Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00452/11.3BEVIS (AVEIRO)
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/20/2013
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Descritores:SALAS DE JOGO
CAIXA COMPRADORA - CAIXA VENDEDORA
ARTS. 64.º E 118.º DA LEI JOGO - DL N.º 422/89
INFRAÇÃO AO VALOR EM COFRE FIXADA PARA A CAIXA COMPRADORA
PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ, DA CELERIDADE, DA IGUALDADE, DA PROPORCIONALIDADE, DA JUSTIÇA E DA IMPARCIALIDADE
Sumário:I. A atividade de jogo de fortuna e de azar exige e mostra-se sujeita uma especial tutela de fiscalização e de intervenção por parte do Estado já que, pelo facto de envolver transferências vultuosas e imediatas, com correspetivos ganhos e perdas, se impõe acautelar e refrear intentos possíveis de comportamentos ilícitos, bem como prevenir situações de grande prejuízo moral e social.
II. Nessa medida, os diplomas que se veem produzindo neste domínio comportam e trazem um claro e sempre presente aporte publicístico, o qual marca, desde logo, os próprios termos dos contratos de concessão e, a seguir, a disciplina da sua própria execução e do seu desenvolvimento, mormente, quanto aos limites de frequência, às regras dos jogos e daqueles que trabalham ou operam nos locais onde os mesmos se praticam, já para não falar nos poderes de fiscalização, de organização e controlo, mormente, das salas de jogo.
III. Extrai-se do n.º 3 do art. 64.º da Lei do Jogo a “caixa compradora” deverá estar dotada e ter em cofre no início de cada sessão de jogo um fundo de maneio de valor certo que se reputa como adequado às necessidades diárias de cada casino.
IV. Com tal regime visa-se assegurar que o fundo de maneio da “caixa compradora” existente responda, num juízo de normalidade, face a todos os possíveis ganhos dos jogadores pelo que o mesmo deve corresponder a um valor global mínimo correspondente à soma do capital em giro inicial das bancas sem que exista um limite máximo legal para tal fundo.
V. A determinação e fixação do valor daquele fundo de maneio mostra-se enquanto competência legalmente conferida ao atual Serviço de Inspeção de Jogos, sendo que uma vez fixado tal valor para uma sessão ou partida de jogo o mesmo considera-se tacitamente fixado para as situações subsequentes até à constatação ou previsão de novas circunstâncias que suscitem a necessidade da sua alteração.
VI. A expressão “salas de jogos” utilizada no n.º 1 do art. 64.º da referida Lei do Jogo reporta-se ou terá de englobar todas as salas onde se procede à prática do jogo, sejam elas “salas de jogos tradicionais”, sejam “salas de máquinas automáticas”, sejam ainda “salas mistas” nas quais se praticam ambas as modalidades de jogos.
VII. Impondo no n.º 3 do art. 64.º da referida Lei a observância pela concessionária da existência de determinada importância em cofre da “caixa compradora” duma qualquer sala de jogos e que a mesma verba, aliás, carece de ser fixada e autorizada pelo atual Serviço de Inspeção de Jogos, então, não será legítimo, nem legal, que mesma concessionária do jogo, sem a necessária autorização daquele organismo, não cumpra tal obrigação legal, não detendo em cofre da “caixa compradora” daquela sala de jogos a verba superiormente fixada e apenas disponha de verba inferior.*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Turismo de Portugal, IP
Recorrido 1:S... - Sociedade de Investimentos Turísticos da CV, SA.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
“TURISMO DE PORTUGAL, IP”, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Aveiro, datada de 25.10.2012, proferida na ação administrativa especial que, julgando procedente a ação administrativa especial contra o mesmo movida por “S… - Sociedade de Investimentos Turísticos da C.V...., SA”, igualmente identificada nos autos, anulou o ato impugnado [deliberação proferida pela Comissão de Jogos n.º 51/2011/CJ, de 17.05.2011, que aplicou à A. a multa no montante de 1.500,00 €], com fundamento na violação do disposto no n.º 3 do art. 64.º e dos n.ºs 1 e 2 do art. 118.º ambos do DL n.º 422/89, de 02.12.
Formula o R., aqui recorrente, nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem [cfr. fls. 101 e segs. - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário]:
...
1) Mal andou o Tribunal a quo ao julgar a presente ação administrativa especial procedente, tendo, em consequência, anulado a deliberação impugnada, com base na convicção criada de que o invocado n.º 3, do artigo 64.º do DL n.º 422/89, de 2 de dezembro se refere, unicamente, à caixa compradora, sendo que, no caso em apreço, os factos descritos são atinentes à caixa privativa da sala mista. Mal andou o Tribunal a quo ao julgar a presente ação administrativa especial procedente, tendo, em consequência, anulado a deliberação impugnada, com base na convicção criada de que o invocado n.º 3, do artigo 64.º do DL n.º 422/89, de 2 de dezembro se refere, unicamente, à caixa compradora, sendo que, no caso em apreço, os factos descritos são atinentes à caixa privativa da sala mista.
2) Ora, é evidente o engano em que incorre o douto julgador a quo ao distinguir - sem que a lei o faça -, nos termos e para os efeitos de gestão da contabilidade e controlo dos movimentos e operações de compra e troca de dinheiro nos casinos, as caixas compradoras das caixas privativas das salas de jogos, em contradição com a letra da lei com o espírito do legislador, ínsito no citado diploma legal;
3) Porquanto, da análise interpretativa do normativo invocado resulta que a referência à obrigatoriedade de as caixas compradoras terem de «ter sempre em cofre» o fundo de maneio determinado pela Inspeção-Geral de Jogos quer tão apenas significar que essas caixas terão sempre de ter disponível, nos respetivos fundos de maneio, os montantes superiormente determinados para o efeito;
4) Sendo que, nos termos e para os efeitos pretendidos pelo legislador no n.º 3, do artigo 64.º do DL n.º 422/89, de 2/12, é absolutamente irrelevante a localização do «cofre» das caixas compradoras, podendo o respetivo fundo de maneio pertencer a dotação própria da caixa ou constar de caixa privativa centralizada, como sucede nas salas de máquinas automáticas;
5) Com efeito, aquilo que uma interpretação literal - e não só - do disposto no n.º 3, do artigo 64.º do DL n.º 422/89, de 02/12 nos diz é que a caixa compradora «deve ter sempre em cofre», ou seja, deve ter sempre disponível o fundo de maneio determinado superiormente, independentemente do respetivo cofre ser próprio ou centralizado;
6) Face ao supra exposto e perante a factualidade acima enunciada, não restam quaisquer dúvidas acerca do incumprimento, por parte da Recorrida, do preceituado no artigo 64.º da Lei do Jogo, por força da colocação de parte do fundo de maneio da caixa privativa da sala mista no cofre-forte do Casino de V..., sem a necessária autorização da Inspeção-Geral de Jogos, impedindo, assim, que no início da sessão, as respetivas caixas compradoras «tivessem em cofre» as dotações que lhes foram atribuídas pela Inspeção-Geral de Jogos;
7) Não obstante, e ainda que assim não se entendesse, sempre o entendimento perpetrado pelo Tribunal a quo se reputaria de equívoco, porquanto, da factualidade elencada supra resulta que, a par da transferência realizada de valores da caixa privativa da sala mista do Casino de V..., também a Recorrida procedeu à transferência, não autorizada, de valores constantes da dotação própria de caixas vendedoras e compradoras;
8) Donde, manifesta se torna a conclusão de que mal andou o Tribunal a quo ao defender a inaplicabilidade do disposto no artigo 64.º, n.º 3 à situação sub judice, com fundamento de que os factos descritos são atinentes, em exclusivo, à caixa privativa da sala mista do Casino de V...;
9) Atento tudo o que vimos de expor, impõe-se concluir que a decisão ora recorrida, por ter desprezado, em absoluto, os factos apurados nos autos com relevo para a decisão da causa e, assim, ter perpetrado uma errada subsunção dos mesmos ao normativo aplicável, padece de um flagrante erro de julgamento, impondo-se, como tal, a sua revogação, em ordem à reposição da legalidade e justiça que o caso exige ...”.
A A., ora recorrida, notificada apresentou contra-alegações [cfr. fls. 122 e segs.], tendo concluído que:

I. Ao contrário do afirmado pela Recorrente, a leitura do artigo 64.º n.º 1 da Lei de Jogo, impõe a conclusão que a sua previsão refere-se à caixa compradora da sala de jogos, pelo que os factos reportados à caixa privativa da sala mista, situada na zona de máquinas automáticas - caixa essa que não se destina à troca de fichas - estão fora do seu âmbito de aplicação.
II. Portanto, face à matéria de facto provada, atenta a ausência de impugnação, dir-se-á que nada à censurar à douta sentença recorrida, ao perfilhar o entendimento que, «(…) Face à leitura da norma supra transcrita constitui entendimento do Tribunal assistir razão à A.. Com efeito e tendo presente que o n.º 3 do art. 64.º - que constituiu fundamento da deliberação impugnada - se refere à importância que a caixa compradora deve ter em cofre, no início de cada sessão, no caso em apreço os factos descritos são atinentes à caixa privativa da sala mista, padecendo a deliberação posta em crise do invocado vício de violação de lei».
III. De igual modo, uma vez que estamos perante matéria sancionatória, o erro de julgamento imputado à douta sentença só pode improceder, porquanto a «interpretação atualística» pretendida carece de fundamento.
IV. Sem conceder, as circunstâncias, concretas, da prática da alegada infração, são inequívocas quanto à ausência de culpa da Recorrida, demonstrando ao invés, que a Recorrente e os seus agentes pautaram a sua atuação por procedimentos passíveis de violar os princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade [cfr. arts. 5.º e 6.º do CPA].
V. Com efeito, conforme parece decorrer do ponto 5 do Parecer, que constitui o fundamento da deliberação impugnada, a alegada infração prende-se com o facto da Recorrida, apesar de ter informado que pretendia adotar um determinado procedimento, não ter aguardado autorização para o efeito.
VI. Todavia, os factos que segundo a Recorrente constituem infração, foram verificados após tal comunicação, o que afasta qualquer juízo de censurabilidade, acrescendo que, posteriormente, após uma tentativa de assalto, a Recorrente acabou por dar razão aos receios da Recorrida, aceitando a sua pretensão, sem estabelecer quaisquer condições adicionais …”.
O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA não emitiu qualquer pronúncia [cfr. fls. 136 e segs.].
Colhidos os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que, pese embora por um lado, o objeto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos arts. 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 05.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 e 639.º do CPC/2013 [na redação introduzida pela Lei n.º 41/013, de 26.06 - cfr. arts. 05.º e 07.º, n.º 1 daquele diploma -, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC] [anteriores arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 todos do CPC - na redação introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24.08] “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem” em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto ainda que a declare nula decide “o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito” reunidos que se mostrem no caso os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.
As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida ao julgar totalmente procedente a pretensão deduzida pela A. incorreu ou não em erro de julgamento por enfermar de violação do disposto, nomeadamente, nos arts. 64.º, n.º 3 e 118.º ambos do DL n.º 422/89, de 02.12 [vulgo Lei do Jogo] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Para a análise do litígio em discussão resultou como assente na decisão judicial recorrida o seguinte quadro factual:
I) No dia 01.11.2010 foi elaborado por inspetores do R. “auto de notícia”, do qual se extrai o seguinte:
... que no dia 1 de novembro (…) constatamos que, após ter sido dado cumprimento aos procedimentos informáticos considerados adequados para se dar início a um balanço aos fundos e valores das caixas da Sala de Máquinas, verificou-se, ao iniciar-se o referido balanço, que o fundo de maneio da caixa vendedora 01, das 3 caixas DVCO1, 02 e 03 e ainda o fundo de maneio do caixa privativo não refletiam os valores fornecidos pela aplicação informática que reproduz o sistema oficial de contabilidade do jogo, nos termos indicados nos anexos dos balanços que fazem parte integrante do presente auto. (…) Apesar de haver uma comunicação por parte da S...., S.A., dada através da Carta AD/189/10, de 22.10, na qual era indicada a pretensão de transferir, por razões de segurança, para o caixa forte do casino, situado no piso -1, parte do fundo de maneio em numerário afeto, quer aos Jogos Tradicionais, quer às Máquinas Automáticas, a verdade é que sem autorização do Serviço de Inspeção de Jogos, a empresa concessionária de jogo desafetou deliberada e conscientemente parte do numerário dos caixas das salas de jogos, que o balanço ao caixa privativo indicou ser hoje de 117.500,00 € …”.
II) No dia 28.11.2010 foi elaborada “Nota de responsabilização” da qual se extrai o seguinte:
18.º
Ao deslocar da Caixa Privativa para uma caixa forte sita na área administrativa do casino a quantia em numerário de 117.500 euros pertença do fundo de maneio da caixa privativo, sem a devida autorização do Serviço de Inspeção de Jogos, a «S...., S.A.», praticou uma infração administrativa prevista pelas disposições conjugadas do n.º 3 do art. 64.º e dos n.ºs 1 e 2 do art. 118.º, e punida com multa até 2.992,79 euros, nos termos do n.º 2 do art. 130.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de janeiro ... - cfr. fls. 29/34 do «P.A.» que se dão por reproduzidas.
III) A A. apresentou resposta à referida nota de responsabilização - cfr. fls. 36/47 do P.A. que se dão por reproduzidas.
IV) No dia 18.01.2009 foi elaborado “relatório” do qual se extrai o seguinte:

VI - FACTOS PROVADOS
1. Das diligências efetuadas, dos documentos juntos, da nota de responsabilização e das alegações de defesa, e dos depoimentos obtidos, resulta provada toda a matéria da Nota de Responsabilização que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
VII - DISPOSIÇÕES LEGAIS INFRINGIDAS
1. Os factos considerados provados, a transferência pela «S... - Sociedade de Investimentos Turísticos da C.V..., S.A.», da caixa privativa para uma caixa-forte sita na área administrativa do casino, da quantia de 117.500 euros, pertença do fundo de maneio da caixa privativa, sem a devida autorização do Serviço de Inspeção de Jogos, consubstancia uma infração administrativa prevista pelas disposições conjugadas do n.º 3 do art. 64.º e dos n.ºs 1 e 2 do art. 118.º, e punida com multa até 2.992,79 euros, nos termos do n.º 2 do art. 130.º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de janeiro, convertidos para euros nos termos do art. único do Decreto-Lei n.º 126/2002, de 16 de maio.
X - PROPOSTA
Tudo visto e ponderado, tendo em conta a gravidade da infração, as circunstâncias da sua prática e a dimensão económica da empresa, proponho que a multa aplicada à «S... - Sociedade de Investimentos Turísticos da C.V..., S.A.», seja graduada sensivelmente em metade da medida máxima aplicável, no valor de 1.500 (mil e quinhentos euros) … - cfr. fls. 55/60 do «P.A.» que se dão por reproduzidas.
V) Foi elaborado pelo Diretor de Serviços de Inspeção de Jogos, em 19.04.2011, parecer n.º 40/2011, no qual é proposto que a ora A. seja sancionada com a multa de 1.500,00 € - cfr. fls. 66 a 71 do «P.A.» que se dão por reproduzidas.
VI) No dia 17.05.2011, a Comissão de Jogos do R., proferiu deliberação - 51/2011/CJ - com o seguinte teor:

1. Concordando com o Parecer n.º 40/2011, de 19 de abril, do Diretor de Serviço de Inspeção de Jogos, que se junta em anexo e se dá aqui por reproduzido para todos os devidos efeitos legais;
2. No processo não existem exceções, questões prévias ou incidentais, nulidades ou irregularidades de que cumpra conhecer;
3. Assim, com os fundamentos de facto e de direito constantes do mencionado parecer, designadamente a circunstância de, na partida de 1 de novembro de 2010, aquando da realização de um balanço, o caixa privativo da sala de máquinas do Casino de V... não ter os valores que estavam determinados e constavam da aplicação informática que controla a contabilidade do jogo, encontrando-se em falta a quantia de € 117.500,00 importância esta que havia sido transferida pela empresa concessionária para fora da sala de jogo, para uma caixa forte sita na área administrativa daquele casino, sem que para tal fosse autorizada pelo Serviço de Inspeção de Jogos;
A Comissão delibera aplicar à empresa concessionária S... - SOCIEDADE DE INVESTIMENTOS TURÍSTICOS DA C.V...., S.A., a multa no montante de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) …” [deliberação impugnada] - cfr. fls. 65 do «P.A.».
«»
3.2. DE DIREITO
Considerada a factualidade supra fixada importa, então, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.
ð
3.2.1. DA DECISÃO JUDICIAL RECORRIDA
O TAF de Aveiro em apreciação da pretensão formulada pela aqui recorrida veio a considerar enfermar o ato impugnado da ilegalidade que lhe foi assacada julgando procedente a ação e, assim, anulando aquele ato.
ð
3.2.2. DA TESE DO RECORRENTE
Contra tal julgamento e face aos termos das alegações e respetivas conclusões se insurge o R. no que tange ao juízo de procedência efetuado sustentando que, no caso, o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento traduzido na ilegal interpretação e aplicação do disposto nos arts. 64.º, n.º 3 e 118.º ambos da referida Lei do Jogo.
ð
3.2.3. DO MÉRITO DO RECURSO

I. Avançando para o conhecimento de mérito da pretensão impugnatória que se nos mostra dirigida importa, desde já, convocar o quadro normativo tido por relevante, mormente, o posto em evidência pelo recorrente e pelo mesmo tido como infringido pela decisão judicial recorrida.
II. Assim, estipula-se no art. 32.º do DL n.º 422/89 [na redação dada pelo DL n.º 10/95, de 19.01 - regime esse aplicável e que disciplina a situação jurídica e o procedimento em questão] que os “… jogos de fortuna ou azar são explorados em salas especialmente concebidas para a respetiva prática e atividades inerentes …” (n.º 1), sendo que a “… Inspeção-Geral de Jogos poderá autorizar: a) A existência de salas reservadas a determinados jogos e jogadores; b) A instalação de salas mistas, com jogos tradicionais e máquinas, em termos a definir, no tocante ao tipo de jogos a praticar e à relação entre o número de máquinas e de mesas de jogo a instalar, em regulamento daquela Inspeção; c) A instalação de máquinas nas salas de jogos tradicionais …” (n.º 2)
III. Deriva, por seu turno, do n.º 1 do art. 61.º do mesmo DL, sob a epígrafe de «caixa vendedora», que a “… troca do dinheiro por fichas deve efetuar-se em caixa a esse fim destinada - caixa vendedora -, por intermédio de ficheiros volantes, dotados de um valor em fichas previamente fixado pelo diretor do serviço de jogos e comunicado ao serviço de inspeção, ou nas mesas de jogo, com observância, neste último caso, de regulamento a aprovar, para o efeito, pela Inspeção-Geral de Jogos...”, resultando do seu art. 64.º, este com a epígrafe «caixa compradora», que nas “… salas de jogos haverá uma caixa compradora de fichas, destinada à troca por dinheiro das fichas na posse dos jogadores, das que hajam sido por estes dadas, a título de gratificação, aos empregados das mesmas salas e daquelas que se destinarem à assistência...” (n.º 1) sendo que tal caixa “… deve ter sempre em cofre, no início de cada sessão, a importância que for determinada pela Inspeção-Geral de Jogos, ouvidas as concessionárias e tendo em conta o movimento dos casinos...” (n.º 3) na certeza de que a “… Inspeção-Geral de Jogos pode autorizar que parte da importância referida no número anterior se encontre em depósito bancário imediatamente mobilizável...” (n.º 4).
IV. Decorre, por sua vez, do art. 65.º, sob a epígrafe de «caixa única», que a “… Inspeção-Geral de Jogos pode autorizar que as operações previstas para as caixas compradora e vendedora sejam feitas numa única caixa quando as condições das salas de jogos o permitam sem inconvenientes...”, estipulando-se, ainda, no n.º 1 do art. 118.º que o “… incumprimento pelas concessionárias, ainda que sem culpa, das obrigações legal e contratualmente estabelecidas constitui infração administrativa, punida com multa e rescisão do contrato, nos termos dos artigos seguintes…”.
V. Munidos do quadro normativo antecedente, em parte reproduzido, impõe-se que sejam tecidos alguns considerandos de enquadramento destinados ao ajuizamento da questão em litígio.
VI. Assim, importa ter presente que a atividade de jogo de fortuna e de azar exige e se mostra sujeita uma especial tutela de fiscalização e de intervenção por parte do Estado já que pelo facto de envolver transferências vultuosas e imediatas, com correspetivos ganhos e perdas, se impõe acautelar e refrear intentos possíveis de comportamentos ilícitos, bem como prevenir situações de grande prejuízo moral e social.
VII. Nessa medida, os diplomas que se veem produzindo neste domínio comportam e trazem um claro e sempre presente aporte publicístico, o qual marca, desde logo, os próprios termos dos contratos de concessão e, a seguir, a disciplina da sua própria execução e do seu desenvolvimento, mormente, quanto aos limites de frequência, às regras dos jogos e daqueles que trabalham ou operam nos locais onde os mesmos se praticam, já para não falar nos poderes de fiscalização, de organização e controlo.
VIII. Aliás, são numerosas e inequívocas as regras legais donde se infere o cariz marcadamente público deste setor de atividade económica, regras essas que recaem quer sobre os próprios jogadores, quer sobre os empregados dos casinos e entidades concessionárias.
IX. Ora uma das áreas deste setor onde se revela a tal natureza pública é, claramente, a relativa às regras respeitantes aos requisitos e condições, mormente, físicos das instalações das salas de jogo, prevendo-se neste âmbito regras estritas quanto aos mesmos e procedimentos a desenvolver, com introdução de controlos e mecanismos públicos de vigilância/autorização, bem como com regras para o seu acesso, horários e circulação [cfr. v.g., os arts. 32.º, 33.º, 35.º, 36.º, 40.º, 41.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º todos da Lei do Jogo e o Regulamento n.º 2/2002, de 09.04 (relativo à autorização para instalação salas mistas nos casinos) emitido pela então Inspeção-Geral de Jogos (IGJ) - atual Serviço de Inspeção de Jogos].
X. Mas tal cariz publicístico não se fica por aí já que nos deparamos com regras em matéria de aquisição/troca de fichas jogo, sendo que em matéria dos valores/importâncias fixados para serem cumpridos/detidos em cofre pelos fundos de caixa [vendedora/compradora/única] encontramos idênticas preocupações e medidas tendentes a assegurar/garantir o controlo da regularidade e dos interesses do jogadores [mormente, quanto à liquidação dos seus créditos] e da solvabilidade da empresa concessionária de jogo [cfr. v.g., os arts. 53.º, 56.º, 57.º, 58.º, 59.º, 61.º, 64.º, 65.º todos da Lei do Jogo; Regulamento n.º 1/2002, de 09.04 (relativo à disciplina da troca de dinheiro por fichas) emitido pela então «IGJ»].
XI. Precisando alguns conceitos necessários e operativos para o dilucidar das questões em discussão temos que a “caixa compradora” será o local onde se troca por dinheiro as fichas na posse dos jogadores e se inutilizam cheques, através da entrega de fichas e/ou dinheiro; por sua vez a “caixa vendedora” constitui o local no qual se procede à troca de cheques ou de dinheiro, ainda que por processos automáticos [v.g., com recurso a cartão multibanco, a cartão visa ou outro] por fichas; já a “caixa única” será o local onde são levadas a cabo as operações passíveis de serem realizadas nas caixas compradora e vendedora; e, por fim, a “caixa privativa” constitui o local onde se encontra depositado o Fundo de Maneio da Sala Privativa de Máquinas Automáticas, fundo que será composto de fichas [onde as haja], dinheiro [notas/moedas] e cheques e que tem por finalidade abastecer todos os fundos distribuídos aos caixas fixos [compradores/vendedores] e volantes [cfr. Januário Pinheiro in: “Lei do Jogo - Anotada e Comentada”, 2006, pág. 592].
XII. Existem ou podem existir num casino salas de jogos tradicionais [v.g., salas reservadas aos jogos tradicionais de casino como roleta francesa/americana, banca francesa, bacarás, black-jack, póquer sem descarte/sintético], salas privativas de máquinas e salas mistas.
XIII. Tal como se extrai do supra reproduzido n.º 3 do art. 64.º da Lei do Jogo a “caixa compradora” deverá estar dotada e ter em cofre no início de cada sessão de jogo um fundo de maneio de valor certo que se reputa como adequado às necessidades diárias de cada casino.
XIV. Com tal regime visa-se assegurar que o fundo de maneio da “caixa compradora” existente responda, num juízo de normalidade, face a todos os possíveis ganhos dos jogadores pelo que o mesmo deve corresponder a um valor global mínimo correspondente à soma do capital em giro inicial das bancas sem que exista um limite máximo legal para tal fundo.
XV. A determinação e fixação do valor daquele fundo de maneio mostra-se enquanto competência legalmente conferida ao atual Serviço de Inspeção de Jogos, sendo que uma vez fixado tal valor para uma sessão ou partida de jogo o mesmo considera-se “tacitamente fixado para as situações subsequentes até à constatação ou previsão de novas circunstâncias que suscitem a necessidade da sua alteração” [cfr. Vasco António Vilares Roque in: “Lei do Jogo e seus Regulamentos - Anotada e Comentada”, 2011, págs. 538/539].
XVI. Frise-se, por outro lado, que “… o valor em dinheiro em existência no cofre da caixa compradora deverá ser sempre de valor amplamente suficiente para garantir, com toda a margem de segurança, as necessidades correntes do casino, sem que seja posto em causa o seu regular funcionamento, nomeadamente, os pagamentos a que haja de proceder-se em consequência direta da prática dos jogos em exploração …” [cfr. Vasco António Vilares Roque in: ob. cit., pág. 539].
VII. Importa, ainda, ter presente que a “caixa compradora” constitui o departamento de apoio ao jogo propriamente dito sendo a mesma quem é detentora do referido fundo de maneio [em dinheiro e demais meios de pagamento que o representam].
XVIII. Tal como afirma Vasco A. Vilares Roque a“caixa vendedora e a caixa compradora são estruturas de apoio ao jogo que desenvolvem funções complementares e recíprocas. Pela caixa vendedora saem as fichas a utilizar na prática do jogo, cujo valor facial corresponde ao valor da moeda nacional com curso legal, e pela caixa compradora regressam as fichas que são apresentadas para troca pelo seu valor em dinheiro, na mesma moeda. (…) Porém, a entrada de dinheiro por um lado e a de fichas por outro, não tem de apresentar valores precisamente coincidentes. A diferença entre ambas é indicativa de um resultado positivo ou negativo de exploração, conforme seja maior o valor entrado em dinheiro ou em fichas respetivamente. (…) Nos termos expostos, que constituem a estrutura basilar da contabilidade do jogo, enquanto a caixa vendedora possui um fundo constituído, exclusivamente, por fichas de jogo, de valor correspondente ao seu valor facial, a caixa compradora possui um fundo em dinheiro, essencialmente constituído por moeda com curso legal” [in: ob. cit., pág. 541].
XIX. Refere ainda este mesmo Autor que a “… separação física das caixas vendedora e compradora começou por constituir a regra. Hoje, porém, essa separação física não é prosseguida na generalidade dos casinos, por não se reconhecer necessidade imperiosa de a manter ou se verificar a existência de inconvenientes impeditivos do seu afastamento como regra. A sua separação mantém-se, porém, no âmbito das operações realizadas, por obedecerem a uma conceção estrutural da contabilidade especial do jogo, que não pode, nesses precisos termos, ser tecnicamente ignorada. Por isso, apenas é possível afastar, nos termos excecionais do artigo em análise - (art. 65.º) - a sua separação física, unificando-as, mantendo contudo a sua separação nos termos das operações contabilísticas que desenvolvem. (…) Embora sem qualquer relação de reciprocidade ou contabilidade entre si, ambas as «caixas» (vendedora e a compradora) mantêm uma permanente relação de conta-corrente e mais propriamente de crédito com a caixa privativa central, que se mantém e gere de uma forma estruturalmente separada e independente. Ambas as caixas regularizam a sua conta corrente com a caixa privativa central no final de cada partida de jogo, restituindo-lhe os valores contabilizáveis que detenham em sua posse …. (…) a expressão «caixa única» é utilizada … para efeitos de autorização da sua instituição excecional …, devendo ser interpretada no sentido restrito ao espaço físico, já que no aspeto contabilístico a separação não é de afastar enquanto se mantiver separada a sua estrutura de base (plasmada na contabilidade especial de jogo …), quer nos termos em que é aplicada aos jogos tradicionais, quer naqueles em que é aplicada aos jogos em máquinas eletrónicas - «slot machines» …” [in: ob. cit., págs. 541/543].
XX. Cientes dos considerandos de enquadramento acabados de expender e que se mostram úteis à análise da questão sob apreciação importa, então, aferir do acerto do julgado recorrido.
XXI. E avançando o nosso juízo entendemos que o julgado não poderá manter-se.
XXII. Com efeito, afigura-se-nos incorreta a interpretação e aplicação que se mostra feita do art. 64.º, n.º 3 da Lei do Jogo por parte da decisão judicial recorrida porquanto tal normativo não permite, nem autoriza, uma leitura redutora e limitada a ponto de o mesmo ser aplicado única e exclusivamente à caixa compradora da sala de jogos e não o ser à caixa privativa da sala mista.
XXIII. É que uma tal interpretação põe em questão o que acima se afirmou em termos da necessária relação/interligação entre a caixa compradora e a caixa privativa central, a dependência imposta e exigida entre as duas caixas que terá de existir também numa sala mista de jogo, na certeza de que, no nosso entendimento, a expressão “salas de jogos” utilizada no n.º 1 do art. 64.º da referida Lei se reporta ou terá de englobar todas as salas onde se procede à prática do jogo, sejam elas “salas de jogos tradicionais”, sejam “salas de máquinas automáticas”, sejam ainda “salas mistas” nas quais se praticam ambas as modalidades de jogos.
XXIV. As exigências e razões que presidem à instituição do regime legal com as caraterísticas e particularidades próprias já atrás enunciadas e evidenciadas valem para todo o tipo de “salas de jogos”, pelo que a observância das obrigações que se mostram impostas pelo n.º 3 do art. 64.º do diploma em referência terão que ser cumpridas integralmente também para as denominadas “salas mistas” de jogos sob pena de naqueles espaços de jogo não estarem ou não ficarem asseguradas as garantias e interesses que se visam assegurar com um tal regime, presente também que mesmo numa “sala mista” terá que existir uma “caixa compradora” com as decorrências e imposições legais que tal acarreta.
XXV. Na linha da interpretação firmada na decisão judicial recorrida um casino que apenas possuísse ou funcionasse com/em “salas mistas” não estaria obrigado ou não teria que cumprir as obrigações decorrentes do n.º 3 do art. 64.º da Lei do Jogo.
XXVI. Ora não se afigura um tal entendimento como sendo de aceitar e de sufragar, tanto mais que, como vimos, a imposição legal da existência do valor/importância em dinheiro no cofre da caixa compradora nos termos rigorosos que se mostram definidos/autorizados pela então Inspeção-Geral de Jogos, atual Serviço de Inspeção de Jogos, se prendem com a obrigação de garantir, com toda a margem de segurança, as necessidades correntes do casino, sem que seja posto em causa o seu normal e regular funcionamento, nomeadamente, nos pagamentos a que haja de proceder-se em consequência direta da prática dos jogos em exploração.
XXVII. Daí que impondo o normativo a observância pela concessionária da existência de determinada importância em cofre da “caixa compradora” duma qualquer sala de jogos e que a mesma verba, aliás, carece de ser fixada e autorizada pelo atual Serviço de Inspeção de Jogos, então, não será legítimo, nem legal, que mesma concessionária do jogo, sem a necessária autorização daquele organismo, não cumpra tal obrigação legal, não detendo em cofre da “caixa compradora” daquela sala de jogos a verba superiormente fixada e apenas disponha de verba inferior.
XXVIII. Nessa medida, não padece o ato impugnado da ilegalidade que lhe foi assacada pela A., aqui recorrida, termos em que não havendo assim concluído a decisão judicial recorrida não poderá a mesma manter-se, pelo que se impõe a sua revogação.
XXIX. Invocou a A. ainda, enquanto outros fundamentos de ilegalidade, que o ato impugnado violaria os princípios da boa-fé e da celeridade [arts. 06.º-A e 10.º do CPA], bem como, também, os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade [arts. 05.º e 06.º do CPA], fundamentos estes que importa passar ao seu conhecimento nos termos do art. 149.º do CPTA.
XXX. E para concluir que não se afigura minimamente procedente uma tal alegação.
XXXI. Da realidade fáctica alegada e apurada inexiste qualquer lastro que corporize ou possa assentar um tal juízo de ilegalidade à luz dos princípios gerais de direito invocados.
XXXII. Avançando no juízo motivacional temos por certo que o princípio da boa-fé, enquanto princípio geral que serve de pilar fundacional do nosso ordenamento jurídico, se mostra operante com relação aos atos jurídicos bem como com os direitos que se exercitam e as obrigações que se cumprem, sendo que o mesmo passa, fundamentalmente, pela emissão dum juízo de valor aplicado a uma conduta quando confrontada com um determinado comportamento anterior, na certeza de que a boa-fé incorpora o valor ético da confiança.
XXXIII. Em termos sintéticos podemos afirmar que a Administração viola a boa-fé quando falta à confiança que despertou num particular ao atuar em desconformidade com aquilo que fazia antever o seu comportamento anterior, sendo que, enquanto princípio geral de direito, a boa-fé significa “… que qualquer pessoa deve ter um comportamento correto, leal e sem reservas, quando entra em relação com outros pessoas …” [cfr. M. Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco Amorim in: “Código do Procedimento Administrativo”, 2.ª edição, pág. 10].
XXXIV. Também Fausto Quadros sustenta neste quadro que “… a Administração Pública está obrigada a obedecer à bona fides nas relações com os particulares. Mais: ela deve mesmo dar, também aí, o exemplo aos particulares da observância da boa-fé, em todas as suas várias manifestações, como núcleo essencial do seu comportamento ético. Sem isso nunca se poderá afirmar que o Estado (e com ele outras entidades públicas) é pessoa de bem. E a manutenção, na opinião pública de um Estado Democrático, da consciência de que o Estado é pessoa de bem, em lugar de se transformar no modelo de pessoa sem escrúpulos no cumprimento da lei e dos princípios meta-jurídicos que o regem, ou sem normas éticas e irresponsável no seu comportamento quotidiano, é condição sine qua non da própria credibilidade das instituições públicas …” [em: “O concurso público na formação do contrato administrativo” in: Revista Ordem dos Advogados, 1987, pág. 725].
XXXV. Delimitado e enquadrado que se mostra o princípio tido por infringido temos como insubsistente este fundamento.
XXXVI. Na verdade, a alegação factual e prova carreada para os autos não são de molde a perspetivar-se ou apurar-se uma qualquer infração do princípio geral de direito em crise não se descortinando em que medida a atuação e decisão, seus termos, suas circunstâncias espácio-temporais, envolvam, face à esfera jurídica da A., uma qualquer atuação incorreta, desleal, de má-fé, por contrária àquilo que seriam ou deveriam ser os ditames da boa-fé na condução dos procedimentos e na emissão dos atos ou desenvolvimento de condutas pela Administração, na certeza de que não se vislumbra uma qualquer atuação da parte do R. que legitimasse o estabelecimento duma relação de confiança da parte da A. e que, assim, impusesse ou reclamasse um diverso posicionamento por parte do ente demandado.
XXXVII. E o mesmo importa concluir quanto ao princípio da celeridade não se descortinando em que medida o ato impugnado, sancionando uma falta cometida pela A., se possa ou tenha traduzido num comportamento ou atuação contrário aquele princípio e às exigências pelo mesmo impostas no quadro dos princípios definidos pelo art. 10.º do CPA.
XXXVIII. Também se têm como insubsistentes as alegadas violações dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade [arts. 05.º e 06.º do CPA], já que em momento algum a A. alegou e demonstrou que o ato impugnado se tenha traduzido ou corporize uma atuação não isenta, objetiva, neutral, independente, sem favoritismos nem privilégios de qualquer espécie. Para além duma alegação manifestamente conclusiva duma pretensa violação dos aludidos princípios inexiste, com efeito, um suporte factual que permita concluir pela emissão duma decisão punitiva injusta, desigualitária, desproporcionada e parcial, tanto mais que a conduta unilateral da A. sancionada pelo ato impugnado se prende com infração ao cumprimento daquilo que eram seus deveres legais decorrentes do art. 64.º, n.º 3 da Lei do Jogo visto a mesma haver atuado sem para o efeito tal atuação haver sido previamente autorizada pela entidade competente, no que se traduziu numa conduta desenvolvida sem cobertura e autorização legal.
XXXIX. Tanto basta para julgarmos insubsistentes e improcedentes tais fundamentos de ilegalidade, o que importa declarar com todas as legais consequências.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) Conceder total provimento ao recurso jurisdicional “sub judice” e, consequentemente, revogar a decisão judicial recorrida;
B) Julgar a presente ação administrativa especial totalmente improcedente e, em consequência, absolver o R. do pedido.
Custas em ambas as instâncias a cargo da A./recorrida, sendo que na fixação da taxa de justiça, não revelando os autos especial complexidade, se atenderá ao valor decorrente das secções A) e B) da tabela I anexa ao Regulamento Custas Processuais (doravante RCP) [cfr. arts. 527.º, 529.º, 530.º, 531.º e 533.º do CPC/2013 (anteriores arts. 446.º, 447.º, 447.º-A, 447.º-D, do CPC/07), 04.º “a contrario”, 06.º, 12.º, n.º 2, 25.º e 26.º todos do RCP - tendo em consideração as alterações introduzidas ao referido RCP -, 189.º do CPTA].
Valor para efeitos tributários: 1.500,00 € [cfr. fls. 75/77 e art. 12.º, n.º 2 do RCP].
Notifique-se. D.N..
Restituam-se, oportunamente, os suportes informáticos que hajam sido gentilmente disponibilizados.
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator [cfr. art. 131.º, n.º 5 do CPC/2013 “ex vi” art. 01.º do CPTA].
Porto, 20 de dezembro de 2013
Ass.: Carlos Carvalho
Ass.: Paula Portela
Ass.: Maria do Céu Neves