Como se pode dar por vendido os roubados participados à G.N.R. e Tribunal Judicial- ponto 39 da Reclamação?
3
Se foram roubados, não podem ser produzidos ou vendidos -tudo salvo melhor opinião.
4
Qual o motivo porque não se considera as vendas, por nós bem registadas como Vendas e por lapso consideradas como Prestação de Serviços pela Inspecção Tributária, e eliminadas por via desse facto dos cálculos dos m2 vendidos - ponto 40 da Reclamação.
Ano de 1995
5
Pelo mesmo motivo do ponto anterior, qual o motivo para não corrigir neste exercício a errónea quantificação - ponto 40 da Reclamação.
6
1994 e 1995; - fundamentos comuns aos dois exercícios
7
Mostruários;
A Reclamante tem Doc. de Transporte, anexou-os à Reclamação do Art. 84° do CPT, pelo que comprovou a sua existência, com a menção "Não se destinam a Venda".
8
Depois os empregados da Reclamante comprovaram a venda para desperdício dos mostruários - ponto 48 da Reclamação.
9
Pelo que se estranha o motivo para não se ter considerado nos cálculos da fixação os mostruários, salvo se depois de exibidos e enxovalhados se entender que se vão vender.
10
Devoluções
11
Reclamante fez prova, com a sua escrita e notas de devolução, que a maioria, senão a totalidade, era originária de artigos defeituosos, pelo que estranha que se queira dar tais artigos como vendidos.
12
Devoluções que foram vendidas para trapo - ponto 48 e 50 do Relatório de Exame à Escrita.
13
Quanto aos modelos com duas faces e para o qual nenhum valor foi considerado na fixação, a reclamante conforme referiu em 15 A, provou a existência da produção e vendas, com a apresentação de alguns restos de modelos, na Comissão Distrital de Revisão, o que não foi posto em dúvida pelo Vogal da Fazenda Pública e pelo Sr. Presidente da Comissão Distrital.
14
A reclamante até considera que tal facto é de conhecimento notório, nas parkas, casacões, etc.
15
A reclamante depois de provar tal facto, considera estranho que o Sr. Vogal da Fazenda Pública, especialmente qualificado, não lhe dê razão, quanto a esta parte.
16
Mais, que mantenha a posição inicial quanto é certo que cópia do Doc. 2 - Anexo ao ponto 16 do Relatório do Exame à Escrita, já no decurso do Exame à Escrita tenha sido entregue à Srª Inspectora Tributária, o qual foi afastado do Relatório por motivos a que é parte estranha.
17
Quando também existem tecidos aplicados como forro, ponto 15 A, 16 da Reclamação do Art. 84° do CPT.
18
Quando a reclamante apenas está obrigada a registar os custos segundo a natureza e nunca infringiu um único dever de cooperação.
19
A reclamante, e é público e notório, consome tecido em ensaios, que foram afastados da fixação - ponto 37, 38, 48 e 50 da Reclamação do Art. 84° do CPT.
20
Quando as médias estão em erro, e foram calculadas por defeito na fixação - ponto 25 a 34 da Reclamação do Art. 84° do CPT.
21
Com erros visíveis e facilmente detectáveis, como por exemplo, de acordo com as contas da Inspecção Tributária:
Uma saia – 0,9 m Um tailleur - 2,55 m
Um blazer – 1,8 m
2,7 m Umas calças - 1,21 m
22
Quando à reclamante foi dito que, por exemplo, nos casacos compridos e blaseres, foram a outros parceiros (concorrentes) fixadas médias pela Inspecção Tributária mais elevadas, até na utilização de forro.
23
Depois e continuando, não foi dada qualquer tolerância para tecidos deteriorados, inutilizados, etc, quando é do conhecimento público a sua existência.
24
Pelo que o Vogal dá aqui por vertida integralmente e finalmente a Reclamação em devido tempo entregue para todos os efeitos legais.
25
Sendo certo, que a não dar-se razão à reclamante, se está a cometer um erro crasso, porque a reclamante não só fundamentou, como Provou sem sombra de dúvidas, os erros da fixação.
26
O Vogal da reclamante agora perante a Prova dos factos devidamente estruturado é de opinião, que ou:
- se quer remeter à gestão do tribunal tributário de todas e quaisquer dúvidas da Administração Fiscal;
- se quer manter a reclamante no estado de afectação psicológica;
- se quer encerrar as portas à reclamante
27
Pelo que requer a manutenção do declarado.».

F. O Presidente da Comissão de Revisão, com base nos fundamentos invocados no laudo do Vogal da Fazenda Pública e relatório dos serviços de fiscalização, manteve os valores fixados - cfr. fls. 454 destes autos que aqui se dá por inteiramente reproduzida.
G. A Administração Fiscal elaborou, em 29/10/1998, as liquidações adicionais:
- nº 8.310.017453, de IRC, no montante de 29.737.628$00, referente ao exercício económico de 1994, sendo de IRC 17.679.547$00, de Derrama 1.767.955$00 e de Juros Compensatórios 10.290.126$00, e
- n.o 8.310.017.452, de IRC, no montante de 23550604$00, referente ao exercício económico de 1995, sendo de IRC 16.226.160$00, de Derrama 1.622.616$00 e de Juros Compensatórios 5.701.828$00 - Cfr. fls. 46 e 47 destes autos que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
H. O prazo de pagamento voluntário, das importâncias a que se refere a alínea anterior, terminou em 21/12/1998.
I. A petição inicial da presente impugnação foi apresentada na Repartição de Finanças de Mangualde em 09/03/1999 - Cfr. carimbo aposto a fls. 2 destes autos.
J. A Impugnante nos exercícios em análise confeccionou peças com duas faces, nomeadamente parkas;
L. Foram utilizados tecidos de restos de colecções e obsoletos em termos de moda para aplicação, em vez do forro habitual;
M. Grande parte dos produtos fabricados, possuem golas e adornos, tais como cintos, bolsos e outros, sendo utilizado na respectiva produção, tecido;
N. As peças são cobertas com tecido para evitar a sua exposição ao sol;
O. Em casos muito pontuais, as peças de tecido ficaram inutilizadas por força da traça e da humidade;
P. Os mostruários na sua confecção consomem tecido e outras matérias subsidiárias;
Q. É prática habitual não se proceder à venda dos mostruários;
R. Nos exercícios económicos de 1994 e 1995 foram confeccionados 38 mostruários compostos por um conjunto de peças variável, que no caso em análise se situa entre 39 e 135 peças de roupa diversa por cada um;
S. A Impugnante consome tecidos nos ensaios das confecções;
T. No ano de 1994 a Impugnante foi alvo de dois furtos;
U. Na actividade normal da Impugnante ocorrem desperdícios.

Mais se deixou consignado na sentença que todos os factos provados «têm por base probatória os documentos juntos em cada ponto. De realçar ainda, para a formação da convicção do tribunal, o relatório pericial e o depoimento das testemunhas quanto ao indicado nas alíneas J) a U) da matéria de facto assente, que parece convincente, claro e inequívoco».
E, mais adiante, já na fundamentação jurídica da sentença, elaborou-se a análise crítica da prova testemunhal e pericial produzida e que alicerça a matéria vertida nas citadas alíneas J) a U), análise essa que integra, ainda, o acto de julgamento e decisão da matéria de facto, e que por, isso, importa deixar aqui relatada:
- A testemunha José Carlos da Silva Castanheira (fls. 584) referiu que os consumos de tecido são dependentes da dimensão das séries produzidas, sendo de realçar que as séries de menor dimensão têm consumos superiores, bem como que os consumos de tecido são no mínimo superiores em 25% ao consumo de forro.
- António Vítor de Almeida Campos (fls. 586) referiu a existência de desperdícios e, também, que verificou que no relatório do exame à escrita não foi incluída a soma das camisetes de 327,7 metros.
- Dos depoimentos das testemunhas António Augusto Rodrigues José (fls. 588), António Ferreira Marques (fls. 592), Manuel Oliveira Lopes (fls. 593); Amadeu Lucas (595), Ilídio Lopes (fls. 595) e Cristina Maria Gomes Marques (fls. 744), resulta, em síntese, que:
· para se proceder à confecção das peças torna-se necessário proceder a ajustamentos no consumo de tecido, o que estima num valor mínimo de 20%;
· nos anos, de 1994 e 1995, a Impugnante produziu e vendeu parkas, casacões, casacos compridos e gabardinas de duas faces, ou seja com aplicação de tecidos no interior (forro) e exterior;
· utilizou em muitas peças confeccionadas, tecido em vez de forro por forma ou a evitar a sua deterioração e ou a pedido de vários clientes;
· também foram utilizados tecidos finos (tecidos da estação de primavera e verão) em parkas, casacões, casacos compridos e gabardinas, para rentabilizar a actividade;
· a pedido de clientes foram aplicados tecidos em golas e adornos em peças fabricadas;
· as viaturas que a empresa utiliza para o transporte das mercadorias são forradas com tecidos nos assentos e nos interiores, para que a mercadoria chegue ao seu destino com óptimas condições;
· também se gasta muito tecido na cobertura das peças, para as proteger dos raios solares, pois em regra são cortadas, com alguns dias de antecedência da antecedência da confecção;
· o tecido utilizado como forro ronda nos exercícios inspeccionados 40%.
· os mostruários utilizados, os tecidos utilizados nos ensaios, os artigos devolvidos pelos clientes, os tecidos inutilizados os defeituosos, ao tecidos que em armazém apanham humidade e traças, são vendidos como desperdícios;
· a metragem das peças de tecido indicadas nas etiquetas dos fornecedores sofre uma perda de 3% a em média no comprimento da peça;
· no exercício de 1994 a empresa foi alvo de dois roubos às instalações, do qual foram subtraídos grande quantidade de metros de tecidos e, também, houve um roubo de peças numa carrinha.
· nas vendas à Falope e Julian Sabroso Ocaiía a sociedade Brioso utilizou tecidos próprios.

- Manuel Ricardo Dias Lourenço (fls. 589) referiu que todos os metros de tecido inutilizados ou defeituosos, e bem assim as peças defeituosas e ou devolvidas, são facturadas em Kgs. sob a designação de desperdícios; Nas contas do relatório do exame a escrita não foi incluída a soma das camisetes de 327,7 metros;
- João Casteleira Ferreira (fls. 594) referiu que comprou à firma Brioso, por diversas vezes, sob a designação de desperdícios, muitos tecidos defeituosos deteriorados pela humidade, artigos fabricados e não utilizados, restos de tecidos, bem como ensaios de confecção, tudo isto ao Kg;
- Ilídio Lopes (fls. 595) referiu que a pedido de clientes foram aplicados tecidos em golas e adornos em peças fabricadas. Que as viaturas que a empresa utiliza para o transporte da mercadoria são forradas com tecidos nos assentos e nos interiores. Sabe que se gasta muito tecido na cobertura das peças, para as proteger dos raios solares, pois em regra são cortadas, com alguns dias de antecedência da confecção.
O extenso relatório pericial veio, por um lado, confirmar, em parte, os depoimentos das testemunhas, e por outro, veio referir que o relatório dos Serviços de Inspecção não considerou que:
· foram confeccionadas peças com duas faces, nomeadamente parkas;
· no sentido de minimizar custos utilizam-se tecidos de restos de colecções e obsoletos em termos de moda para aplicação, em vez do forro habitual. Existem em stock peças com tais características;
· uma grande parte dos produtos fabricados, possuem golas e adornos, tais como cintos, bolsos e outros, sendo utilizado na respectiva produção, tecido;
· as peças são cobertas com tecido para evitar a sua exposição ao sol;
· em casos muito pontuais as peças de tecido ficam inutilizadas por força da traça e da humidade;
· Quanto aos mostruários:
o na sua confecção consomem tecido e outras matérias subsidiárias; - é prática habitual no sector não se proceder à venda dos mostruários;
o nos exercícios económicos de 1994 e 1995 foram confeccionados 38 mostruários;
o são compostos por um conjunto de peças variável, que no caso em análise, se situa entre 39 e 135 peças de roupa diversa por cada um;
o a Impugnante consome tecidos nos ensaios das confecções;
o não teve em consideração os metros de tecido e peças que foram roubadas;
o não teve em consideração os desperdícios resultantes do desempenho normal da actividade;
o o valor o consumo de tecido utilizado nas camisetes, apesar de estar mencionado no quadro em causa com um valor de 327,70 metros.
* * *
Em causa no presente recurso está a sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra liquidações adicionais de IRC (e não de IVA, como, certamente por lapso, refere a Recorrente na conclusão 1ª) relativas aos exercícios de 1994 e 1995 e resultantes da determinação da respectiva matéria tributável por aplicação de métodos indirectos ou indiciários.
Para assim se decidir, julgou-se que apesar de a Administração Tributária (AT) ter fundamentado - tanto no plano formal, como no plano substancial - a decisão de recorrer aos métodos indiciários para a fixação do lucro tributável da impugnante, demonstrando a verificação de todos os pressupostos legais vinculativos que lhe permitem essa via indirecta de determinação da matéria tributável, a impugnante lograra demonstrar, como lhe competia, o manifesto excesso da matéria tributável quantificada.
Com efeito, segundo o teor da sentença recorrida, encontrando-se demonstrados os pressupostos para a tributação por métodos indiciários, passou a competir ao contribuinte o ónus de prova da ilegitimidade do acto - seja por erro nos pressupostos para a avaliação por tais métodos, seja por erro na quantificação da respectiva matéria colectável - alegando e demonstrando que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras pela AT ou que houve excesso manifesto na matéria quantificada, prova que a impugnante logrou fazer através da demonstração da materialidade fáctica vertida nas alíneas J) a U) do probatório, colhida através da prova testemunhal e pericial produzida nos autos.

Em sede de recurso, a Fazenda Pública volta a insistir na questão da legalidade do recurso aos métodos indiciários, alegando que se encontravam preenchidos todos os pressupostos para o recurso a tais métodos e justificado o critério aplicado, não tendo a impugnante logrado repor a presunção de credibilidade dos seus elementos contabilísticos e satisfazer o ónus que sobre ela impendia – cfr. matéria sintetizada nas conclusões A) a M) da alegação de recurso.
Todavia, dado que na sentença foi apreciada e decidida essa questão em termos favoráveis à Fazenda Pública, julgando-se verificados todos os pressupostos legais legitimadores da actuação da AT, decisão que não foi posta em causa pela impugnante (o qual não usou da faculdade prevista no art. 684º-A nº 1 do CPC de requerer ao tribunal de recurso a apreciação desse fundamento em que decaiu), não há que conhecer de tal matéria neste recurso, sabido que a recorrente não se encontra afectada objectivamente por essa parte do julgado e, por isso, não dispõe de legitimidade para a questionar ou dela recorrer (cfr. art. 680º do CPC).
E assim sendo, importa apenas conhecer da questão colocada nas restantes conclusões da alegação de recurso - N) a R) - e que se reconduz à primordial questão de saber se a impugnante, ora recorrida, logrou demonstrar o erro grave ou manifesto excesso da matéria tributável quantificada por métodos indiciários, ou se, como afirma a recorrente, ocorreu erro de julgamento na análise e decisão dessa questão.

Em primeiro lugar, cumpre salientar o acerto do julgado no que se refere ao regime do ónus de prova, pois, tal como aí é salientado, é à AT que compete demonstrar, fundamentadamente, que a contabilidade não merece confiança para que lhe seja possível recorrer a estimativas ou presunções na fixação da matéria tributável, e uma vez feita essa demonstração passa a caber ao contribuinte demonstrar, positivamente, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.
Todavia, e ao contrário do que se depreende do sentenciado, não basta ao contribuinte gerar fundada dúvida sobre a quantificação alcançada, já que face à natureza da quantificação com recurso a métodos indiciários não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita com base na declaração do contribuinte, razão por que não basta a este criar uma dúvida razoável, antes se lhe exigindo a prova positiva de que os elementos utilizados pela AT ou o método que ela utilizou são errados.
É que a possível incerteza da quantificação da matéria colectável mais não é do que a normal consequência do próprio método presuntivo ou indiciário de quantificação, que lhe é inerente uma vez que aquele método constitui a ultima ratio fiscal para apuramento de uma matéria colectável que, por culpa do contribuinte, não foi apurada através da forma normal, razão por que cabe àquele a quem o método é oposto (o contribuinte) o ónus de demonstrar que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização das mencionadas regras, que o critério utilizado é ostensivamente desadequado e/ou inadmissível, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.

Em suma, as dúvidas que subsistem no caso da quantificação do lucro tributável por métodos indiciários são as co-naturais ao próprio método indirecto de apuramento –onde o valor encontrado é sempre um valor provável, mais ou menos aproximado, mais ou menos rigoroso, e nunca um valor absolutamente certo (pois a certeza só se consegue através dos métodos directos de determinação do lucro tributável) – pelo que, caso esteja fundamentado o critério utilizado nessa quantificação, é sobre o contribuinte que recai o ónus de demonstrar o erro ou manifesto exagero dessa quantificação, não bastando que crie dúvida sobre elaSobre a questão, veja-se SALDANHA SANCHES inA Quantificação da Obrigação Tributária”, Cadernos de CTF (173), 1995, pág. 439 e segs., e o elucidativo Acórdão do STA proferido em 24/04/2002, no Recurso nº 26679..

Assim sendo, o contribuinte pode demonstrar, não só perante a AT (em qualquer altura do procedimento), como perante o Tribunal (no processo judicial impugnatório), que houve erro ou manifesto exagero na quantificação operada, através de prova consistente e persuasiva, que convença sobre a existência de erros ou inegáveis excessos na matéria tributável quantificada, evidenciando a ilegalidade invalidante da liquidação impugnada.

No caso vertente, julgou-se que a impugnante lograra provar esse excesso de quantificação em face da matéria que ficou vertida nas alíneas J) a U) do probatório, matéria extraída da prova testemunhal e pericial produzida e que foi valorada pelo Mmº Juiz nos termos que este deixou expostos para dar a conhecer a sua convicção quanto à análise e ponderação dos respectivos meios probatórios e fundamentação da respectiva decisão da matéria de facto.
Essa prova testemunhal e pericial, além de legalmente idónea para a prova dos factos em causa (sabido que a regra vigente no direito tributário é a da livre admissibilidade dos meios de prova - arts. 134º do CPT e 115º do CPPT), constitui meio suficiente para a demonstração da referida materialidade, tendo sido valorada pelo Mmº Juiz no âmbito dos seus poderes de livre apreciação da prova (posto que, nos termos do art. 655º nº 1 do CPC, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, decidindo o Juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto).
E a recorrente não contrariou essa prova quanto à credibilidade dos depoimentos prestados ou mérito da perícia efectuada, defendendo, antes, que os eventos que elas trazem a juízo tinham de ser provados através de elementos documentais evidenciados ou reflectidos na contabilidade. Todavia, e salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
É que não estando o apuramento da matéria tributável a ser efectuado directamente pela contabilidade (dada a desconfiança que ela suscitou à AT em face da diminuta rentabilidade fiscal que evidenciava e da discrepância entre os consumos contabilísticos de tecido e os consumos de produção declarados), mas antes por meio do cômputo do tecido que teria sido consumido pela impugnante na sua actividade produtiva (e que é superior ao consumo contabilístico, como salienta fiscalização), não pode pretender que a impugnante só possa servir-se de elementos contabilísticos ou dos consumos contabilísticos para demonstrar o erro nesse cálculo e quantificação, pois que a descredibilização da contabilidade tanto vale para a AT como para a impugnante.
Porque o apuramento da matéria tributável por métodos indirectos visa, ao menos tendencialmente, alcançar o rendimento real e efectivo, a sua determinação deve, nos termos da lei, basear-se em todos os elementos concretos adequados à situação, não se estabelecendo qualquer constrangimento ao modo de a AT os verificar e colher, antes se lhe impondo um esforço de aproximação com a realidade. E, do mesmo modo, a interessada pode demonstrar, através de todos os meios legais de prova admissíveis, o erro na quantificação efectuada, designadamente por inadequação dos elementos colhidos e considerados pela AT, não ficando restringida à matéria evidenciada pela sua contabilidade ou aos respectivos suportes documentais.
Neste contexto, e à míngua de qualquer pedido de reapreciação da matéria de facto à luz da prova testemunhal e pericial em que se estribou a convicção do julgador para dar como assente a factualidade vazada nas alíneas J) a U) do probatório, terá a mesma que dar-se por inatacável, não podendo este Tribunal de recurso tomar a iniciativa de a reapreciar, sabido que o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos concretos pontos questionados pela recorrente Razão por que esta, quando impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, tem de indicar, em concreto, quais os artigos da base instrutória que devem receber resposta diferente da que se fixou na 1ª instância e qual o teor da resposta que deve ser dada na instância de recurso, e indicar os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida e proceder à transcrição das partes dos depoimentos produzidos em sede de audiência de julgamento e que, em seu entender, permitem retirar essa diferente decisão diferente da acolhida pelo tribunal “a quo” quanto à matéria de facto.
, estando o seu poder de cognição limitado pelas conclusões da motivação do recorrente, as quais definem e balizam o objecto do recurso.

Ora, a materialidade vertida no quadro factual que nos é presente nessas alíneas do probatório evidencia que a avaliação que a AT efectuou para estimar as quantidades de tecido consumidas na produção (e desse modo obter o valor estimado da produção sonegada aos proveitos contabilizados) padece de indubitável erro, por desconsideração das seguintes comprovadas circunstâncias:
× nos exercícios em análise a impugnante confeccionou peças com duas faces, nomeadamente parkas;
× utilizava muitas vezes tecidos em vez do forro habitual;
× grande parte dos produtos fabricados possuem golas e adornos (tais como cintos, bolsos e outros) em cujo trabalho era utilizado tecido;
× as peças eram cobertas com tecido para evitar a sua exposição ao sol;
× em casos pontuais as peças de tecido ficaram inutilizadas por força da traça e da humidade;
× nos exercícios em análise foram confeccionados 38 mostruários compostos por um conjunto de peças variável, que no caso se situa entre 39 e 135 peças de roupa diversa por cada um;
× na confecção dos mostruários era consumido tecido e outras matérias subsidiárias;
× é prática habitual não se proceder à venda dos mostruários;
× a impugnante consome tecidos nos ensaios das confecções;
× no ano de 1994 a impugnante foi alvo de dois furtos de tecidos e peças;
× na actividade normal da impugnante ocorrem desperdícios.

Na verdade, os motivos para a aplicação de métodos indiciários e para a respectiva quantificação com recurso à metodologia prevista no art. 52º do CIRC provém, em síntese, do facto a AT ter constatado que apesar de a contabilidade da impugnante não conter erros graves ou inexactidões que permitissem concluir pela omissão de proveitos, ela suscitava dúvidas e desconfianças face à diminuta rentabilidade fiscal nos exercícios examinados, à evolução negativa dessa rentabilidade e à discrepância entre os consumos contabilísticos de tecido e os consumos de produção declarados. O que a levou a conferir o seu volume de negócios através de um controle à respectiva produção, com vista a apurar se os valores contabilizados correspondiam aos valores efectivos e reais. Mas porque não conseguiu efectuar esse controle através dos elementos da contabilidade (dada a falta de alguns elementos, como ordens de corte, fichas de controlo da produção diária e guias de transporte), optou por determinar essa produção através da estimativa do consumo de tecido no fabrico de peças, operação que lhe permitiu concluir pela existência de tecido em falta (37.663,17 metros em 1994 e 13.054,4 metros em 1995), o qual, concluiu, teria sido utilizado em serviços e vendas omitidas à contabilidade e quantificadas, por essa via, em 141.137.080$00 em 1994 e 45.072.666$00 em 1995.
Porém, neste raciocínio lógico-dedutivo que a AT levou a cabo para chegar à conclusão sobre a omissão de proveitos, não foram tidas em conta as circunstâncias enunciadas nas citadas alíneas J) a U), que explicam a aplicação e consumo de parte do tecido considerado em falta – pelo seu aproveitamento em golas, cintos, bolsos, adornos, etc., em forros e na confecção de peças de duas faces e na confecção de mostruários – bem como explicam inutilização de uma parte de tecido por virtude da sua perda por força da humidade, da traça, da sua utilização como coberta, de dois furtos, de quebras e perdas ocorridas durante os ensaios das confecções e produção, e pela natural existência de desperdícios que não foram minimamente considerados e quantificados.
Ora, a desconsideração dessas circunstâncias acarreta necessariamente uma falha em toda a cadeia lógico-dedutiva, a inquinar a validade do resultado apurado, pois que só com base em factos indiciários comprovadamente apropriados ao caso concreto e por meio de uma cadeia sem falhas, é possível chegar a um resultado válido no silogismo, que é sempre a determinação do valor tributável por meio de métodos indiciários, onde precisamente o valor tributável só é uma conclusão silogística legítima se tiver sido apurado de modo formal e substancialmente correcto.
Isto é, a impugnante logrou demonstrar, através da enunciada prova testemunhal e pericial, aquilo que já alegara em sede de Comissão de Revisão e que aí não fora atendido face à fragilidade da prova documental então apresentada. Com efeito, na reclamação que apresentara ao abrigo do art. 84º do CPT a impugnante alegara que o tecido que a AT considerara em falta (e que esteve na base da sua conclusão sobre a omissão de vendas e do apuramento do seu estimado valor), havia sido efectivamente utilizado no fabrico das peças facturadas - como seja no fabrico de modelos de 2 peças (gabardinas, casacões), na aplicação em forros, em golas e adornos, na sua utilização para forrar veículos, na cobertura de peças cortadas e no fabrico de mostruários. Assim como alegara que nem todos os metros de tecido comprados haviam sido transformados em peças, dada a existência de tecidos com defeito que não haviam sido devolvidas, de tecido sujeito a traça, humidade, etc., do seu estrago no corte e outros desperdícios, de os mostruários não serem vendidos, de existirem roubos, e de frequentemente os metros adquiridos serem inferiores aos reais, circunstancialismo este que a AT não considerara minimamente.
E como logo se deixou dito no laudo apresentado pelo vogal da FP junto da Comissão de Revisão, esse era um dos argumentos mais significativos apresentados pela contribuinte para justificar as divergências encontradas pela AT no consumo obtido através da produção declarada, argumento que não foi atendido por virtude de a contribuinte não ter apresentado documentos ou registos contabilísticos que comprovassem a alegada aplicação/consumo de tecido e os desperdícios. Ora, o facto de não ser possível apurar essa matéria através dos registos contabilísticos ou de outros elementos documentais constantes da escrita, não impede nem impossibilita a interessada de servir-se, no processo judicial impugnatório, de outros meios de prova para demonstrar a ocorrência de situações que tenham acontecido e condicionado a sua actividade e produção, justificando total ou parcialmente as divergências detectadas e a anormalidade dos valores quantificados pela AT.
Tendo presente que a conclusão sobre a omissão de proveitos e a respectiva quantificação teve por base a estimativa do tecido consumido, a qual permitiu à AT concluir pela existência de tecido em falta que teria sido utilizado em bens e serviços omitidos à contabilidade (e por essa via quantificados), impõe-se rematar que a injustificada desconsideração de todos aqueles factores é susceptível de influir no resultado obtido, em desfavor da impugnante, pois que se tivessem sido considerados, seguramente os valores apurados seriam substancialmente diversos, isto é, manifesta e claramente inferiores, o que necessariamente afecta a quantificação final alcançada pela AT, tornando-a errada, por excessiva.
O que significa que a liquidação impugnada sofre de ilegalidade, por violação das regras de determinação da matéria tributável, a implicar a total anulação das liquidações e a confirmação da sentença que nesse sentido decidiu.
* * *
Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença impugnada.
Sem custas.
Porto, 25 de Janeiro de 2007
Dulce Manuel Neto
Aníbal Ferraz
Moisés Rodrigues